Uma alimentação consciente no paraíso da comilança
Sem glúten, sem radicalismo e com bom senso, por favor.
Sou contrária ao radicalismo em qualquer aspecto da vida. Desde às religiões com seus grupos extremistas, até às torcidas cegas por um ou outro time de futebol ou partido político e passando pela saúde e pela alimentação, por que não? As restrições alimentares, por exemplo, devem ser feitas de forma radical por aqueles que tenham alergias imediatas a alguma substância presente nos alimentos excluídos, ou que tenham uma intolerância crônica e permanente, como é a relação dos celíacos com o glúten. Eles representam, atualmente, de 0,5 a 2% dos brasileiros.
Eu sou como a grande maioria da população mundial, tenho hipersensibilidade, ou alergia tardia ao glúten, ou seja, tenho dificuldade para digerir essa proteína de alto potencial alergênico, presente em cereais como o trigo, o centeio e a cevada. Como o organismo não reconhece as frações mal digeridas, ele tenta combatê-las, produzindo substâncias chamadas de pró-inflamatórias, o que desencadeia um processo inflamatório que culmina em diversos sintomas físicos, mentais ou emocionais. A hipersensibilidade é de difícil diagnóstico porque os sintomas não aparecem logo após o consumo dos alimentos que a provocam. Além disso, eles variam muito de pessoa para pessoa, por conta das pré-disposições genéticas e estado geral de cada organismo, e se transformam em rinite, sinusite, dermatite, cistite, enxaqueca, obstipação intestinal ou diarreia, dores musculares e articulares, fadiga crônica, ansiedade e depressão, entre muitos outras.
Vale o alerta. Aqueles que sofram com, pelo menos, um desses sintomas e desconfiam que o glúten pode ser a causa deles, não deve excluí-lo da dieta antes de consultar um especialista. Isso porque a retirada dele pode mascarar o diagnóstico da doença celíaca.
Para todos os outros casos, o segredo para manter uma relação mais amigável com o glúten é preservar bons hábitos alimentares que vão fortalecer o sistema imunológico, para ficarmos mais resistentes aos seus malefícios. Parece simples, basta voltarmos aos costumes dos nossos avós, com um alto consumo de frutas, verduras, legumes, cereais integrais e, principalmente, de refeições com alimentos de verdade, feitos em casa, no almoço e, pasmem, no jantar. O bom e velho prato com arroz e feijão. Ovo, carne, frango, peixe, são todos bem vindos. Nesse contexto, o glúten aparecia como um coadjuvante, em momentos como o café da manhã e o lanche da tarde, sempre acompanhado de outros elementos.
Mas, o que tenho visto, ultimamente, está bem distante desta realidade. Ele se tornou o protagonista de todas as refeições. De acordo com a Embrapa, o consumo da farinha de trigo, por exemplo, dobrou desde os anos 70, no Brasil. Se há quarenta e cinco anos eram consumidos 30kg por pessoa, por ano, hoje são 60kg. Na primeira refeição do dia, as frutas e cereais deram lugar aos pães e bolos. Ao longo dele, quem sai das bolsas e lancheiras para matar a fome? Biscoitos salgados ou bolachas recheadas. No almoço, um sanduíche rápido para não perder tempo. De noite reinam as pizzas entregues em casa, as lasanhas congeladas e o macarrão instantâneo, que ficam prontos em poucos minutos. Toda essa praticidade vem recheada de muito glúten e nenhuma fibra, pouquíssimos nutrientes, vitaminas e minerais.
É bom esclarecer que aqueles que, por qualquer motivo - vale até o modismo -, notaram que se sentem melhor sem o glúten no cardápio, e decidiram bani-lo, não estão cometendo nenhuma loucura, não estão perdendo nutrientes, não terão a saúde prejudicada de nenhuma forma. Deixar de consumir o glúten não implica em deixar de consumir carboidratos, importantíssimos para o bom funcionamento do nosso organismo. Os substitutos dele, muito usados por quem o retirou, são muito mais ricos em vitaminas, fibras e minerais. São baratos, versáteis e fáceis de encontrar, como a tapioca, a batata doce e a mandioca, ou menos conhecidos como a farinha de arroz, a fécula de batata e a farinha de grão de bico, que, juntas, fazem maravilhas na cozinha.
Se é preciso ter bom senso para não sermos radicais nas nossas escolhas, ele também é necessário para que elas não nos façam mal.
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Por Juliana Carreiro
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