Wesley Barbosa, 33 anos completados nesta quinta-feira, 30. Escritor da periferia, preto, natural de Itapecerica de Serra, em São Paulo.
Sozinho vendeu mais de 10 mil livros.
Infância
A infância de Wesley não foi típica de uma criança “normal”, afinal, na quebrada não se registra momentos engraçados ou fofos de uma criança. O escritor não tem registros dessa época , a não ser as memórias e lembranças afetivas. “Muito estranho não ter lembrança do próprio rosto nessa fase, mas é uma realidade de muitos”, relembrou ele.
Durante a escola, especificamente, na 4º série, o jovem começou a ter interesse pela escrita, se destacando nas aulas de redação. O que ninguém esperava é que Wesley começaria a matar as aulas para ficar na biblioteca da escola e, com isso, reprovou por dois anos. “Eu comecei a ficar mais tempo na biblioteca do que na sala de aula, ninguém frequentava lá, eu tinha até a chave da biblioteca”, brinca ele.
“Foi a partir daí que eu me tornei um leitor, lá eu li tudo o que eu podia ler. Li Júlio Verne, Jorge Amado, que é um dos que eu mais gosto”.
Muito amigo dos professores, o jovem Wesley sempre ficava de conversa com alguns profissionais da escola pelos corredores e ao entenderem a paixão do menino pela leitura, resolveram passá-lo de ano.
Vindo de uma família humilde, com a mãe solo e sendo faxineira, que criou os quatro filhos sozinha, sem muitos estudos, a família nunca o incentivou a ler, e essa paixão surgiu de uma forma natural.
“Na minha casa eu nunca conheci ninguém que gostasse de ler. Nunca tive muito incentivo de ninguém. Eu comecei a pegar nos livros e a gostar”, relembra ele.
Algumas pessoas recebem o incentivo de alguém ou se inspiram nos pais para começar a praticar a leitura, mas com o Wesley foi tudo muito diferente. “Você vê uma pessoa que nasce em um contexto periférico, de quebrada, e ela gosta de ler. É uma coisa misteriosa”, exemplificou ele.
“Eu acho que o livro me tirou um pouco da realidade que eu vivia, de pobreza mesmo. E ali eu me sentia rico através da leitura. Rico no sentido de sair daquela realidade através da imaginação”.
Viela Ensanguentada
Geralmente, os autores primeiro escrevem os livros e deixam o título para o final, mas no livro Viela Ensanguentada, Wesley quis fazer diferente. Após ter a ideia do título, ele escreveu em apenas dez dias o livro todo. Todas as noites ele colocava como meta que precisaria escrever dez páginas e, assim, no final das contas, um livro de 100 páginas surgiu.
A ideia inicial era produzir livros de bolso, que fossem pequenos e as pessoas pudessem levar para qualquer lugar. Wesley queria “ensaiar” para depois escrever um romance. “Eu trabalhei de 10 a 14 horas por dia para produzir esse livro. Aí eu percebi que estava escrevendo uma história maior”, relembrou ele.
Como todo autor, Wesley também coloca características dele nos próprios personagens e foi assim com o personagem Mariano, de Viela Ensanguentada, de 2022.
Mariano é o personagem principal e, assim como Wesley, também amava ler e ficava horas e horas na biblioteca municipal. Outro ponto em comum, é que em determinada fase da vida, Wesley precisou catar latinha para ajudar no orçamento de casa e o personagem também fez isso ao decorrer da narrativa. Ambos viveram em periferias, em vielas e o escritor conhece bem essa realidade e quis expor isso através de Mariano.
“Mariano foi um personagem que eu criei para fazer uma declaração de amor para a literatura. É uma obra de ficção, não uma biografia”, exalta o escritor.
“Eu tinha muito medo de não ter casa pra morar, e aí eu coloquei em uma parte que ele (Mariano - personagem do livro), também tinha muito medo disso. Fui colocando alguns elementos de mim mesmo, em um personagem que é muito complexo. A vida é muito complexa”.
Por ter a vivência de periferia, Wesley quis trazer a alguns personagens gírias e expressões utilizadas nas comunidades. O narrador do livro é culto, narra em primeira pessoa, mas os personagens da viela falam de forma informal. “Eu fiz isso de propósito, porque eu achei necessário, porque senão, ficaria estilizada. Se fosse uma pessoa que não fosse da quebrada, talvez ela exagerasse nas gírias”.
“As pessoas da quebrada são complexas, não é um igual ao outro, não é uma uniformidade. São pessoas que falam de várias formas”, explica Wesley.
Influência
Mesmo sendo uma criança “atípica”, o jovem também teve uma infância de muita brincadeira e diversão pelas ruas da comunidade. Mesmo não sendo bom no futebol, ele ficava observando os meninos jogarem e brincava de outras coisas, como esconde-esconde e pega bandeira.
Entretanto, mesmo cercado de alguns amigos e colegas, Barbosa se sentia sozinho, e foi nos livros que encontrou o refúgio de sair da própria realidade.
Nessas brincadeiras e peregrinações, Wesley teve o primeiro contato com o rap. Ele garante que foi uma forte influência para ele.
“O rap foi uma influência literária de alguma forma, porque, até então, ninguém tinha me falado sobre literatura, mas o rap de alguma forma é uma literatura, é uma poesia”, declarou.
Mesmo não tendo formação superior, Wesley sempre foi autodidata e curioso, lê bastante sobre filosofia, tecnologia e artigos científicos. Ele não se vê fazendo outra coisa da vida a não ser escrever. “Meu sonho sempre foi ser escritor. Até então eu não achava que eu poderia ganhar dinheiro com a literatura”, revela.
