Uma alimentação consciente no paraíso da comilança

Menos açúcar e ultraprocessados, veja como está o cumprimento da Resolução 6 nas escolas públicas 


Por Juliana Carreiro
Merenda servida pela prefeitura de São Paulo. Créditos: Marcelo Chello.  

Resolução de 2020 visa tornar a merenda escolar pública mais saudável e está em diferentes estágios de cumprimento nos Estados e municípios brasileiros

 

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O Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 Anos, do Ministério da Saúde, recomenda que não se ofereça açúcar para os pequenos neste período inicial de vida. Infelizmente esta recomendação não é seguida em muitos lares do País. A boa notícia é que muitas creches públicas estão conseguindo manter os alunos, com até 3 anos, afastados do açúcar. Os sucos industrializados passaram a ser integrais e, quando necessário, adoçados de forma natural com concentrados orgânicos de maçã ou banana. 

 

Para os mais velhos, em muitas escolas, o percentual de açúcar nas refeições também tem caído e hoje não passa de 7, o mel e o melaço de cana têm aparecido para ajudá-lo a cumprir esta função. Os ultraprocessados estão sendo substituídos por versões mais naturais, a margarina, por exemplo, perdeu espaço para a manteiga, os pães, bolachas e macarrão industrializados e feitos com farinha refinada, estão ganhando versões mais caseiras, preparadas com farinha  integral orgânica. 

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Estas são algumas das principais conquistas da Resolução 6 de 2020, publicada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) que atualizou as normas para a execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar para garantir um cardápio mais saudável. O PNAE cuida da merenda dos mais de 47 milhões de alunos de todas as etapas da educação básica pública e é acompanhado e fiscalizado diretamente pela sociedade, por meio de órgãos como o Conselho de Alimentação Escolar (CAE).

 

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Em um País com dimensões continentais e realidades tão diferentes, como o Brasil, é difícil imaginar que recomendações, como as da Resolução 6, estejam sendo cumpridas de forma regular por todos os municípios e Estados. Por isso, a partir de hoje, o Comida de Verdade vai publicar uma série de entrevistas que buscam entender como está a qualidade da alimentação escolar pública do País, começando pelo presidente do Fórum Nacional dos Conselhos de Alimentação Escolar, Marcelo Colonato.

 

-Como atuam os Conselhos de Alimentação Escolar? 

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M.C.

" A gente tem a função de estar presente em todas as etapas da alimentação escolar, tanto das prefeituras quanto dos estados. Desde a hora que a nutricionista prepara o edital ou a chamada pública para comprar um determinado alimento. Podemos participar, por exemplo, das licitações, pregões, chamamentos públicos e sugerir itens para alimentação escolar. Podemos acompanhar a distribuição desses alimentos nas unidades municipais; o preparo desses alimentos; o armazenado, se está de acordo com a legislação; a equipe que prepara esse alimento, as cozinheiras e os cozinheiros das escolas; olhamos a estrutura da cozinha, do refeitório, se a escola tem refeitório ou não, se está de acordo com todas as normativas sanitárias. Tem um momento também que o conselheiro vai fazer a prestação de contas, as prefeituras ou os estados preenchem um formulário online e nós analisamos essas contas, sempre do ano anterior, vamos olhar tudo o que aconteceu, se teve alguma falha, algum prejuízo financeiro, alguma irregularidade. Nós aprovamos, aprovamos com ressalvas, quando aconteceu alguma falha que não foi prejudicial ao aluno e nem aos recursos financeiros, ou reprovamos, quando há uma irregularidade, um prejuízo financeiro ou para o aluno na hora da alimentação'.

 

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-Todos os municípios do País têm conselhos atuantes? O que pode ser feito para fortalecer os órgãos nas cidades onde estão enfraquecidos? 

M.C.

