Dicas e curiosidades sobre animais

Não existe solução mágica para resolver o comportamento de cães e gatos


Por Luiza Cervenka
 Foto: Instagram @brunogagliasso

Quem não gostaria de uma pílula mágica para resolver aquele comportamento super chato do cachorro ou gato? Mas sinto informar: isso não existe!!! Corra de profissionais que prometem solução de problemas em um passe de mágica. Para mudar ou modular qualquer comportamento, seja do cão, do gato ou do humano, é preciso muita paciência, persistência e disciplina.

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Um vídeo, divulgado nesta semana, chamou muita atenção, principalmente entre os adestradores e comportamentalistas. Giovanna Ewbank e, seu marido, Bruno Gagliasso, contavam sobre a solução rápida e eficaz para a briga de seus cães, Johnny e Favela. No vídeo, eles comentaram que haviam chamado três adestradores, mas sem sucesso. Até que chamaram, por indicação do amigo André Marques, o médico veterinário e adestrador, Henrique Perdigão (nas redes sociais ele se intitula perdigavet).

 Foto: Instagram @gio_ewbank
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Segundo Giovanna, o profissional chegou em sua casa e jogou o Johnny no chão, de barriga para cima. Ainda segundo ela, o cachorro ficou com rabinho entre as patas, super calmo e nunca mais brigou com o Favela. "Ele passou pouco tempo e solucionou o problema" afirmou.

Entrei em contato com diversos profissionais do comportamento animal. Todos foram veementes em dizer: "Não é possível resolver um comportamento agressivo em um única visita ou sessão. Qualquer pessoa que disser o contrário disso, está sendo sensacionalista, irresponsável e anti-ética".

O que há por trás da mágica

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lhp/Creative Commons Foto: Estadão

Segundo Karol Estima, bióloga comportamentalista e proprietária da EstimaÇão Consultoria, esta técnica de "jogar o cachorro no chão", também conhecida como Alpha Roll ou tombamento, nada mais é do que uma grande má interpretação de um comportamento natural dos canídeos que, quando estão em um conflito, um deles deita de barriga para cima em sinal de "eu me rendo". "Um cão deitar, voluntariamente, de barriga para cima, para encerrar um conflito com outro cão, é TOTALMENTE diferente de um ser humano forçadamente submeter o cão àquela posição. Na situação natural o cão ESCOLHEU encerrar o conflito, na situação com o ser humano o cão está sendo subjugado, e esse tipo de atitude só gera um cão com medo do 'agressor'" pontua Karol.

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Ela ainda explica que o uso da agressividade, para qualquer animal, é tido como último recurso. Isso porque pode lhes causar um ferimento grave e até a morte. O que vai contra o propósito genético dos seres vivos, que é o de se reproduzir e gerar descendentes.  Além do que, já foi demonstrado cientificamente que 1) não existe liderança dentro da matilha. 2) colocar o cão deitado no chão só eleva o hormônio do estresse (cortisol). Além disso, pode aumentar a intensidade de uma briga em seguida.

Segundo a linha positivista (a qual eu pertenço), os animais não devem passar por estresse ou desconforto para aprender um comportamento ou modular, o que acreditamos ser, um comportamento ruim. Antes de mais nada, o profissional deve entender o motivo da agressividade ou gatilho para a briga, com base na comunicação corporal (posição de orelhas, rabo, corpo, língua, pupila, etc). Além de entender o ambiente no qual os animais vivem, para, então, poder pesquisar possíveis soluções.

Com todos os fatores entendidos, começa um treinamento diário, inserindo uma nova rotina, com novos fatores e muitas, mas muita diversão e estímulos alegres para o cão.

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Tudo isso, desde o entendimento do comportamento até o resultado dos treinamentos, leva tempo. Não é milagre e muito menos mágica! Há casos que é necessário mais de um ano de dedicação intensa, para conseguir mudar um comportamento.

Usar uma coleira de choque, um spray, uma latinha com moedas, um cutucão ou mesmo um tombamento, pode fazer com que o cachorro mude o comportamento na hora. Porém, isso não perdura. Ele responde em um primeiro momento, e você fica super feliz e satisfeito. Mas se continuar aplicando esta mesma técnica, com a mesma intensidade, uma hora para de funcionar.

É a mesma coisa que as chineladas que levávamos, quando crianças. A medida que crescíamos, a intensidade dos tapas tinha que ser maior. Quem nunca levou um tapa fraco da mãe e deu risada (deixando a mãe ainda mais brava)? Bastava ela virar as costas e fazíamos tudo errado de novo.

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É bastante semelhante com os cães. Se usarmos um spray, chega uma hora que o cão acostuma e não terá mais efeito. Se torna necessário aplicar sprays cada vez mais fortes e barulhentos, para conseguir alcançar o mesmo resultado de antes. Isso sem falar na possibilidade de traumatizar o animal.

Tenho certeza que a Giovanna e o Bruno não sabiam de nada disso, quando contrataram o tal adestrador. Amante dos animais e fervoroso defensor da causa animal, o casal buscou o melhor para solucionar aquela situação, que angustiava humanos e machucava os cães. Por que será que eles permitiram tamanha agressão com o cão deles?

A resposta é muito simples. O profissional, Henrique Perdigão, fez algo que, segundo ele mesmo, nenhum adestrador anterior tinha feito. Ele explicou como os próprios Giovanna e Bruno incitavam o comportamento de conflito entre os cães. Isso não foi falado no vídeo.

A psicóloga Carolina Jardim, especialista em comportamento animal e educadora de cães na Turma do Focinho, crê que a repercussão do vídeo ocorreu porque são pessoas super influentes e que trouxeram, com muita espontaneidade e satisfação, o uso de uma técnica absolutamente ultrapassada, para correção do problema que eles estavam tento com os cães. "O que mais atingiu os profissionais que trabalham com métodos positivos, foi o fato de ficar claro, no vídeo, o quanto eles amam os cães e estão convencidos de que esse foi o melhor caminho para o bem-estar deles. Quando, na realidade, o que ocorreu foi o inverso disso" alerta.

