Excesso de brigas, culpa, ciúmes exagerado? Você pode estar em um relacionamento abusivo


Saiba identificar se está sendo oprimido, como isso pode te afetar e como sair de um relacionamento desse tipo; Responda ao ‘quiz’ e descubra se você é vítima de abuso emocional

Por Anita Efraim
Atualização:
A psicóloga Josie Conti explica que eles se caracterizam pelo desequilíbrio de poder, e este pode acontecer tanto na esfera psicológica quanto física, “o que leva uma das partes a uma condição de subordinação e inferiorização” Foto: Hernán Piñera/ Creative Commons

Carla* fez uma viagem com a turma da escola. Estava muito calor, aproximadamente 40º C, e ela queria usar roupas curtas, como todas as suas amigas. Ao sair do quarto, no entanto, deparou-se com o olhar de reprovação de seu namorado, que opinava que ela estava vestida de maneira inapropriada. “Voltei para o quarto e coloquei o shorts mais comprido que eu tinha. Passei o resto da viagem usando a mesma roupa para agradá-lo”, relembra a estudante, hoje com 21 anos. 

Namoros como o que Carla teve aos 16 anos são chamados de relacionamentos abusivos. A psicóloga Josie Conti explica que eles se caracterizam pelo desequilíbrio de poder, e este pode acontecer tanto na esfera psicológica quanto física, “o que leva uma das partes a uma condição de subordinação e inferiorização”. 

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Carla namorou durante três anos e os sinais de que algo estava errado apareceram ao longo deste período. “Eram muitas ordens: ‘você não pode usar roupas curtas nem decote, não pode ir para balada, não pode beber quando eu não estiver junto’. Me afastei de todos os meus amigos, não saía de fim de semana com minhas amigas”, lembra.

Joana Singer, psicóloga do Núcleo Paradigma, aponta que há diferentes sinais de que um relacionamento é abusivo. Alguns são mais claros, como a violência física, sexual ou verbal, mas há outros menos perceptíveis, como no caso de Carla: “restrição paulatina da liberdade do outro, cerceando, por exemplo, o crescimento profissional, a abstinência sexual como forma de controle, a desmoralização frequente da outra pessoa em público, as demonstrações de ciúmes exageradas, entre outras”, explica. 

A percepção de que vivia um relacionamento abusivo só veio tempos depois que Carla acabou o namoro, quando ela se aproximou do movimento feminista e percebeu que outras mulheres já tinham passado por situações similares, como Luana*, 21 anos. 

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A atriz conheceu o ex namorado por um aplicativo e conta que ele parecia ser cavalheiro, bonzinho, calado e tinha uma história de vida que condizia com as exigências que fazia a ela. “Meu relacionamento parecia ser como qualquer outro. Eu achava normal. Talvez as cobranças que existissem fossem zelo, ou só coisa da minha imaginação. Acredito que um relacionamento não passa a ser abusivo, ele já começa assim. São sinais que vão se mostrando cada vez mais fortes”, diz Luana. 

'Eu só fui me dar conta quando de fato recebi ameaças e a situação partiu para agressão'

"Eu só fui me dar conta quando de fato recebi ameaças e a situação partiu para agressão", explica a atriz, que demorou sete meses para aceitar que o relacionamento que vivia era abusivo. “A gente vive numa sociedade que assimila amor ao ciúmes e à possessividade. Como podemos notar alguma coisa? A culpa é sempre da mulher”. 

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Sentir-se responsável pela situação era um sentimento comum entre Luana e Carla. A estudante conta que quando brigava com o namorado, se trancava no quarto e chorava por horas, mas nunca o culpava. “Pelo contrário: me culpava por todas as nossas brigas. Se tínhamos brigado por ele achar minha blusa muito decotada, me policiava ainda mais para usar roupas ainda mais fechadas. E era assim com tudo”, relembra.

Há características comuns tanto entre abusados quanto abusadores. Joana explica que o oprimido, muitas vezes, é uma pessoa que já apresenta problemas de autoestima e autoconfiança Foto: Pixabay

Josie explica que, depois de um longo período de abuso, é comum que a pessoa na posição de submissão tenha sua personalidade e estima muito fragilizadas. Consequentemente, “sair desse ciclo de destruição é uma tarefa bastante complexa. O agressor costumafazer com que a vitima se sinta culpada, incapaz e envergonhada. Existe um grande jogo de manipulação”, explica a psicóloga. 

