Leishmaniose ou Calazar é uma doença que atinge mamíferos silvestres, cães e humanos. Segundo Tatiana L. R. Pavan, médica-veterinária e consultora técnica sênior de Pet Health da Elanco Saúde Animal, há dois tipos da doença: a tegumentar, que atinge a pele e as mucosas; e a visceral, mais grave, que compromete órgãos como o baço e o fígado.
A Leishmaniose Visceral Canina (LVC) é considerada uma zoonose de importância para a saúde pública. É causada pelo protozoário Leishmania infantum, transmitido principalmente pelo mosquito palha, o Lutzomyia longipalpis. O cão é o principal hospedeiro do parasita nas zonas urbanas, podendo transmitir a leishmaniose para a população por meio do mosquito.
Tatiana explica que a transmissão da doença ocorre quando a fêmea do mosquito pica o hospedeiro infectado e se alimenta de seu sangue. "Dentro do tubo digestivo do mosquito, a leishmania se multiplica e se torna infectante. Ao picar um cão ou o homem, o mosquito inocula a leishmania, ou seja, transmite a doença ao se alimentar novamente de sangue" informa.
O grande problema é que os animais infectados podem ser fonte de infecção para outros animais e para as pessoas também. Mas vale lembrar que a transmissão não ocorre de forma direta entre animais e pessoas. Ou seja, é necessária a picada do mosquito infectado por leishmania, pois é ele o vetor quem introduz o protozoário no animal ou no homem. O mosquito pica o hospedeiro, cão por exemplo, e depois pica outro animal, para que haja a transmissão. É importante reforçar que o cão não transmite a doença diretamente aos seres humanos. É necessário o vetor, o mosquito, para fazer a transmissão.
Karin Botteon, gerente técnica da Boehringer Ingelheim lembra que a doença também pode ser transmitida entre cães por vias venérea, transplacentária e transfusão sanguínea.
Sintomas de Leishmaniose
As Leishmanias podem afetar qualquer órgão, como aponta Kathia Almeida Soares, médica-veterinária e coordenadora técnica pet da MSD Saúde Animal. Por isso, as manifestações clínicas podem ser muito variadas, como aumento dos linfonodos, emagrecimento, alterações de apetite, letargia, palidez de mucosas, aumento do baço, aumento do volume de urina e da ingestão de água, crescimento exagerado das unhas (onicogrifose), febre, vômito, diarreia, alterações cutâneas, como perda de pelo (alopecia) ao redor dos olhos, focinho e orelhas, dermatite esfoliativa (que descama) e/ou ulcerativa (que forma ulcerações) e crostas. Lesões oculares como uveíte e ceratoconjuntivite também são comuns.
"Alteração em comportamento podem ocorrer em animais com acometimento do sistema nervoso que resulta em alterações neurológicas" explica Karin.
Vale lembrar que o cão pode estar infectado e não necessariamente apresentar os sinais clínicos da doença. Sendo assim muito importante visitas periódicas ao veterinário. Esse cão, apesar de não estar doente, atua como um reservatório, podendo infectar flebótomos que continuarão a disseminar a doença para outros cães e seres humanos.
Onde tem o mosquito palha?
Tatiana aponta que o Brasil faz parte de um grupo de seis países que concentram 90% dos casos de leishmaniose visceral. A distribuição geográfica do mosquito é ampla e parece estar em expansão. A espécie é encontrada em todas as cinco regiões do Brasil. "Nas regiões Norte e Nordeste, a L. longipalpis era encontrada originalmente nas matas, mas houve adaptação desse inseto para o ambiente rural e tem sido verificada a adaptação deste vetor aos ambientes urbanos, principalmente na Região Sudeste" alerta.
O mosquito pode ser encontrado em áreas próximas a domicílios, galinheiros, chiqueiro, canil, paiol, entre outros ambientes, além do ambiente interno das casas. É um inseto que geralmente habita locais sombreados, úmidos e ricos em matéria orgânica. Por isso, a limpeza dos arredores e evitar o acúmulo de lixo, é parte importante da prevenção.