O adestrador das estrelas

 Foto: Instagram @brunogagliasso

Além de atender o casal celebridade, Henrique já trabalhou com os cães de muitos outros globais, como Luciano Huck, André Marques, Marcos Paulo, Thiago Lacerda, Claudia Raia, Luiz Fernando Guimarães, Marco Nanini, Lucas Lucco, Hugo Gloss, Miguel Romulo e Bruno Gissoni. Pelo menos é isso que ele escreveu em seu site.

Com técnicas nada cientificamente comprovadas, Henrique declara que usa spray com barulho para fortalecer o "não" do tutor e coleiras enforcadoras. Inclusive, ele confessou que, além do tombamento, usou o spray nos cães de Gioh e Bruno.

Por telefone, Henrique confessa que nunca fez nenhum tipo de curso ou pós-graduação em adestramento ou comportamento animal. Por muitos anos seguiu os passos do Cesar Millan. Mas ao ver que algumas técnicas eram muito agressivas, resolveu criar suas próprias. "Eu leio muito sobre adestramento. Cresci com cães e aprendo tudo na prática. Minha mãe criava cães e me ensinou quase tudo o que eu sei" explica o veterinário. Segundo ele, já chegaram a oferecer um curso de pós-graduação, o qual ele rejeitou por ser muito teórico.

"Eu sou autônomo e minha esposa também. Se eu parar de trabalhar para fazer curso, além de não ganhar, gasto dinheiro. Eu preciso trabalhar muito para poder pagar as contas. Os cursos estão bem caros". Ele também nunca frequentou congressos ou palestras na área.

Apesar disso, Henrique se diz humilde, ao indicar outros profissionais mais gabaritados, quando não consegue resolver um comportamento. "Às vezes, eu não consigo identificar o que está causando o problema, ou não consigo resolver. Pode acontecer" finaliza.

Ao final da entrevista, Henrique retirou o vídeo polêmico do seu site. Mas eu consegui baixar antes disso. Você pode assistir aqui. Ele também me bloqueou em suas redes sociais.

Assim como este profissional, há outros infinitos. Pessoas que fizeram curso pela internet ou que leram meia dúzia de livros e se dizem especializados em comportamento animal.

Segundo Karol Estima, comportamento animal é uma ciência, que se aprende na sala de aula, assim como medicina ou engenharia. O adestramento ganhou espaço em meio à segunda guerra mundial. De lá para cá, as pesquisas em comportamento e aprendizado evoluíram significativamente, para nos mostrar que existem técnicas eficientes e menos prejudiciais ao estado psicológico dos animais.

"Um bom treinador, antes de mais nada, entende o cão como um ser vivo e o avalia como um todo. Leva em conta sua saúde física, sua biologia, seu temperamento, o papel que aquele cão tem dentro da família e até o perfil da própria família. Para trabalhar com modificação comportamental, o profissional precisa entender qual o papel dos hormônios sobre o comportamento do cão, por exemplo. Precisa entender que episódios de agressividade podem estar relacionados com dor física. Deve avaliar se as necessidades básicas daquele animal estão sendo supridas e não somente procurar atender às demandas da família em relação ao cão. Ou seja, o bom profissional hoje é, como em qualquer outra área, aquele que estuda, estuda, estuda e estuda!" ressalta Karol.

Trabalhar com comportamento animal não é um dom. Não é algo que você nasce sabendo ou que aprende com a convivência. É preciso muito estudo e dedicação! Por isso o vídeo ficou tão famoso e deixou diversos profissionais de cabelo em pé.

E por que escrever um texto sobre isso?

MarioMartinezMZ/Creative Commons Foto: Estadão

Ao contratar um passeador, um adestrador, um terapeuta comportamental, ou qualquer profissional, pegue referências. Não apenas de amigos, mas de profissionais que você confie. Só assim você e seu cão não entrarão em uma fria.

Carolina Jardim lamenta que enquanto a onda de profissionais, que atuam com foco no bem-estar e nas emoções dos cães, não para de crescer, profissionais com foco em resolver os problemas dos tutores, sem pensar nos cães, aumentam no mercado. "Infelizmente, pessoas influentes como essas (Giovanna e Bruno), passam a mensagem de que os cachorros precisam ser "comportados" e "obedientes", independente do custo que sofram com isso. E enaltecer a paz e o equilíbrio na casa, utilizando técnicas punitivas, provocando medo nos cães e impedindo que exprimam comportamentos naturais (de desconforto e insegurança), sem trabalhar a origem do problema, é SEMPRE o pior caminho" observa.

A psicóloga reforça que a cada curso que faz, livro que lê, pesquisas que estuda, fica cada vez mais claro que não basta tempo de experiência ou clientes conhecidos satisfeitos. "É preciso muito estudo sobre as consequências dos métodos e técnicas utilizados no trabalho com os cães, principalmente, nas emoções e no bem-estar deles. Enquanto isso não for uma unanimidade entre profissionais e tutores de cães, muitos deles sofrerão nas mãos de profissionais cujo foco é somente o resultado e a obediência" relembra.

Lembre-se sempre: não há mágica! Dedicação, paciência, persistência e disciplina devem existir diariamente, por um longo tempo, para obtermos bons resultados.

Se um cachorro está apresentando questões, devemos olhar para cada um delas como resultado da falha humana, que não criou as condições necessárias para que ele crescesse de forma equilibrada mental e emocionalmente. É por isso que o método positivo, utilizado da maneira correta, com consistência e coerência, é, sempre, o melhor caminho. Pode ser, por vezes, mais trabalhoso, mas é o mais permanente.