"Todos têm que ter instituído seus conselhos de alimentação escolar. Até porque um dos motivos que a cidade ou o estado não recebe os recursos do PNAE, do Programa Nacional de Alimentação Escolar do Governo Federal, é não ter o seu conselho instituído ou o seu conselho estar ativo, ele não pode estar vencido nem diligenciado, tem que estar regular. Infelizmente, nós não temos conselhos de alimentação escolar atuantes em todo o Brasil.  Existem várias legislações, resoluções e leis que são criadas no Governo Federal e são encaminhadas para os municípios e estados, para que os conselheiros leiam e façam o trabalho acontecer. Só que muitos conselhos são limitados, às vezes, até por falta de  internet, ou por dificuldades de entender a legislação. O Fórum Nacional dos Conselhos de Alimentação Escolar faz formação e capacitação em vários pontos do Brasil, nós defendemos a oferta de formações permanentes, para qualificar os conselheiros, que são voluntários. 

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-Como está o cumprimento da resolução número 6 do FNDE nas escolas do País?

M.C.

"É uma resolução de 2020, mas ela avançou muito, porque depois de quatro anos, os nutricionistas e gestores das escolas dos municípios e estados se adequaram ao que foi determinado por ela. Mas em relação aos conselheiros, a gente tem ainda muita dificuldade, porque muitos conselheiros ainda não compreendem exatamente o que é a Resolução 6 por conta dessa falta de capacitação e informação".

 

-Quais são as conquistas mais recentes desta área e quais os maiores desafios? 

M.C.

"A maior conquista foi o reajuste da verba (em 2023, o governo federal reajustou em mais de 37% os recursos enviados aos municípios e estados para custear a alimentação escolar). A verba estava congelada há muito tempo, infelizmente. Esse reajuste foi considerável e fortaleceu bastante a alimentação escolar de vários locais. O desafio é realmente garantir uma alimentação de qualidade, que siga as resoluções em todos os municípios e estados do Brasil. E fortalecer e qualificar ainda mais os conselhos de alimentação escolar. Porque se você tiver um conselho atuante, conhecedor da lei, é mais fácil cobrar a entidade executora para que se cumpra as leis, para que se garanta uma alimentação de qualidade para os alunos".

 

-Há uma grande discrepância entre os estados em relação ao cumprimento da Resolução 6?

M.C. 

"Em São Paulo, por exemplo, que é um estado rico, você consegue fazer com que essa resolução seja aplicada da melhor forma. Quando você vai pra um estado ou município do Norte ou Nordeste, que está bem distante das capitais, é muito difícil que a resolução seja cumprida por conta das dificuldades financeiras pra adquirir os produtos adequados. Então, existe uma discrepância por causa dessas diferenças que nosso País tem, principalmente de recursos. Isso é uma coisa que a gente precisa rever junto ao governo federal, o recurso que vai pra uma cidade grande, como São Paulo, é o mesmo que vai para uma cidade pequenininha lá do Nordeste. As cidades grandes e ricas conseguem investir um valor duas, três vezes maior do que o que recebem do governo federal, as cidades menores ou mais pobres, às vezes não conseguem nem investir o mesmo valor que recebem. 

Por isso eu defendo que o valor dos recursos destinados pelo governo federal  estejam de acordo com os recursos que aquele município, aquele estado tem hoje, para que possa compensar as desigualdades. E a gente ainda tem dificuldades de aplicação desse recurso federal por conta da má gestão de prefeitos e governadores que não fazem a lição de casa. Quando você tem um gestor  comprometido com alimentação escolar, em cumprir a legislação, as coisas acontecem da melhor forma. 

 

-Ainda é grande o percentual de escolas oferecendo ultraprocessados e açúcar para as crianças? 

M.C.

"As novas resoluções proíbem o açúcar para as crianças até os três anos de idade, esta  proibição está sendo seguida, pelo menos a gente não tem denúncias. A partir dos três anos, não tem a proibição, mas a gente está vendo que muitos estados e municípios estão aderindo também para crianças maiores a erradicação do açúcar ou a diminuição do percentual. Os ultraprocessados, apesar de muitos lugares já proibirem, a gente ainda encontra em alguns lugares. É um debate muito grande, o Conselho de Alimentação Escolar tem que estar bem atuante nesse sentido. A nutricionista tem que ter a compreensão do que é permitido e o que não é para que até ela não sofra nenhum tipo de representação junto aos órgãos de controle ou até mesmo junto ao Conselho Regional de Nutricionistas".

