Ele trocou a fama e o luxo por um estilo de vida mais gentil. Ganha 10% do que ganhava: ‘Sou feliz’


O empresário holandês Rick Vintage abriu mão da vida rica e confortável e de seus três Porsches. Hoje vive em uma simpática casa flutuante e com menos - dinheiro, estresse, pressão e preocupação

Por Stephen Treffinger
Atualização:

Hoje em dia, o empresário holandês Rick Vintage vive sozinho num barco antigo, uma embarcação de 22 metros de comprimento, construída em 1895, chamada Vrouwe Jacoba (Senhora Jacoba, em holandês) num canal de uma área tranquila de Amsterdã. O barco está ancorado em frente a um jardim de 450 metros quadrados que abriga uma casinha, agora habitada por sua filha Lux, de 18 anos, que vem a bordo de manhã para tomar café antes de sair para a faculdade. Ele mora com seu cachorro, Moos. Ninguém passa por ali. E ele costuma jantar sozinho no deque.

Rick Vintage em sua casa flutuante. Foto: Kasia Gatkowska/NYT
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“Sempre fui meio eremita”, disse ele durante uma chamada de vídeo dos Países Baixos.

Mas nem sempre foi assim para Vintage, cuja vida era bem diferente poucos anos atrás. Ele fundou uma empresa de papéis de parede, a NLXL, em 2010, com sua esposa, Esther Vintage, começando com imagens de tábuas de madeira para sua casa de praia. “Coloquei as tábuas no scanner, fiz impressões e as instalei na nossa sala de estar”, disse ele. “Dava para sentir: ia ser um sucesso mundial”.

Cozinha do o empresário holandês Rick Vintage. Foto: Kasia Gatkowska/NYT
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Mas ele temia que o design fosse muito parecido com o trabalho de Piet Hein Eek, que ele definiu como um herói do design. “Então, decidi mandar uma mensagem para perguntar se ele estaria interessado em trabalhar conosco”.

Eles se tornaram parceiros no design com o chamado papel de parede Piet Hein Eek Scrapwood. Eek disse por e-mail: “Sempre tento ter certeza, com antecedência, de que vai ser divertido trabalhar com essa pessoa e de que vamos virar amigos. Acabou sendo uma das colaborações mais divertidas até agora, e hoje somos amigos”.

Os Vintage expandiram sua linha de produtos, acrescentando estampas trompe l’oeil impressas digitalmente, como estanho em relevo e concreto desgastado, e a empresa se tornou um sucesso da noite para o dia. “Contratamos 3 mil revendedores em 70 países em menos de um ano e meio. E eu fiquei rico”, disse Rick Vintage. Ele conheceu muitos dos designers que admirava, entre eles o luminar da moda inglesa Paul Smith, que disse ao ser apresentado: “Eu sei quem você é. Você é o cara do papel de parede”. (Tempos depois, Smith colocaria um papel de parede da NLXL nas vitrines de sua loja em Nova York, assim como a Saks Fifth Avenue).

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Na época, Vintage vivia com a esposa e as filhas numa casa de fazenda do século XVIII em Voorburg, nos arredores de Haia. Mas o dinheiro e a fama o deixaram, nas suas próprias palavras, “meio arrogante”. Os pedidos – e o dinheiro – continuavam entrando, e a empresa ganhou vários prêmios.

O designer belga Job Smeets relembrou o momento em que sua empresa, a Studio Job, e a Vintage dividiram o prêmio Elle Deco International Design Award de 2014 por sua colaboração em um papel de parede alucinante, chamado Industry, estampado com caveiras, engrenagens de máquinas e mísseis. A cerimônia de premiação foi realizada em um hotel de luxo em Milão, e a plateia estava repleta de lendas do design, como Alessandro Mendini e Gaetano Pesce.