 Foto: Instagram @brunogagliasso

Quem não gostaria de uma pílula mágica para resolver aquele comportamento super chato do cachorro ou gato? Mas sinto informar: isso não existe!!! Corra de profissionais que prometem solução de problemas em um passe de mágica. Para mudar ou modular qualquer comportamento, seja do cão, do gato ou do humano, é preciso muita paciência, persistência e disciplina.

Um vídeo, divulgado nesta semana, chamou muita atenção, principalmente entre os adestradores e comportamentalistas. Giovanna Ewbank e, seu marido, Bruno Gagliasso, contavam sobre a solução rápida e eficaz para a briga de seus cães, Johnny e Favela. No vídeo, eles comentaram que haviam chamado três adestradores, mas sem sucesso. Até que chamaram, por indicação do amigo André Marques, o médico veterinário e adestrador, Henrique Perdigão (nas redes sociais ele se intitula perdigavet).

 Foto: Instagram @gio_ewbank

Segundo Giovanna, o profissional chegou em sua casa e jogou o Johnny no chão, de barriga para cima. Ainda segundo ela, o cachorro ficou com rabinho entre as patas, super calmo e nunca mais brigou com o Favela. "Ele passou pouco tempo e solucionou o problema" afirmou.

Entrei em contato com diversos profissionais do comportamento animal. Todos foram veementes em dizer: "Não é possível resolver um comportamento agressivo em um única visita ou sessão. Qualquer pessoa que disser o contrário disso, está sendo sensacionalista, irresponsável e anti-ética".

O que há por trás da mágica

lhp/Creative Commons Foto: Estadão

Segundo Karol Estima, bióloga comportamentalista e proprietária da EstimaÇão Consultoria, esta técnica de "jogar o cachorro no chão", também conhecida como Alpha Roll ou tombamento, nada mais é do que uma grande má interpretação de um comportamento natural dos canídeos que, quando estão em um conflito, um deles deita de barriga para cima em sinal de "eu me rendo". "Um cão deitar, voluntariamente, de barriga para cima, para encerrar um conflito com outro cão, é TOTALMENTE diferente de um ser humano forçadamente submeter o cão àquela posição. Na situação natural o cão ESCOLHEU encerrar o conflito, na situação com o ser humano o cão está sendo subjugado, e esse tipo de atitude só gera um cão com medo do 'agressor'" pontua Karol.

Ela ainda explica que o uso da agressividade, para qualquer animal, é tido como último recurso. Isso porque pode lhes causar um ferimento grave e até a morte. O que vai contra o propósito genético dos seres vivos, que é o de se reproduzir e gerar descendentes.  Além do que, já foi demonstrado cientificamente que 1) não existe liderança dentro da matilha. 2) colocar o cão deitado no chão só eleva o hormônio do estresse (cortisol). Além disso, pode aumentar a intensidade de uma briga em seguida.

Segundo a linha positivista (a qual eu pertenço), os animais não devem passar por estresse ou desconforto para aprender um comportamento ou modular, o que acreditamos ser, um comportamento ruim. Antes de mais nada, o profissional deve entender o motivo da agressividade ou gatilho para a briga, com base na comunicação corporal (posição de orelhas, rabo, corpo, língua, pupila, etc). Além de entender o ambiente no qual os animais vivem, para, então, poder pesquisar possíveis soluções.

Com todos os fatores entendidos, começa um treinamento diário, inserindo uma nova rotina, com novos fatores e muitas, mas muita diversão e estímulos alegres para o cão.

Tudo isso, desde o entendimento do comportamento até o resultado dos treinamentos, leva tempo. Não é milagre e muito menos mágica! Há casos que é necessário mais de um ano de dedicação intensa, para conseguir mudar um comportamento.

Usar uma coleira de choque, um spray, uma latinha com moedas, um cutucão ou mesmo um tombamento, pode fazer com que o cachorro mude o comportamento na hora. Porém, isso não perdura. Ele responde em um primeiro momento, e você fica super feliz e satisfeito. Mas se continuar aplicando esta mesma técnica, com a mesma intensidade, uma hora para de funcionar.

É a mesma coisa que as chineladas que levávamos, quando crianças. A medida que crescíamos, a intensidade dos tapas tinha que ser maior. Quem nunca levou um tapa fraco da mãe e deu risada (deixando a mãe ainda mais brava)? Bastava ela virar as costas e fazíamos tudo errado de novo.

É bastante semelhante com os cães. Se usarmos um spray, chega uma hora que o cão acostuma e não terá mais efeito. Se torna necessário aplicar sprays cada vez mais fortes e barulhentos, para conseguir alcançar o mesmo resultado de antes. Isso sem falar na possibilidade de traumatizar o animal.

Tenho certeza que a Giovanna e o Bruno não sabiam de nada disso, quando contrataram o tal adestrador. Amante dos animais e fervoroso defensor da causa animal, o casal buscou o melhor para solucionar aquela situação, que angustiava humanos e machucava os cães. Por que será que eles permitiram tamanha agressão com o cão deles?

A resposta é muito simples. O profissional, Henrique Perdigão, fez algo que, segundo ele mesmo, nenhum adestrador anterior tinha feito. Ele explicou como os próprios Giovanna e Bruno incitavam o comportamento de conflito entre os cães. Isso não foi falado no vídeo.

A psicóloga Carolina Jardim, especialista em comportamento animal e educadora de cães na Turma do Focinho, crê que a repercussão do vídeo ocorreu porque são pessoas super influentes e que trouxeram, com muita espontaneidade e satisfação, o uso de uma técnica absolutamente ultrapassada, para correção do problema que eles estavam tento com os cães. "O que mais atingiu os profissionais que trabalham com métodos positivos, foi o fato de ficar claro, no vídeo, o quanto eles amam os cães e estão convencidos de que esse foi o melhor caminho para o bem-estar deles. Quando, na realidade, o que ocorreu foi o inverso disso" alerta.

