Uma alimentação consciente no paraíso da comilança

Central de cooperativas promove sustentabilidade e muda a vida de pequenos agricultores


Por Juliana Carreiro
Banca agroecológica em feira orgânica do Distrito Federal. Foto: Guilherme Noronha

A entidade reúne centenas de cooperativas que atuam como "guardiãs da biodiversidade" e promovem o desenvolvimento econômico e social nas comunidades em que estão inseridas

Geração de trabalho e renda para famílias de agricultores que vivem no Cerrado, na Caatinga e na Amazônia. Promoção de um sistema produtivo sustentável. Valorização da biodiversidade brasileira. Incentivo à iniciativas que reduzem as queimadas e o desmatamento e, como consequência, o aquecimento global e as mudanças climáticas. Este conjunto de ações parece até promessa de campanha de candidato, mas, felizmente, é realidade.

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São conquistas de quase vinte anos de trabalho de uma central de cooperativas de Brasília que atua com milhares de pequenos agricultores do País. A organização recebe o apoio de entidades como o Slow Food Brasil, a WWF e o Instituto Sociedade População e Natureza. Para conhecer melhor este projeto, o Comida de Verdade conversou com o secretário executivo da Central do Cerrado, Luís Carrazza.  

-Quando surgiu a Central do Cerrado?

L.C.

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"A iniciativa surgiu em 2004 como Rede Cerrado, um coletivo de organizações que discutia os direitos dos povos e comunidades do Cerrado, relacionado a território, cultura, ameaças de avanço de fronteira agrícola e conflitos. Dentro desse ambiente político, a gente também discutia as questões da comercialização. Os empreendimentos comunitários que se identificaram nesse processo e que trabalhavam com os produtos nativos da biodiversidade, em pequenas agroindústrias rurais, perceberam que tinham as mesmas condições de produção e dificuldades de comercialização. Eles se juntaram e a gente passou a ajudar na promoção e na comercialização dos produtos. Em 2010 foi constituída a Central do Cerrado, demos um passo em termos de organização, formalização e institucionalização jurídica e passamos a funcionar como uma distribuidora".

-Qual é o perfil dos cooperados?

L.C.

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"A Central do Cerrado reúne diversas organizações comunitárias que produzem a partir do uso sustentável da biodiversidade nativa. Então, são as quebradeiras de coco de babaçu que produzem os produtos do babaçu, os catadores de pequi do Norte de Minas, que produzem os produtos à base de pequi, o pessoal da Caatinga, que produz o umbu, a gente tem os extrativistas que trabalham com baru. Hoje comercializamos 250 produtos desenvolvidos por essas comunidades associadas ou parceiras. Essas organizações estão no interior do Brasil e se juntaram para fazer o processo de comercialização conjuntamente porque, individualmente, dificilmente eles teriam condição de montar uma estrutura com equipe, estratégias que precisam de investimentos, de pessoas especializadas". 

-Que tipo de apoio a Central oferece aos cooperados?

L.C.

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"A gente vem com todo um conjunto de orientações, informações e protocolos de produção que diz respeito ao manejo ambiental para garantir que a forma de colheita respeite a natureza, por exemplo: não vai danificar a árvore, vai deixar um pouco de semente para fauna nativa, para nascerem novas árvores, para regeneração natural. E a gente trabalha as questões de segurança do trabalho, 'não' ao trabalho infantil, higiene, questões ergonométricas, como carregar peso, equipamentos para facilitar esse trabalho, boas práticas no armazenamento, boas práticas na fabricação, na parte sanitária, boas práticas de gestão, controles, rastreabilidade". 

-Quais são as mudanças que os agricultores sentem ao ingressarem na Central?

L.C.

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"Temos vários casos de impacto econômico nos territórios onde atuamos, por exemplo, no Noroeste de Minas Gerais, no Vale do Urucuia, a gente tem um polo de produção de castanha de baru, que ajudamos a estruturar e hoje lá tem uma cooperativa, a Copabase, que produz essa castanha, ela tem uma agroindústria onde o baru é processado. Há cerca de dez, quinze anos, começamos a fazer um processo de conscientização e formação dos agricultores naquele território, uma região que tem muito baru, para despertar o interesse deles pela coleta do fruto, para fazer o extrativismo sustentável, começamos a prospectar e fomos trabalhando. Hoje, esse arranjo envolve mais de 500 famílias daquele território, a castanha de baru tem um valor para o extrativista em torno de 30, 35 reais o quilo. Agora, estamos na safra e a cooperativa está produzindo mais de 20 toneladas da castanha ao ano. 

