86% das mulheres brasileiras consideram ter muita carga de responsabilidade. Quase nenhuma delas têm o direito ao descanso. Condição social, machismo, pressão, culpa, são inúmeros os fatores que impedem as mulheres de descansar. Mas eu me dei esse direito.
Eu sou um ser cansado. Desde que tive filhos nunca mais fui só eu, Carolina, e nunca mais usei meu cérebro apenas a meu favor. Parece óbvio, certo? Certo. Agora viva com este "óbvio" e saberás o quanto ele é bom e também ruim. O fato é que acoplei o adjetivo "cansada" à minha pessoa. Vivo, assim como muitas mulheres que também são mães, o estado de esgotamento permanente - mesmo com todo privilégio que me cabe.
Sou um daqueles dados de pesquisa que saem na mídia: "86% das mulheres consideram ter muita carga de responsabilidade", aponta pesquisa feita pela ONG Think Olga. Viro, no mínimo, seis chavinhas diárias no meu cérebro. Não sou uma daquelas pessoas que sai de manhã para trabalhar e volta tendo passado o dia num único escritório, exercendo uma única função. Para além de mãe e dona de casa, profissionalmente, tenho muitos lugares que ocupo e cada um deles me demanda um pensar diferente.
Mas por que eu tô aqui falando tudo isso? Porque me dei o direito ao descanso. Me dei o direito de sair por 15 dias e fazer o que a gente chama de "nada". Uma amiga falou que minhas fotos pareciam de um sabático e fiquei pensando que poderia ser um daqueles momentos de ócio criativo do sociólogo Domenico De Masi. Não sei, mas fique à vontade para dar o nome que melhor lhe couber. Fato é que usufrui do tempo que nos é direito - ou deveria ser.
Isso me deu o direito a usar a cama do quarto do hotel só para mim, a não ter que pedir para ninguém enxugar a pia do banheiro depois de escovar os dentes, a recolher a roupa suja que foi arremessada no cesto e ficou pendurada, a descer os copos e pratos para a cozinha, a trocar a água das gatas, colocar comida para as cachorras, verificar se elas tomaram os remédios, fazer as compras do mercado, lembrar de tirar os panos de chão que ficaram batendo na máquina ou recolher as roupas que secaram no sol.
Quinze dias, duas semanas, só eu - ou quase isso - na maior mordomia. Me dei o direito ao luxo, a ser servida (no sentido respeitoso do servir ao outro), de aproveitar o tempo para nada, sem culpa, fazendo muito do que a gente não se permite no dia a dia. Me dei o direito à fartura. Não como excesso, mas como profusão.
Por dias, eu abri a janela do quarto e vi o sol nascer no mar. Por dias, escutei as ondas boiando sobre o próprio corpo. Por dias, não liguei o computador, não vi jornal, não li jornal. Me abstive do mundo nublado em que a gente vive. E sem peso nenhum na consciência. Sem me achar pior ou melhor porque não estava ali no Instagram postando manifestos sociais.
Postei fotos que podem ser chamadas de "fúteis" - e que bom se permitir às frivolidades da vida também. A gente que anda com mania de ter - e dar - opinião para tudo, a tomar partido e dores, não sabe a calma que se instala no peito quando a gente se permite a "nada". A se esvaziar de conceitos e conteúdos. A fazer uma massagem relaxante de 50 minutos com óleos essenciais às 11h da manhã e, na sequência, experimentar a sauna seca e úmida do hotel que você escolheu para ficar. A ter como único compromisso o almoço no restaurante da piscina após o banho. Que dia.
O destino? Duas cidades, dois hotéis. A ideia era experenciar a vida urbana e cultural de Miami, nos EUA, e Punta Cana, na República Dominicana, mas, principalmente, usufruir do que um hotel da The Leading Hotels of the World pode te oferecer. Uma viagem dois-em-um, se assim posso chamá-la.
E comecei em grandíssimo estilo com a chave da suíte 1003B no Acqualina, em Sunny Isles Beach, Miami. Hall de entrada, sala de estar com sofá dois lugares e poltronas. Cozinha toda equipada, geladeira com quatro tipos de águas, fartura de sucos, uma mini Piper, um vinho branco Duckhorn e um rosé Whispering Angel. Frízer abastecido de porções individuais de Haagen-Dazs sabor doce de leite, morango, chocolate e vanila. Os clássicos mais vendidos.