O adestrador das estrelas

 Foto: Instagram @brunogagliasso

Além de atender o casal celebridade, Henrique já trabalhou com os cães de muitos outros globais, como Luciano Huck, André Marques, Marcos Paulo, Thiago Lacerda, Claudia Raia, Luiz Fernando Guimarães, Marco Nanini, Lucas Lucco, Hugo Gloss, Miguel Romulo e Bruno Gissoni. Pelo menos é isso que ele escreveu em seu site.

Com técnicas nada cientificamente comprovadas, Henrique declara que usa spray com barulho para fortalecer o "não" do tutor e coleiras enforcadoras. Inclusive, ele confessou que, além do tombamento, usou o spray nos cães de Gioh e Bruno.

Por telefone, Henrique confessa que nunca fez nenhum tipo de curso ou pós-graduação em adestramento ou comportamento animal. Por muitos anos seguiu os passos do Cesar Millan. Mas ao ver que algumas técnicas eram muito agressivas, resolveu criar suas próprias. "Eu leio muito sobre adestramento. Cresci com cães e aprendo tudo na prática. Minha mãe criava cães e me ensinou quase tudo o que eu sei" explica o veterinário. Segundo ele, já chegaram a oferecer um curso de pós-graduação, o qual ele rejeitou por ser muito teórico.

"Eu sou autônomo e minha esposa também. Se eu parar de trabalhar para fazer curso, além de não ganhar, gasto dinheiro. Eu preciso trabalhar muito para poder pagar as contas. Os cursos estão bem caros". Ele também nunca frequentou congressos ou palestras na área.

Apesar disso, Henrique se diz humilde, ao indicar outros profissionais mais gabaritados, quando não consegue resolver um comportamento. "Às vezes, eu não consigo identificar o que está causando o problema, ou não consigo resolver. Pode acontecer" finaliza.

Ao final da entrevista, Henrique retirou o vídeo polêmico do seu site. Mas eu consegui baixar antes disso. Você pode assistir aqui. Ele também me bloqueou em suas redes sociais.

Assim como este profissional, há outros infinitos. Pessoas que fizeram curso pela internet ou que leram meia dúzia de livros e se dizem especializados em comportamento animal.

Segundo Karol Estima, comportamento animal é uma ciência, que se aprende na sala de aula, assim como medicina ou engenharia. O adestramento ganhou espaço em meio à segunda guerra mundial. De lá para cá, as pesquisas em comportamento e aprendizado evoluíram significativamente, para nos mostrar que existem técnicas eficientes e menos prejudiciais ao estado psicológico dos animais.

"Um bom treinador, antes de mais nada, entende o cão como um ser vivo e o avalia como um todo. Leva em conta sua saúde física, sua biologia, seu temperamento, o papel que aquele cão tem dentro da família e até o perfil da própria família. Para trabalhar com modificação comportamental, o profissional precisa entender qual o papel dos hormônios sobre o comportamento do cão, por exemplo. Precisa entender que episódios de agressividade podem estar relacionados com dor física. Deve avaliar se as necessidades básicas daquele animal estão sendo supridas e não somente procurar atender às demandas da família em relação ao cão. Ou seja, o bom profissional hoje é, como em qualquer outra área, aquele que estuda, estuda, estuda e estuda!" ressalta Karol.

Trabalhar com comportamento animal não é um dom. Não é algo que você nasce sabendo ou que aprende com a convivência. É preciso muito estudo e dedicação! Por isso o vídeo ficou tão famoso e deixou diversos profissionais de cabelo em pé.

E por que escrever um texto sobre isso?

MarioMartinezMZ/Creative Commons Foto: Estadão

Ao contratar um passeador, um adestrador, um terapeuta comportamental, ou qualquer profissional, pegue referências. Não apenas de amigos, mas de profissionais que você confie. Só assim você e seu cão não entrarão em uma fria.

Carolina Jardim lamenta que enquanto a onda de profissionais, que atuam com foco no bem-estar e nas emoções dos cães, não para de crescer, profissionais com foco em resolver os problemas dos tutores, sem pensar nos cães, aumentam no mercado. "Infelizmente, pessoas influentes como essas (Giovanna e Bruno), passam a mensagem de que os cachorros precisam ser "comportados" e "obedientes", independente do custo que sofram com isso. E enaltecer a paz e o equilíbrio na casa, utilizando técnicas punitivas, provocando medo nos cães e impedindo que exprimam comportamentos naturais (de desconforto e insegurança), sem trabalhar a origem do problema, é SEMPRE o pior caminho" observa.

A psicóloga reforça que a cada curso que faz, livro que lê, pesquisas que estuda, fica cada vez mais claro que não basta tempo de experiência ou clientes conhecidos satisfeitos. "É preciso muito estudo sobre as consequências dos métodos e técnicas utilizados no trabalho com os cães, principalmente, nas emoções e no bem-estar deles. Enquanto isso não for uma unanimidade entre profissionais e tutores de cães, muitos deles sofrerão nas mãos de profissionais cujo foco é somente o resultado e a obediência" relembra.

Lembre-se sempre: não há mágica! Dedicação, paciência, persistência e disciplina devem existir diariamente, por um longo tempo, para obtermos bons resultados.

Se um cachorro está apresentando questões, devemos olhar para cada um delas como resultado da falha humana, que não criou as condições necessárias para que ele crescesse de forma equilibrada mental e emocionalmente. É por isso que o método positivo, utilizado da maneira correta, com consistência e coerência, é, sempre, o melhor caminho. Pode ser, por vezes, mais trabalhoso, mas é o mais permanente.

