Comportamento Adolescente e Educação

Suicídio é a terceira causa de morte entre jovens. Veja o que dizem especialistas


Por Carolina Delboni
Atualização:

Alerta: o texto abaixo trata de temas como transtornos mentais. Se você está passando por problemas, veja ao final dele onde buscar ajuda.

Suicídio é a terceira causa de morte entre adolescentes e jovens no Brasil, segundo dados da Fiocruz. Mas por quê? O que acontece com essa geração e como podemos ajuda-los? Especialistas esclarecem dúvidas.

"Na minha geração é comum tentar se matar. Eu tenho amigos que já tentaram. Isso é não é estranho pra gente", me disse um adolescente de 16 anos enquanto conversávamos sobre um acontecimento numa festa. A frase, que eu escutei em março, ressoa constantemente na minha cabeça. Como pode uma geração de adolescentes "normalizar" o suicídio? Por que naturalizamos o que não é natural? Ou como pode uma geração de adolescentes ter o suicídio como saída dos problemas da vida? O que será que eles não estão dando conta? Onde estamos falhando como pais e educadores?

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As perguntas sempre são muitas quando o assunto é suicídio. Buscar respostas, buscar compreensão de algo que parece incompreensível parece nos dar uma chance de respiro. Mas o tema exige aprofundamento, cuidado e responsabilidade. É preciso falar sobre ele para que mais pessoas possam conhecer as causas e possam oferecer apoio a adolescentes e jovens que estão por perto.

Os números têm crescido e a Fiocruz identificou um aumento de 6% no suicídio de adolescentes e jovens entre 2011 e 2022. É a terceira causa de morte no Brasil. De fato, temos uma geração exposta a elevadas tentativas de suicídio e aumento das práticas de autolesão. Para a psicóloga e Dra. em Saúde Mental, Karen Scavacini, do instituto Vita Alere, a suposta normalização expressa na frase do adolescente pode estar relacionada à exposição constante a violência e ao sofrimento coletivo, o que influenciam a percepção deles frente ao suicídio.

"O suicídio é multifatorial em todos os casos. Essa questão mais social, a violência, o impacto de uma comunicação ou de gatilhos que esse adolescente pode ter, é parte desses multifatores que vão ser sociais, culturais, econômicos, psicológicos, psiquiátricos, tecnológicos e situacionais," elenca.

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Ela acrescenta que, quando você está muito exposto a violência, ao sofrimento coletivo, pode ocorrer o que chamamos de dessensibilização em relação ao sofrimento, que significa perder pessoas, perder vidas.

"A própria normalização do suicídio, em alguns casos, pode ser a romantização do suicídio como saída para essa violência. Quanto mais os jovens são expostos a cenas de tragédia, seja em seu ambiente, na mídia, ou no conteúdo que consomem, isso vai trazendo a sensação de que essas questões são comuns, e isso pode diminuir a percepção do valor da vida", observa Scavacini.

Além disso, pode também dar a sensação de que ninguém se importa com aquela dor, com aquelas vidas perdidas, o que pode aumentar a sensação de injustiça e a ideia de que a vida não é valorizada.

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Segundo dados da Fiocruz, suicídio é a terceira causa de morte na adolescência  Foto: Adobe Stock

Alguns números. Conforme o artigo publicado pela Fiocruz em fevereiro deste ano, a taxa de suicídio entre jovens cresceu 6% ao ano no Brasil entre 2011 e 2022.

Já as taxas de notificações por autolesões na faixa etária de 10 a 24 aumentaram 29% a cada ano nesse mesmo período. O número foi maior que na população em geral, cuja taxa de suicídio teve crescimento médio de 3,7% ao ano e a de autolesão 21% ao ano, neste mesmo período.

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Esses resultados foram encontrados na análise de um conjunto de quase 1 milhão de dados, divulgados em um estudo recém-publicado na The Lancet Regional Health - Américas, desenvolvido pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em colaboração com pesquisadores de Harvard.

Segundo a especialista do Vita Alere, a racionalização da violência também afeta a saúde mental dos jovens. Quando a violência é percebida como aceitável ou inevitável, os adolescentes podem ver o suicídio e a autolesão como respostas ao desespero. "Quando você normaliza o comportamento agressivo e dessensibiliza o sofrimento, isso pode aumentar tentativas de suicídio e autolesão", explica Scavacini.