Em dezembro e janeiro não tem mais o baru, mas tem o pequi, mais pra frente, tem o cajuzinho, depois o jatobá, seguido pelo coquinho azedo e pelo umbu. Então, é na diversidade que a gente garante o calendário de trabalho para o extrativista e que a gente garante uma conservação de várias espécies, para não gerar a super exploração de uma única espécie, porque você tem outras espécies que dependem daquela, não só da fauna, mas da flora também, de árvores, da diversidade desse ecossistema". 

-Então vocês ensinam as práticas do sistema agroflorestal?

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L.C.

"Isso mesmo, as famílias extrativistas trabalham com a coleta na natureza e, além do que eles têm próximo das suas casas, eles vão plantando novas árvores daquilo que eles têm um interesse econômico e fazem regeneração de áreas degradadas com essas espécies nativas. As cooperativas funcionam como guardiãs da biodiversidade e de um desenvolvimento econômico e social, porque a partir do momento que a gente cria estratégias de relacionamento com a comunidade e com as organizações locais, elas se fortalecem para enfrentar outras questões, como: educação, saúde, transportes... Porque na medida que eles estão organizados, essas demandas chegam. Por exemplo, para você colher e juntar o baru de todo um território num galpão onde ele vai ser processado, você tem que ter uma parceria com a prefeitura para manter as estradas, você tem que ter uma parceria com a empresa que está comprando para fazer uma melhoria num galpão, para fazer o estoque. Então, é um trabalho de muitos desafios, mas também de muitas realizações." 

Agroindústrias familiares orgânicas se destacam na BioBrazil 2024 

-Como funciona o conceito de extrativismo sustentável?

L.C.

"Esse trabalho de comercialização gera alternativas de renda para que as famílias continuem vivendo nos seus territórios, conservando a biodiversidade, mantendo o Cerrado, a Caatinga, a Amazônia em pé, gerando renda a partir do que a natureza oferece e isso traz impactos positivos em relação à conservação do solo, à infiltração de água, ao 'não' desmatamento, porque a partir do momento que a gente gera alternativa de renda para as comunidades, a gente se torna uma barreira ao avanço da fronteira agrícola, ao desmatamento e ao que vem junto com ele, como o assoreamento de nascentes e de rio e a mecanização e compactação do solo, por exemplo. Esse trabalho traz benefícios para a população como um todo porque reduz as ações que favorecem as mudanças climáticas e promove um modelo de desenvolvimento que gera inclusão social. A gente tem no território muitas famílias vivendo nas comunidades, conservando água, cultura, então é um jogo de ganha-ganha."

-Este sistema é uma alternativa aos métodos produtivos que podem gerar queimadas? 

L.C.

"Com certeza, a situação fundiária no Brasil vem mudando a cada ano, cada vez mais, a gente tem áreas maiores na mão de menos gente. Obviamente, se você tem um incêndio florestal natural, acidental ou criminoso, numa área de domínio comunitário, que tem muitas famílias morando, a capacidade de você combater aquele incêndio é muito maior, porque as pessoas têm as estratégias, elas precisam proteger o seu ambiente. E essas pessoas fazem a manutenção das áreas. Quando você tem uma área muito grande na mão de uma única pessoa, dificilmente ela tem condições de fazer todo esse controle, principalmente onde tem mais combustível, que é o capim seco, ou então na mata, onde está pegando fogo, nas reservas legais, nos parques nacionais, que não vive gente pela restrição da legislação de unidades de conservação. Então, a gente defende que pessoas nos territórios, se relacionando de forma harmônica com o meio ambiente, é a melhor maneira de a gente conservar a natureza, gerar desenvolvimento e cuidar do nosso maior patrimônio, que é a nossa biodiversidade e a nossa água.

-Qual é o papel do consumidor neste cenário?

L.C.

"A gente clama para que a população faça uma reflexão da origem do que consome, porque a partir do consumo a gente financia um modelo de produção e a gente acredita que multimodelos são possíveis e precisam viver em harmonia, mas a gente defende que quanto mais inclusivo ele for, com produtos mais saudáveis e sustentáveis, melhor é para todo mundo. Precisamos reciclar nossas mentes, nossas posições, posturas e trabalhar muito profundamente a percepção do impacto do nosso consumo no planeta, é preciso se perguntar: O que eu estou financiando quando eu consumo ou compro esse ou aquele produto?".

Empresa paulista muda a realidade de agricultores familiares do NO e NE

-A Central do Cerrado está lançando a marca Central da Sociobio, qual é a diferença entre elas? 

L.C.

"Nós ampliamos os biomas, a gente está há mais de dez anos na Caatinga, há mais de cinco anos na Amazônia e trabalhando essa marca como uma das possíveis distribuidoras de produtos de todos os biomas para o Brasil e para o mundo. É a economia do futuro e, como diria o Ailton Krenak: "O futuro é ancestral". Então, a gente vai olhar para o futuro fazendo o que os nossos antepassados faziam, que eram os nômades, coletores, catadores, que antes faziam exclusivamente para subsistência e a gente trabalha isso desenvolvendo produtos que regeneram os ambientes e as pessoas. Buscamos gerar valor a esse modelo de produção e dar visibilidade para frutos que, infelizmente, a maioria dos brasileiros não conhece, a gente brinca que está 'apresentando o Brasil aos brasileiros que não conhecem pequi, babaçu, jatobá', que são consumidos por essas comunidades há décadas. Estamos possibilitando o acesso a esses alimentos e trabalhando na valorização dos produtos a partir das qualidades nutricionais dos ingredientes, do sabor, do cheiro, das cores, e de tudo o que está por trás deles, a história dos povos, da cultura e da natureza". 

Projeto de empreendedorismo comunitário cria produtos feitos com frutos da Amazônia no Pará

Rede Conexão Solo Vivo une forças em prol da alimentação sustentável

Banca agroecológica em feira orgânica do Distrito Federal. Foto: Guilherme Noronha

A entidade reúne centenas de cooperativas que atuam como "guardiãs da biodiversidade" e promovem o desenvolvimento econômico e social nas comunidades em que estão inseridas

Geração de trabalho e renda para famílias de agricultores que vivem no Cerrado, na Caatinga e na Amazônia. Promoção de um sistema produtivo sustentável. Valorização da biodiversidade brasileira. Incentivo à iniciativas que reduzem as queimadas e o desmatamento e, como consequência, o aquecimento global e as mudanças climáticas. Este conjunto de ações parece até promessa de campanha de candidato, mas, felizmente, é realidade.

São conquistas de quase vinte anos de trabalho de uma central de cooperativas de Brasília que atua com milhares de pequenos agricultores do País. A organização recebe o apoio de entidades como o Slow Food Brasil, a WWF e o Instituto Sociedade População e Natureza. Para conhecer melhor este projeto, o Comida de Verdade conversou com o secretário executivo da Central do Cerrado, Luís Carrazza.  

-Quando surgiu a Central do Cerrado?

L.C.

"A iniciativa surgiu em 2004 como Rede Cerrado, um coletivo de organizações que discutia os direitos dos povos e comunidades do Cerrado, relacionado a território, cultura, ameaças de avanço de fronteira agrícola e conflitos. Dentro desse ambiente político, a gente também discutia as questões da comercialização. Os empreendimentos comunitários que se identificaram nesse processo e que trabalhavam com os produtos nativos da biodiversidade, em pequenas agroindústrias rurais, perceberam que tinham as mesmas condições de produção e dificuldades de comercialização. Eles se juntaram e a gente passou a ajudar na promoção e na comercialização dos produtos. Em 2010 foi constituída a Central do Cerrado, demos um passo em termos de organização, formalização e institucionalização jurídica e passamos a funcionar como uma distribuidora".

-Qual é o perfil dos cooperados?

L.C.

"A Central do Cerrado reúne diversas organizações comunitárias que produzem a partir do uso sustentável da biodiversidade nativa. Então, são as quebradeiras de coco de babaçu que produzem os produtos do babaçu, os catadores de pequi do Norte de Minas, que produzem os produtos à base de pequi, o pessoal da Caatinga, que produz o umbu, a gente tem os extrativistas que trabalham com baru. Hoje comercializamos 250 produtos desenvolvidos por essas comunidades associadas ou parceiras. Essas organizações estão no interior do Brasil e se juntaram para fazer o processo de comercialização conjuntamente porque, individualmente, dificilmente eles teriam condição de montar uma estrutura com equipe, estratégias que precisam de investimentos, de pessoas especializadas". 