Quando era mais novo, ele rascunhava alguns textos e andava com eles no bolso, chegava até a mostrar para alguns amigos próximos, mas percebia que as pessoas não tinham interesse. “Hoje pagam para ler meus textos. Isso é muito incrível”.
Com novos projetos e perspectivas, Wesley começou um novo passo em sua carreira, abriu sua própria editora. “Foi mais uma necessidade de eu publicar meus trabalhos. Agora que eu estou vendo que posso publicar outros autores. Até então, era para reeditar meus trabalhos”, confessou.
“Eu tô vivendo só de literatura. Eu vou às feiras, envio livros pelo correio, participei da Expo Favela 2023″.
Expo Favela 2023
Participar de um evento tão grande como a Expo Favela fez Wesley ter ainda mais certeza de que está no caminho certo. O evento foi realizado entre os dias 17,18 e 19 de março, no Expo Center Norte, na capital paulista, e contou com a participação de empreendedores, startups, empresários e personalidades que vivem a realidade das comunidades. “Quando eu entrei lá, eu vi um monte de gente preta, da quebrada. Achei genial aquilo”, relembrou.
O escritor expôs alguns de seus trabalhos, levou exemplares que tinha a pronta entrega, mas chegou em determinado momento, os livros acabaram e o escritor precisou driblar a situação. “As pessoas começaram a pedir. Eu falei: ‘eu não tenho esses livros, eu posso fazer uma tiragem pequena para enviar’. Precisei levar meu notebook no dia seguinte e anotar o endereço e nome das pessoas, porque elas queriam mais livros e eu não tinha”.
Alguns famosos passaram pelo evento, como Dudu Nobre , MC Sombra Rap, Eliane Dias, Iceblue - fundador do Racionais - , MVBIL e o autor aproveitou a oportunidade para presenteá-los com exemplares de algumas de suas obras.
Próximos passos
Wesley ainda não sabe onde os próximos passos da vida irão levá-lo, mas garante que deseja estar no mundo dos livros. “Se eu não tivesse os livros na minha vida, eu não sei o que seria. Eu não consigo viver de outra maneira. Escrever, pra mim, é uma maneira de estar no mundo, de ser, observar as coisas”.
Em parceria com uma editora do Rio de Janeiro, Wesley já está escrevendo seu sexto livro, Pode me Chamar de Fernando que, pela primeira vez, será vendido em livrarias. A pré-venda começa no mês de abril. “Meus livros nunca estiveram em livrarias, será a primeira vez”, comemora o escritor.
Outro fruto que o autor irá colher futuramente é a parceria com a baiana Nichelle Teles, que mora na França há alguns anos. Através da internet, os amigos se conheceram e atualmente ela está trabalhando na tradução do livro Viela Ensanguentada.
Como Nichelle já trabalhou em editoras, decidiu seguir o sonho de abrir a sua própria e o livro de Wesley será o primeiro lançamento. Até o final de 2023 ou começo de 2024, a Viela Ensanguentada estará rodando pela França.
O escritor já enviou exemplares para outros países, como Estados Unidos, Portugal, Cidade do México, mas sempre para brasileiros lerem e agora terá a oportunidade de lançar para estrangeiros também conhecerem suas obras.
“Ser traduzido é outra história, eu tô muito feliz”, disse.
Mercado Editorial
Wesley, que já vendeu 10 mil exemplares das próprias obras, conseguiu essa conquista parando em bares, conversando com as pessoas nas ruas, explicando a história do livro e, claro, com a ajuda da internet. Com a pandemia do covid-19, as pessoas precisaram criar novos hobbies ou ocupar a mente e foi neste momento que Wesley viu a oportunidade de negócio e começou a vender pelo Instagram.
“Desde 2016, eu subo e desço a augusta vendendo livros de mão em mão”.
Wesley entende que a realidade na qual ele foi criado não favorecia as escolhas que ele queria ter para o futuro. “Não era para eu ser um escritor, não era pra eu ser nem um leitor”, desabafa ele.
Ele pontuou que a cultura nas comunidades é de que você precisa terminar a escola e arrumar um serviço para ajudar em casa. “A família de quem é da periferia incentiva a gente a ter um emprego formal”.
O escritor ainda explica que o mercado editorial é muito mais difícil para quem vem da periferia. Na quebrada não existe o dono da editora que more ali. “Como uma pessoa da quebrada vai ter contato com um editor, ou até mesmo com um jornalista”, questiona ele.
“É difícil por eu ser um autor da periferia, pelo fato de eu ser preto também. Até pra entrar em uma livraria eu sou olhado de outra forma. A livraria não é o lugar criado para uma pessoa preta da favela entrar”.
A dificuldade já começa com a falta de incentivo à leitura. Como alguém vai se tornar escritor, se não é um leitor?
“Eu não acho que eu estou no mercado editorial formal, eu estou no mercado editorial que estou criando”, explicou o autor.
O escritor ainda revela que gosta de ele mesmo vender os próprios livros, pois, como autor, conhece mais sobre a sua obra e fica fácil incentivar as pessoas a comprarem. “Eu gosto de convencer aquela pessoa na rua que ela tem que ler aquele livro”, enfatizou.
“As palavras fogem quando tento expressar os dias em que não tinha nem mesmo arroz e feijão dentro da panela e agora, pelo menos nesse momento, posso almoçar retirando o dinheiro da carteira que ganhei com a literatura”, diz a legenda de uma publicação nas redes sociais.
Obras já publicadas
Diabo na mesa dos fundos (2015)
Parágrafos Fúnebres (2020)
Relato de um desgraçado sem endereço fixo (2021)
Viela Ensanguentada (2022)