O Centro de Valorização da Vida (CVV) recebe milhões de ligações por ano no Brasil, indicando a alta demanda por suporte emocional. Só em 2021, o CVV registrou mais de 3 milhões de atendimentos via telefone, chat, e-mail e presencialmente.

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A violência como expressão emocional e a vulnerabilidade dos jovens

Outra questão, diz respeito a maneira como o suicídio é noticiado ou percebido. Para Karen, o aumento de casos podem ser influenciados, especialmente entre jovens que já estão vulneráveis, por perdas de amigos ou parentes por suicídio.

"Outro ponto importante é que os meninos são frequentemente incentivados a se comunicar através da violência, e não pela emoção. Nossa socialização e cultura ainda veem a demonstração de vulnerabilidade como fraqueza, enquanto a agressividade é aceitável ou até esperada. Muitas vezes, a violência é dirigida para fora ou para dentro, e precisamos de muitas mudanças culturais, de justiça e de cuidado para alterar essa dinâmica", diz Scavacini.

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Para reverter essa naturalização do suicídio entre adolescentes, é fundamental promover uma abordagem que comece com a conscientização sobre a gravidade do problema e inclua ações preventivas. "Falar abertamente sobre saúde mental nas escolas é essencial, mas isso deve ser acompanhado por ações concretas que abordem as violências que ocorrem nesses ambientes", defende Scavacini.

"É preciso um conjunto de ações amplas, que vão desde a promoção de diálogos até intervenções práticas. A tríade da mudança, como gosto de chamar, inclui consciência do problema, competência para lidar com ele e diálogo aberto. Sem essas três dimensões, a mudança não acontece. Além disso, é importante o treinamento de professores, campanhas envolvendo pais e comunidades, e o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. É fundamental ter espaços de apoio e uma rede que inclua profissionais de saúde, educadores e a mídia, para que os jovens saibam que podem buscar ajuda em momentos de crise e que existem alternativas à violência", destaca a psicóloga.

Iniciativas importantes fazem a diferença

Projetos como Meninos Também Falam e o Espaço SER Casa Matheus Campos, além do curso para educadores Falar Ajuda são exemplos de como podemos avançar nesse campo, mas ainda há muito a ser feito. "É necessário preparar a comunidade para lidar com essas questões e disponibilizar locais de apoio, como o CVV (número 188), o Podefalar.org.br do Unicef e o Mapasaudemental.com.br", afirma Scavacini.

Por fim, Scavacini ressalta que estamos vendo um aumento nas taxas de suicídio entre adolescentes, em parte devido à impulsividade, ao sofrimento intenso e à falta de esperança em um futuro. "A violência e o sofrimento coletivo são apenas uma parte desse complexo universo que impacta a saúde mental dos jovens, e a falta de acesso a cuidados de saúde mental adequados agrava ainda mais o problema," conclui.

Há tempos, talvez em 2023, escrevi um texto onde dizia que precisávamos devolver aos jovens a possibilidade de futuro. É isso. Estamos diante de uma geração vulnerável emocionalmente, que tem poucas ferramentas para lidar com as emoções (porque tem tido menos possibilidades de experenciar a vida e daí aprender com ela), com baixas perspectivas de futuro e expostos às violências mais complexas do mundo atual. O resultado tem se revelado de maneira catastrófica.

As taxas de suicídio subiram e é possível observar na convivência, no dia a dia com eles, o tamanho sofrimento frente à questões emocionais e até cotidianas da vida. Adolescentes precisam de mais afeto, gentileza e cuidado. Adolescentes precisam de amparo. De algo ou alguém que os proteja. E a gente precisa, urgentemente, começar a fazer nossa parte.

Reclamar menos da vida, cuidar das nossas questões emocionais, sorrir mais para os filhos, acolher as emoções, validá-las. E ajudá-los a construir meios de sustentação das alegrias e das tristezas da vida.

NOTA DA REDAÇÃO: Suicídios são um problema de saúde pública. Antes, o Estadão, assim como boa parte da mídia profissional, evitava publicar reportagens sobre o tema pelo receio de que isso servisse de incentivo. Mas, diante da alta de mortes e tentativas de suicídio nos últimos anos, inclusive de crianças e adolescentes, o Estadão passa a discutir mais o assunto. Segundo especialistas, é preciso colocar a pauta em debate, mas de modo cuidadoso, para auxiliar na prevenção. O trabalho jornalístico sobre suicídios pode oferecer esperança a pessoas em risco, assim como para suas famílias, além de reduzir estigmas e inspirar diálogos abertos e positivos. O Estadão segue as recomendações de manuais e especialistas ao relatar os casos e as explicações para o fenômeno.