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“Rick pegou o microfone”, contou Smeets, “e, em vez de fazer um discurso, começou a cantar, com uma voz de barítono muito bonita, uma música que soava totalmente italiana, mas todas as palavras eram inventadas. E a plateia foi à loucura, todo mundo aplaudiu de pé, e foi a melhor coisa de todos os tempos”.

Naquela época, muitas pessoas diziam que Vintage era especial. “E acho que comecei a acreditar que era mesmo”, disse ele. Ele comprou carros caros – três Porsches em um ano – e viajava pelo mundo. Estava na hora de mudar, mas não necessariamente do jeito que ele imaginava.

Primeira mudança: divórcio

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Em 2016, ele e Esther Vintage se divorciaram, e Vintage se mudou para um edifício ornamentado de 1830 em Haia. O apartamento foi audaciosamente decorado com quilômetros de papel de parede de grife e móveis da moda, como um elegante sofá Koen de Piet Boon e cadeiras Tree Trunk de Eek. (Ambos os Piet são designers holandeses e colaboradores da NLXL). Havia também a melhor demonstração da solteirice: plantas falsas, dominadas por um cacto Gufram surrealista. O espaço chamativo foi muito comentado.

“Dois anos depois, fui a uma festa em Roterdã no meu Porsche 911 GTS novinho em folha e minha namorada vinte anos mais jovem ao meu lado”, contou ele. Ele estava assustado com a pessoa que tinha se tornado, disse, um homem que não sabia onde estavam suas filhas. “Foi quando eu realmente parei com todas as viagens e todo o glamour. E comecei a viver uma vida diferente. Foi assim que tudo começou”.

Ele terminou com a namorada e passou o resto do ano no seu sofá Koen, sozinho, com ataques ocasionais de depressão e ansiedade. Ele se perguntava quem seria ele sem todos os aplausos. “Em algum lugar, no fundo da minha cabeça, eu sabia que sempre fui muito bom em ficar sozinho, mas não me lembrava como”.

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Enquanto isso, a NLXL estava perdendo muito dinheiro. Além de Vintage ter tido um longo hiato no trabalho depois do divórcio, empresas grandes e pequenas começaram a copiar as coleções. Ele vendeu seus bens – inclusive os carros – para pagar as contas e reduziu a equipe a apenas duas pessoas: ele e a ex-mulher.

Depois veio a pandemia e ele contraiu covid-19. Mas, de alguma forma, o isolamento forçado se tornou um conforto. “Lá estava eu – sozinho, sem dinheiro, sem aplausos e com covid – e me sentindo melhor do que nunca”, lembrou.

Ele começou a se reconectar com as filhas. Em 2020, Lux tinha acabado de começar a estudar música numa faculdade em Amsterdã e estava procurando um lugar na cidade, mas achando tudo na área central “muito caro”.

Casa flutuante

Ele viu o anúncio de uma casa flutuante com jardim longe do centro da cidade e resolveu dar uma olhada com Lux e sua outra filha, Ella, hoje com 21 anos, que mora com a mãe em Voorburg e estuda nutrição. Vinte e quatro horas depois, era o dono do lugar.

A vida no Vrouwe Jacoba nem sempre foi confortável, disse Vintage. “O vaso sanitário não dava descarga, o aquecimento não funcionava e havia vazamentos por toda parte. O interior – que eu tinha decidido não mudar – era composto principalmente de tiras de madeira amareladas dos anos 70, e a cozinha não tinha nem fogão”.

Mas ele foi fazendo os ajustes aos poucos. Embora aspirasse a viver sem luxo, ele ainda queria um chuveiro quente. Ele mesmo consertou o encanamento e instalou um fogão a lenha. “Investi em ferramentas boas e comecei a trabalhar”, disse ele. Com o tempo, ele ficou bom o bastante para construir uma cozinha confortável. Como o barco é feito de aço e não tem isolamento, fazia frio no inverno. Para combater isso, ele cobriu o piso com tapetes antigos. Segundo ele, “faz uma diferença incrível ter ou não ter esses tapetes no chão”.