Lavabo. Closet. Quarto principal com aquelas camas de hotel que parecem ser fabricadas apenas para eles com a função de fazer a gente dormir tão bem a ponto de esquecer que o mundo existe. Quatro travesseiros mais dois almofadões. Eu não sabia nem para que lado deitar ou onde apoiar a cabeça. Às vezes é tanta liberdade que a gente se perde.
Ah, o banheiro. Um banheiro só para mim com direito a oito toalhas 1,60 X 90cm de fios penteados. Eu nem sabia com qual me enxugar. Fiquei pensando se existia uma etiqueta para elas como existem para os talheres a mesa. Usei-as como manda o bom senso e a sustentabilidade do planeta: com parcimônia. Não bastassem as toalhas, nada de azulejos ou porcelanato no piso ou nas paredes do banheiro. Era mármore. Tudo mármore.
A bancada é o sonho de qualquer mulher: duas pias amplas para não ter que dividir com ninguém e chamar uma delas só de sua. Na singela divisória entre elas, um vaso de murano com hortênsias brancas e produtos de beleza da marca Esta, a mesma usada no spa. Pensa que acabou? Ainda tem a banheira de hidromassagem com bucha para esfoliação do corpo e um potinho generoso de sais de banho. Tomei banho de banheira todo santo dia.
Eu podia morar nos 133m2 da suíte do Acqualina, hotel residencial à beira mar, com vista e águas do oceano Pacífico. A arquitetura e a decoração foram inspiradas no charme das villas mediterrâneas e, no período da pandemia, passou por uma longa reforma e está com todas acomodações super novinhas e lindas de viver. Sabe aquele clichê "o que era bom ficou ainda melhor"? Tá aí.
Para além do quarto, ainda tem toda área de lazer e convivência do hotel. São quatro piscinas todas de frente para o mar e pé na areia estão os clássicos guarda-sóis vermelhos do Acqualina. Uma marca. O complexo todo do hotel, que conta com o prédio de 28 andares e 98 quartos mais 4 torres residenciais (uma ainda em construção), tem três dos melhores restaurantes de Miami. Um deles é o italiano Il Mulino, de New York, o grego Avra onde comi o peixe mais fresco da minha vida e eu não estou exagerando, e o japonês Ke-uh com menu bem diversificado e muitas possibilidades de pequenos pratos para compartilhar.
referenceÉ daqueles hotéis que você se hospeda para ficar e usufruir de tudo que ele te oferece com o tempo necessário. Os funcionários são extremamente gentis e garantem que você vá precisar se preocupar com nada. Aliás, preocupações aqui ficam da porta para fora. A ideia é descansar, relembrar que a vida pode ser usufruída, mesmo que por tempo limitado.
O hotel é super recomendado para casais e famílias (tem toda infraestrutura para crianças pequenas), mas eu recomendo você ir sozinha ou com um grupo de amigas também. E para quem quer um pouco de agito, além das praias, bem perto tem o Bal Harbour, com seus restaurantes e lojas de luxo, e o shopping Aventura, um dos melhores da cidade.
Depois de alguns dias hospedada no Acqualina e batendo perna por Miami, arrumei as malas para meu segundo destino: Punta Cana, na República Dominicana. Mais precisamente no Tortuga Bay Resort, um hotel butique que foi desenhado por ninguém menos que o estilista Oscar de la Renta, filho de mãe dominicana e pai porto-riquenho.
Punta Cana tem uma história curiosa porque, basicamente, a cidade foi construída por ricaços americanos que passaram a frequentar a ilha lá por volta de 1969 e levantar suas casas de veraneio. Na época, a região era basicamente floresta e mar e, aos poucos, junto de grupos investidores e a família Ranieri, foram surgindo empreendimentos de altíssimo luxo na região.
Frank Ranieri é o presidente e fundador do Grupo Punta Cana e é dele boa parte dos 475,3 km2 de areia branca que contornam o mar translúcido do Caribe. Entre as posses estão os 8km onde está o hotel Tortuga, considerado AAA 5 Diamond Awards. Construído em 1997, há mais de 20 anos e eu diria que o hotel tem aspecto de recém-construído. Nada, absolutamente nada, tem sinal de degradação - muito pelo contrário.