Alerta: o texto abaixo trata de temas como transtornos mentais. Se você está passando por problemas, veja ao final dele onde buscar ajuda.

Suicídio é a terceira causa de morte entre adolescentes e jovens no Brasil, segundo dados da Fiocruz. Mas por quê? O que acontece com essa geração e como podemos ajuda-los? Especialistas esclarecem dúvidas.

"Na minha geração é comum tentar se matar. Eu tenho amigos que já tentaram. Isso é não é estranho pra gente", me disse um adolescente de 16 anos enquanto conversávamos sobre um acontecimento numa festa. A frase, que eu escutei em março, ressoa constantemente na minha cabeça. Como pode uma geração de adolescentes "normalizar" o suicídio? Por que naturalizamos o que não é natural? Ou como pode uma geração de adolescentes ter o suicídio como saída dos problemas da vida? O que será que eles não estão dando conta? Onde estamos falhando como pais e educadores?

As perguntas sempre são muitas quando o assunto é suicídio. Buscar respostas, buscar compreensão de algo que parece incompreensível parece nos dar uma chance de respiro. Mas o tema exige aprofundamento, cuidado e responsabilidade. É preciso falar sobre ele para que mais pessoas possam conhecer as causas e possam oferecer apoio a adolescentes e jovens que estão por perto.

Os números têm crescido e a Fiocruz identificou um aumento de 6% no suicídio de adolescentes e jovens entre 2011 e 2022. É a terceira causa de morte no Brasil. De fato, temos uma geração exposta a elevadas tentativas de suicídio e aumento das práticas de autolesão. Para a psicóloga e Dra. em Saúde Mental, Karen Scavacini, do instituto Vita Alere, a suposta normalização expressa na frase do adolescente pode estar relacionada à exposição constante a violência e ao sofrimento coletivo, o que influenciam a percepção deles frente ao suicídio.

"O suicídio é multifatorial em todos os casos. Essa questão mais social, a violência, o impacto de uma comunicação ou de gatilhos que esse adolescente pode ter, é parte desses multifatores que vão ser sociais, culturais, econômicos, psicológicos, psiquiátricos, tecnológicos e situacionais," elenca.

Ela acrescenta que, quando você está muito exposto a violência, ao sofrimento coletivo, pode ocorrer o que chamamos de dessensibilização em relação ao sofrimento, que significa perder pessoas, perder vidas.

"A própria normalização do suicídio, em alguns casos, pode ser a romantização do suicídio como saída para essa violência. Quanto mais os jovens são expostos a cenas de tragédia, seja em seu ambiente, na mídia, ou no conteúdo que consomem, isso vai trazendo a sensação de que essas questões são comuns, e isso pode diminuir a percepção do valor da vida", observa Scavacini.

Além disso, pode também dar a sensação de que ninguém se importa com aquela dor, com aquelas vidas perdidas, o que pode aumentar a sensação de injustiça e a ideia de que a vida não é valorizada.

Segundo dados da Fiocruz, suicídio é a terceira causa de morte na adolescência  Foto: Adobe Stock

Alguns números. Conforme o artigo publicado pela Fiocruz em fevereiro deste ano, a taxa de suicídio entre jovens cresceu 6% ao ano no Brasil entre 2011 e 2022.

Já as taxas de notificações por autolesões na faixa etária de 10 a 24 aumentaram 29% a cada ano nesse mesmo período. O número foi maior que na população em geral, cuja taxa de suicídio teve crescimento médio de 3,7% ao ano e a de autolesão 21% ao ano, neste mesmo período.

Esses resultados foram encontrados na análise de um conjunto de quase 1 milhão de dados, divulgados em um estudo recém-publicado na The Lancet Regional Health - Américas, desenvolvido pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em colaboração com pesquisadores de Harvard.

Segundo a especialista do Vita Alere, a racionalização da violência também afeta a saúde mental dos jovens. Quando a violência é percebida como aceitável ou inevitável, os adolescentes podem ver o suicídio e a autolesão como respostas ao desespero. "Quando você normaliza o comportamento agressivo e dessensibiliza o sofrimento, isso pode aumentar tentativas de suicídio e autolesão", explica Scavacini.

O Centro de Valorização da Vida (CVV) recebe milhões de ligações por ano no Brasil, indicando a alta demanda por suporte emocional. Só em 2021, o CVV registrou mais de 3 milhões de atendimentos via telefone, chat, e-mail e presencialmente.