A sala de estar de Rick Vintage, com tapete vintage e lareira Foto: Kasia Gatkowska/NYT

Grande parte dos móveis de design, entre eles o cacto Gufram, era grande demais para o barco, então ele os guardou e levou as cadeiras Tree Trunk para o jardim. Ele não viu motivo para se desfazer do sofá Koen, no qual havia passado tantas horas: simplesmente cortou a estrutura lateral e traseira para que o móvel coubesse. “Tirei uma foto e mandei para Piet Boon para parabenizá-lo por seu mais novo design de sofá”, disse ele.

Longe de se sentir ofendido, Boon descreveu Vintage por e-mail como “um empresário que aproveita a vida ao máximo e tem habilidade para aproveitar oportunidades. Sua sensibilidade para definir tendências significa que ele sempre traz novas ideias para a mesa”.

Vintage disse que sente falta de uma namorada, mas admitiu que é difícil encontrar alguém com quem ele possa ficar sozinho.

“Sou grato pelo relacionamento que tivemos e pela amizade que ainda tenho com minha ex-esposa, Esther”, disse ele, “pois ela é a única pessoa com quem ainda posso ficar sozinho”. Como ele acha que trabalhar sozinho é muito mais desafiador do que viver sozinho, ele e Esther se encontram para trabalhar duas manhãs por semana.

Filhas do empresário Rick Vintage na varanda da casa do pai. Foto: Kasia Gatkowska/NYT
Varanda da casa do o empresário holandês Rick Vintage. Foto: Kasia Gatkowska/NYT

Mas ele não é antissocial. “No verão, cozinho ao ar livre no convés”, disse ele. “Às vezes, os amigos vêm, pois meu barco é o melhor lugar para jantar quando está quente. Quando está muito calor, a gente pula na água”.

Lux acha que sua moradia é ideal. “Faço música e escrevo minhas canções aqui”, escreveu ela por e-mail sobre sua casa de 24 metros quadrados no jardim. “Posso cantar o mais alto que quiser. Se morasse numa residência estudantil, não conseguiria cantar nem tocar violão”. No apartamento de seu pai em Haia, sempre havia muito barulho da cidade, lembra ela. “Aqui eu acordo com o som dos pássaros – e adoro”.

Em 2022, Vintage abriu uma nova empresa, a Dorbll, uma campainha com vídeo acionada por aplicativo. No passado, ele era viciado em trabalho, ia para a cama à uma da manhã e se levantava toda hora para responder a e-mails de diferentes mercados mundiais. Agora ele trabalha em horários mais razoáveis.

“Preciso de tempo para mim, para minhas filhas, meus amigos, meu cachorro”, disse ele. “Agora estou com 57 anos, ganho 10% do que ganhava antes, levo uma vida confortável e sem estresse e sou muito feliz por estar sozinho”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Hoje em dia, o empresário holandês Rick Vintage vive sozinho num barco antigo, uma embarcação de 22 metros de comprimento, construída em 1895, chamada Vrouwe Jacoba (Senhora Jacoba, em holandês) num canal de uma área tranquila de Amsterdã. O barco está ancorado em frente a um jardim de 450 metros quadrados que abriga uma casinha, agora habitada por sua filha Lux, de 18 anos, que vem a bordo de manhã para tomar café antes de sair para a faculdade. Ele mora com seu cachorro, Moos. Ninguém passa por ali. E ele costuma jantar sozinho no deque.

Rick Vintage em sua casa flutuante. Foto: Kasia Gatkowska/NYT

“Sempre fui meio eremita”, disse ele durante uma chamada de vídeo dos Países Baixos.

Mas nem sempre foi assim para Vintage, cuja vida era bem diferente poucos anos atrás. Ele fundou uma empresa de papéis de parede, a NLXL, em 2010, com sua esposa, Esther Vintage, começando com imagens de tábuas de madeira para sua casa de praia. “Coloquei as tábuas no scanner, fiz impressões e as instalei na nossa sala de estar”, disse ele. “Dava para sentir: ia ser um sucesso mundial”.