 

-O FNDE disponibiliza uma verba extra para complementar o valor distribuído pelo PNAE para alimentação escolar do país. Uma resolução federal exige que, no mínimo, 30% da verba do FNDE seja destinada para a compra de alimentos produzidos por agricultores familiares. Como está o cumprimento dessa determinação? 

M.C.

"Essa determinação começou lá com a Lei Federal 11.947 de 2009, naquela época, foi dado 180 dias para que os municípios e estados se adequassem à nova lei e, por incrível que pareça, nós estamos em 2024 e até o ano retrasado, tínhamos cidades e estados que não cumpriam os 30%. Eles reprogramavam recursos, justificavam de alguma forma e utilizavam os recursos para compra de itens de alimentação escolar, mas não da agricultura familiar e isso era permitido de certa forma, porque não tinha aí uma cobrança mais enérgica do governo federal. Do ano passado para cá, as cidades que não cumprem os 30% estão tendo que devolver o dinheiro para a União. Ainda tem cidades que estão devolvendo o dinheiro. É um recurso federal, não é recurso próprio, não pode ser utilizado para outra coisa a não ser comprar gêneros alimentícios. Mas a grande maioria das cidades está cumprindo a legislação. Quando eu assumi o Conselho de Alimentação Escolar de São Paulo, em 2019, era um estado que também não cumpria os 30%. O nosso conselho começou a cobrar o Estado e hoje às vezes até ultrapassa o percentual que determina a lei federal.

 

-Em algumas cidades, as prefeituras terceirizam o fornecimento da merenda escolar para os alunos de 4 a 15 anos e a escolha dos alimentos oferecidos passa a ser responsabilidade dessas empresas. Como funciona o cumprimento da Resolução 6 e da compra de alimentos vindos da agricultura familiar por parte delas? 

M.C.

"Eu sou contra a terceirização de alimentação escolar por vários aspectos, eu acho que você não tem a mesma qualidade que teria com uma gestão própria, a questão de armazenamento de alimentos, por exemplo, é mais fácil de você fiscalizar com uma gestão própria, assim como outros elementos. Normalmente, a nutricionista da cidade ou do estado onde é tercerizado prepara o cardápio e encaminha para a empresa seguir. A questão da compra da agricultura familiar, normalmente, é a prefeitura ou o estado que separa esse recurso do PNAE e compra, para não deixar na mão da empresa terceirizada. E os outros produtos acabam sendo comprados pela empresa. Os orgânicos, por exemplo, claro que têm mais qualidade que os outros, mas acaba encarecendo para a terceirizada, e aí a empresa não quer. Por isso e por muitos outros motivos, eu acho que quando você terceiriza, você precariza a alimentação".

 

Merenda servida pela prefeitura de São Paulo. Créditos: Marcelo Chello.  

Resolução de 2020 visa tornar a merenda escolar pública mais saudável e está em diferentes estágios de cumprimento nos Estados e municípios brasileiros

 

O Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 Anos, do Ministério da Saúde, recomenda que não se ofereça açúcar para os pequenos neste período inicial de vida. Infelizmente esta recomendação não é seguida em muitos lares do País. A boa notícia é que muitas creches públicas estão conseguindo manter os alunos, com até 3 anos, afastados do açúcar. Os sucos industrializados passaram a ser integrais e, quando necessário, adoçados de forma natural com concentrados orgânicos de maçã ou banana. 

 

Para os mais velhos, em muitas escolas, o percentual de açúcar nas refeições também tem caído e hoje não passa de 7, o mel e o melaço de cana têm aparecido para ajudá-lo a cumprir esta função. Os ultraprocessados estão sendo substituídos por versões mais naturais, a margarina, por exemplo, perdeu espaço para a manteiga, os pães, bolachas e macarrão industrializados e feitos com farinha refinada, estão ganhando versões mais caseiras, preparadas com farinha  integral orgânica. 