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O primeiro sinal forte que Luana sentiu foi um dia em que trabalhou o dia inteiro e não pode responder as mensagens do namorado. “Eu, sabendo do ciúmes excessivo, avisei que eu teria de trabalhar até tarde e saindo de lá, falaria com ele. Por volta das 21h, quando consegui pegar o celular, havia muitas mensagens dele me xingando, perguntando com quem eu estava, onde eu tinha ido e dizendo que aquilo não se fazia. Passamos umas 3 horas ao telefone discutindo o porquê de eu trabalhar e não respondê-lo quando ele queria. Depois disso vieram as perguntas extremas”, conta a atriz. 

Há características comuns tanto entre abusados quanto abusadores. Joana explica que o oprimido, muitas vezes, é uma pessoa que já apresenta problemas de autoestima e autoconfiança. “É justamente na ‘falha’ que o abusador consegue atuar. O abusador, por sua vez, em geral é um sujeito também com problemas de autoestima, com dificuldades de estabelecer relações horizontais”, diz a psicóloga. Ela acrescenta que, frequentemente, o opressor tem humor instável e dificuldade em ser contrariado ou frustrado. 

Ter um namoro abusivo pode marcar quem o viveu de forma dura. Josie explica que algumas consequências podem ser a perda de autonomia, destruição da estima, desenvolvimento de quadros psiquiátricos como depressão, transtornos ansiosos e até pós-traumáticos, entre outros. Joana adiciona que é comum que o abusado ache que não merece outro tipo de relação, “ou que nunca mais conseguirá achar outra pessoa”. 

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Apesar de ser comum ouvir mulheres contando sobre relacionamentos abusivos emocionalmente, eles acontecem de forma similar entre os gêneros, explica Joana. Fábio, 22 anos, viveu um namoro conturbado devido ao ciúme excessivo da ex. 

'Desde o começo foi abusivo, eu que não a conhecia direito'

“Desde o começo foi abusivo, eu que não a conhecia direito. Era do perfil dela ser assim, possessiva. Não deixava que ninguém tivesse contato com as coisas que ela tinha”, conta. Assim, ele como namorado, fazia parte das posses dela. Fábio conta que não podia conversar com mulheres, independente da idade, “qualquer uma já era um pecado. Ela disfarçava, escondia dizendo que era paixão, mas conforme fui conhecendo, descobri esse lado”. 

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As ameaças faziam parte do lado complicado do relacionamento. Se ele fazia algo que parecia errado aos olhos da ex, ela dizia que sairia com outra pessoa. “Se eu conversasse com outra menina, era motivo para ela ficar uma semana sem falar comigo, fazia chantagem”. Ele explica que, por ser apaixonado e estar em seu primeiro namoro, aceitava. 

“Ela era mais forte que eu e usava minha fraqueza contra mim”, explica Fábio, que demorou muito para notar que estava nessa situação. “Eu não queria abrir o olho, mas as pessoas próximas a mim, como família e amigos, me avisavam. Achava que eles estavam loucos, que era amor”. No entanto, ele conta que, em certo momento, quando o relacionamento mais o machucava que fazia bem, ele passou a se questionar. 

Apesar de terem percebido e sido alertados por amigos e familiares, Fábio, Luana e Carla tiveram a mesma dificuldade: sair de seus relacionamentos. 

'Meus amigos que me tiraram dessa, porque talvez, se fosse por mim mesma, ainda estaria naquela situação'

Luana conta que os amigos tiveram de preparar uma intervenção para ela, “daquelas que a gente acha que só acontece em filmes”, descreve. “A princípio iam só nos pedir para que ele não frequentasse mais a casa deles, por ter me humilhado e gritado comigo lá. Mas essa acabou se tornando na última vez que o vi. Foi de um jeito bem catastrófico, mas eficaz. "Meus amigos que me tiraram dessa, porque talvez, se fosse por mim mesma, ainda estaria naquela situação”, conta a atriz. 

Já Fábio achava que sempre era possível consertar a situação, conversar. “Fui dando chances até uma hora que eu não aguentava mais”, explica. 

Joana afirma que o primeiro passo para sair desse tipo de relação é reconhecer que ela é abusiva. “Se você vem se sentindo cada vez mais inseguro, percebe-se frequentemente com medo da outra pessoa, se pega constantemente preocupado com as reações que ele/ela pode apresentar, você pode estar envolvido nesse tipo de relacionamento”, diz a psicologa. 

