Como lidar com um adolescente? Leia trecho de guia inédito de Thalita Rebouças e Renato Caminha


‘O pai da criança é encantado. O pai do adolescente tende a ser irritado’, dizem os autores - ela, escritora adorada pelos pré-adolescentes e ele psicólogo - em capítulo do livro ‘Falando Sério sobre Adolescência’, com lançamento na Bienal do Livro de São Paulo

Por Redação

Há duas décadas fazendo enorme sucesso entre leitores pré-adolescentes, a escritora carioca Thalita Rebouças agora se volta para outro público: os pais deles. Ela lança, na Bienal do Livro de São Paulo, Falando Sério sobre Adolescência, escrito com o psicólogo Renato M. Caminha, um livro de não ficção para guiar pais a como passar pela complicada transição dos filhos da infância para a adolescência. Leia um trecho abaixo.

Novo livro de Thalita Rebouças e Renato M. Caminha ajuda pais a lidarem com o começo da adolescência dos filhos. Foto: Studio Dva Kera/Adobe Stock

Em 44 capítulos, os autores abordam os desafios enfrentados neste período - não só as mudanças hormonais e de comportamento, mas também aqueles menos falados. Um dos tópicos, por exemplo, fala do luto enfrentado por pais quando o filho chega na adolescência pela criança que já não existe mais. Cada capítulo também apresenta “Dicas para familiares e responsáveis”, com práticas saudáveis a serem exercidas neste momento de vida.

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Nos dias 8 e 15 de setembro, Thalita e Renato autografam o livro no estande da L&PM Editores (H56) na Bienal do Livro, a partir das 16h, celebrando também os 50 anos da editora. Os autógrafos serão limitados pela retirada de senhas no estande, distribuídas por ordem de chegada.

Leia um trecho de ‘Falando Sério sobre Adolescência’

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Pais e Parentalidade

Quando nasce um filho, nascem uma mãe e um pai, nasce uma nova função em nossa vida chamada de parentalidade. Em tese, a parentalidade deveria ser uma escolha consciente precedida de todo o conhecimento básico do que é uma criança, um adolescente e tudo o que temos de enfrentar até que nossos filhos se tornem adultos e plenamente independentes. Vale salientar que, mesmo quando se tornam independentes, se conseguimos estabelecer vínculos sólidos com eles as preocupações e demandas nunca cessam. Todavia, as coisas não são necessariamente assim. Muitos pais embarcam na parentalidade desorientados, desinformados e sem terem tido a oportunidade de avaliar previamente se a parentalidade era de fato uma escolha ou apenas uma resposta, uma adesão aos conservadores roteiros sociais. Resultam disso relações tumultuadas, vínculos frágeis ou patológicos e arrependimentos parentais. Apesar das dificuldades, com orientação adequada podemos reverter situações drásticas em prol da saúde mental, resiliência e bem-estar de todos.

Como diz uma amiga querida, filhos não nascem com manual de instruções, mas nascem com bula. Isso quer dizer de fato que para que uma bula seja compreendida ela necessita de pais atentos, empáticos e motivados a decodificar aquele ser recém-chegado e cheio de desafios cotidianos para nós.

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Filhos não nascem falando, não nascem expondo suas necessidades. Eles se comunicam através de uma linguagem não verbal que possui uma chave para seu entendimento – empatia. É o tal wi-fi, a tal conexão e direcionamento amoroso para entender e se dedicar ao outro.

Renato tem trabalhado e difundido muito o conceito de escola de pais, pois os pais se perdem, não percebem os filhos, e é claro que essa desatenção nem sempre é intencional. Não há nada melhor do que a difusão do conhecimento para transformar e ajudar no manejo da realidade dos fatos.