A violência como expressão emocional e a vulnerabilidade dos jovens

Outra questão, diz respeito a maneira como o suicídio é noticiado ou percebido. Para Karen, o aumento de casos podem ser influenciados, especialmente entre jovens que já estão vulneráveis, por perdas de amigos ou parentes por suicídio.

"Outro ponto importante é que os meninos são frequentemente incentivados a se comunicar através da violência, e não pela emoção. Nossa socialização e cultura ainda veem a demonstração de vulnerabilidade como fraqueza, enquanto a agressividade é aceitável ou até esperada. Muitas vezes, a violência é dirigida para fora ou para dentro, e precisamos de muitas mudanças culturais, de justiça e de cuidado para alterar essa dinâmica", diz Scavacini.

Para reverter essa naturalização do suicídio entre adolescentes, é fundamental promover uma abordagem que comece com a conscientização sobre a gravidade do problema e inclua ações preventivas. "Falar abertamente sobre saúde mental nas escolas é essencial, mas isso deve ser acompanhado por ações concretas que abordem as violências que ocorrem nesses ambientes", defende Scavacini.

"É preciso um conjunto de ações amplas, que vão desde a promoção de diálogos até intervenções práticas. A tríade da mudança, como gosto de chamar, inclui consciência do problema, competência para lidar com ele e diálogo aberto. Sem essas três dimensões, a mudança não acontece. Além disso, é importante o treinamento de professores, campanhas envolvendo pais e comunidades, e o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. É fundamental ter espaços de apoio e uma rede que inclua profissionais de saúde, educadores e a mídia, para que os jovens saibam que podem buscar ajuda em momentos de crise e que existem alternativas à violência", destaca a psicóloga.

Iniciativas importantes fazem a diferença

Projetos como Meninos Também Falam e o Espaço SER Casa Matheus Campos, além do curso para educadores Falar Ajuda são exemplos de como podemos avançar nesse campo, mas ainda há muito a ser feito. "É necessário preparar a comunidade para lidar com essas questões e disponibilizar locais de apoio, como o CVV (número 188), o Podefalar.org.br do Unicef e o Mapasaudemental.com.br", afirma Scavacini.

Por fim, Scavacini ressalta que estamos vendo um aumento nas taxas de suicídio entre adolescentes, em parte devido à impulsividade, ao sofrimento intenso e à falta de esperança em um futuro. "A violência e o sofrimento coletivo são apenas uma parte desse complexo universo que impacta a saúde mental dos jovens, e a falta de acesso a cuidados de saúde mental adequados agrava ainda mais o problema," conclui.

Há tempos, talvez em 2023, escrevi um texto onde dizia que precisávamos devolver aos jovens a possibilidade de futuro. É isso. Estamos diante de uma geração vulnerável emocionalmente, que tem poucas ferramentas para lidar com as emoções (porque tem tido menos possibilidades de experenciar a vida e daí aprender com ela), com baixas perspectivas de futuro e expostos às violências mais complexas do mundo atual. O resultado tem se revelado de maneira catastrófica.

As taxas de suicídio subiram e é possível observar na convivência, no dia a dia com eles, o tamanho sofrimento frente à questões emocionais e até cotidianas da vida. Adolescentes precisam de mais afeto, gentileza e cuidado. Adolescentes precisam de amparo. De algo ou alguém que os proteja. E a gente precisa, urgentemente, começar a fazer nossa parte.

Reclamar menos da vida, cuidar das nossas questões emocionais, sorrir mais para os filhos, acolher as emoções, validá-las. E ajudá-los a construir meios de sustentação das alegrias e das tristezas da vida.

NOTA DA REDAÇÃO: Suicídios são um problema de saúde pública. Antes, o Estadão, assim como boa parte da mídia profissional, evitava publicar reportagens sobre o tema pelo receio de que isso servisse de incentivo. Mas, diante da alta de mortes e tentativas de suicídio nos últimos anos, inclusive de crianças e adolescentes, o Estadão passa a discutir mais o assunto. Segundo especialistas, é preciso colocar a pauta em debate, mas de modo cuidadoso, para auxiliar na prevenção. O trabalho jornalístico sobre suicídios pode oferecer esperança a pessoas em risco, assim como para suas famílias, além de reduzir estigmas e inspirar diálogos abertos e positivos. O Estadão segue as recomendações de manuais e especialistas ao relatar os casos e as explicações para o fenômeno.