De acordo com a especialista, família e amigos podem ajudar fortalecendo a autoestima da vítima, além de criar uma rede de apoio para o momento em que o relacionamento acabar. “No entanto, em muitos casos, faz-se necessária a ajuda profissional. Um psicólogo pode ajudar a entender o que mantém o paciente nessa relação, contribuir na construção de vias alternativas para que a pessoa se fortaleça e consiga mudar a natureza da relação ou sair dela”, explica. 

Luana alerta que é sempre importante ouvir amigos e familiares, porque são as pessoas que mais conhecem e sabem quando há algo errado. “Amor de verdade não tem nada a ver com cobrança, ódio, brigas e agressão”, alerta a atriz. 

Para Fábio, além de ser necessário abrir a cabeça para entender as pessoas que alertam, é preciso pular fora o mais rápido possível: quanto mais ficar, mais difícil será sair. Carla complementa que é preciso ter coragem. “Não é fácil, vai doer e vai levar tempo, mas quando passar, a pessoa vai ser muito mais feliz”, opina a estudante. 

Apesar de ser um processo complicado para quem enfrenta essa situação, a lição que fica é positiva: crescer com a dificuldade. Carla afirma ter certeza de que nunca mais deixará a vivência se repetir. “Sofri muito, mas tenho orgulho de reconhecer o que vivi e saber construir um relacionamento saudável e verdadeiramente feliz”. Fábio concorda, conta que criou uma barreira contra pessoas com características abusivas, “cresci demais com essa situação, foi fundamental para ser quem sou hoje”. 

* Carla e Luana são nomes fictícios. As personagens preferiram não ser identificadas para preservar suas intimidades

A psicóloga Josie Conti explica que eles se caracterizam pelo desequilíbrio de poder, e este pode acontecer tanto na esfera psicológica quanto física, “o que leva uma das partes a uma condição de subordinação e inferiorização” Foto: Hernán Piñera/ Creative Commons

Carla* fez uma viagem com a turma da escola. Estava muito calor, aproximadamente 40º C, e ela queria usar roupas curtas, como todas as suas amigas. Ao sair do quarto, no entanto, deparou-se com o olhar de reprovação de seu namorado, que opinava que ela estava vestida de maneira inapropriada. “Voltei para o quarto e coloquei o shorts mais comprido que eu tinha. Passei o resto da viagem usando a mesma roupa para agradá-lo”, relembra a estudante, hoje com 21 anos. 

Namoros como o que Carla teve aos 16 anos são chamados de relacionamentos abusivos. A psicóloga Josie Conti explica que eles se caracterizam pelo desequilíbrio de poder, e este pode acontecer tanto na esfera psicológica quanto física, “o que leva uma das partes a uma condição de subordinação e inferiorização”. 

Carla namorou durante três anos e os sinais de que algo estava errado apareceram ao longo deste período. “Eram muitas ordens: ‘você não pode usar roupas curtas nem decote, não pode ir para balada, não pode beber quando eu não estiver junto’. Me afastei de todos os meus amigos, não saía de fim de semana com minhas amigas”, lembra.

Joana Singer, psicóloga do Núcleo Paradigma, aponta que há diferentes sinais de que um relacionamento é abusivo. Alguns são mais claros, como a violência física, sexual ou verbal, mas há outros menos perceptíveis, como no caso de Carla: “restrição paulatina da liberdade do outro, cerceando, por exemplo, o crescimento profissional, a abstinência sexual como forma de controle, a desmoralização frequente da outra pessoa em público, as demonstrações de ciúmes exageradas, entre outras”, explica. 

A percepção de que vivia um relacionamento abusivo só veio tempos depois que Carla acabou o namoro, quando ela se aproximou do movimento feminista e percebeu que outras mulheres já tinham passado por situações similares, como Luana*, 21 anos. 

A atriz conheceu o ex namorado por um aplicativo e conta que ele parecia ser cavalheiro, bonzinho, calado e tinha uma história de vida que condizia com as exigências que fazia a ela. “Meu relacionamento parecia ser como qualquer outro. Eu achava normal. Talvez as cobranças que existissem fossem zelo, ou só coisa da minha imaginação. Acredito que um relacionamento não passa a ser abusivo, ele já começa assim. São sinais que vão se mostrando cada vez mais fortes”, diz Luana. 