-Que tipo de apoio a Central oferece aos cooperados?

L.C.

"A gente vem com todo um conjunto de orientações, informações e protocolos de produção que diz respeito ao manejo ambiental para garantir que a forma de colheita respeite a natureza, por exemplo: não vai danificar a árvore, vai deixar um pouco de semente para fauna nativa, para nascerem novas árvores, para regeneração natural. E a gente trabalha as questões de segurança do trabalho, 'não' ao trabalho infantil, higiene, questões ergonométricas, como carregar peso, equipamentos para facilitar esse trabalho, boas práticas no armazenamento, boas práticas na fabricação, na parte sanitária, boas práticas de gestão, controles, rastreabilidade". 

-Quais são as mudanças que os agricultores sentem ao ingressarem na Central?

L.C.

"Temos vários casos de impacto econômico nos territórios onde atuamos, por exemplo, no Noroeste de Minas Gerais, no Vale do Urucuia, a gente tem um polo de produção de castanha de baru, que ajudamos a estruturar e hoje lá tem uma cooperativa, a Copabase, que produz essa castanha, ela tem uma agroindústria onde o baru é processado. Há cerca de dez, quinze anos, começamos a fazer um processo de conscientização e formação dos agricultores naquele território, uma região que tem muito baru, para despertar o interesse deles pela coleta do fruto, para fazer o extrativismo sustentável, começamos a prospectar e fomos trabalhando. Hoje, esse arranjo envolve mais de 500 famílias daquele território, a castanha de baru tem um valor para o extrativista em torno de 30, 35 reais o quilo. Agora, estamos na safra e a cooperativa está produzindo mais de 20 toneladas da castanha ao ano. 

Em dezembro e janeiro não tem mais o baru, mas tem o pequi, mais pra frente, tem o cajuzinho, depois o jatobá, seguido pelo coquinho azedo e pelo umbu. Então, é na diversidade que a gente garante o calendário de trabalho para o extrativista e que a gente garante uma conservação de várias espécies, para não gerar a super exploração de uma única espécie, porque você tem outras espécies que dependem daquela, não só da fauna, mas da flora também, de árvores, da diversidade desse ecossistema". 

-Então vocês ensinam as práticas do sistema agroflorestal?

L.C.

"Isso mesmo, as famílias extrativistas trabalham com a coleta na natureza e, além do que eles têm próximo das suas casas, eles vão plantando novas árvores daquilo que eles têm um interesse econômico e fazem regeneração de áreas degradadas com essas espécies nativas. As cooperativas funcionam como guardiãs da biodiversidade e de um desenvolvimento econômico e social, porque a partir do momento que a gente cria estratégias de relacionamento com a comunidade e com as organizações locais, elas se fortalecem para enfrentar outras questões, como: educação, saúde, transportes... Porque na medida que eles estão organizados, essas demandas chegam. Por exemplo, para você colher e juntar o baru de todo um território num galpão onde ele vai ser processado, você tem que ter uma parceria com a prefeitura para manter as estradas, você tem que ter uma parceria com a empresa que está comprando para fazer uma melhoria num galpão, para fazer o estoque. Então, é um trabalho de muitos desafios, mas também de muitas realizações." 

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-Como funciona o conceito de extrativismo sustentável?

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"Esse trabalho de comercialização gera alternativas de renda para que as famílias continuem vivendo nos seus territórios, conservando a biodiversidade, mantendo o Cerrado, a Caatinga, a Amazônia em pé, gerando renda a partir do que a natureza oferece e isso traz impactos positivos em relação à conservação do solo, à infiltração de água, ao 'não' desmatamento, porque a partir do momento que a gente gera alternativa de renda para as comunidades, a gente se torna uma barreira ao avanço da fronteira agrícola, ao desmatamento e ao que vem junto com ele, como o assoreamento de nascentes e de rio e a mecanização e compactação do solo, por exemplo. Esse trabalho traz benefícios para a população como um todo porque reduz as ações que favorecem as mudanças climáticas e promove um modelo de desenvolvimento que gera inclusão social. A gente tem no território muitas famílias vivendo nas comunidades, conservando água, cultura, então é um jogo de ganha-ganha."

-Este sistema é uma alternativa aos métodos produtivos que podem gerar queimadas? 