Cozinha do o empresário holandês Rick Vintage. Foto: Kasia Gatkowska/NYT

Mas ele temia que o design fosse muito parecido com o trabalho de Piet Hein Eek, que ele definiu como um herói do design. “Então, decidi mandar uma mensagem para perguntar se ele estaria interessado em trabalhar conosco”.

Eles se tornaram parceiros no design com o chamado papel de parede Piet Hein Eek Scrapwood. Eek disse por e-mail: “Sempre tento ter certeza, com antecedência, de que vai ser divertido trabalhar com essa pessoa e de que vamos virar amigos. Acabou sendo uma das colaborações mais divertidas até agora, e hoje somos amigos”.

Os Vintage expandiram sua linha de produtos, acrescentando estampas trompe l’oeil impressas digitalmente, como estanho em relevo e concreto desgastado, e a empresa se tornou um sucesso da noite para o dia. “Contratamos 3 mil revendedores em 70 países em menos de um ano e meio. E eu fiquei rico”, disse Rick Vintage. Ele conheceu muitos dos designers que admirava, entre eles o luminar da moda inglesa Paul Smith, que disse ao ser apresentado: “Eu sei quem você é. Você é o cara do papel de parede”. (Tempos depois, Smith colocaria um papel de parede da NLXL nas vitrines de sua loja em Nova York, assim como a Saks Fifth Avenue).

Na época, Vintage vivia com a esposa e as filhas numa casa de fazenda do século XVIII em Voorburg, nos arredores de Haia. Mas o dinheiro e a fama o deixaram, nas suas próprias palavras, “meio arrogante”. Os pedidos – e o dinheiro – continuavam entrando, e a empresa ganhou vários prêmios.

O designer belga Job Smeets relembrou o momento em que sua empresa, a Studio Job, e a Vintage dividiram o prêmio Elle Deco International Design Award de 2014 por sua colaboração em um papel de parede alucinante, chamado Industry, estampado com caveiras, engrenagens de máquinas e mísseis. A cerimônia de premiação foi realizada em um hotel de luxo em Milão, e a plateia estava repleta de lendas do design, como Alessandro Mendini e Gaetano Pesce.

“Rick pegou o microfone”, contou Smeets, “e, em vez de fazer um discurso, começou a cantar, com uma voz de barítono muito bonita, uma música que soava totalmente italiana, mas todas as palavras eram inventadas. E a plateia foi à loucura, todo mundo aplaudiu de pé, e foi a melhor coisa de todos os tempos”.

Naquela época, muitas pessoas diziam que Vintage era especial. “E acho que comecei a acreditar que era mesmo”, disse ele. Ele comprou carros caros – três Porsches em um ano – e viajava pelo mundo. Estava na hora de mudar, mas não necessariamente do jeito que ele imaginava.

Primeira mudança: divórcio

Em 2016, ele e Esther Vintage se divorciaram, e Vintage se mudou para um edifício ornamentado de 1830 em Haia. O apartamento foi audaciosamente decorado com quilômetros de papel de parede de grife e móveis da moda, como um elegante sofá Koen de Piet Boon e cadeiras Tree Trunk de Eek. (Ambos os Piet são designers holandeses e colaboradores da NLXL). Havia também a melhor demonstração da solteirice: plantas falsas, dominadas por um cacto Gufram surrealista. O espaço chamativo foi muito comentado.

“Dois anos depois, fui a uma festa em Roterdã no meu Porsche 911 GTS novinho em folha e minha namorada vinte anos mais jovem ao meu lado”, contou ele. Ele estava assustado com a pessoa que tinha se tornado, disse, um homem que não sabia onde estavam suas filhas. “Foi quando eu realmente parei com todas as viagens e todo o glamour. E comecei a viver uma vida diferente. Foi assim que tudo começou”.