'Eu só fui me dar conta quando de fato recebi ameaças e a situação partiu para agressão'

"Eu só fui me dar conta quando de fato recebi ameaças e a situação partiu para agressão", explica a atriz, que demorou sete meses para aceitar que o relacionamento que vivia era abusivo. “A gente vive numa sociedade que assimila amor ao ciúmes e à possessividade. Como podemos notar alguma coisa? A culpa é sempre da mulher”. 

Sentir-se responsável pela situação era um sentimento comum entre Luana e Carla. A estudante conta que quando brigava com o namorado, se trancava no quarto e chorava por horas, mas nunca o culpava. “Pelo contrário: me culpava por todas as nossas brigas. Se tínhamos brigado por ele achar minha blusa muito decotada, me policiava ainda mais para usar roupas ainda mais fechadas. E era assim com tudo”, relembra.

Há características comuns tanto entre abusados quanto abusadores. Joana explica que o oprimido, muitas vezes, é uma pessoa que já apresenta problemas de autoestima e autoconfiança Foto: Pixabay

Josie explica que, depois de um longo período de abuso, é comum que a pessoa na posição de submissão tenha sua personalidade e estima muito fragilizadas. Consequentemente, “sair desse ciclo de destruição é uma tarefa bastante complexa. O agressor costumafazer com que a vitima se sinta culpada, incapaz e envergonhada. Existe um grande jogo de manipulação”, explica a psicóloga. 

O primeiro sinal forte que Luana sentiu foi um dia em que trabalhou o dia inteiro e não pode responder as mensagens do namorado. “Eu, sabendo do ciúmes excessivo, avisei que eu teria de trabalhar até tarde e saindo de lá, falaria com ele. Por volta das 21h, quando consegui pegar o celular, havia muitas mensagens dele me xingando, perguntando com quem eu estava, onde eu tinha ido e dizendo que aquilo não se fazia. Passamos umas 3 horas ao telefone discutindo o porquê de eu trabalhar e não respondê-lo quando ele queria. Depois disso vieram as perguntas extremas”, conta a atriz. 

Há características comuns tanto entre abusados quanto abusadores. Joana explica que o oprimido, muitas vezes, é uma pessoa que já apresenta problemas de autoestima e autoconfiança. “É justamente na ‘falha’ que o abusador consegue atuar. O abusador, por sua vez, em geral é um sujeito também com problemas de autoestima, com dificuldades de estabelecer relações horizontais”, diz a psicóloga. Ela acrescenta que, frequentemente, o opressor tem humor instável e dificuldade em ser contrariado ou frustrado. 

Ter um namoro abusivo pode marcar quem o viveu de forma dura. Josie explica que algumas consequências podem ser a perda de autonomia, destruição da estima, desenvolvimento de quadros psiquiátricos como depressão, transtornos ansiosos e até pós-traumáticos, entre outros. Joana adiciona que é comum que o abusado ache que não merece outro tipo de relação, “ou que nunca mais conseguirá achar outra pessoa”. 

Apesar de ser comum ouvir mulheres contando sobre relacionamentos abusivos emocionalmente, eles acontecem de forma similar entre os gêneros, explica Joana. Fábio, 22 anos, viveu um namoro conturbado devido ao ciúme excessivo da ex. 

'Desde o começo foi abusivo, eu que não a conhecia direito'

“Desde o começo foi abusivo, eu que não a conhecia direito. Era do perfil dela ser assim, possessiva. Não deixava que ninguém tivesse contato com as coisas que ela tinha”, conta. Assim, ele como namorado, fazia parte das posses dela. Fábio conta que não podia conversar com mulheres, independente da idade, “qualquer uma já era um pecado. Ela disfarçava, escondia dizendo que era paixão, mas conforme fui conhecendo, descobri esse lado”. 

As ameaças faziam parte do lado complicado do relacionamento. Se ele fazia algo que parecia errado aos olhos da ex, ela dizia que sairia com outra pessoa. “Se eu conversasse com outra menina, era motivo para ela ficar uma semana sem falar comigo, fazia chantagem”. Ele explica que, por ser apaixonado e estar em seu primeiro namoro, aceitava. 