 

Estas são algumas das principais conquistas da Resolução 6 de 2020, publicada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) que atualizou as normas para a execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar para garantir um cardápio mais saudável. O PNAE cuida da merenda dos mais de 47 milhões de alunos de todas as etapas da educação básica pública e é acompanhado e fiscalizado diretamente pela sociedade, por meio de órgãos como o Conselho de Alimentação Escolar (CAE).

 

Em um País com dimensões continentais e realidades tão diferentes, como o Brasil, é difícil imaginar que recomendações, como as da Resolução 6, estejam sendo cumpridas de forma regular por todos os municípios e Estados. Por isso, a partir de hoje, o Comida de Verdade vai publicar uma série de entrevistas que buscam entender como está a qualidade da alimentação escolar pública do País, começando pelo presidente do Fórum Nacional dos Conselhos de Alimentação Escolar, Marcelo Colonato.

 

-Como atuam os Conselhos de Alimentação Escolar? 

M.C.

" A gente tem a função de estar presente em todas as etapas da alimentação escolar, tanto das prefeituras quanto dos estados. Desde a hora que a nutricionista prepara o edital ou a chamada pública para comprar um determinado alimento. Podemos participar, por exemplo, das licitações, pregões, chamamentos públicos e sugerir itens para alimentação escolar. Podemos acompanhar a distribuição desses alimentos nas unidades municipais; o preparo desses alimentos; o armazenado, se está de acordo com a legislação; a equipe que prepara esse alimento, as cozinheiras e os cozinheiros das escolas; olhamos a estrutura da cozinha, do refeitório, se a escola tem refeitório ou não, se está de acordo com todas as normativas sanitárias. Tem um momento também que o conselheiro vai fazer a prestação de contas, as prefeituras ou os estados preenchem um formulário online e nós analisamos essas contas, sempre do ano anterior, vamos olhar tudo o que aconteceu, se teve alguma falha, algum prejuízo financeiro, alguma irregularidade. Nós aprovamos, aprovamos com ressalvas, quando aconteceu alguma falha que não foi prejudicial ao aluno e nem aos recursos financeiros, ou reprovamos, quando há uma irregularidade, um prejuízo financeiro ou para o aluno na hora da alimentação'.

 

-Todos os municípios do País têm conselhos atuantes? O que pode ser feito para fortalecer os órgãos nas cidades onde estão enfraquecidos? 

M.C.

"Todos têm que ter instituído seus conselhos de alimentação escolar. Até porque um dos motivos que a cidade ou o estado não recebe os recursos do PNAE, do Programa Nacional de Alimentação Escolar do Governo Federal, é não ter o seu conselho instituído ou o seu conselho estar ativo, ele não pode estar vencido nem diligenciado, tem que estar regular. Infelizmente, nós não temos conselhos de alimentação escolar atuantes em todo o Brasil.  Existem várias legislações, resoluções e leis que são criadas no Governo Federal e são encaminhadas para os municípios e estados, para que os conselheiros leiam e façam o trabalho acontecer. Só que muitos conselhos são limitados, às vezes, até por falta de  internet, ou por dificuldades de entender a legislação. O Fórum Nacional dos Conselhos de Alimentação Escolar faz formação e capacitação em vários pontos do Brasil, nós defendemos a oferta de formações permanentes, para qualificar os conselheiros, que são voluntários. 

 

-Como está o cumprimento da resolução número 6 do FNDE nas escolas do País?

M.C.

"É uma resolução de 2020, mas ela avançou muito, porque depois de quatro anos, os nutricionistas e gestores das escolas dos municípios e estados se adequaram ao que foi determinado por ela. Mas em relação aos conselheiros, a gente tem ainda muita dificuldade, porque muitos conselheiros ainda não compreendem exatamente o que é a Resolução 6 por conta dessa falta de capacitação e informação".

 

-Quais são as conquistas mais recentes desta área e quais os maiores desafios? 

M.C.