 Foto: Instagram @brunogagliasso

Quem não gostaria de uma pílula mágica para resolver aquele comportamento super chato do cachorro ou gato? Mas sinto informar: isso não existe!!! Corra de profissionais que prometem solução de problemas em um passe de mágica. Para mudar ou modular qualquer comportamento, seja do cão, do gato ou do humano, é preciso muita paciência, persistência e disciplina.

Um vídeo, divulgado nesta semana, chamou muita atenção, principalmente entre os adestradores e comportamentalistas. Giovanna Ewbank e, seu marido, Bruno Gagliasso, contavam sobre a solução rápida e eficaz para a briga de seus cães, Johnny e Favela. No vídeo, eles comentaram que haviam chamado três adestradores, mas sem sucesso. Até que chamaram, por indicação do amigo André Marques, o médico veterinário e adestrador, Henrique Perdigão (nas redes sociais ele se intitula perdigavet).

 Foto: Instagram @gio_ewbank

Segundo Giovanna, o profissional chegou em sua casa e jogou o Johnny no chão, de barriga para cima. Ainda segundo ela, o cachorro ficou com rabinho entre as patas, super calmo e nunca mais brigou com o Favela. "Ele passou pouco tempo e solucionou o problema" afirmou.

Entrei em contato com diversos profissionais do comportamento animal. Todos foram veementes em dizer: "Não é possível resolver um comportamento agressivo em um única visita ou sessão. Qualquer pessoa que disser o contrário disso, está sendo sensacionalista, irresponsável e anti-ética".

O que há por trás da mágica

lhp/Creative Commons Foto: Estadão

Segundo Karol Estima, bióloga comportamentalista e proprietária da EstimaÇão Consultoria, esta técnica de "jogar o cachorro no chão", também conhecida como Alpha Roll ou tombamento, nada mais é do que uma grande má interpretação de um comportamento natural dos canídeos que, quando estão em um conflito, um deles deita de barriga para cima em sinal de "eu me rendo". "Um cão deitar, voluntariamente, de barriga para cima, para encerrar um conflito com outro cão, é TOTALMENTE diferente de um ser humano forçadamente submeter o cão àquela posição. Na situação natural o cão ESCOLHEU encerrar o conflito, na situação com o ser humano o cão está sendo subjugado, e esse tipo de atitude só gera um cão com medo do 'agressor'" pontua Karol.

Ela ainda explica que o uso da agressividade, para qualquer animal, é tido como último recurso. Isso porque pode lhes causar um ferimento grave e até a morte. O que vai contra o propósito genético dos seres vivos, que é o de se reproduzir e gerar descendentes.  Além do que, já foi demonstrado cientificamente que 1) não existe liderança dentro da matilha. 2) colocar o cão deitado no chão só eleva o hormônio do estresse (cortisol). Além disso, pode aumentar a intensidade de uma briga em seguida.

Segundo a linha positivista (a qual eu pertenço), os animais não devem passar por estresse ou desconforto para aprender um comportamento ou modular, o que acreditamos ser, um comportamento ruim. Antes de mais nada, o profissional deve entender o motivo da agressividade ou gatilho para a briga, com base na comunicação corporal (posição de orelhas, rabo, corpo, língua, pupila, etc). Além de entender o ambiente no qual os animais vivem, para, então, poder pesquisar possíveis soluções.

Com todos os fatores entendidos, começa um treinamento diário, inserindo uma nova rotina, com novos fatores e muitas, mas muita diversão e estímulos alegres para o cão.

Tudo isso, desde o entendimento do comportamento até o resultado dos treinamentos, leva tempo. Não é milagre e muito menos mágica! Há casos que é necessário mais de um ano de dedicação intensa, para conseguir mudar um comportamento.

Usar uma coleira de choque, um spray, uma latinha com moedas, um cutucão ou mesmo um tombamento, pode fazer com que o cachorro mude o comportamento na hora. Porém, isso não perdura. Ele responde em um primeiro momento, e você fica super feliz e satisfeito. Mas se continuar aplicando esta mesma técnica, com a mesma intensidade, uma hora para de funcionar.

É a mesma coisa que as chineladas que levávamos, quando crianças. A medida que crescíamos, a intensidade dos tapas tinha que ser maior. Quem nunca levou um tapa fraco da mãe e deu risada (deixando a mãe ainda mais brava)? Bastava ela virar as costas e fazíamos tudo errado de novo.

É bastante semelhante com os cães. Se usarmos um spray, chega uma hora que o cão acostuma e não terá mais efeito. Se torna necessário aplicar sprays cada vez mais fortes e barulhentos, para conseguir alcançar o mesmo resultado de antes. Isso sem falar na possibilidade de traumatizar o animal.

Tenho certeza que a Giovanna e o Bruno não sabiam de nada disso, quando contrataram o tal adestrador. Amante dos animais e fervoroso defensor da causa animal, o casal buscou o melhor para solucionar aquela situação, que angustiava humanos e machucava os cães. Por que será que eles permitiram tamanha agressão com o cão deles?

A resposta é muito simples. O profissional, Henrique Perdigão, fez algo que, segundo ele mesmo, nenhum adestrador anterior tinha feito. Ele explicou como os próprios Giovanna e Bruno incitavam o comportamento de conflito entre os cães. Isso não foi falado no vídeo.

A psicóloga Carolina Jardim, especialista em comportamento animal e educadora de cães na Turma do Focinho, crê que a repercussão do vídeo ocorreu porque são pessoas super influentes e que trouxeram, com muita espontaneidade e satisfação, o uso de uma técnica absolutamente ultrapassada, para correção do problema que eles estavam tento com os cães. "O que mais atingiu os profissionais que trabalham com métodos positivos, foi o fato de ficar claro, no vídeo, o quanto eles amam os cães e estão convencidos de que esse foi o melhor caminho para o bem-estar deles. Quando, na realidade, o que ocorreu foi o inverso disso" alerta.