“Ela era mais forte que eu e usava minha fraqueza contra mim”, explica Fábio, que demorou muito para notar que estava nessa situação. “Eu não queria abrir o olho, mas as pessoas próximas a mim, como família e amigos, me avisavam. Achava que eles estavam loucos, que era amor”. No entanto, ele conta que, em certo momento, quando o relacionamento mais o machucava que fazia bem, ele passou a se questionar. 

Apesar de terem percebido e sido alertados por amigos e familiares, Fábio, Luana e Carla tiveram a mesma dificuldade: sair de seus relacionamentos. 

'Meus amigos que me tiraram dessa, porque talvez, se fosse por mim mesma, ainda estaria naquela situação'

Luana conta que os amigos tiveram de preparar uma intervenção para ela, “daquelas que a gente acha que só acontece em filmes”, descreve. “A princípio iam só nos pedir para que ele não frequentasse mais a casa deles, por ter me humilhado e gritado comigo lá. Mas essa acabou se tornando na última vez que o vi. Foi de um jeito bem catastrófico, mas eficaz. "Meus amigos que me tiraram dessa, porque talvez, se fosse por mim mesma, ainda estaria naquela situação”, conta a atriz. 

Já Fábio achava que sempre era possível consertar a situação, conversar. “Fui dando chances até uma hora que eu não aguentava mais”, explica. 

Joana afirma que o primeiro passo para sair desse tipo de relação é reconhecer que ela é abusiva. “Se você vem se sentindo cada vez mais inseguro, percebe-se frequentemente com medo da outra pessoa, se pega constantemente preocupado com as reações que ele/ela pode apresentar, você pode estar envolvido nesse tipo de relacionamento”, diz a psicologa. 

De acordo com a especialista, família e amigos podem ajudar fortalecendo a autoestima da vítima, além de criar uma rede de apoio para o momento em que o relacionamento acabar. “No entanto, em muitos casos, faz-se necessária a ajuda profissional. Um psicólogo pode ajudar a entender o que mantém o paciente nessa relação, contribuir na construção de vias alternativas para que a pessoa se fortaleça e consiga mudar a natureza da relação ou sair dela”, explica. 

Luana alerta que é sempre importante ouvir amigos e familiares, porque são as pessoas que mais conhecem e sabem quando há algo errado. “Amor de verdade não tem nada a ver com cobrança, ódio, brigas e agressão”, alerta a atriz. 

Para Fábio, além de ser necessário abrir a cabeça para entender as pessoas que alertam, é preciso pular fora o mais rápido possível: quanto mais ficar, mais difícil será sair. Carla complementa que é preciso ter coragem. “Não é fácil, vai doer e vai levar tempo, mas quando passar, a pessoa vai ser muito mais feliz”, opina a estudante. 

Apesar de ser um processo complicado para quem enfrenta essa situação, a lição que fica é positiva: crescer com a dificuldade. Carla afirma ter certeza de que nunca mais deixará a vivência se repetir. “Sofri muito, mas tenho orgulho de reconhecer o que vivi e saber construir um relacionamento saudável e verdadeiramente feliz”. Fábio concorda, conta que criou uma barreira contra pessoas com características abusivas, “cresci demais com essa situação, foi fundamental para ser quem sou hoje”. 

* Carla e Luana são nomes fictícios. As personagens preferiram não ser identificadas para preservar suas intimidades

A psicóloga Josie Conti explica que eles se caracterizam pelo desequilíbrio de poder, e este pode acontecer tanto na esfera psicológica quanto física, “o que leva uma das partes a uma condição de subordinação e inferiorização” Foto: Hernán Piñera/ Creative Commons

Carla* fez uma viagem com a turma da escola. Estava muito calor, aproximadamente 40º C, e ela queria usar roupas curtas, como todas as suas amigas. Ao sair do quarto, no entanto, deparou-se com o olhar de reprovação de seu namorado, que opinava que ela estava vestida de maneira inapropriada. “Voltei para o quarto e coloquei o shorts mais comprido que eu tinha. Passei o resto da viagem usando a mesma roupa para agradá-lo”, relembra a estudante, hoje com 21 anos. 

Namoros como o que Carla teve aos 16 anos são chamados de relacionamentos abusivos. A psicóloga Josie Conti explica que eles se caracterizam pelo desequilíbrio de poder, e este pode acontecer tanto na esfera psicológica quanto física, “o que leva uma das partes a uma condição de subordinação e inferiorização”. 