Alerta: o texto abaixo trata de temas como transtornos mentais. Se você está passando por problemas, veja ao final dele onde buscar ajuda.

Suicídio é a terceira causa de morte entre adolescentes e jovens no Brasil, segundo dados da Fiocruz. Mas por quê? O que acontece com essa geração e como podemos ajuda-los? Especialistas esclarecem dúvidas.

"Na minha geração é comum tentar se matar. Eu tenho amigos que já tentaram. Isso é não é estranho pra gente", me disse um adolescente de 16 anos enquanto conversávamos sobre um acontecimento numa festa. A frase, que eu escutei em março, ressoa constantemente na minha cabeça. Como pode uma geração de adolescentes "normalizar" o suicídio? Por que naturalizamos o que não é natural? Ou como pode uma geração de adolescentes ter o suicídio como saída dos problemas da vida? O que será que eles não estão dando conta? Onde estamos falhando como pais e educadores?

As perguntas sempre são muitas quando o assunto é suicídio. Buscar respostas, buscar compreensão de algo que parece incompreensível parece nos dar uma chance de respiro. Mas o tema exige aprofundamento, cuidado e responsabilidade. É preciso falar sobre ele para que mais pessoas possam conhecer as causas e possam oferecer apoio a adolescentes e jovens que estão por perto.

Os números têm crescido e a Fiocruz identificou um aumento de 6% no suicídio de adolescentes e jovens entre 2011 e 2022. É a terceira causa de morte no Brasil. De fato, temos uma geração exposta a elevadas tentativas de suicídio e aumento das práticas de autolesão. Para a psicóloga e Dra. em Saúde Mental, Karen Scavacini, do instituto Vita Alere, a suposta normalização expressa na frase do adolescente pode estar relacionada à exposição constante a violência e ao sofrimento coletivo, o que influenciam a percepção deles frente ao suicídio.

"O suicídio é multifatorial em todos os casos. Essa questão mais social, a violência, o impacto de uma comunicação ou de gatilhos que esse adolescente pode ter, é parte desses multifatores que vão ser sociais, culturais, econômicos, psicológicos, psiquiátricos, tecnológicos e situacionais," elenca.

Ela acrescenta que, quando você está muito exposto a violência, ao sofrimento coletivo, pode ocorrer o que chamamos de dessensibilização em relação ao sofrimento, que significa perder pessoas, perder vidas.

"A própria normalização do suicídio, em alguns casos, pode ser a romantização do suicídio como saída para essa violência. Quanto mais os jovens são expostos a cenas de tragédia, seja em seu ambiente, na mídia, ou no conteúdo que consomem, isso vai trazendo a sensação de que essas questões são comuns, e isso pode diminuir a percepção do valor da vida", observa Scavacini.

Além disso, pode também dar a sensação de que ninguém se importa com aquela dor, com aquelas vidas perdidas, o que pode aumentar a sensação de injustiça e a ideia de que a vida não é valorizada.

Segundo dados da Fiocruz, suicídio é a terceira causa de morte na adolescência  Foto: Adobe Stock

Alguns números. Conforme o artigo publicado pela Fiocruz em fevereiro deste ano, a taxa de suicídio entre jovens cresceu 6% ao ano no Brasil entre 2011 e 2022.

Já as taxas de notificações por autolesões na faixa etária de 10 a 24 aumentaram 29% a cada ano nesse mesmo período. O número foi maior que na população em geral, cuja taxa de suicídio teve crescimento médio de 3,7% ao ano e a de autolesão 21% ao ano, neste mesmo período.

Esses resultados foram encontrados na análise de um conjunto de quase 1 milhão de dados, divulgados em um estudo recém-publicado na The Lancet Regional Health - Américas, desenvolvido pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em colaboração com pesquisadores de Harvard.

Segundo a especialista do Vita Alere, a racionalização da violência também afeta a saúde mental dos jovens. Quando a violência é percebida como aceitável ou inevitável, os adolescentes podem ver o suicídio e a autolesão como respostas ao desespero. "Quando você normaliza o comportamento agressivo e dessensibiliza o sofrimento, isso pode aumentar tentativas de suicídio e autolesão", explica Scavacini.

O Centro de Valorização da Vida (CVV) recebe milhões de ligações por ano no Brasil, indicando a alta demanda por suporte emocional. Só em 2021, o CVV registrou mais de 3 milhões de atendimentos via telefone, chat, e-mail e presencialmente.