"A maior conquista foi o reajuste da verba (em 2023, o governo federal reajustou em mais de 37% os recursos enviados aos municípios e estados para custear a alimentação escolar). A verba estava congelada há muito tempo, infelizmente. Esse reajuste foi considerável e fortaleceu bastante a alimentação escolar de vários locais. O desafio é realmente garantir uma alimentação de qualidade, que siga as resoluções em todos os municípios e estados do Brasil. E fortalecer e qualificar ainda mais os conselhos de alimentação escolar. Porque se você tiver um conselho atuante, conhecedor da lei, é mais fácil cobrar a entidade executora para que se cumpra as leis, para que se garanta uma alimentação de qualidade para os alunos".

 

-Há uma grande discrepância entre os estados em relação ao cumprimento da Resolução 6?

M.C. 

"Em São Paulo, por exemplo, que é um estado rico, você consegue fazer com que essa resolução seja aplicada da melhor forma. Quando você vai pra um estado ou município do Norte ou Nordeste, que está bem distante das capitais, é muito difícil que a resolução seja cumprida por conta das dificuldades financeiras pra adquirir os produtos adequados. Então, existe uma discrepância por causa dessas diferenças que nosso País tem, principalmente de recursos. Isso é uma coisa que a gente precisa rever junto ao governo federal, o recurso que vai pra uma cidade grande, como São Paulo, é o mesmo que vai para uma cidade pequenininha lá do Nordeste. As cidades grandes e ricas conseguem investir um valor duas, três vezes maior do que o que recebem do governo federal, as cidades menores ou mais pobres, às vezes não conseguem nem investir o mesmo valor que recebem. 

Por isso eu defendo que o valor dos recursos destinados pelo governo federal  estejam de acordo com os recursos que aquele município, aquele estado tem hoje, para que possa compensar as desigualdades. E a gente ainda tem dificuldades de aplicação desse recurso federal por conta da má gestão de prefeitos e governadores que não fazem a lição de casa. Quando você tem um gestor  comprometido com alimentação escolar, em cumprir a legislação, as coisas acontecem da melhor forma. 

 

-Ainda é grande o percentual de escolas oferecendo ultraprocessados e açúcar para as crianças? 

M.C.

"As novas resoluções proíbem o açúcar para as crianças até os três anos de idade, esta  proibição está sendo seguida, pelo menos a gente não tem denúncias. A partir dos três anos, não tem a proibição, mas a gente está vendo que muitos estados e municípios estão aderindo também para crianças maiores a erradicação do açúcar ou a diminuição do percentual. Os ultraprocessados, apesar de muitos lugares já proibirem, a gente ainda encontra em alguns lugares. É um debate muito grande, o Conselho de Alimentação Escolar tem que estar bem atuante nesse sentido. A nutricionista tem que ter a compreensão do que é permitido e o que não é para que até ela não sofra nenhum tipo de representação junto aos órgãos de controle ou até mesmo junto ao Conselho Regional de Nutricionistas".

 

-O FNDE disponibiliza uma verba extra para complementar o valor distribuído pelo PNAE para alimentação escolar do país. Uma resolução federal exige que, no mínimo, 30% da verba do FNDE seja destinada para a compra de alimentos produzidos por agricultores familiares. Como está o cumprimento dessa determinação? 

M.C.

"Essa determinação começou lá com a Lei Federal 11.947 de 2009, naquela época, foi dado 180 dias para que os municípios e estados se adequassem à nova lei e, por incrível que pareça, nós estamos em 2024 e até o ano retrasado, tínhamos cidades e estados que não cumpriam os 30%. Eles reprogramavam recursos, justificavam de alguma forma e utilizavam os recursos para compra de itens de alimentação escolar, mas não da agricultura familiar e isso era permitido de certa forma, porque não tinha aí uma cobrança mais enérgica do governo federal. Do ano passado para cá, as cidades que não cumprem os 30% estão tendo que devolver o dinheiro para a União. Ainda tem cidades que estão devolvendo o dinheiro. É um recurso federal, não é recurso próprio, não pode ser utilizado para outra coisa a não ser comprar gêneros alimentícios. Mas a grande maioria das cidades está cumprindo a legislação. Quando eu assumi o Conselho de Alimentação Escolar de São Paulo, em 2019, era um estado que também não cumpria os 30%. O nosso conselho começou a cobrar o Estado e hoje às vezes até ultrapassa o percentual que determina a lei federal.