L.C.

"Com certeza, a situação fundiária no Brasil vem mudando a cada ano, cada vez mais, a gente tem áreas maiores na mão de menos gente. Obviamente, se você tem um incêndio florestal natural, acidental ou criminoso, numa área de domínio comunitário, que tem muitas famílias morando, a capacidade de você combater aquele incêndio é muito maior, porque as pessoas têm as estratégias, elas precisam proteger o seu ambiente. E essas pessoas fazem a manutenção das áreas. Quando você tem uma área muito grande na mão de uma única pessoa, dificilmente ela tem condições de fazer todo esse controle, principalmente onde tem mais combustível, que é o capim seco, ou então na mata, onde está pegando fogo, nas reservas legais, nos parques nacionais, que não vive gente pela restrição da legislação de unidades de conservação. Então, a gente defende que pessoas nos territórios, se relacionando de forma harmônica com o meio ambiente, é a melhor maneira de a gente conservar a natureza, gerar desenvolvimento e cuidar do nosso maior patrimônio, que é a nossa biodiversidade e a nossa água.

-Qual é o papel do consumidor neste cenário?

L.C.

"A gente clama para que a população faça uma reflexão da origem do que consome, porque a partir do consumo a gente financia um modelo de produção e a gente acredita que multimodelos são possíveis e precisam viver em harmonia, mas a gente defende que quanto mais inclusivo ele for, com produtos mais saudáveis e sustentáveis, melhor é para todo mundo. Precisamos reciclar nossas mentes, nossas posições, posturas e trabalhar muito profundamente a percepção do impacto do nosso consumo no planeta, é preciso se perguntar: O que eu estou financiando quando eu consumo ou compro esse ou aquele produto?".

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-A Central do Cerrado está lançando a marca Central da Sociobio, qual é a diferença entre elas? 

L.C.

"Nós ampliamos os biomas, a gente está há mais de dez anos na Caatinga, há mais de cinco anos na Amazônia e trabalhando essa marca como uma das possíveis distribuidoras de produtos de todos os biomas para o Brasil e para o mundo. É a economia do futuro e, como diria o Ailton Krenak: "O futuro é ancestral". Então, a gente vai olhar para o futuro fazendo o que os nossos antepassados faziam, que eram os nômades, coletores, catadores, que antes faziam exclusivamente para subsistência e a gente trabalha isso desenvolvendo produtos que regeneram os ambientes e as pessoas. Buscamos gerar valor a esse modelo de produção e dar visibilidade para frutos que, infelizmente, a maioria dos brasileiros não conhece, a gente brinca que está 'apresentando o Brasil aos brasileiros que não conhecem pequi, babaçu, jatobá', que são consumidos por essas comunidades há décadas. Estamos possibilitando o acesso a esses alimentos e trabalhando na valorização dos produtos a partir das qualidades nutricionais dos ingredientes, do sabor, do cheiro, das cores, e de tudo o que está por trás deles, a história dos povos, da cultura e da natureza". 

Projeto de empreendedorismo comunitário cria produtos feitos com frutos da Amazônia no Pará

Rede Conexão Solo Vivo une forças em prol da alimentação sustentável

Banca agroecológica em feira orgânica do Distrito Federal. Foto: Guilherme Noronha

A entidade reúne centenas de cooperativas que atuam como "guardiãs da biodiversidade" e promovem o desenvolvimento econômico e social nas comunidades em que estão inseridas

Geração de trabalho e renda para famílias de agricultores que vivem no Cerrado, na Caatinga e na Amazônia. Promoção de um sistema produtivo sustentável. Valorização da biodiversidade brasileira. Incentivo à iniciativas que reduzem as queimadas e o desmatamento e, como consequência, o aquecimento global e as mudanças climáticas. Este conjunto de ações parece até promessa de campanha de candidato, mas, felizmente, é realidade.

São conquistas de quase vinte anos de trabalho de uma central de cooperativas de Brasília que atua com milhares de pequenos agricultores do País. A organização recebe o apoio de entidades como o Slow Food Brasil, a WWF e o Instituto Sociedade População e Natureza. Para conhecer melhor este projeto, o Comida de Verdade conversou com o secretário executivo da Central do Cerrado, Luís Carrazza.  

-Quando surgiu a Central do Cerrado?

L.C.

