Chocolates, geleias, manteigas, produtos orgânicos feitos por agricultores familiares auxiliam no aumento da renda, encantam o público e preservam o meio ambiente
Em sua décima oitava edição, a BioBrazil Fair, maior feira de alimentos orgânicos da América Latina, e a Naturaltech, que reúne as novidades do mercado de produtos naturais, receberam cerca de 50 mil visitantes, em quatro dias, na capital paulista. Entre as cerca de 1700 marcas e os 760 expositores, os que mais me chamaram a atenção foram as agroindústrias familiares orgânicas.
Se até pouco tempo atrás os agricultores familiares que atuam, em sua maioria, com o sistema agroflorestal, cultivavam e vendiam alimentos in natura, agora eles passaram a manufaturar estes alimentos, transformando-os em diversos produtos, como: chocolate, café, nibs, geleias, farinhas, manteigas, temperos secos. Além de agregar valor à produção, esta prática também acaba com as perdas e possibilita um ganho mais perene ao longo do ano.
Há seis anos, Paula Ferreira, na foto de capa, criou com a família a agroindústria 'Orgânicos do Quintal' e passou a manufaturar os vegetais que vendia nas feiras: "Demos esse nome porque a gente passou quinze anos produzindo num quintal de cem metros quadrados. A cada quinze quinze dias a gente tinha produção pra levar pra feira e tirava um salário mínimo por mês. Hoje o que a gente não vende na feira, a gente utiliza pra fazer outros produtos", conta.
"Eu faço extrato de tomate; geleia de tomate com pimenta; pimentão, alho poró e tomatinhos desidratados; mix de tempero; farinha de cenoura, de beterraba, de batata doce e de banana verde; rolinho de fruta, que é a banana e o mamão, a gente bate sem colocar açúcar e desidrata. A gente tá agregando valor com o que iria perder", completa Paula.
Produtos regionais colaboram com a preservação dos biomas
O Programa 'Amazônia em Casa Floresta em Pé', idealizado pelo Instituto 'Climate Ventures' e pelo Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) impulsiona cinquenta marcas que trabalham com a biodiversidade da região. As ações visam ampliar o acesso das marcas ao consumidor final e fazer com que a sociedade perceba o valor dos produtos, para a saúde e para a preservação da floresta e da sua biodiversidade.
De acordo com a gerente do Programa, Whilla Castelhano: "As marcas têm evoluído na sua produção para deixarem de ser muito artesanais e criarem produtos cada vez mais especializados, direcionados para o consumo. A gente tem uma marca que produz açaí em pó e hambúrguer de açaí. Elas estão ampliando o leque de trabalho e procurando trabalhar com os próprios resíduos, isso é muito interessante. O nosso trabalho é fazer com que esse valor seja percebido pela sociedade, na embalagem, na entrega, na degustação...".
Segundo, Whilia, a presença das marcas na BioBrazil Fair atraiu a curiosidade do público: "Aqui tem sido uma experiência muito interessante, as pessoas chegam pelo bem estar que os produtos vão causar para a saúde, querem saber como são produzidos, quais os benefícios. Tem sido uma receptividade muito legal, a gente praticamente não vê ninguém saindo do estande sem nada. A gente percebe que a sociedade está se preocupando cada vez mais com o seu bem estar, com a diversidade, com o nosso clima, o meio ambiente".
Certificação participativa de alimentos orgânicos
A rede de agroecologia Povos da Mata atua como uma certificadora participativa de orgânicos na Bahia. Hoje já tem 1200 agricultores certificados, doze destas agroindústrias estiveram no evento com produtos, como: cafés, chocolates, cupuaçu e banana desidratados, farinhas, temperos, flocão de milho e cachaça, entre tantos outros. A rede viabiliza a logística de transporte dos produtos da Bahia até os demais Estados do País e cria parceria com institutos que comercializam orgânicos em cidades como São Paulo.
Esta certificadora participativa é reconhecida pelo Ministério da Agricultura e surgiu para atender uma demanda dos pequenos agricultores que não poderiam pagar por uma certificação particular. De acordo com o diretor financeiro da rede de agroecologia Povos da Mata, Rubens Costa de Jesus: "A gente forma um comitê de verificação de olhar externo, que é um grupo vizinho certificando o outro, pra ver se estão fazendo o que está dentro da lei 10.831, de 2003 (Lei dos Orgânicos)", esclarece.
"A gente também dá o suporte para os agricultores fazerem a transição agroecológica, tem alguns que trabalham com a agricultura convencional e entram no processo de certificação, que leva entre 18 meses e 3 anos pra fazer a transição e certificar. O custo da certificação privada varia de 15 a 30 mil reais, dependendo da localidade. A nossa hoje tem um custo de 240 reais por ano, é muito mais viável e todos conseguem agregar pelo menos 30% no valor dos produtos por serem orgânicos certificados", afirma Rubens.
A agroindústria Dandel é membro da rede Povos da Mata e recebeu a certificação em 2019. A empresa que segue o modelo de agroecologia produz cupuaçu desidratado, nibs e bombom de cupuaçu, nibs e geleia de cacau, entre outros. De acordo com a fundadora da marca, Maria dos Santos, na foto: "Pra ser certificada demorou oito meses, tivemos que fazer um adequamento na instalação, receber o alvará da vigilância sanitária, o alvará de funcionamento, adequamos as tabelas nutricionais, seguimos as boas práticas", explica.
"Na certificação, a gente busca também o cuidado com o meio ambiente, com os trabalhadores, com todos os seres". Maria sentiu a diferença depois da certificação e está aproveitando a oportunidade de expôr na maior feira de orgânicos da América Latina: "Foi um salto de qualidade, de valorização. É bom estar aqui na feira pra conhecer melhor a dinâmica do mercado, fazer contato, buscar conhecimento e fazer a comercialização direta pro consumidor", conclui Maria.
Responsabilidade compartilhada
Paula Ferreira também coordena o 'Projeto Mais Alimento, Mais Vida' da rede de agroecologia baiana, ela buscou o apoio do governo Estadual da Bahia: "Tem muita gente fazendo agroecologia por lá, mas, se a gente que também é agricultor, ficar fazendo só a certificação, deixa de botar a mão na terra e produzir. Então hoje o Estado da Bahia está fazendo esse trabalho técnico e apoiando o processo de produção agroecológica certificada, através de um projeto piloto, que ainda está iniciando, pra depois ampliar pra outros territórios".