 

-Em algumas cidades, as prefeituras terceirizam o fornecimento da merenda escolar para os alunos de 4 a 15 anos e a escolha dos alimentos oferecidos passa a ser responsabilidade dessas empresas. Como funciona o cumprimento da Resolução 6 e da compra de alimentos vindos da agricultura familiar por parte delas? 

M.C.

"Eu sou contra a terceirização de alimentação escolar por vários aspectos, eu acho que você não tem a mesma qualidade que teria com uma gestão própria, a questão de armazenamento de alimentos, por exemplo, é mais fácil de você fiscalizar com uma gestão própria, assim como outros elementos. Normalmente, a nutricionista da cidade ou do estado onde é tercerizado prepara o cardápio e encaminha para a empresa seguir. A questão da compra da agricultura familiar, normalmente, é a prefeitura ou o estado que separa esse recurso do PNAE e compra, para não deixar na mão da empresa terceirizada. E os outros produtos acabam sendo comprados pela empresa. Os orgânicos, por exemplo, claro que têm mais qualidade que os outros, mas acaba encarecendo para a terceirizada, e aí a empresa não quer. Por isso e por muitos outros motivos, eu acho que quando você terceiriza, você precariza a alimentação".

 

Merenda servida pela prefeitura de São Paulo. Créditos: Marcelo Chello.  

Resolução de 2020 visa tornar a merenda escolar pública mais saudável e está em diferentes estágios de cumprimento nos Estados e municípios brasileiros

 

O Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 Anos, do Ministério da Saúde, recomenda que não se ofereça açúcar para os pequenos neste período inicial de vida. Infelizmente esta recomendação não é seguida em muitos lares do País. A boa notícia é que muitas creches públicas estão conseguindo manter os alunos, com até 3 anos, afastados do açúcar. Os sucos industrializados passaram a ser integrais e, quando necessário, adoçados de forma natural com concentrados orgânicos de maçã ou banana. 

 

Para os mais velhos, em muitas escolas, o percentual de açúcar nas refeições também tem caído e hoje não passa de 7, o mel e o melaço de cana têm aparecido para ajudá-lo a cumprir esta função. Os ultraprocessados estão sendo substituídos por versões mais naturais, a margarina, por exemplo, perdeu espaço para a manteiga, os pães, bolachas e macarrão industrializados e feitos com farinha refinada, estão ganhando versões mais caseiras, preparadas com farinha  integral orgânica. 

 

Estas são algumas das principais conquistas da Resolução 6 de 2020, publicada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) que atualizou as normas para a execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar para garantir um cardápio mais saudável. O PNAE cuida da merenda dos mais de 47 milhões de alunos de todas as etapas da educação básica pública e é acompanhado e fiscalizado diretamente pela sociedade, por meio de órgãos como o Conselho de Alimentação Escolar (CAE).

 

Em um País com dimensões continentais e realidades tão diferentes, como o Brasil, é difícil imaginar que recomendações, como as da Resolução 6, estejam sendo cumpridas de forma regular por todos os municípios e Estados. Por isso, a partir de hoje, o Comida de Verdade vai publicar uma série de entrevistas que buscam entender como está a qualidade da alimentação escolar pública do País, começando pelo presidente do Fórum Nacional dos Conselhos de Alimentação Escolar, Marcelo Colonato.

 

-Como atuam os Conselhos de Alimentação Escolar? 

M.C.