O adestrador das estrelas

 Foto: Instagram @brunogagliasso

Além de atender o casal celebridade, Henrique já trabalhou com os cães de muitos outros globais, como Luciano Huck, André Marques, Marcos Paulo, Thiago Lacerda, Claudia Raia, Luiz Fernando Guimarães, Marco Nanini, Lucas Lucco, Hugo Gloss, Miguel Romulo e Bruno Gissoni. Pelo menos é isso que ele escreveu em seu site.

Com técnicas nada cientificamente comprovadas, Henrique declara que usa spray com barulho para fortalecer o "não" do tutor e coleiras enforcadoras. Inclusive, ele confessou que, além do tombamento, usou o spray nos cães de Gioh e Bruno.

Por telefone, Henrique confessa que nunca fez nenhum tipo de curso ou pós-graduação em adestramento ou comportamento animal. Por muitos anos seguiu os passos do Cesar Millan. Mas ao ver que algumas técnicas eram muito agressivas, resolveu criar suas próprias. "Eu leio muito sobre adestramento. Cresci com cães e aprendo tudo na prática. Minha mãe criava cães e me ensinou quase tudo o que eu sei" explica o veterinário. Segundo ele, já chegaram a oferecer um curso de pós-graduação, o qual ele rejeitou por ser muito teórico.

"Eu sou autônomo e minha esposa também. Se eu parar de trabalhar para fazer curso, além de não ganhar, gasto dinheiro. Eu preciso trabalhar muito para poder pagar as contas. Os cursos estão bem caros". Ele também nunca frequentou congressos ou palestras na área.

Apesar disso, Henrique se diz humilde, ao indicar outros profissionais mais gabaritados, quando não consegue resolver um comportamento. "Às vezes, eu não consigo identificar o que está causando o problema, ou não consigo resolver. Pode acontecer" finaliza.

Ao final da entrevista, Henrique retirou o vídeo polêmico do seu site. Mas eu consegui baixar antes disso. Você pode assistir aqui. Ele também me bloqueou em suas redes sociais.

Assim como este profissional, há outros infinitos. Pessoas que fizeram curso pela internet ou que leram meia dúzia de livros e se dizem especializados em comportamento animal.

Segundo Karol Estima, comportamento animal é uma ciência, que se aprende na sala de aula, assim como medicina ou engenharia. O adestramento ganhou espaço em meio à segunda guerra mundial. De lá para cá, as pesquisas em comportamento e aprendizado evoluíram significativamente, para nos mostrar que existem técnicas eficientes e menos prejudiciais ao estado psicológico dos animais.

"Um bom treinador, antes de mais nada, entende o cão como um ser vivo e o avalia como um todo. Leva em conta sua saúde física, sua biologia, seu temperamento, o papel que aquele cão tem dentro da família e até o perfil da própria família. Para trabalhar com modificação comportamental, o profissional precisa entender qual o papel dos hormônios sobre o comportamento do cão, por exemplo. Precisa entender que episódios de agressividade podem estar relacionados com dor física. Deve avaliar se as necessidades básicas daquele animal estão sendo supridas e não somente procurar atender às demandas da família em relação ao cão. Ou seja, o bom profissional hoje é, como em qualquer outra área, aquele que estuda, estuda, estuda e estuda!" ressalta Karol.

Trabalhar com comportamento animal não é um dom. Não é algo que você nasce sabendo ou que aprende com a convivência. É preciso muito estudo e dedicação! Por isso o vídeo ficou tão famoso e deixou diversos profissionais de cabelo em pé.

E por que escrever um texto sobre isso?

MarioMartinezMZ/Creative Commons Foto: Estadão

Ao contratar um passeador, um adestrador, um terapeuta comportamental, ou qualquer profissional, pegue referências. Não apenas de amigos, mas de profissionais que você confie. Só assim você e seu cão não entrarão em uma fria.

Carolina Jardim lamenta que enquanto a onda de profissionais, que atuam com foco no bem-estar e nas emoções dos cães, não para de crescer, profissionais com foco em resolver os problemas dos tutores, sem pensar nos cães, aumentam no mercado. "Infelizmente, pessoas influentes como essas (Giovanna e Bruno), passam a mensagem de que os cachorros precisam ser "comportados" e "obedientes", independente do custo que sofram com isso. E enaltecer a paz e o equilíbrio na casa, utilizando técnicas punitivas, provocando medo nos cães e impedindo que exprimam comportamentos naturais (de desconforto e insegurança), sem trabalhar a origem do problema, é SEMPRE o pior caminho" observa.

A psicóloga reforça que a cada curso que faz, livro que lê, pesquisas que estuda, fica cada vez mais claro que não basta tempo de experiência ou clientes conhecidos satisfeitos. "É preciso muito estudo sobre as consequências dos métodos e técnicas utilizados no trabalho com os cães, principalmente, nas emoções e no bem-estar deles. Enquanto isso não for uma unanimidade entre profissionais e tutores de cães, muitos deles sofrerão nas mãos de profissionais cujo foco é somente o resultado e a obediência" relembra.

Lembre-se sempre: não há mágica! Dedicação, paciência, persistência e disciplina devem existir diariamente, por um longo tempo, para obtermos bons resultados.

Se um cachorro está apresentando questões, devemos olhar para cada um delas como resultado da falha humana, que não criou as condições necessárias para que ele crescesse de forma equilibrada mental e emocionalmente. É por isso que o método positivo, utilizado da maneira correta, com consistência e coerência, é, sempre, o melhor caminho. Pode ser, por vezes, mais trabalhoso, mas é o mais permanente.