"A iniciativa surgiu em 2004 como Rede Cerrado, um coletivo de organizações que discutia os direitos dos povos e comunidades do Cerrado, relacionado a território, cultura, ameaças de avanço de fronteira agrícola e conflitos. Dentro desse ambiente político, a gente também discutia as questões da comercialização. Os empreendimentos comunitários que se identificaram nesse processo e que trabalhavam com os produtos nativos da biodiversidade, em pequenas agroindústrias rurais, perceberam que tinham as mesmas condições de produção e dificuldades de comercialização. Eles se juntaram e a gente passou a ajudar na promoção e na comercialização dos produtos. Em 2010 foi constituída a Central do Cerrado, demos um passo em termos de organização, formalização e institucionalização jurídica e passamos a funcionar como uma distribuidora".

-Qual é o perfil dos cooperados?

L.C.

"A Central do Cerrado reúne diversas organizações comunitárias que produzem a partir do uso sustentável da biodiversidade nativa. Então, são as quebradeiras de coco de babaçu que produzem os produtos do babaçu, os catadores de pequi do Norte de Minas, que produzem os produtos à base de pequi, o pessoal da Caatinga, que produz o umbu, a gente tem os extrativistas que trabalham com baru. Hoje comercializamos 250 produtos desenvolvidos por essas comunidades associadas ou parceiras. Essas organizações estão no interior do Brasil e se juntaram para fazer o processo de comercialização conjuntamente porque, individualmente, dificilmente eles teriam condição de montar uma estrutura com equipe, estratégias que precisam de investimentos, de pessoas especializadas". 

-Que tipo de apoio a Central oferece aos cooperados?

L.C.

"A gente vem com todo um conjunto de orientações, informações e protocolos de produção que diz respeito ao manejo ambiental para garantir que a forma de colheita respeite a natureza, por exemplo: não vai danificar a árvore, vai deixar um pouco de semente para fauna nativa, para nascerem novas árvores, para regeneração natural. E a gente trabalha as questões de segurança do trabalho, 'não' ao trabalho infantil, higiene, questões ergonométricas, como carregar peso, equipamentos para facilitar esse trabalho, boas práticas no armazenamento, boas práticas na fabricação, na parte sanitária, boas práticas de gestão, controles, rastreabilidade". 

-Quais são as mudanças que os agricultores sentem ao ingressarem na Central?

L.C.

"Temos vários casos de impacto econômico nos territórios onde atuamos, por exemplo, no Noroeste de Minas Gerais, no Vale do Urucuia, a gente tem um polo de produção de castanha de baru, que ajudamos a estruturar e hoje lá tem uma cooperativa, a Copabase, que produz essa castanha, ela tem uma agroindústria onde o baru é processado. Há cerca de dez, quinze anos, começamos a fazer um processo de conscientização e formação dos agricultores naquele território, uma região que tem muito baru, para despertar o interesse deles pela coleta do fruto, para fazer o extrativismo sustentável, começamos a prospectar e fomos trabalhando. Hoje, esse arranjo envolve mais de 500 famílias daquele território, a castanha de baru tem um valor para o extrativista em torno de 30, 35 reais o quilo. Agora, estamos na safra e a cooperativa está produzindo mais de 20 toneladas da castanha ao ano. 

Em dezembro e janeiro não tem mais o baru, mas tem o pequi, mais pra frente, tem o cajuzinho, depois o jatobá, seguido pelo coquinho azedo e pelo umbu. Então, é na diversidade que a gente garante o calendário de trabalho para o extrativista e que a gente garante uma conservação de várias espécies, para não gerar a super exploração de uma única espécie, porque você tem outras espécies que dependem daquela, não só da fauna, mas da flora também, de árvores, da diversidade desse ecossistema". 

-Então vocês ensinam as práticas do sistema agroflorestal?

L.C.

"Isso mesmo, as famílias extrativistas trabalham com a coleta na natureza e, além do que eles têm próximo das suas casas, eles vão plantando novas árvores daquilo que eles têm um interesse econômico e fazem regeneração de áreas degradadas com essas espécies nativas. As cooperativas funcionam como guardiãs da biodiversidade e de um desenvolvimento econômico e social, porque a partir do momento que a gente cria estratégias de relacionamento com a comunidade e com as organizações locais, elas se fortalecem para enfrentar outras questões, como: educação, saúde, transportes... Porque na medida que eles estão organizados, essas demandas chegam. Por exemplo, para você colher e juntar o baru de todo um território num galpão onde ele vai ser processado, você tem que ter uma parceria com a prefeitura para manter as estradas, você tem que ter uma parceria com a empresa que está comprando para fazer uma melhoria num galpão, para fazer o estoque. Então, é um trabalho de muitos desafios, mas também de muitas realizações." 