" A gente tem a função de estar presente em todas as etapas da alimentação escolar, tanto das prefeituras quanto dos estados. Desde a hora que a nutricionista prepara o edital ou a chamada pública para comprar um determinado alimento. Podemos participar, por exemplo, das licitações, pregões, chamamentos públicos e sugerir itens para alimentação escolar. Podemos acompanhar a distribuição desses alimentos nas unidades municipais; o preparo desses alimentos; o armazenado, se está de acordo com a legislação; a equipe que prepara esse alimento, as cozinheiras e os cozinheiros das escolas; olhamos a estrutura da cozinha, do refeitório, se a escola tem refeitório ou não, se está de acordo com todas as normativas sanitárias. Tem um momento também que o conselheiro vai fazer a prestação de contas, as prefeituras ou os estados preenchem um formulário online e nós analisamos essas contas, sempre do ano anterior, vamos olhar tudo o que aconteceu, se teve alguma falha, algum prejuízo financeiro, alguma irregularidade. Nós aprovamos, aprovamos com ressalvas, quando aconteceu alguma falha que não foi prejudicial ao aluno e nem aos recursos financeiros, ou reprovamos, quando há uma irregularidade, um prejuízo financeiro ou para o aluno na hora da alimentação'.

 

-Todos os municípios do País têm conselhos atuantes? O que pode ser feito para fortalecer os órgãos nas cidades onde estão enfraquecidos? 

M.C.

"Todos têm que ter instituído seus conselhos de alimentação escolar. Até porque um dos motivos que a cidade ou o estado não recebe os recursos do PNAE, do Programa Nacional de Alimentação Escolar do Governo Federal, é não ter o seu conselho instituído ou o seu conselho estar ativo, ele não pode estar vencido nem diligenciado, tem que estar regular. Infelizmente, nós não temos conselhos de alimentação escolar atuantes em todo o Brasil.  Existem várias legislações, resoluções e leis que são criadas no Governo Federal e são encaminhadas para os municípios e estados, para que os conselheiros leiam e façam o trabalho acontecer. Só que muitos conselhos são limitados, às vezes, até por falta de  internet, ou por dificuldades de entender a legislação. O Fórum Nacional dos Conselhos de Alimentação Escolar faz formação e capacitação em vários pontos do Brasil, nós defendemos a oferta de formações permanentes, para qualificar os conselheiros, que são voluntários. 

 

-Como está o cumprimento da resolução número 6 do FNDE nas escolas do País?

M.C.

"É uma resolução de 2020, mas ela avançou muito, porque depois de quatro anos, os nutricionistas e gestores das escolas dos municípios e estados se adequaram ao que foi determinado por ela. Mas em relação aos conselheiros, a gente tem ainda muita dificuldade, porque muitos conselheiros ainda não compreendem exatamente o que é a Resolução 6 por conta dessa falta de capacitação e informação".

 

-Quais são as conquistas mais recentes desta área e quais os maiores desafios? 

M.C.

"A maior conquista foi o reajuste da verba (em 2023, o governo federal reajustou em mais de 37% os recursos enviados aos municípios e estados para custear a alimentação escolar). A verba estava congelada há muito tempo, infelizmente. Esse reajuste foi considerável e fortaleceu bastante a alimentação escolar de vários locais. O desafio é realmente garantir uma alimentação de qualidade, que siga as resoluções em todos os municípios e estados do Brasil. E fortalecer e qualificar ainda mais os conselhos de alimentação escolar. Porque se você tiver um conselho atuante, conhecedor da lei, é mais fácil cobrar a entidade executora para que se cumpra as leis, para que se garanta uma alimentação de qualidade para os alunos".

 

-Há uma grande discrepância entre os estados em relação ao cumprimento da Resolução 6?

M.C. 

"Em São Paulo, por exemplo, que é um estado rico, você consegue fazer com que essa resolução seja aplicada da melhor forma. Quando você vai pra um estado ou município do Norte ou Nordeste, que está bem distante das capitais, é muito difícil que a resolução seja cumprida por conta das dificuldades financeiras pra adquirir os produtos adequados. Então, existe uma discrepância por causa dessas diferenças que nosso País tem, principalmente de recursos. Isso é uma coisa que a gente precisa rever junto ao governo federal, o recurso que vai pra uma cidade grande, como São Paulo, é o mesmo que vai para uma cidade pequenininha lá do Nordeste. As cidades grandes e ricas conseguem investir um valor duas, três vezes maior do que o que recebem do governo federal, as cidades menores ou mais pobres, às vezes não conseguem nem investir o mesmo valor que recebem. 