A questão da escola de pais deve partir do princípio de que é necessário conhecer todas as etapas do desenvolvimento infantil e de todos os dissabores que virão ao termos filhos, e que isso ajuda na tomada de decisão na hora do “vamos procriar ou não vamos”. A escola de pais serve para o pré e o pós filhos. Com relação à decisão de os termos ou não, ela difunde um conhecimento que permite que o seu cérebro cartesiano se ative e se sobreponha aos algoritmos biológicos que nos impelem à reprodução. Ela serve igualmente para quem já tem filhos – afinal, depois da parentalidade ocorrer de fato, todo o conhecimento acerca das dificuldades previstas em cada etapa do desenvolvimento nos permite desenvolver ferramentas básicas para reduzir o estresse de cada fase e preservar a harmonia e os vínculos saudáveis entre os membros da família. O conhecimento difundido de modo democrático através de ações da escola de pais acaba atuando como uma forma de difundir saúde mental coletiva. Se levarmos em conta o número de crianças abandonadas e o impacto na saúde social desses abandonos, maus-tratos e invalidações sofridas na família, veremos que estamos tratando de prevenção em saúde mental.

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A escritora Thalita Rebouças em 2016. Foto: Felipe Rau/Estadão

Filhos geram muitos dissabores: desde o início eles têm cólicas, a vida sexual dos pais vai naufragar e será necessário fazer muita meditação para suportar a ausência de sexo, a falta de paciência e a privação de sono. Sempre pergunte a você mesmo se há motivos racionais, coerentes e lógicos para que se tenha um filho. Se a resposta for sim, enumere esses motivos, por favor! Outro grande desafio será gerenciar a harmonia e o equilíbrio entre a parentalidade e a conjugalidade. Com filhos, as diferenças do casal aparecem ou se agravam.

Sempre dizemos que fazer filho é muito gostoso, difícil mesmo é criar, educar. Admiro muito quem embarca nessa aventura, mas é necessário estar pronto. Vemos um bando de pais de Instagram muito orgulhosos de si na função de educadores. Mas não é comum vermos mães e ou pais assumindo nas redes sociais que são desatentos ou que estão passando o maior perrengue com seu filho.

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Vemos muitos pais olhando só para si e terceirizando os filhos. Consideramos que ter filhos deveria ser o ato mais generoso de desprendimento e de compaixão. Embora as demandas da infância sejam bastante difíceis, o ponto crítico da parentalidade ocorre justamente na adolescência, que é a fase mais difícil de delegarmos o problema.

O adolescente está se entendendo sobre a perda da infância, do corpo da infância, e o pai também deixou de ter aquele filho fofinho, com aquela voz fofinha, com aquela carinha de criança fofinha. Ele está quase virando um adulto. E quando a criança deixa de ser criança, o pai também perde um pouco o interesse naquele cara enorme, cheio de espinhas, com a voz mudada, sempre chato.

O pai da criança é encantado pela cria, mas o pai do adolescente tende a ser um pai aborrecido, irritado, bravo com o filho que está frequentemente impaciente, mal-humorado.

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Com isso, ou vivemos em constante embate ou abstraímos, deixamos para lá e seguimos adiante. Muitos desses pais repetem suas histórias de vida. Trazemos nosso modelo lá de trás e o repetimos. Não é intencional, não é falta de amor. Não podemos ser moralistas e julgarmos que esses pais não amam os filhos. Negligenciar não é sinônimo de falta de amor.

A parentalidade não é uma função estanque: ela está em constante transformação. A cada etapa de desenvolvimento dos filhos, novas habilidades são exigidas dos pais. Pais também têm o luto de perder aquela criança que não existe mais, e é nessa hora que eles precisam ter maturidade para começar o chamado desapego. A gente cria filhos para o mundo, a criança se vai. Chega a hora de olhar com outros olhos para seu “novo filho”, o filho adolescente. E isso é muito bonito. Os pais precisam se reinventar para lidar com os problemas dessa pessoa em evolução, desse novo filho, desse ser quase estranho, que do nada continua morando na sua casa.

Quando há uma relação de apego, de segurança, de amor bem estabelecido e constituído, os pais suportam relativamente bem todas as fases de transição, de transformação.

Justamente por isso a busca de ajuda para resolver os dilemas e agruras com filhos não representa fracasso parental. Pelo contrário: representa coragem e desejo de que as coisas se resolvam da melhor maneira para todos.

Sabemos por estudos antropológicos e de biologia do comportamento que os bebês humanos não foram “desenhados” pela natureza para serem criados apenas por uma pessoa ou um casal. Em ambientes ancestrais, essa função era diluída na coletividade. Com a sofisticação social, houve um movimento reverso: as famílias se fecharam, e problemas com filhos envolvem apenas o núcleo familiar. Precisamos rever nossa história evolutiva e parar de carregar fardos pesados demais para nós. Nossos filhos na adolescência irão abrir nossos porões, despertando fantasmas que nem imaginávamos mais estarem por lá. Adolescente é o ser que está no mundo para testar os pais, por mais poderosos que sejam, por mais competentes e reconhecidos profissionalmente fora de casa. O filho será a pessoa que vai testar os pais em limites para os quais nenhuma titulação acadêmica os preparou. Você está pronto para isso?

Dicas para pais e responsáveis: parentalidade necessita de informação, preparo e, sobretudo, consciência. Afinal, tudo constantemente se transforma nessa função, tenha isso em mente. Parentalidade não deve ser vivida na solidão. Busque sempre recursos e informações de qualidade que amenizem o gerenciamento dos estresses previstos e os não previstos na jornada parental. Buscar ajuda não é sinônimo de fracasso parental. Esteja atento aos desafios, descréditos e desmerecimentos que seu filho vai lhe jogar na cara. Entenda que isso não é desamor. O psicanalista Contardo Calligaris uma vez disse: “O adolescente tem a capacidade de captar, no pai, aquele sonho abandonado, aquele desejo”. É aquele pai executivo, que é todo duro, um CEO que trabalha muito, que tem muito dinheiro, mas abandonou lá atrás o sonho de ser surfista. O adolescente tem a tendência a farejar isso e a expressar para os pais os seus fracassos. Na época, isso até pareceu muito metafísico, mas é o que acontece na empatia. Ela é uma conexão que transmite dados – e grande parte desses dados são passados na linguagem não verbal, não consciente. Pais, às vezes, se revoltam com os filhos adolescentes porque eles são a corporificação daquilo que eles abandonaram e que não tiveram coragem para enfrentar. Isso é muito esquisito e bonito ao mesmo tempo.

Por isso, vem confronto, vem resposta malcriada, vem discussão. Os pais acabam se afastando, então, para evitar embates. Para não bater de frente com o filho, o pai se afasta e acaba não percebendo a linguagem não verbal. Sugiro a você, pai ou mãe que estiver lendo isto, que se reveja, mas, antes dessa autoanálise necessária, largue este livro agora e vá dar um abraço no seu filho e dizer que o ama de verdade e que se importa com ele.

Falando Sério sobre Adolescência

  • Autores: Thalita Rebouças e Renato Caminha
  • Editora: L&PM Editores (256 págs.; R$ 69,90)

Há duas décadas fazendo enorme sucesso entre leitores pré-adolescentes, a escritora carioca Thalita Rebouças agora se volta para outro público: os pais deles. Ela lança, na Bienal do Livro de São Paulo, Falando Sério sobre Adolescência, escrito com o psicólogo Renato M. Caminha, um livro de não ficção para guiar pais a como passar pela complicada transição dos filhos da infância para a adolescência. Leia um trecho abaixo.

Novo livro de Thalita Rebouças e Renato M. Caminha ajuda pais a lidarem com o começo da adolescência dos filhos. Foto: Studio Dva Kera/Adobe Stock

Em 44 capítulos, os autores abordam os desafios enfrentados neste período - não só as mudanças hormonais e de comportamento, mas também aqueles menos falados. Um dos tópicos, por exemplo, fala do luto enfrentado por pais quando o filho chega na adolescência pela criança que já não existe mais. Cada capítulo também apresenta “Dicas para familiares e responsáveis”, com práticas saudáveis a serem exercidas neste momento de vida.

Nos dias 8 e 15 de setembro, Thalita e Renato autografam o livro no estande da L&PM Editores (H56) na Bienal do Livro, a partir das 16h, celebrando também os 50 anos da editora. Os autógrafos serão limitados pela retirada de senhas no estande, distribuídas por ordem de chegada.

Leia um trecho de ‘Falando Sério sobre Adolescência’

Pais e Parentalidade

Quando nasce um filho, nascem uma mãe e um pai, nasce uma nova função em nossa vida chamada de parentalidade. Em tese, a parentalidade deveria ser uma escolha consciente precedida de todo o conhecimento básico do que é uma criança, um adolescente e tudo o que temos de enfrentar até que nossos filhos se tornem adultos e plenamente independentes. Vale salientar que, mesmo quando se tornam independentes, se conseguimos estabelecer vínculos sólidos com eles as preocupações e demandas nunca cessam. Todavia, as coisas não são necessariamente assim. Muitos pais embarcam na parentalidade desorientados, desinformados e sem terem tido a oportunidade de avaliar previamente se a parentalidade era de fato uma escolha ou apenas uma resposta, uma adesão aos conservadores roteiros sociais. Resultam disso relações tumultuadas, vínculos frágeis ou patológicos e arrependimentos parentais. Apesar das dificuldades, com orientação adequada podemos reverter situações drásticas em prol da saúde mental, resiliência e bem-estar de todos.

Como diz uma amiga querida, filhos não nascem com manual de instruções, mas nascem com bula. Isso quer dizer de fato que para que uma bula seja compreendida ela necessita de pais atentos, empáticos e motivados a decodificar aquele ser recém-chegado e cheio de desafios cotidianos para nós.

Filhos não nascem falando, não nascem expondo suas necessidades. Eles se comunicam através de uma linguagem não verbal que possui uma chave para seu entendimento – empatia. É o tal wi-fi, a tal conexão e direcionamento amoroso para entender e se dedicar ao outro.

Renato tem trabalhado e difundido muito o conceito de escola de pais, pois os pais se perdem, não percebem os filhos, e é claro que essa desatenção nem sempre é intencional. Não há nada melhor do que a difusão do conhecimento para transformar e ajudar no manejo da realidade dos fatos.

A questão da escola de pais deve partir do princípio de que é necessário conhecer todas as etapas do desenvolvimento infantil e de todos os dissabores que virão ao termos filhos, e que isso ajuda na tomada de decisão na hora do “vamos procriar ou não vamos”. A escola de pais serve para o pré e o pós filhos. Com relação à decisão de os termos ou não, ela difunde um conhecimento que permite que o seu cérebro cartesiano se ative e se sobreponha aos algoritmos biológicos que nos impelem à reprodução. Ela serve igualmente para quem já tem filhos – afinal, depois da parentalidade ocorrer de fato, todo o conhecimento acerca das dificuldades previstas em cada etapa do desenvolvimento nos permite desenvolver ferramentas básicas para reduzir o estresse de cada fase e preservar a harmonia e os vínculos saudáveis entre os membros da família. O conhecimento difundido de modo democrático através de ações da escola de pais acaba atuando como uma forma de difundir saúde mental coletiva. Se levarmos em conta o número de crianças abandonadas e o impacto na saúde social desses abandonos, maus-tratos e invalidações sofridas na família, veremos que estamos tratando de prevenção em saúde mental.

A escritora Thalita Rebouças em 2016. Foto: Felipe Rau/Estadão

Filhos geram muitos dissabores: desde o início eles têm cólicas, a vida sexual dos pais vai naufragar e será necessário fazer muita meditação para suportar a ausência de sexo, a falta de paciência e a privação de sono. Sempre pergunte a você mesmo se há motivos racionais, coerentes e lógicos para que se tenha um filho. Se a resposta for sim, enumere esses motivos, por favor! Outro grande desafio será gerenciar a harmonia e o equilíbrio entre a parentalidade e a conjugalidade. Com filhos, as diferenças do casal aparecem ou se agravam.

Sempre dizemos que fazer filho é muito gostoso, difícil mesmo é criar, educar. Admiro muito quem embarca nessa aventura, mas é necessário estar pronto. Vemos um bando de pais de Instagram muito orgulhosos de si na função de educadores. Mas não é comum vermos mães e ou pais assumindo nas redes sociais que são desatentos ou que estão passando o maior perrengue com seu filho.

Vemos muitos pais olhando só para si e terceirizando os filhos. Consideramos que ter filhos deveria ser o ato mais generoso de desprendimento e de compaixão. Embora as demandas da infância sejam bastante difíceis, o ponto crítico da parentalidade ocorre justamente na adolescência, que é a fase mais difícil de delegarmos o problema.

O adolescente está se entendendo sobre a perda da infância, do corpo da infância, e o pai também deixou de ter aquele filho fofinho, com aquela voz fofinha, com aquela carinha de criança fofinha. Ele está quase virando um adulto. E quando a criança deixa de ser criança, o pai também perde um pouco o interesse naquele cara enorme, cheio de espinhas, com a voz mudada, sempre chato.

O pai da criança é encantado pela cria, mas o pai do adolescente tende a ser um pai aborrecido, irritado, bravo com o filho que está frequentemente impaciente, mal-humorado.

Com isso, ou vivemos em constante embate ou abstraímos, deixamos para lá e seguimos adiante. Muitos desses pais repetem suas histórias de vida. Trazemos nosso modelo lá de trás e o repetimos. Não é intencional, não é falta de amor. Não podemos ser moralistas e julgarmos que esses pais não amam os filhos. Negligenciar não é sinônimo de falta de amor.

A parentalidade não é uma função estanque: ela está em constante transformação. A cada etapa de desenvolvimento dos filhos, novas habilidades são exigidas dos pais. Pais também têm o luto de perder aquela criança que não existe mais, e é nessa hora que eles precisam ter maturidade para começar o chamado desapego. A gente cria filhos para o mundo, a criança se vai. Chega a hora de olhar com outros olhos para seu “novo filho”, o filho adolescente. E isso é muito bonito. Os pais precisam se reinventar para lidar com os problemas dessa pessoa em evolução, desse novo filho, desse ser quase estranho, que do nada continua morando na sua casa.

Quando há uma relação de apego, de segurança, de amor bem estabelecido e constituído, os pais suportam relativamente bem todas as fases de transição, de transformação.

Justamente por isso a busca de ajuda para resolver os dilemas e agruras com filhos não representa fracasso parental. Pelo contrário: representa coragem e desejo de que as coisas se resolvam da melhor maneira para todos.

Sabemos por estudos antropológicos e de biologia do comportamento que os bebês humanos não foram “desenhados” pela natureza para serem criados apenas por uma pessoa ou um casal. Em ambientes ancestrais, essa função era diluída na coletividade. Com a sofisticação social, houve um movimento reverso: as famílias se fecharam, e problemas com filhos envolvem apenas o núcleo familiar. Precisamos rever nossa história evolutiva e parar de carregar fardos pesados demais para nós. Nossos filhos na adolescência irão abrir nossos porões, despertando fantasmas que nem imaginávamos mais estarem por lá. Adolescente é o ser que está no mundo para testar os pais, por mais poderosos que sejam, por mais competentes e reconhecidos profissionalmente fora de casa. O filho será a pessoa que vai testar os pais em limites para os quais nenhuma titulação acadêmica os preparou. Você está pronto para isso?

Dicas para pais e responsáveis: parentalidade necessita de informação, preparo e, sobretudo, consciência. Afinal, tudo constantemente se transforma nessa função, tenha isso em mente. Parentalidade não deve ser vivida na solidão. Busque sempre recursos e informações de qualidade que amenizem o gerenciamento dos estresses previstos e os não previstos na jornada parental. Buscar ajuda não é sinônimo de fracasso parental. Esteja atento aos desafios, descréditos e desmerecimentos que seu filho vai lhe jogar na cara. Entenda que isso não é desamor. O psicanalista Contardo Calligaris uma vez disse: “O adolescente tem a capacidade de captar, no pai, aquele sonho abandonado, aquele desejo”. É aquele pai executivo, que é todo duro, um CEO que trabalha muito, que tem muito dinheiro, mas abandonou lá atrás o sonho de ser surfista. O adolescente tem a tendência a farejar isso e a expressar para os pais os seus fracassos. Na época, isso até pareceu muito metafísico, mas é o que acontece na empatia. Ela é uma conexão que transmite dados – e grande parte desses dados são passados na linguagem não verbal, não consciente. Pais, às vezes, se revoltam com os filhos adolescentes porque eles são a corporificação daquilo que eles abandonaram e que não tiveram coragem para enfrentar. Isso é muito esquisito e bonito ao mesmo tempo.

Por isso, vem confronto, vem resposta malcriada, vem discussão. Os pais acabam se afastando, então, para evitar embates. Para não bater de frente com o filho, o pai se afasta e acaba não percebendo a linguagem não verbal. Sugiro a você, pai ou mãe que estiver lendo isto, que se reveja, mas, antes dessa autoanálise necessária, largue este livro agora e vá dar um abraço no seu filho e dizer que o ama de verdade e que se importa com ele.

Falando Sério sobre Adolescência

  • Autores: Thalita Rebouças e Renato Caminha
  • Editora: L&PM Editores (256 págs.; R$ 69,90)

Há duas décadas fazendo enorme sucesso entre leitores pré-adolescentes, a escritora carioca Thalita Rebouças agora se volta para outro público: os pais deles. Ela lança, na Bienal do Livro de São Paulo, Falando Sério sobre Adolescência, escrito com o psicólogo Renato M. Caminha, um livro de não ficção para guiar pais a como passar pela complicada transição dos filhos da infância para a adolescência. Leia um trecho abaixo.

Novo livro de Thalita Rebouças e Renato M. Caminha ajuda pais a lidarem com o começo da adolescência dos filhos. Foto: Studio Dva Kera/Adobe Stock

Em 44 capítulos, os autores abordam os desafios enfrentados neste período - não só as mudanças hormonais e de comportamento, mas também aqueles menos falados. Um dos tópicos, por exemplo, fala do luto enfrentado por pais quando o filho chega na adolescência pela criança que já não existe mais. Cada capítulo também apresenta “Dicas para familiares e responsáveis”, com práticas saudáveis a serem exercidas neste momento de vida.

Nos dias 8 e 15 de setembro, Thalita e Renato autografam o livro no estande da L&PM Editores (H56) na Bienal do Livro, a partir das 16h, celebrando também os 50 anos da editora. Os autógrafos serão limitados pela retirada de senhas no estande, distribuídas por ordem de chegada.

Leia um trecho de ‘Falando Sério sobre Adolescência’

Pais e Parentalidade

Quando nasce um filho, nascem uma mãe e um pai, nasce uma nova função em nossa vida chamada de parentalidade. Em tese, a parentalidade deveria ser uma escolha consciente precedida de todo o conhecimento básico do que é uma criança, um adolescente e tudo o que temos de enfrentar até que nossos filhos se tornem adultos e plenamente independentes. Vale salientar que, mesmo quando se tornam independentes, se conseguimos estabelecer vínculos sólidos com eles as preocupações e demandas nunca cessam. Todavia, as coisas não são necessariamente assim. Muitos pais embarcam na parentalidade desorientados, desinformados e sem terem tido a oportunidade de avaliar previamente se a parentalidade era de fato uma escolha ou apenas uma resposta, uma adesão aos conservadores roteiros sociais. Resultam disso relações tumultuadas, vínculos frágeis ou patológicos e arrependimentos parentais. Apesar das dificuldades, com orientação adequada podemos reverter situações drásticas em prol da saúde mental, resiliência e bem-estar de todos.

Como diz uma amiga querida, filhos não nascem com manual de instruções, mas nascem com bula. Isso quer dizer de fato que para que uma bula seja compreendida ela necessita de pais atentos, empáticos e motivados a decodificar aquele ser recém-chegado e cheio de desafios cotidianos para nós.

Filhos não nascem falando, não nascem expondo suas necessidades. Eles se comunicam através de uma linguagem não verbal que possui uma chave para seu entendimento – empatia. É o tal wi-fi, a tal conexão e direcionamento amoroso para entender e se dedicar ao outro.

Renato tem trabalhado e difundido muito o conceito de escola de pais, pois os pais se perdem, não percebem os filhos, e é claro que essa desatenção nem sempre é intencional. Não há nada melhor do que a difusão do conhecimento para transformar e ajudar no manejo da realidade dos fatos.

A questão da escola de pais deve partir do princípio de que é necessário conhecer todas as etapas do desenvolvimento infantil e de todos os dissabores que virão ao termos filhos, e que isso ajuda na tomada de decisão na hora do “vamos procriar ou não vamos”. A escola de pais serve para o pré e o pós filhos. Com relação à decisão de os termos ou não, ela difunde um conhecimento que permite que o seu cérebro cartesiano se ative e se sobreponha aos algoritmos biológicos que nos impelem à reprodução. Ela serve igualmente para quem já tem filhos – afinal, depois da parentalidade ocorrer de fato, todo o conhecimento acerca das dificuldades previstas em cada etapa do desenvolvimento nos permite desenvolver ferramentas básicas para reduzir o estresse de cada fase e preservar a harmonia e os vínculos saudáveis entre os membros da família. O conhecimento difundido de modo democrático através de ações da escola de pais acaba atuando como uma forma de difundir saúde mental coletiva. Se levarmos em conta o número de crianças abandonadas e o impacto na saúde social desses abandonos, maus-tratos e invalidações sofridas na família, veremos que estamos tratando de prevenção em saúde mental.

A escritora Thalita Rebouças em 2016. Foto: Felipe Rau/Estadão

Filhos geram muitos dissabores: desde o início eles têm cólicas, a vida sexual dos pais vai naufragar e será necessário fazer muita meditação para suportar a ausência de sexo, a falta de paciência e a privação de sono. Sempre pergunte a você mesmo se há motivos racionais, coerentes e lógicos para que se tenha um filho. Se a resposta for sim, enumere esses motivos, por favor! Outro grande desafio será gerenciar a harmonia e o equilíbrio entre a parentalidade e a conjugalidade. Com filhos, as diferenças do casal aparecem ou se agravam.

Sempre dizemos que fazer filho é muito gostoso, difícil mesmo é criar, educar. Admiro muito quem embarca nessa aventura, mas é necessário estar pronto. Vemos um bando de pais de Instagram muito orgulhosos de si na função de educadores. Mas não é comum vermos mães e ou pais assumindo nas redes sociais que são desatentos ou que estão passando o maior perrengue com seu filho.

Vemos muitos pais olhando só para si e terceirizando os filhos. Consideramos que ter filhos deveria ser o ato mais generoso de desprendimento e de compaixão. Embora as demandas da infância sejam bastante difíceis, o ponto crítico da parentalidade ocorre justamente na adolescência, que é a fase mais difícil de delegarmos o problema.

O adolescente está se entendendo sobre a perda da infância, do corpo da infância, e o pai também deixou de ter aquele filho fofinho, com aquela voz fofinha, com aquela carinha de criança fofinha. Ele está quase virando um adulto. E quando a criança deixa de ser criança, o pai também perde um pouco o interesse naquele cara enorme, cheio de espinhas, com a voz mudada, sempre chato.

O pai da criança é encantado pela cria, mas o pai do adolescente tende a ser um pai aborrecido, irritado, bravo com o filho que está frequentemente impaciente, mal-humorado.

Com isso, ou vivemos em constante embate ou abstraímos, deixamos para lá e seguimos adiante. Muitos desses pais repetem suas histórias de vida. Trazemos nosso modelo lá de trás e o repetimos. Não é intencional, não é falta de amor. Não podemos ser moralistas e julgarmos que esses pais não amam os filhos. Negligenciar não é sinônimo de falta de amor.

A parentalidade não é uma função estanque: ela está em constante transformação. A cada etapa de desenvolvimento dos filhos, novas habilidades são exigidas dos pais. Pais também têm o luto de perder aquela criança que não existe mais, e é nessa hora que eles precisam ter maturidade para começar o chamado desapego. A gente cria filhos para o mundo, a criança se vai. Chega a hora de olhar com outros olhos para seu “novo filho”, o filho adolescente. E isso é muito bonito. Os pais precisam se reinventar para lidar com os problemas dessa pessoa em evolução, desse novo filho, desse ser quase estranho, que do nada continua morando na sua casa.

Quando há uma relação de apego, de segurança, de amor bem estabelecido e constituído, os pais suportam relativamente bem todas as fases de transição, de transformação.

Justamente por isso a busca de ajuda para resolver os dilemas e agruras com filhos não representa fracasso parental. Pelo contrário: representa coragem e desejo de que as coisas se resolvam da melhor maneira para todos.

Sabemos por estudos antropológicos e de biologia do comportamento que os bebês humanos não foram “desenhados” pela natureza para serem criados apenas por uma pessoa ou um casal. Em ambientes ancestrais, essa função era diluída na coletividade. Com a sofisticação social, houve um movimento reverso: as famílias se fecharam, e problemas com filhos envolvem apenas o núcleo familiar. Precisamos rever nossa história evolutiva e parar de carregar fardos pesados demais para nós. Nossos filhos na adolescência irão abrir nossos porões, despertando fantasmas que nem imaginávamos mais estarem por lá. Adolescente é o ser que está no mundo para testar os pais, por mais poderosos que sejam, por mais competentes e reconhecidos profissionalmente fora de casa. O filho será a pessoa que vai testar os pais em limites para os quais nenhuma titulação acadêmica os preparou. Você está pronto para isso?

Dicas para pais e responsáveis: parentalidade necessita de informação, preparo e, sobretudo, consciência. Afinal, tudo constantemente se transforma nessa função, tenha isso em mente. Parentalidade não deve ser vivida na solidão. Busque sempre recursos e informações de qualidade que amenizem o gerenciamento dos estresses previstos e os não previstos na jornada parental. Buscar ajuda não é sinônimo de fracasso parental. Esteja atento aos desafios, descréditos e desmerecimentos que seu filho vai lhe jogar na cara. Entenda que isso não é desamor. O psicanalista Contardo Calligaris uma vez disse: “O adolescente tem a capacidade de captar, no pai, aquele sonho abandonado, aquele desejo”. É aquele pai executivo, que é todo duro, um CEO que trabalha muito, que tem muito dinheiro, mas abandonou lá atrás o sonho de ser surfista. O adolescente tem a tendência a farejar isso e a expressar para os pais os seus fracassos. Na época, isso até pareceu muito metafísico, mas é o que acontece na empatia. Ela é uma conexão que transmite dados – e grande parte desses dados são passados na linguagem não verbal, não consciente. Pais, às vezes, se revoltam com os filhos adolescentes porque eles são a corporificação daquilo que eles abandonaram e que não tiveram coragem para enfrentar. Isso é muito esquisito e bonito ao mesmo tempo.

Por isso, vem confronto, vem resposta malcriada, vem discussão. Os pais acabam se afastando, então, para evitar embates. Para não bater de frente com o filho, o pai se afasta e acaba não percebendo a linguagem não verbal. Sugiro a você, pai ou mãe que estiver lendo isto, que se reveja, mas, antes dessa autoanálise necessária, largue este livro agora e vá dar um abraço no seu filho e dizer que o ama de verdade e que se importa com ele.

Falando Sério sobre Adolescência

  • Autores: Thalita Rebouças e Renato Caminha
  • Editora: L&PM Editores (256 págs.; R$ 69,90)

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