Eu fiquei impressionada com a brancura das paredes do quarto. Nem um só risquinho, raspão de mala ou marca de pancada, tudo bem comum em quarto de hotel. Sem contar a inexistência de teias de aranhas e/ou insetos morando nas sancas brancas do pé direito de quase 3mts. Nunca vi paredes mais impecáveis na vida. Juro.
As acomodações são como "casinhas" privativas que eles chamam de "vila". Imagine uma grande área verde, um belo gramado e as 13 vilas com total de 30 quartos. Na que me hospedei tinham três quartos, sendo dois no primeiro andar e a minha suíte que ficava no superior. Corredor largo, banheiro todo em travertino com jacuzzi e um quarto com varanda extremamente amplo e fresco. Com vista para o mar, meus 100mts2 eram puro conforto.
referenceSem contar que é pé na areia. Bastou alguns passos e você já está na praia de areia super branca. Espreguiçadeiras, guarda-sóis e cadeiras estão à disposição da gente. No geral, os colaboradores e a população de Punta Cana é muito simpática e solicita. Eles estão sempre preocupados se você está sendo bem atendida e achei todos muito risonhos também. Claro que essa é uma impressão estrangeira sob uma população que pouco conheci e pouco sei. Mas é visível o calor humano no atendimento e nas conversas. Eles gostam de receber e o sabem fazer muitíssimo bem.
Ali pela praia você pode ir caminhando até o La Cana Golfe & Beach Club que fica numa área de 1800 m², tudo na frente do mar. O lugar é um desbunde. Tem um restaurante pé na areia incrível para almoçar ou comer umas entradas, além de tomar um belo Chardonnay geladíssimo.
O clube também abriga Spa Six Senses que eu chamaria de centro de saúde. Para além do cardápio incrível de massagens, existe um cuidado pré e pós que é parte do tratamento. Quando você chega, preenche uma ficha com detalhes básicos para a fisioterapeuta que irá te atender poder personalizar o tratamento e, na sequência, é encaminhada para uma sala de relaxamento. Começa aí o preparo para receber a massagem.
Ou seja, quem chegou mais agitada tem a chance de aquietar a mente antes de entrar na sala. O mesmo acontece quando a terapia termina. Você volta a sala de relaxamento e recebe um chá de gengibre e mel como continuação do tratamento. Eu saí de lá totalmente relaxada. Fazia muito - muito - tempo que não recebia uma massagem tão boa num ambiente tão propício. Daquelas combinações mais que perfeitas.
Para quem não quer ir andando, o hotel tem transporte próprio que pode te levar, além de disponibilizar um carrinho de golfe e/ou uma bicicleta para os hospedes. É puro charme, ficam estacionados na frente das vilas e têm os nomes da gente numa plaquinha, assim não fica aquela confusão de "de quem é o que".
Ainda no complexo, tem os cenotes que ficam dentro da reserva ecológica Ojo Indígena. O passeio todo duro de 3 a 4h e tem paradas para ver animais e bichos da região, além da gente poder dar um mergulho nas águas verdes cristalinas. E nas mesmas águas que a gente nada, nadam também as tartarugas. É belíssimo esse encontro humano com a natureza ainda tão bem preservado. Um dos passeios que vale a pena ser feito.
No geral, Punta Cana é sossego. É para você tirar o sapato e, no máximo, usar chinelos por dias. Isso porque os tempos são calmos como manda o mar e foi exatamente isso que eu fiz por lá: me dei o direito ao descanso, ou ao cochilo como defende a socióloga americana Tricia Hersey. Fiz "nada".
Caminhei na praia todo dia, boiei no mar do caribe, tirei fotos lindíssimas, fiquei sentada por horas na espreguiçadeira da varanda só olhando o horizonte, comi muitíssimo bem, me diverti, fiz massagem, esperei o sol se pôr, tomei banho de banheira, me arrumei todos os dias para jantar com minhas amigas, continuei sem ligar o computador e sem querer saber se alguém estava ou não dando o remédio das cachorras ou se meus filhos estavam bem alimentados etc etc etc.
Nunca fiz um "nada" tão cheio de "tudo". Nunca dois lugares me proporcionaram tanto descanso e tempo para mim mesma. Que mais mulheres, que também são mães, possam pensar em suas férias e não apenas nas dos filhos ou da família. Que elas tenham condições e possibilidades à altura. Que o direito seja instituído. Porque descansar é um ato revolucionário.