A violência como expressão emocional e a vulnerabilidade dos jovens

Outra questão, diz respeito a maneira como o suicídio é noticiado ou percebido. Para Karen, o aumento de casos podem ser influenciados, especialmente entre jovens que já estão vulneráveis, por perdas de amigos ou parentes por suicídio.

"Outro ponto importante é que os meninos são frequentemente incentivados a se comunicar através da violência, e não pela emoção. Nossa socialização e cultura ainda veem a demonstração de vulnerabilidade como fraqueza, enquanto a agressividade é aceitável ou até esperada. Muitas vezes, a violência é dirigida para fora ou para dentro, e precisamos de muitas mudanças culturais, de justiça e de cuidado para alterar essa dinâmica", diz Scavacini.

Para reverter essa naturalização do suicídio entre adolescentes, é fundamental promover uma abordagem que comece com a conscientização sobre a gravidade do problema e inclua ações preventivas. "Falar abertamente sobre saúde mental nas escolas é essencial, mas isso deve ser acompanhado por ações concretas que abordem as violências que ocorrem nesses ambientes", defende Scavacini.

"É preciso um conjunto de ações amplas, que vão desde a promoção de diálogos até intervenções práticas. A tríade da mudança, como gosto de chamar, inclui consciência do problema, competência para lidar com ele e diálogo aberto. Sem essas três dimensões, a mudança não acontece. Além disso, é importante o treinamento de professores, campanhas envolvendo pais e comunidades, e o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. É fundamental ter espaços de apoio e uma rede que inclua profissionais de saúde, educadores e a mídia, para que os jovens saibam que podem buscar ajuda em momentos de crise e que existem alternativas à violência", destaca a psicóloga.

Iniciativas importantes fazem a diferença

Projetos como Meninos Também Falam e o Espaço SER Casa Matheus Campos, além do curso para educadores Falar Ajuda são exemplos de como podemos avançar nesse campo, mas ainda há muito a ser feito. "É necessário preparar a comunidade para lidar com essas questões e disponibilizar locais de apoio, como o CVV (número 188), o Podefalar.org.br do Unicef e o Mapasaudemental.com.br", afirma Scavacini.

Por fim, Scavacini ressalta que estamos vendo um aumento nas taxas de suicídio entre adolescentes, em parte devido à impulsividade, ao sofrimento intenso e à falta de esperança em um futuro. "A violência e o sofrimento coletivo são apenas uma parte desse complexo universo que impacta a saúde mental dos jovens, e a falta de acesso a cuidados de saúde mental adequados agrava ainda mais o problema," conclui.

Há tempos, talvez em 2023, escrevi um texto onde dizia que precisávamos devolver aos jovens a possibilidade de futuro. É isso. Estamos diante de uma geração vulnerável emocionalmente, que tem poucas ferramentas para lidar com as emoções (porque tem tido menos possibilidades de experenciar a vida e daí aprender com ela), com baixas perspectivas de futuro e expostos às violências mais complexas do mundo atual. O resultado tem se revelado de maneira catastrófica.

As taxas de suicídio subiram e é possível observar na convivência, no dia a dia com eles, o tamanho sofrimento frente à questões emocionais e até cotidianas da vida. Adolescentes precisam de mais afeto, gentileza e cuidado. Adolescentes precisam de amparo. De algo ou alguém que os proteja. E a gente precisa, urgentemente, começar a fazer nossa parte.

Reclamar menos da vida, cuidar das nossas questões emocionais, sorrir mais para os filhos, acolher as emoções, validá-las. E ajudá-los a construir meios de sustentação das alegrias e das tristezas da vida.

NOTA DA REDAÇÃO: Suicídios são um problema de saúde pública. Antes, o Estadão, assim como boa parte da mídia profissional, evitava publicar reportagens sobre o tema pelo receio de que isso servisse de incentivo. Mas, diante da alta de mortes e tentativas de suicídio nos últimos anos, inclusive de crianças e adolescentes, o Estadão passa a discutir mais o assunto. Segundo especialistas, é preciso colocar a pauta em debate, mas de modo cuidadoso, para auxiliar na prevenção. O trabalho jornalístico sobre suicídios pode oferecer esperança a pessoas em risco, assim como para suas famílias, além de reduzir estigmas e inspirar diálogos abertos e positivos. O Estadão segue as recomendações de manuais e especialistas ao relatar os casos e as explicações para o fenômeno.