Mesmo quem está fora das áreas citadas, deve tomar cuidado. Trata-se de uma enfermidade com ampla distribuição mundial, que, nos últimos anos, tem avançado cada vez mais para os ambientes urbanos. Por isso é considerada uma doença em expansão. Assim, devemos nos atentar cada vez mais à importância da prevenção, independentemente do local de moradia da família.
[veja_tambem]
Como fazer para o cão não pegar Leishmaniose?
Existem várias medidas de prevenção contra a LVC. Mas segundo Karin, deve-se ter em mente que nenhuma medida é 100% eficaz e medidas conjuntas devem sempre ser consideradas. "É importante salientar que quando se trata de leishmaniose, toda forma de prevenção é válida" alerta Tatiana.
As principais medidas são:
- higiene e cuidados ambientais da casa e ambiente onde o animal vive (livre de matéria orgânica), para evitar a proliferação do mosquito;
- utilização de telas em portas e janelas, evitar passear com o cão ao entardecer e à noite, quando o mosquito transmissor é mais ativo;
- uso periódico de produtos repelentes e inseticidas, como as pipetas SpotOn, que são de uso tópico, coleiras impregnadas com ativos de efeito repelente e inseticida e repelentes spray;
- vacina.
Sobre os repelentes em spray, Ricardo Cabral, gerente técnico da Virbac aponta que deve primeiro checar se a eficácia é comprovada (a informação de ação repelente contra o mosquito-palha deve estar evidente) e deve checar também o período correto de reaplicação, já que isso pode variar de acordo com o tipo de produto, fabricante e outros pontos relacionados ao animal.
Os sprays normalmente devem ser aplicados por todo o corpo do animal, as pipetas são aplicadas ao longo da linha do dorso, afastando os pelos, e as coleiras simplesmente colocadas no cão. A frequência de reaplicação ou substituição das coleiras ser informada pelo fabricante e depende de uma série de fatores como peso dos animais, frequência de banhos e comprimento dos pelos. "Não existe um método que seja mais eficaz do que o outro: a escolha depende da indicação do veterinário ou disponibilidade do tutor" alerta Ricardo.
Nos cães positivos para a doença, o uso dos repelentes pode prevenir a reinfecção e evitar a transmissão da doença para outros animais e seres humanos. Nos animais negativos, ajuda a prevenir a doença.
Segundo Karin, os produtos "spot-on" geralmente tem a permetrina na sua formulação e podem ter uma ação de 3 a 4 semanas contra os flebotomíneos. Estes produtos demandam atenção especial em casas com gatos, pois a permetrina é tóxica para espécie, sendo seu uso contraindicado na mesma. De acordo com recomendações do grupo Leishvet, tais produtos devem ser aplicados pelo menos 2 dias antes da possível exposição ao vetor.
Já as coleiras, geralmente são a base de deltametrina ou flumetrina, com duração de ação variável de 5 a 8 meses na dependência do princípio ativo e marca. Elas devem ser utilizadas pelo menos, 1-2 semanas antes da possível exposição ao vetor.
Independente da medida escolhida, recomenda-se sempre consultar a bula do produto para maiores informações sobre indicações e possíveis contraindicações, como recomenda Karin.
Vacina contra leishmaniose
Tatiana ressalta que apenas animais assintomáticos e soronegativos podem ser vacinados. "Em estudo, a vacina obteve como resultado, 71,3% de eficácia vacinal. Seu uso está restrito à proteção individual dos cães e não como uma ferramenta de Saúde Pública. Mas vale lembrar que a infecção acontece por meio da picada do mosquito-palha, mas a vacina não impede a infecção. Ela vai estimular a imunidade do cão contra o protozoário Leishmania, caso esse animal seja picado por um mosquito" elucida.
A vacinação é indicada como método complementar para animais soronegativos, mas não deve substituir o uso de inseticidas tópicos com propriedade repelente, como aponta Tatiana.
Assim, é importante utilizar mais de uma alternativa para a prevenção, associando a vacinação a produtos repelentes para evitar as picadas, ampliando assim, o espectro de proteção. O uso de produtos inseticidas e repelentes, além de prevenir a infecção de animais negativos, evita que cães infectados transmitam a doença, ao afastar o risco de picadas dos mosquitos. Toda forma de prevenção é importante.