 Foto: Instagram @brunogagliasso

Quem não gostaria de uma pílula mágica para resolver aquele comportamento super chato do cachorro ou gato? Mas sinto informar: isso não existe!!! Corra de profissionais que prometem solução de problemas em um passe de mágica. Para mudar ou modular qualquer comportamento, seja do cão, do gato ou do humano, é preciso muita paciência, persistência e disciplina.

Um vídeo, divulgado nesta semana, chamou muita atenção, principalmente entre os adestradores e comportamentalistas. Giovanna Ewbank e, seu marido, Bruno Gagliasso, contavam sobre a solução rápida e eficaz para a briga de seus cães, Johnny e Favela. No vídeo, eles comentaram que haviam chamado três adestradores, mas sem sucesso. Até que chamaram, por indicação do amigo André Marques, o médico veterinário e adestrador, Henrique Perdigão (nas redes sociais ele se intitula perdigavet).

 Foto: Instagram @gio_ewbank

Segundo Giovanna, o profissional chegou em sua casa e jogou o Johnny no chão, de barriga para cima. Ainda segundo ela, o cachorro ficou com rabinho entre as patas, super calmo e nunca mais brigou com o Favela. "Ele passou pouco tempo e solucionou o problema" afirmou.

Entrei em contato com diversos profissionais do comportamento animal. Todos foram veementes em dizer: "Não é possível resolver um comportamento agressivo em um única visita ou sessão. Qualquer pessoa que disser o contrário disso, está sendo sensacionalista, irresponsável e anti-ética".

O que há por trás da mágica

lhp/Creative Commons Foto: Estadão

Segundo Karol Estima, bióloga comportamentalista e proprietária da EstimaÇão Consultoria, esta técnica de "jogar o cachorro no chão", também conhecida como Alpha Roll ou tombamento, nada mais é do que uma grande má interpretação de um comportamento natural dos canídeos que, quando estão em um conflito, um deles deita de barriga para cima em sinal de "eu me rendo". "Um cão deitar, voluntariamente, de barriga para cima, para encerrar um conflito com outro cão, é TOTALMENTE diferente de um ser humano forçadamente submeter o cão àquela posição. Na situação natural o cão ESCOLHEU encerrar o conflito, na situação com o ser humano o cão está sendo subjugado, e esse tipo de atitude só gera um cão com medo do 'agressor'" pontua Karol.

Ela ainda explica que o uso da agressividade, para qualquer animal, é tido como último recurso. Isso porque pode lhes causar um ferimento grave e até a morte. O que vai contra o propósito genético dos seres vivos, que é o de se reproduzir e gerar descendentes.  Além do que, já foi demonstrado cientificamente que 1) não existe liderança dentro da matilha. 2) colocar o cão deitado no chão só eleva o hormônio do estresse (cortisol). Além disso, pode aumentar a intensidade de uma briga em seguida.

Segundo a linha positivista (a qual eu pertenço), os animais não devem passar por estresse ou desconforto para aprender um comportamento ou modular, o que acreditamos ser, um comportamento ruim. Antes de mais nada, o profissional deve entender o motivo da agressividade ou gatilho para a briga, com base na comunicação corporal (posição de orelhas, rabo, corpo, língua, pupila, etc). Além de entender o ambiente no qual os animais vivem, para, então, poder pesquisar possíveis soluções.

Com todos os fatores entendidos, começa um treinamento diário, inserindo uma nova rotina, com novos fatores e muitas, mas muita diversão e estímulos alegres para o cão.

Tudo isso, desde o entendimento do comportamento até o resultado dos treinamentos, leva tempo. Não é milagre e muito menos mágica! Há casos que é necessário mais de um ano de dedicação intensa, para conseguir mudar um comportamento.

Usar uma coleira de choque, um spray, uma latinha com moedas, um cutucão ou mesmo um tombamento, pode fazer com que o cachorro mude o comportamento na hora. Porém, isso não perdura. Ele responde em um primeiro momento, e você fica super feliz e satisfeito. Mas se continuar aplicando esta mesma técnica, com a mesma intensidade, uma hora para de funcionar.

É a mesma coisa que as chineladas que levávamos, quando crianças. A medida que crescíamos, a intensidade dos tapas tinha que ser maior. Quem nunca levou um tapa fraco da mãe e deu risada (deixando a mãe ainda mais brava)? Bastava ela virar as costas e fazíamos tudo errado de novo.

É bastante semelhante com os cães. Se usarmos um spray, chega uma hora que o cão acostuma e não terá mais efeito. Se torna necessário aplicar sprays cada vez mais fortes e barulhentos, para conseguir alcançar o mesmo resultado de antes. Isso sem falar na possibilidade de traumatizar o animal.

Tenho certeza que a Giovanna e o Bruno não sabiam de nada disso, quando contrataram o tal adestrador. Amante dos animais e fervoroso defensor da causa animal, o casal buscou o melhor para solucionar aquela situação, que angustiava humanos e machucava os cães. Por que será que eles permitiram tamanha agressão com o cão deles?

A resposta é muito simples. O profissional, Henrique Perdigão, fez algo que, segundo ele mesmo, nenhum adestrador anterior tinha feito. Ele explicou como os próprios Giovanna e Bruno incitavam o comportamento de conflito entre os cães. Isso não foi falado no vídeo.

A psicóloga Carolina Jardim, especialista em comportamento animal e educadora de cães na Turma do Focinho, crê que a repercussão do vídeo ocorreu porque são pessoas super influentes e que trouxeram, com muita espontaneidade e satisfação, o uso de uma técnica absolutamente ultrapassada, para correção do problema que eles estavam tento com os cães. "O que mais atingiu os profissionais que trabalham com métodos positivos, foi o fato de ficar claro, no vídeo, o quanto eles amam os cães e estão convencidos de que esse foi o melhor caminho para o bem-estar deles. Quando, na realidade, o que ocorreu foi o inverso disso" alerta.

