Quando um cachorro tem dificuldade de interação com outros cães, medo de pessoas e só quer brincar de uma única coisa, já vem o questionamento: será que meu cachorro é autista?
Extrapolar algumas características humanas do espectro do autista para os cães pode ser um grande erro. A maioria dos transtornos, distúrbios ou doenças neurológicas humanas não são observadas ou comprovadas em cães. Apesar de muitas semelhanças, quando falamos de cérebro e desenvolvimento social, há uma lacuna muito grande entra as duas espécies.
A médica veterinária Sofia Dressel explica que até o momento, não existe nenhuma comprovação científica da existência de autismo em cães. "Algumas pessoas se confundem ao observar cães com comportamentos repetitivos e falta de interesse em relacionamentos sociais. Esses comportamentos comuns em pessoas autistas também podem ser expressados pelos cães, mas são sintomas muito inespecíficos e podem ter diferentes causas. Por isso, tentar extrapolar diagnósticos humanos para os animais pode tirar o foco das causas que já são conhecidas para os animais, prejudicando o tratamento correto de alterações comportamentais dos nossos pets" alerta.
No caso dos cães, a genética é um fator importante. Porém, o ambiente no qual o animal está inserido, principalmente até os quatro meses de vida, pode influenciar muito mais. O principal motivo para um cão não querer interagir com outros animais, segundo Dra Sofia, é a socialização realizada de forma incorreta. "Existem ainda muitos preconceitos em relação à socialização de filhotes, que é a fase em que eles estão mais propensos a aprenderem coisas novas. Isso faz com que muitos cães se tornem inseguros, medrosos e que não sabem como brincar e se relacionar" aponta.
Outra possibilidade da dificuldade de interação com outro cão é quando o animal passa por uma experiência social negativa, fazendo com que ele passe a evitar o contato com outros cães a qualquer custo.
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O que fazer quando o cão é apático e não quer interagir com nada?
A apatia pode ser sinônimo de doença fisiológica. Por isso, o primeiro passo é levar ao médico-veterinário.
Segundo Dra Sofia, se realmente não existe nenhuma questão de saúde relacionada com essa apatia, precisamos investigar as causas relacionadas ao comportamento. "Temos que avaliar se houve alguma mudança na casa, na estrutura da família ou até alguma alteração na rotina" conta.
Muitas vezes a falta de interesse em interagir com o ambiente está relacionada com ambientes inadequados e não planejados para suprir as necessidades comportamentais do cão.
Como lidar com movimentação ou ações repetitivas?
Um dos sinais de que uma criança pode ter TEA (Transtorno do espectro autista) é a fixação com certos objetos e atividades. Além de comportamentos repetitivos. Quando extrapolamos para os cães, podem observar alguns comportamentos que sempre se repetem. Então como avalia-los.
Tudo vai depender do tipo do comportamento e da sua frequência. "Alguns comportamentos como coçar ou se lamber são normais para os cães. Mas se o animal passa a maior parte do seu tempo realizando essa atividade, ou quando o comportamento causa feridas ou a possibilidade de lesão, então podemos considerar esse comportamento como problemático" explica Dra Sofia.
A grande diferença entre um comportamento normal para um estereotipado é a funcionalidade. Se há um objetivo em andar pelo jardim para buscar um objeto, por exemplo, é normal. Mas se o animal anda sempre pelo mesmo caminho, sem que esteja buscando algo, ou sem uma finalidade específica, aí temos um problema comportamental, uma esteriotipia. Este comportamento deve ser tratado por uma junta profissional, desde médico-veterinário clínico, neurologista, comportamentalista e terapeuta comportamental.
Esse tipo de comportamento é mais comum de ser observado em animais silvestres mantidos sob cuidado humano (em alguns zoológicos, por exemplo).
Diferentemente da esteriotipia, há o comportamento compulsivo. Mas da mesma forma, deve ser tratado, principalmente quando existe risco para a saúde do animal ou das pessoas que convivem com ele.
Na compulsão, há um objetivo claro. Porém, não importa quantas vezes o cão executa aquele comportamento, ele nunca é saciado. Perseguir sombras, brincar de bolinha e buscar o próprio rabo são alguns exemplos. Em alguns casos, o cachorro é tão compulsivo por brincar de bolinha, solicitando o tempo todo que seu tutor (ou qualquer pessoa que passe) para jogar a bola, que pode chegar a passar mal de exaustão, mas mesmo assim não para.
Como tutores responsáveis, além da saúde física, devemos nos responsabilizar também pela saúde mental e pelo bem-estar dos nossos pets. Dessa forma, qualquer comportamento que percebemos que gere desconforto, ansiedade ou qualquer tipo de comprometimento do bem-estar deve ser tratado.