Ele terminou com a namorada e passou o resto do ano no seu sofá Koen, sozinho, com ataques ocasionais de depressão e ansiedade. Ele se perguntava quem seria ele sem todos os aplausos. “Em algum lugar, no fundo da minha cabeça, eu sabia que sempre fui muito bom em ficar sozinho, mas não me lembrava como”.

Enquanto isso, a NLXL estava perdendo muito dinheiro. Além de Vintage ter tido um longo hiato no trabalho depois do divórcio, empresas grandes e pequenas começaram a copiar as coleções. Ele vendeu seus bens – inclusive os carros – para pagar as contas e reduziu a equipe a apenas duas pessoas: ele e a ex-mulher.

Depois veio a pandemia e ele contraiu covid-19. Mas, de alguma forma, o isolamento forçado se tornou um conforto. “Lá estava eu – sozinho, sem dinheiro, sem aplausos e com covid – e me sentindo melhor do que nunca”, lembrou.

Ele começou a se reconectar com as filhas. Em 2020, Lux tinha acabado de começar a estudar música numa faculdade em Amsterdã e estava procurando um lugar na cidade, mas achando tudo na área central “muito caro”.

Casa flutuante

Ele viu o anúncio de uma casa flutuante com jardim longe do centro da cidade e resolveu dar uma olhada com Lux e sua outra filha, Ella, hoje com 21 anos, que mora com a mãe em Voorburg e estuda nutrição. Vinte e quatro horas depois, era o dono do lugar.

A vida no Vrouwe Jacoba nem sempre foi confortável, disse Vintage. “O vaso sanitário não dava descarga, o aquecimento não funcionava e havia vazamentos por toda parte. O interior – que eu tinha decidido não mudar – era composto principalmente de tiras de madeira amareladas dos anos 70, e a cozinha não tinha nem fogão”.

Mas ele foi fazendo os ajustes aos poucos. Embora aspirasse a viver sem luxo, ele ainda queria um chuveiro quente. Ele mesmo consertou o encanamento e instalou um fogão a lenha. “Investi em ferramentas boas e comecei a trabalhar”, disse ele. Com o tempo, ele ficou bom o bastante para construir uma cozinha confortável. Como o barco é feito de aço e não tem isolamento, fazia frio no inverno. Para combater isso, ele cobriu o piso com tapetes antigos. Segundo ele, “faz uma diferença incrível ter ou não ter esses tapetes no chão”.

A sala de estar de Rick Vintage, com tapete vintage e lareira Foto: Kasia Gatkowska/NYT

Grande parte dos móveis de design, entre eles o cacto Gufram, era grande demais para o barco, então ele os guardou e levou as cadeiras Tree Trunk para o jardim. Ele não viu motivo para se desfazer do sofá Koen, no qual havia passado tantas horas: simplesmente cortou a estrutura lateral e traseira para que o móvel coubesse. “Tirei uma foto e mandei para Piet Boon para parabenizá-lo por seu mais novo design de sofá”, disse ele.

Longe de se sentir ofendido, Boon descreveu Vintage por e-mail como “um empresário que aproveita a vida ao máximo e tem habilidade para aproveitar oportunidades. Sua sensibilidade para definir tendências significa que ele sempre traz novas ideias para a mesa”.

Vintage disse que sente falta de uma namorada, mas admitiu que é difícil encontrar alguém com quem ele possa ficar sozinho.

“Sou grato pelo relacionamento que tivemos e pela amizade que ainda tenho com minha ex-esposa, Esther”, disse ele, “pois ela é a única pessoa com quem ainda posso ficar sozinho”. Como ele acha que trabalhar sozinho é muito mais desafiador do que viver sozinho, ele e Esther se encontram para trabalhar duas manhãs por semana.