O adestrador das estrelas

 Foto: Instagram @brunogagliasso

Além de atender o casal celebridade, Henrique já trabalhou com os cães de muitos outros globais, como Luciano Huck, André Marques, Marcos Paulo, Thiago Lacerda, Claudia Raia, Luiz Fernando Guimarães, Marco Nanini, Lucas Lucco, Hugo Gloss, Miguel Romulo e Bruno Gissoni. Pelo menos é isso que ele escreveu em seu site.

Com técnicas nada cientificamente comprovadas, Henrique declara que usa spray com barulho para fortalecer o "não" do tutor e coleiras enforcadoras. Inclusive, ele confessou que, além do tombamento, usou o spray nos cães de Gioh e Bruno.

Por telefone, Henrique confessa que nunca fez nenhum tipo de curso ou pós-graduação em adestramento ou comportamento animal. Por muitos anos seguiu os passos do Cesar Millan. Mas ao ver que algumas técnicas eram muito agressivas, resolveu criar suas próprias. "Eu leio muito sobre adestramento. Cresci com cães e aprendo tudo na prática. Minha mãe criava cães e me ensinou quase tudo o que eu sei" explica o veterinário. Segundo ele, já chegaram a oferecer um curso de pós-graduação, o qual ele rejeitou por ser muito teórico.

"Eu sou autônomo e minha esposa também. Se eu parar de trabalhar para fazer curso, além de não ganhar, gasto dinheiro. Eu preciso trabalhar muito para poder pagar as contas. Os cursos estão bem caros". Ele também nunca frequentou congressos ou palestras na área.

Apesar disso, Henrique se diz humilde, ao indicar outros profissionais mais gabaritados, quando não consegue resolver um comportamento. "Às vezes, eu não consigo identificar o que está causando o problema, ou não consigo resolver. Pode acontecer" finaliza.

Ao final da entrevista, Henrique retirou o vídeo polêmico do seu site. Mas eu consegui baixar antes disso. Você pode assistir aqui. Ele também me bloqueou em suas redes sociais.

Assim como este profissional, há outros infinitos. Pessoas que fizeram curso pela internet ou que leram meia dúzia de livros e se dizem especializados em comportamento animal.

Segundo Karol Estima, comportamento animal é uma ciência, que se aprende na sala de aula, assim como medicina ou engenharia. O adestramento ganhou espaço em meio à segunda guerra mundial. De lá para cá, as pesquisas em comportamento e aprendizado evoluíram significativamente, para nos mostrar que existem técnicas eficientes e menos prejudiciais ao estado psicológico dos animais.

"Um bom treinador, antes de mais nada, entende o cão como um ser vivo e o avalia como um todo. Leva em conta sua saúde física, sua biologia, seu temperamento, o papel que aquele cão tem dentro da família e até o perfil da própria família. Para trabalhar com modificação comportamental, o profissional precisa entender qual o papel dos hormônios sobre o comportamento do cão, por exemplo. Precisa entender que episódios de agressividade podem estar relacionados com dor física. Deve avaliar se as necessidades básicas daquele animal estão sendo supridas e não somente procurar atender às demandas da família em relação ao cão. Ou seja, o bom profissional hoje é, como em qualquer outra área, aquele que estuda, estuda, estuda e estuda!" ressalta Karol.

Trabalhar com comportamento animal não é um dom. Não é algo que você nasce sabendo ou que aprende com a convivência. É preciso muito estudo e dedicação! Por isso o vídeo ficou tão famoso e deixou diversos profissionais de cabelo em pé.

E por que escrever um texto sobre isso?

MarioMartinezMZ/Creative Commons Foto: Estadão

Ao contratar um passeador, um adestrador, um terapeuta comportamental, ou qualquer profissional, pegue referências. Não apenas de amigos, mas de profissionais que você confie. Só assim você e seu cão não entrarão em uma fria.

Carolina Jardim lamenta que enquanto a onda de profissionais, que atuam com foco no bem-estar e nas emoções dos cães, não para de crescer, profissionais com foco em resolver os problemas dos tutores, sem pensar nos cães, aumentam no mercado. "Infelizmente, pessoas influentes como essas (Giovanna e Bruno), passam a mensagem de que os cachorros precisam ser "comportados" e "obedientes", independente do custo que sofram com isso. E enaltecer a paz e o equilíbrio na casa, utilizando técnicas punitivas, provocando medo nos cães e impedindo que exprimam comportamentos naturais (de desconforto e insegurança), sem trabalhar a origem do problema, é SEMPRE o pior caminho" observa.

A psicóloga reforça que a cada curso que faz, livro que lê, pesquisas que estuda, fica cada vez mais claro que não basta tempo de experiência ou clientes conhecidos satisfeitos. "É preciso muito estudo sobre as consequências dos métodos e técnicas utilizados no trabalho com os cães, principalmente, nas emoções e no bem-estar deles. Enquanto isso não for uma unanimidade entre profissionais e tutores de cães, muitos deles sofrerão nas mãos de profissionais cujo foco é somente o resultado e a obediência" relembra.

Lembre-se sempre: não há mágica! Dedicação, paciência, persistência e disciplina devem existir diariamente, por um longo tempo, para obtermos bons resultados.

Se um cachorro está apresentando questões, devemos olhar para cada um delas como resultado da falha humana, que não criou as condições necessárias para que ele crescesse de forma equilibrada mental e emocionalmente. É por isso que o método positivo, utilizado da maneira correta, com consistência e coerência, é, sempre, o melhor caminho. Pode ser, por vezes, mais trabalhoso, mas é o mais permanente.

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