Alerta: o texto abaixo trata de temas como transtornos mentais. Se você está passando por problemas, veja ao final dele onde buscar ajuda.

Suicídio é a terceira causa de morte entre adolescentes e jovens no Brasil, segundo dados da Fiocruz. Mas por quê? O que acontece com essa geração e como podemos ajuda-los? Especialistas esclarecem dúvidas.

"Na minha geração é comum tentar se matar. Eu tenho amigos que já tentaram. Isso é não é estranho pra gente", me disse um adolescente de 16 anos enquanto conversávamos sobre um acontecimento numa festa. A frase, que eu escutei em março, ressoa constantemente na minha cabeça. Como pode uma geração de adolescentes "normalizar" o suicídio? Por que naturalizamos o que não é natural? Ou como pode uma geração de adolescentes ter o suicídio como saída dos problemas da vida? O que será que eles não estão dando conta? Onde estamos falhando como pais e educadores?

As perguntas sempre são muitas quando o assunto é suicídio. Buscar respostas, buscar compreensão de algo que parece incompreensível parece nos dar uma chance de respiro. Mas o tema exige aprofundamento, cuidado e responsabilidade. É preciso falar sobre ele para que mais pessoas possam conhecer as causas e possam oferecer apoio a adolescentes e jovens que estão por perto.

Os números têm crescido e a Fiocruz identificou um aumento de 6% no suicídio de adolescentes e jovens entre 2011 e 2022. É a terceira causa de morte no Brasil. De fato, temos uma geração exposta a elevadas tentativas de suicídio e aumento das práticas de autolesão. Para a psicóloga e Dra. em Saúde Mental, Karen Scavacini, do instituto Vita Alere, a suposta normalização expressa na frase do adolescente pode estar relacionada à exposição constante a violência e ao sofrimento coletivo, o que influenciam a percepção deles frente ao suicídio.

"O suicídio é multifatorial em todos os casos. Essa questão mais social, a violência, o impacto de uma comunicação ou de gatilhos que esse adolescente pode ter, é parte desses multifatores que vão ser sociais, culturais, econômicos, psicológicos, psiquiátricos, tecnológicos e situacionais," elenca.

Ela acrescenta que, quando você está muito exposto a violência, ao sofrimento coletivo, pode ocorrer o que chamamos de dessensibilização em relação ao sofrimento, que significa perder pessoas, perder vidas.

"A própria normalização do suicídio, em alguns casos, pode ser a romantização do suicídio como saída para essa violência. Quanto mais os jovens são expostos a cenas de tragédia, seja em seu ambiente, na mídia, ou no conteúdo que consomem, isso vai trazendo a sensação de que essas questões são comuns, e isso pode diminuir a percepção do valor da vida", observa Scavacini.

Além disso, pode também dar a sensação de que ninguém se importa com aquela dor, com aquelas vidas perdidas, o que pode aumentar a sensação de injustiça e a ideia de que a vida não é valorizada.

Segundo dados da Fiocruz, suicídio é a terceira causa de morte na adolescência  Foto: Adobe Stock

Alguns números. Conforme o artigo publicado pela Fiocruz em fevereiro deste ano, a taxa de suicídio entre jovens cresceu 6% ao ano no Brasil entre 2011 e 2022.

Já as taxas de notificações por autolesões na faixa etária de 10 a 24 aumentaram 29% a cada ano nesse mesmo período. O número foi maior que na população em geral, cuja taxa de suicídio teve crescimento médio de 3,7% ao ano e a de autolesão 21% ao ano, neste mesmo período.

Esses resultados foram encontrados na análise de um conjunto de quase 1 milhão de dados, divulgados em um estudo recém-publicado na The Lancet Regional Health - Américas, desenvolvido pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em colaboração com pesquisadores de Harvard.

Segundo a especialista do Vita Alere, a racionalização da violência também afeta a saúde mental dos jovens. Quando a violência é percebida como aceitável ou inevitável, os adolescentes podem ver o suicídio e a autolesão como respostas ao desespero. "Quando você normaliza o comportamento agressivo e dessensibiliza o sofrimento, isso pode aumentar tentativas de suicídio e autolesão", explica Scavacini.

O Centro de Valorização da Vida (CVV) recebe milhões de ligações por ano no Brasil, indicando a alta demanda por suporte emocional. Só em 2021, o CVV registrou mais de 3 milhões de atendimentos via telefone, chat, e-mail e presencialmente.