Filhas do empresário Rick Vintage na varanda da casa do pai. Foto: Kasia Gatkowska/NYT
Varanda da casa do o empresário holandês Rick Vintage. Foto: Kasia Gatkowska/NYT

Mas ele não é antissocial. “No verão, cozinho ao ar livre no convés”, disse ele. “Às vezes, os amigos vêm, pois meu barco é o melhor lugar para jantar quando está quente. Quando está muito calor, a gente pula na água”.

Lux acha que sua moradia é ideal. “Faço música e escrevo minhas canções aqui”, escreveu ela por e-mail sobre sua casa de 24 metros quadrados no jardim. “Posso cantar o mais alto que quiser. Se morasse numa residência estudantil, não conseguiria cantar nem tocar violão”. No apartamento de seu pai em Haia, sempre havia muito barulho da cidade, lembra ela. “Aqui eu acordo com o som dos pássaros – e adoro”.

Em 2022, Vintage abriu uma nova empresa, a Dorbll, uma campainha com vídeo acionada por aplicativo. No passado, ele era viciado em trabalho, ia para a cama à uma da manhã e se levantava toda hora para responder a e-mails de diferentes mercados mundiais. Agora ele trabalha em horários mais razoáveis.

“Preciso de tempo para mim, para minhas filhas, meus amigos, meu cachorro”, disse ele. “Agora estou com 57 anos, ganho 10% do que ganhava antes, levo uma vida confortável e sem estresse e sou muito feliz por estar sozinho”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Hoje em dia, o empresário holandês Rick Vintage vive sozinho num barco antigo, uma embarcação de 22 metros de comprimento, construída em 1895, chamada Vrouwe Jacoba (Senhora Jacoba, em holandês) num canal de uma área tranquila de Amsterdã. O barco está ancorado em frente a um jardim de 450 metros quadrados que abriga uma casinha, agora habitada por sua filha Lux, de 18 anos, que vem a bordo de manhã para tomar café antes de sair para a faculdade. Ele mora com seu cachorro, Moos. Ninguém passa por ali. E ele costuma jantar sozinho no deque.

Rick Vintage em sua casa flutuante. Foto: Kasia Gatkowska/NYT

“Sempre fui meio eremita”, disse ele durante uma chamada de vídeo dos Países Baixos.

Mas nem sempre foi assim para Vintage, cuja vida era bem diferente poucos anos atrás. Ele fundou uma empresa de papéis de parede, a NLXL, em 2010, com sua esposa, Esther Vintage, começando com imagens de tábuas de madeira para sua casa de praia. “Coloquei as tábuas no scanner, fiz impressões e as instalei na nossa sala de estar”, disse ele. “Dava para sentir: ia ser um sucesso mundial”.

Cozinha do o empresário holandês Rick Vintage. Foto: Kasia Gatkowska/NYT

Mas ele temia que o design fosse muito parecido com o trabalho de Piet Hein Eek, que ele definiu como um herói do design. “Então, decidi mandar uma mensagem para perguntar se ele estaria interessado em trabalhar conosco”.

Eles se tornaram parceiros no design com o chamado papel de parede Piet Hein Eek Scrapwood. Eek disse por e-mail: “Sempre tento ter certeza, com antecedência, de que vai ser divertido trabalhar com essa pessoa e de que vamos virar amigos. Acabou sendo uma das colaborações mais divertidas até agora, e hoje somos amigos”.

Os Vintage expandiram sua linha de produtos, acrescentando estampas trompe l’oeil impressas digitalmente, como estanho em relevo e concreto desgastado, e a empresa se tornou um sucesso da noite para o dia. “Contratamos 3 mil revendedores em 70 países em menos de um ano e meio. E eu fiquei rico”, disse Rick Vintage. Ele conheceu muitos dos designers que admirava, entre eles o luminar da moda inglesa Paul Smith, que disse ao ser apresentado: “Eu sei quem você é. Você é o cara do papel de parede”. (Tempos depois, Smith colocaria um papel de parede da NLXL nas vitrines de sua loja em Nova York, assim como a Saks Fifth Avenue).

