Uma rede social que não permite filtros, edições e nem fotos pré-selecionadas. Essa é a proposta do BeReal, aplicativo lançado na França em 2020 e que tem crescido no Brasil nos últimos meses, em especial entre adolescentes e jovens.
A premissa, a princípio, é bem simples: o app te manda um alerta por dia, em um horário aleatório e sem aviso prévio, e pede que você registre o que está fazendo naquele momento.
Assim que o usuário entra no aplicativo, ele tem dois minutos para clicar em um botão que captura duas imagens, uma com a câmera frontal e outra com a traseira. Após a publicação, o BeReal permite que você veja o feed com as postagens de seus amigos na plataforma.
Além da aba “Meus Amigos”, também é possível acessar um “Discovery”, onde pessoas do mundo inteiro publicam seus registros. Nas configurações de privacidade, o usuário pode escolher se quer compartilhar suas fotos apenas com os amigos ou com todo o público.
Vida mais ‘real’
Para a estudante de jornalismo Nathália Meirinho, de 22 anos, a melhor coisa da plataforma é a possibilidade de ver a realidade das pessoas e coisas que elas não publicariam em outras redes sociais, como o Instagram.
“Outro dia, o aplicativo mandou a notificação bem na hora que eu estava na cadeira do dentista. Normalmente eu não postaria um ‘story’ no dentista, mas nesse dia postei uma selfie no BeReal e achei divertido”, conta.
A fuga do molde já conhecido em outras redes sociais, no qual os usuários tendem a preparar, editar e pensar várias vezes antes de compartilhar um conteúdo, é uma das propostas do BeReal.
Na App Store, plataforma de distribuição de aplicativos da Apple, ele é descrito como uma rede social “espontânea e imprevisível,” na qual você pode compartilhar “seus momentos mais autênticos através de fotos”.
A estratégia tem dado certo. Até o fechamento dessa reportagem, o BeReal era o quarto aplicativo gratuito mais baixado no Brasil, atrás apenas de dois editores de vídeo e do e-Título.
“O conceito acompanha toda uma vertente do mercado que diz respeito a uma vida mais ‘natural’. Tal vertente vai da alimentação, passando pela vestimenta, e culmina em novas plataformas de redes sociais”, explica Leonardo Goldberg, doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro O sujeito na era digital (2021).
O especialista alerta, no entanto, que o aplicativo “faz esse apelo ao natural dentro de uma estrutura discursiva que implica ao usuário o uso contínuo do aplicativo”.
Para Goldberg, mesmo que o BeReal fuja do método tradicional do Instagram, ou do Facebook, por exemplo, ele ainda está inserido na lógica de consumo das redes sociais. “O paradoxo é justamente esse: demonstre o quão natural você é de forma periódica, uma vez ao dia, ao aplicativo que reúne o conjunto dos ‘naturais’”, aponta.
Por outro lado, isso não parece ser um problema para os usuários. “Não me sinto pressionada a postar assim que o aplicativo me pede, mas acho mais legal postar na hora exata, acho que deixa a coisa mais realista”, diz Nathália.
De ‘cara limpa’
A falta de filtros e edições também é um ponto alto para os fãs do BeReal. No Instagram, é raro que os usuários publiquem stories sem nenhum efeito e o próprio aplicativo possui um editor de imagem. O TikTok permite alterações como afinar nariz, rosto e mudar tom da pele e o uso da ferramenta não é nem avisado a quem assiste aos vídeos.
Leonardo Goldberg explica que a problemática desses recursos está no fato de que eles promovem um apelo a um tipo de beleza impossível de se alcançar, mas lembra que uma fotografia digital já tem várias camadas de edição.
“Depende do celular do sujeito e varia muito de acordo com a qualidade de sua câmera, e portanto, faz com que a dimensão estética seja condicionada a uma questão econômica”, diz.
Essa conjuntura pode ser um fator determinante para a saúde mental dos jovens. “Costumava me sentir bem mais ansiosa e não era incomum entrar em um ciclo de auto comparação como efeito do uso dessas redes”, diz Nathália Meirinho.
O sentimento é compartilhado por Luana Rillo, auxiliar administrativa de 23 anos. A jovem conta que se sente ansiosa usando redes como o Instagram e o TikTok: “Excesso de filtros, todo mundo sempre fazendo algo interessante, útil, divertido. Dá a impressão de que não estou vivendo”.
Para ambas, a proposta do BeReal pode ajudar a diminuir a ansiedade relacionada ao uso das mídias sociais. Além disso, apontam que passam menos tempo na plataforma do que em outras redes. “Devo passar menos de 10 minutos no BeReal diariamente. No Instagram, minha média diária é de quase 2 horas”, comenta Nathália.
*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais