Quando falamos de bonecas, a primeira imagem que pode vir à cabeça é a Barbie. Loira, de olhos azuis e magra. Para João Stanganelli Júnior, o “vovô crocheteiro”, os brinquedos devem ser muito mais do que isso. Aos 68 anos, ele confecciona bonecas de crochê, personalizadas e representativas, com o objetivo de fazer com que pessoas que não se enxergam nos itens comercializados por lojas infantis se sintam incluídas e representadas.
João tem 68 anos e vive em Bragança Paulista, no interior de São Paulo. Ao lado de Madalena, sua mulher, o artesão fabrica bonecas de crochê. Mas, a rotina dele nem sempre foi assim. Aos 38 anos, ele foi diagnosticado com vitiligo, doença autoimune que causa manchas na pele. Em 2016, o “vovô crocheteiro” sofreu um infarto, que o impossibilitou de seguir seu trabalho como panificador.
“Eu tive um infarto em 2016. E como eu fiquei de molho, comecei a observar a minha esposa fazendo crochê, mais especificamente o ‘amigurumi’. Eu estava ficando entediado já, porque eu não podia trabalhar, e comecei a brincar com as agulhas. Depois de um período de apanhar muito, comecei a fazer o crochê mesmo, sabe?”, contou ao Estadão.
Apesar da ajuda da companheira, João precisou assistir a vídeos para dominar a técnica do “amigurumi”. Hoje em dia, ele vê seu trabalho como uma espécie de amuleto.
A primeira boneca feita pelo empreendedor foi um presente para sua neta. Na obra, ele decidiu incluir manchas de vitiligo para representá-lo. O que ele não esperava era que a foto de sua boneca fosse viralizar nas redes sociais e despertar o interesse de pessoas ao redor do País.
“Uma garotinha do Rio viu no Facebook a bonequinha e pediu para a mãe. Disse que ela achou uma bonequinha que era a cara dela, que tem vitiligo [também]. Ela pediu para o Papai Noel, acabou escrevendo uma cartinha, e a mãe dela mandou a cartinha para gente”, contou.
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A boneca pronta foi enviada para a menina e ela recebeu o presente no Natal. “Foi ótimo. E a menina tem a boneca até hoje. Depois disso não teve mais jeito: todo mundo querendo e eu comecei a receber pedidos. Abandonei a panificação”, recorda João.
Além do vitiligo, ele também confecciona bonecas com todos os tipos de características: cadeirantes, com psoríase, alopecia. “As minhas bonecas levam talento, representatividade e resiliência. Mas não são só para crianças. A dor é de todos, de dois a 80 anos. Pessoas que falam ‘nossa, se tivesse uma bonequinha dessa no meu tempo’... Nunca recebi nenhum feedback negativo. Fazemos todo estilo de boneca.”
Quando questionado sobre a sua relação com a própria doença, o “vovô crocheteiro” agradeceu por ter recebido um diagnóstico tardio, pois acredita que os jovens sofrem preconceito por causa do vitiligo.
Por mais que, inicialmente, o foco do crochê não fosse a comercialização, João se mostra muito feliz com o rumo que seu trabalho tomou. Após aprender o novo hobby com a mulher, perdeu o interesse pela panificação. Ao comparar os dois empregos, o empreendedor revelou que atualmente pode controlar sua jornada de trabalho, além de poder dedicar o tempo necessário para a confecção de cada encomenda.
Além dos pedidos dentro do Brasil, as bonecas inclusivas também são um sucesso fora do País. Segundo o artista, a maioria de suas encomendas vai para o exterior. “O interessante nessa história toda é que tem um monte de pessoas da Europa que pede. Elas querem uma boneca pra ensinar a diversidade para as crianças”.
O preço das bonecas é definido de acordo com o pedido de cada cliente. O “vovô crocheteiro” compartilha seus trabalhos e recebe pedidos por meio de suas redes sociais. O modelo “vitilinda”, que representa pessoas com vitiligo, custa cerca de R$ 175.
*Estagiária sob supervisão de Charlise de Morais