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L.C.

"Esse trabalho de comercialização gera alternativas de renda para que as famílias continuem vivendo nos seus territórios, conservando a biodiversidade, mantendo o Cerrado, a Caatinga, a Amazônia em pé, gerando renda a partir do que a natureza oferece e isso traz impactos positivos em relação à conservação do solo, à infiltração de água, ao 'não' desmatamento, porque a partir do momento que a gente gera alternativa de renda para as comunidades, a gente se torna uma barreira ao avanço da fronteira agrícola, ao desmatamento e ao que vem junto com ele, como o assoreamento de nascentes e de rio e a mecanização e compactação do solo, por exemplo. Esse trabalho traz benefícios para a população como um todo porque reduz as ações que favorecem as mudanças climáticas e promove um modelo de desenvolvimento que gera inclusão social. A gente tem no território muitas famílias vivendo nas comunidades, conservando água, cultura, então é um jogo de ganha-ganha."

-Este sistema é uma alternativa aos métodos produtivos que podem gerar queimadas? 

L.C.

"Com certeza, a situação fundiária no Brasil vem mudando a cada ano, cada vez mais, a gente tem áreas maiores na mão de menos gente. Obviamente, se você tem um incêndio florestal natural, acidental ou criminoso, numa área de domínio comunitário, que tem muitas famílias morando, a capacidade de você combater aquele incêndio é muito maior, porque as pessoas têm as estratégias, elas precisam proteger o seu ambiente. E essas pessoas fazem a manutenção das áreas. Quando você tem uma área muito grande na mão de uma única pessoa, dificilmente ela tem condições de fazer todo esse controle, principalmente onde tem mais combustível, que é o capim seco, ou então na mata, onde está pegando fogo, nas reservas legais, nos parques nacionais, que não vive gente pela restrição da legislação de unidades de conservação. Então, a gente defende que pessoas nos territórios, se relacionando de forma harmônica com o meio ambiente, é a melhor maneira de a gente conservar a natureza, gerar desenvolvimento e cuidar do nosso maior patrimônio, que é a nossa biodiversidade e a nossa água.

-Qual é o papel do consumidor neste cenário?

L.C.

"A gente clama para que a população faça uma reflexão da origem do que consome, porque a partir do consumo a gente financia um modelo de produção e a gente acredita que multimodelos são possíveis e precisam viver em harmonia, mas a gente defende que quanto mais inclusivo ele for, com produtos mais saudáveis e sustentáveis, melhor é para todo mundo. Precisamos reciclar nossas mentes, nossas posições, posturas e trabalhar muito profundamente a percepção do impacto do nosso consumo no planeta, é preciso se perguntar: O que eu estou financiando quando eu consumo ou compro esse ou aquele produto?".

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-A Central do Cerrado está lançando a marca Central da Sociobio, qual é a diferença entre elas? 

L.C.

"Nós ampliamos os biomas, a gente está há mais de dez anos na Caatinga, há mais de cinco anos na Amazônia e trabalhando essa marca como uma das possíveis distribuidoras de produtos de todos os biomas para o Brasil e para o mundo. É a economia do futuro e, como diria o Ailton Krenak: "O futuro é ancestral". Então, a gente vai olhar para o futuro fazendo o que os nossos antepassados faziam, que eram os nômades, coletores, catadores, que antes faziam exclusivamente para subsistência e a gente trabalha isso desenvolvendo produtos que regeneram os ambientes e as pessoas. Buscamos gerar valor a esse modelo de produção e dar visibilidade para frutos que, infelizmente, a maioria dos brasileiros não conhece, a gente brinca que está 'apresentando o Brasil aos brasileiros que não conhecem pequi, babaçu, jatobá', que são consumidos por essas comunidades há décadas. Estamos possibilitando o acesso a esses alimentos e trabalhando na valorização dos produtos a partir das qualidades nutricionais dos ingredientes, do sabor, do cheiro, das cores, e de tudo o que está por trás deles, a história dos povos, da cultura e da natureza". 

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