A violência como expressão emocional e a vulnerabilidade dos jovens

Outra questão, diz respeito a maneira como o suicídio é noticiado ou percebido. Para Karen, o aumento de casos podem ser influenciados, especialmente entre jovens que já estão vulneráveis, por perdas de amigos ou parentes por suicídio.

"Outro ponto importante é que os meninos são frequentemente incentivados a se comunicar através da violência, e não pela emoção. Nossa socialização e cultura ainda veem a demonstração de vulnerabilidade como fraqueza, enquanto a agressividade é aceitável ou até esperada. Muitas vezes, a violência é dirigida para fora ou para dentro, e precisamos de muitas mudanças culturais, de justiça e de cuidado para alterar essa dinâmica", diz Scavacini.

Para reverter essa naturalização do suicídio entre adolescentes, é fundamental promover uma abordagem que comece com a conscientização sobre a gravidade do problema e inclua ações preventivas. "Falar abertamente sobre saúde mental nas escolas é essencial, mas isso deve ser acompanhado por ações concretas que abordem as violências que ocorrem nesses ambientes", defende Scavacini.

"É preciso um conjunto de ações amplas, que vão desde a promoção de diálogos até intervenções práticas. A tríade da mudança, como gosto de chamar, inclui consciência do problema, competência para lidar com ele e diálogo aberto. Sem essas três dimensões, a mudança não acontece. Além disso, é importante o treinamento de professores, campanhas envolvendo pais e comunidades, e o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. É fundamental ter espaços de apoio e uma rede que inclua profissionais de saúde, educadores e a mídia, para que os jovens saibam que podem buscar ajuda em momentos de crise e que existem alternativas à violência", destaca a psicóloga.

Iniciativas importantes fazem a diferença

Projetos como Meninos Também Falam e o Espaço SER Casa Matheus Campos, além do curso para educadores Falar Ajuda são exemplos de como podemos avançar nesse campo, mas ainda há muito a ser feito. "É necessário preparar a comunidade para lidar com essas questões e disponibilizar locais de apoio, como o CVV (número 188), o Podefalar.org.br do Unicef e o Mapasaudemental.com.br", afirma Scavacini.

Por fim, Scavacini ressalta que estamos vendo um aumento nas taxas de suicídio entre adolescentes, em parte devido à impulsividade, ao sofrimento intenso e à falta de esperança em um futuro. "A violência e o sofrimento coletivo são apenas uma parte desse complexo universo que impacta a saúde mental dos jovens, e a falta de acesso a cuidados de saúde mental adequados agrava ainda mais o problema," conclui.

Há tempos, talvez em 2023, escrevi um texto onde dizia que precisávamos devolver aos jovens a possibilidade de futuro. É isso. Estamos diante de uma geração vulnerável emocionalmente, que tem poucas ferramentas para lidar com as emoções (porque tem tido menos possibilidades de experenciar a vida e daí aprender com ela), com baixas perspectivas de futuro e expostos às violências mais complexas do mundo atual. O resultado tem se revelado de maneira catastrófica.

As taxas de suicídio subiram e é possível observar na convivência, no dia a dia com eles, o tamanho sofrimento frente à questões emocionais e até cotidianas da vida. Adolescentes precisam de mais afeto, gentileza e cuidado. Adolescentes precisam de amparo. De algo ou alguém que os proteja. E a gente precisa, urgentemente, começar a fazer nossa parte.

Reclamar menos da vida, cuidar das nossas questões emocionais, sorrir mais para os filhos, acolher as emoções, validá-las. E ajudá-los a construir meios de sustentação das alegrias e das tristezas da vida.

NOTA DA REDAÇÃO: Suicídios são um problema de saúde pública. Antes, o Estadão, assim como boa parte da mídia profissional, evitava publicar reportagens sobre o tema pelo receio de que isso servisse de incentivo. Mas, diante da alta de mortes e tentativas de suicídio nos últimos anos, inclusive de crianças e adolescentes, o Estadão passa a discutir mais o assunto. Segundo especialistas, é preciso colocar a pauta em debate, mas de modo cuidadoso, para auxiliar na prevenção. O trabalho jornalístico sobre suicídios pode oferecer esperança a pessoas em risco, assim como para suas famílias, além de reduzir estigmas e inspirar diálogos abertos e positivos. O Estadão segue as recomendações de manuais e especialistas ao relatar os casos e as explicações para o fenômeno.

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