Por isso eu defendo que o valor dos recursos destinados pelo governo federal  estejam de acordo com os recursos que aquele município, aquele estado tem hoje, para que possa compensar as desigualdades. E a gente ainda tem dificuldades de aplicação desse recurso federal por conta da má gestão de prefeitos e governadores que não fazem a lição de casa. Quando você tem um gestor  comprometido com alimentação escolar, em cumprir a legislação, as coisas acontecem da melhor forma. 

 

-Ainda é grande o percentual de escolas oferecendo ultraprocessados e açúcar para as crianças? 

M.C.

"As novas resoluções proíbem o açúcar para as crianças até os três anos de idade, esta  proibição está sendo seguida, pelo menos a gente não tem denúncias. A partir dos três anos, não tem a proibição, mas a gente está vendo que muitos estados e municípios estão aderindo também para crianças maiores a erradicação do açúcar ou a diminuição do percentual. Os ultraprocessados, apesar de muitos lugares já proibirem, a gente ainda encontra em alguns lugares. É um debate muito grande, o Conselho de Alimentação Escolar tem que estar bem atuante nesse sentido. A nutricionista tem que ter a compreensão do que é permitido e o que não é para que até ela não sofra nenhum tipo de representação junto aos órgãos de controle ou até mesmo junto ao Conselho Regional de Nutricionistas".

 

-O FNDE disponibiliza uma verba extra para complementar o valor distribuído pelo PNAE para alimentação escolar do país. Uma resolução federal exige que, no mínimo, 30% da verba do FNDE seja destinada para a compra de alimentos produzidos por agricultores familiares. Como está o cumprimento dessa determinação? 

M.C.

"Essa determinação começou lá com a Lei Federal 11.947 de 2009, naquela época, foi dado 180 dias para que os municípios e estados se adequassem à nova lei e, por incrível que pareça, nós estamos em 2024 e até o ano retrasado, tínhamos cidades e estados que não cumpriam os 30%. Eles reprogramavam recursos, justificavam de alguma forma e utilizavam os recursos para compra de itens de alimentação escolar, mas não da agricultura familiar e isso era permitido de certa forma, porque não tinha aí uma cobrança mais enérgica do governo federal. Do ano passado para cá, as cidades que não cumprem os 30% estão tendo que devolver o dinheiro para a União. Ainda tem cidades que estão devolvendo o dinheiro. É um recurso federal, não é recurso próprio, não pode ser utilizado para outra coisa a não ser comprar gêneros alimentícios. Mas a grande maioria das cidades está cumprindo a legislação. Quando eu assumi o Conselho de Alimentação Escolar de São Paulo, em 2019, era um estado que também não cumpria os 30%. O nosso conselho começou a cobrar o Estado e hoje às vezes até ultrapassa o percentual que determina a lei federal.

 

-Em algumas cidades, as prefeituras terceirizam o fornecimento da merenda escolar para os alunos de 4 a 15 anos e a escolha dos alimentos oferecidos passa a ser responsabilidade dessas empresas. Como funciona o cumprimento da Resolução 6 e da compra de alimentos vindos da agricultura familiar por parte delas? 

M.C.

"Eu sou contra a terceirização de alimentação escolar por vários aspectos, eu acho que você não tem a mesma qualidade que teria com uma gestão própria, a questão de armazenamento de alimentos, por exemplo, é mais fácil de você fiscalizar com uma gestão própria, assim como outros elementos. Normalmente, a nutricionista da cidade ou do estado onde é tercerizado prepara o cardápio e encaminha para a empresa seguir. A questão da compra da agricultura familiar, normalmente, é a prefeitura ou o estado que separa esse recurso do PNAE e compra, para não deixar na mão da empresa terceirizada. E os outros produtos acabam sendo comprados pela empresa. Os orgânicos, por exemplo, claro que têm mais qualidade que os outros, mas acaba encarecendo para a terceirizada, e aí a empresa não quer. Por isso e por muitos outros motivos, eu acho que quando você terceiriza, você precariza a alimentação".

 

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