Na época, Vintage vivia com a esposa e as filhas numa casa de fazenda do século XVIII em Voorburg, nos arredores de Haia. Mas o dinheiro e a fama o deixaram, nas suas próprias palavras, “meio arrogante”. Os pedidos – e o dinheiro – continuavam entrando, e a empresa ganhou vários prêmios.

O designer belga Job Smeets relembrou o momento em que sua empresa, a Studio Job, e a Vintage dividiram o prêmio Elle Deco International Design Award de 2014 por sua colaboração em um papel de parede alucinante, chamado Industry, estampado com caveiras, engrenagens de máquinas e mísseis. A cerimônia de premiação foi realizada em um hotel de luxo em Milão, e a plateia estava repleta de lendas do design, como Alessandro Mendini e Gaetano Pesce.

“Rick pegou o microfone”, contou Smeets, “e, em vez de fazer um discurso, começou a cantar, com uma voz de barítono muito bonita, uma música que soava totalmente italiana, mas todas as palavras eram inventadas. E a plateia foi à loucura, todo mundo aplaudiu de pé, e foi a melhor coisa de todos os tempos”.

Naquela época, muitas pessoas diziam que Vintage era especial. “E acho que comecei a acreditar que era mesmo”, disse ele. Ele comprou carros caros – três Porsches em um ano – e viajava pelo mundo. Estava na hora de mudar, mas não necessariamente do jeito que ele imaginava.

Primeira mudança: divórcio

Em 2016, ele e Esther Vintage se divorciaram, e Vintage se mudou para um edifício ornamentado de 1830 em Haia. O apartamento foi audaciosamente decorado com quilômetros de papel de parede de grife e móveis da moda, como um elegante sofá Koen de Piet Boon e cadeiras Tree Trunk de Eek. (Ambos os Piet são designers holandeses e colaboradores da NLXL). Havia também a melhor demonstração da solteirice: plantas falsas, dominadas por um cacto Gufram surrealista. O espaço chamativo foi muito comentado.

“Dois anos depois, fui a uma festa em Roterdã no meu Porsche 911 GTS novinho em folha e minha namorada vinte anos mais jovem ao meu lado”, contou ele. Ele estava assustado com a pessoa que tinha se tornado, disse, um homem que não sabia onde estavam suas filhas. “Foi quando eu realmente parei com todas as viagens e todo o glamour. E comecei a viver uma vida diferente. Foi assim que tudo começou”.

Ele terminou com a namorada e passou o resto do ano no seu sofá Koen, sozinho, com ataques ocasionais de depressão e ansiedade. Ele se perguntava quem seria ele sem todos os aplausos. “Em algum lugar, no fundo da minha cabeça, eu sabia que sempre fui muito bom em ficar sozinho, mas não me lembrava como”.

Enquanto isso, a NLXL estava perdendo muito dinheiro. Além de Vintage ter tido um longo hiato no trabalho depois do divórcio, empresas grandes e pequenas começaram a copiar as coleções. Ele vendeu seus bens – inclusive os carros – para pagar as contas e reduziu a equipe a apenas duas pessoas: ele e a ex-mulher.

Depois veio a pandemia e ele contraiu covid-19. Mas, de alguma forma, o isolamento forçado se tornou um conforto. “Lá estava eu – sozinho, sem dinheiro, sem aplausos e com covid – e me sentindo melhor do que nunca”, lembrou.

Ele começou a se reconectar com as filhas. Em 2020, Lux tinha acabado de começar a estudar música numa faculdade em Amsterdã e estava procurando um lugar na cidade, mas achando tudo na área central “muito caro”.

Casa flutuante

Ele viu o anúncio de uma casa flutuante com jardim longe do centro da cidade e resolveu dar uma olhada com Lux e sua outra filha, Ella, hoje com 21 anos, que mora com a mãe em Voorburg e estuda nutrição. Vinte e quatro horas depois, era o dono do lugar.