Diagnóstico
Essa é a parte mais simples da doença, mesmo assim não é fácil. O diagnóstico consiste na associação de parâmetros clínicos, investigação epidemiológica e exames laboratoriais.
Segundo Karin, existem basicamente 3 métodos diagnósticos para a LCV: o parasitológico, o sorológico e molecular.
- Diagnóstico parasitológico se dá através da coleta de tecidos (medula óssea, linfonodos, etc) e análise microscópica (citologia ou histologia), imuno-histoquímica ou cultura;
- Diagnóstico sorológico: que pode ser qualitativo (testes rápidos) utilizados para triagem ou quantitativo como os testes de imunofluorescência indireta (RIFI) e ensaio imune enzimático indireto (ELISA) . Tais exames podem fornecer resultados conflitantes, falsos positivos ou falso negativos e devem ser interpretados em conjunto com ouros métodos diagnósticos;
- Diagnóstico molecular através da PCR (reação em cadeia da polimerase) convencional ou em tempo real.
Animais com sinais clínicos ou alterações clínico-patológicas compatíveis com LVC podem precisar de uma abordagem diagnóstica multimodal, com o uso de mais de um método de acordo com as alterações encontradas, como aponta Karin.
Kathia sugere que em áreas onde a doença ocorre com frequência, os tutores levem seus cães rotineiramente para fazer exames para determinar se estão ou não infectados, de forma a conseguir um diagnóstico precoce. Uma boa oportunidade para se fazer os exames é no momento da consulta anual de revacinação.
Tratamento para Leishmaniose
Não há cura para Leishmaniose Visceral Canina!
Ao primeiro sintoma, o animal deve passar por uma avaliação clínica com um médico-veterinário para definir o estágio da doença. Segundo Karin, na LVC, existe um sistema de estadiamento reconhecido cientificamente que divide a doença em 4 estágios. "O objetivo do estadiamento é auxiliar os profissionais a definirem as melhores intervenções terapêuticas para cada estágio, medidas de acompanhamento e estimar o prognóstico para o paciente" informa.
Segundo Tatiana, por se tratar de uma doença de importância para a saúde pública, o Ministério da Saúde não autorizava a realização do tratamento. Por essa razão, muitos cães foram eutanasiados como forma de combate à doença. Mas estudos demonstram que a prática não promoveu o controle da doença. "Em 2016, o Ministério da Saúde aprovou um medicamento e desde então, o tratamento de cães infectados passou a ser legalizado no Brasil. No entanto, é preciso lembrar que a leishmaniose visceral canina ainda não tem cura total" explica.
Fazer o tratamento é de extrema importância. Não só por promover a melhora clínica, mas também epidemiológica. Assim, o tratamento possibilita a redução da carga de leishmania, crucial para que o cão deixe de ser fonte de transmissão.
Kathia ressalta que todos os animais em tratamento devem utilizar inseticidas tópicos com propriedade repelente, a fim de minimizar o risco de transmissão.
Vale lembrar que o veterinário é o único profissional que pode indicar o tratamento!
O que podemos fazer para diminuir os casos de Leishmaniose?
Combater o mosquito que transmite a doença é a melhor forma de prevenção, como aponta Tatiana. Os cuidados para evitar a proliferação do transmissor são semelhantes aos de combate ao Aedes aegypti, associado à dengue, zika, chikungunya e febre amarela. "A higiene é uma solução de combate ao mosquito transmissor: manter os quintais limpos, sem matéria orgânica, evitar a água parada, bem como evitar a umidade do ambiente, sem folhas, fazer uso de agentes repelentes no ambiente e utilizando-se de produtos específicos para os animais e uso de telas de proteção em áreas endêmicas" informa Tatiana.
Sengo Karin, doenças transmitidas por vetores como os mosquitos, são de difícil eliminação pois demandam uma série de medidas que devem ser realizadas em conjunto, tais como saneamento básico, combate ao vetor, educação sobre a prevenção, identificação e tratamento de animais positivos, etc.
As alterações ambientais, como o desmatamento, também favorecem a disseminação da doença. Há estudos que correlacionam o desmatamento a um aumento do número de mosquitos.
Resumindo: a ação da população e tutores de cães é fundamental para evitar que a doença de prolifere ainda mais.