A vida no Vrouwe Jacoba nem sempre foi confortável, disse Vintage. “O vaso sanitário não dava descarga, o aquecimento não funcionava e havia vazamentos por toda parte. O interior – que eu tinha decidido não mudar – era composto principalmente de tiras de madeira amareladas dos anos 70, e a cozinha não tinha nem fogão”.

Mas ele foi fazendo os ajustes aos poucos. Embora aspirasse a viver sem luxo, ele ainda queria um chuveiro quente. Ele mesmo consertou o encanamento e instalou um fogão a lenha. “Investi em ferramentas boas e comecei a trabalhar”, disse ele. Com o tempo, ele ficou bom o bastante para construir uma cozinha confortável. Como o barco é feito de aço e não tem isolamento, fazia frio no inverno. Para combater isso, ele cobriu o piso com tapetes antigos. Segundo ele, “faz uma diferença incrível ter ou não ter esses tapetes no chão”.

A sala de estar de Rick Vintage, com tapete vintage e lareira Foto: Kasia Gatkowska/NYT

Grande parte dos móveis de design, entre eles o cacto Gufram, era grande demais para o barco, então ele os guardou e levou as cadeiras Tree Trunk para o jardim. Ele não viu motivo para se desfazer do sofá Koen, no qual havia passado tantas horas: simplesmente cortou a estrutura lateral e traseira para que o móvel coubesse. “Tirei uma foto e mandei para Piet Boon para parabenizá-lo por seu mais novo design de sofá”, disse ele.

Longe de se sentir ofendido, Boon descreveu Vintage por e-mail como “um empresário que aproveita a vida ao máximo e tem habilidade para aproveitar oportunidades. Sua sensibilidade para definir tendências significa que ele sempre traz novas ideias para a mesa”.

Vintage disse que sente falta de uma namorada, mas admitiu que é difícil encontrar alguém com quem ele possa ficar sozinho.

“Sou grato pelo relacionamento que tivemos e pela amizade que ainda tenho com minha ex-esposa, Esther”, disse ele, “pois ela é a única pessoa com quem ainda posso ficar sozinho”. Como ele acha que trabalhar sozinho é muito mais desafiador do que viver sozinho, ele e Esther se encontram para trabalhar duas manhãs por semana.

Filhas do empresário Rick Vintage na varanda da casa do pai. Foto: Kasia Gatkowska/NYT
Varanda da casa do o empresário holandês Rick Vintage. Foto: Kasia Gatkowska/NYT

Mas ele não é antissocial. “No verão, cozinho ao ar livre no convés”, disse ele. “Às vezes, os amigos vêm, pois meu barco é o melhor lugar para jantar quando está quente. Quando está muito calor, a gente pula na água”.

Lux acha que sua moradia é ideal. “Faço música e escrevo minhas canções aqui”, escreveu ela por e-mail sobre sua casa de 24 metros quadrados no jardim. “Posso cantar o mais alto que quiser. Se morasse numa residência estudantil, não conseguiria cantar nem tocar violão”. No apartamento de seu pai em Haia, sempre havia muito barulho da cidade, lembra ela. “Aqui eu acordo com o som dos pássaros – e adoro”.

Em 2022, Vintage abriu uma nova empresa, a Dorbll, uma campainha com vídeo acionada por aplicativo. No passado, ele era viciado em trabalho, ia para a cama à uma da manhã e se levantava toda hora para responder a e-mails de diferentes mercados mundiais. Agora ele trabalha em horários mais razoáveis.

“Preciso de tempo para mim, para minhas filhas, meus amigos, meu cachorro”, disse ele. “Agora estou com 57 anos, ganho 10% do que ganhava antes, levo uma vida confortável e sem estresse e sou muito feliz por estar sozinho”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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