Carla namorou durante três anos e os sinais de que algo estava errado apareceram ao longo deste período. “Eram muitas ordens: ‘você não pode usar roupas curtas nem decote, não pode ir para balada, não pode beber quando eu não estiver junto’. Me afastei de todos os meus amigos, não saía de fim de semana com minhas amigas”, lembra.

Joana Singer, psicóloga do Núcleo Paradigma, aponta que há diferentes sinais de que um relacionamento é abusivo. Alguns são mais claros, como a violência física, sexual ou verbal, mas há outros menos perceptíveis, como no caso de Carla: “restrição paulatina da liberdade do outro, cerceando, por exemplo, o crescimento profissional, a abstinência sexual como forma de controle, a desmoralização frequente da outra pessoa em público, as demonstrações de ciúmes exageradas, entre outras”, explica. 

A percepção de que vivia um relacionamento abusivo só veio tempos depois que Carla acabou o namoro, quando ela se aproximou do movimento feminista e percebeu que outras mulheres já tinham passado por situações similares, como Luana*, 21 anos. 

A atriz conheceu o ex namorado por um aplicativo e conta que ele parecia ser cavalheiro, bonzinho, calado e tinha uma história de vida que condizia com as exigências que fazia a ela. “Meu relacionamento parecia ser como qualquer outro. Eu achava normal. Talvez as cobranças que existissem fossem zelo, ou só coisa da minha imaginação. Acredito que um relacionamento não passa a ser abusivo, ele já começa assim. São sinais que vão se mostrando cada vez mais fortes”, diz Luana. 

'Eu só fui me dar conta quando de fato recebi ameaças e a situação partiu para agressão'

"Eu só fui me dar conta quando de fato recebi ameaças e a situação partiu para agressão", explica a atriz, que demorou sete meses para aceitar que o relacionamento que vivia era abusivo. “A gente vive numa sociedade que assimila amor ao ciúmes e à possessividade. Como podemos notar alguma coisa? A culpa é sempre da mulher”. 

Sentir-se responsável pela situação era um sentimento comum entre Luana e Carla. A estudante conta que quando brigava com o namorado, se trancava no quarto e chorava por horas, mas nunca o culpava. “Pelo contrário: me culpava por todas as nossas brigas. Se tínhamos brigado por ele achar minha blusa muito decotada, me policiava ainda mais para usar roupas ainda mais fechadas. E era assim com tudo”, relembra.

Há características comuns tanto entre abusados quanto abusadores. Joana explica que o oprimido, muitas vezes, é uma pessoa que já apresenta problemas de autoestima e autoconfiança Foto: Pixabay

Josie explica que, depois de um longo período de abuso, é comum que a pessoa na posição de submissão tenha sua personalidade e estima muito fragilizadas. Consequentemente, “sair desse ciclo de destruição é uma tarefa bastante complexa. O agressor costumafazer com que a vitima se sinta culpada, incapaz e envergonhada. Existe um grande jogo de manipulação”, explica a psicóloga. 

O primeiro sinal forte que Luana sentiu foi um dia em que trabalhou o dia inteiro e não pode responder as mensagens do namorado. “Eu, sabendo do ciúmes excessivo, avisei que eu teria de trabalhar até tarde e saindo de lá, falaria com ele. Por volta das 21h, quando consegui pegar o celular, havia muitas mensagens dele me xingando, perguntando com quem eu estava, onde eu tinha ido e dizendo que aquilo não se fazia. Passamos umas 3 horas ao telefone discutindo o porquê de eu trabalhar e não respondê-lo quando ele queria. Depois disso vieram as perguntas extremas”, conta a atriz. 

Há características comuns tanto entre abusados quanto abusadores. Joana explica que o oprimido, muitas vezes, é uma pessoa que já apresenta problemas de autoestima e autoconfiança. “É justamente na ‘falha’ que o abusador consegue atuar. O abusador, por sua vez, em geral é um sujeito também com problemas de autoestima, com dificuldades de estabelecer relações horizontais”, diz a psicóloga. Ela acrescenta que, frequentemente, o opressor tem humor instável e dificuldade em ser contrariado ou frustrado. 

Ter um namoro abusivo pode marcar quem o viveu de forma dura. Josie explica que algumas consequências podem ser a perda de autonomia, destruição da estima, desenvolvimento de quadros psiquiátricos como depressão, transtornos ansiosos e até pós-traumáticos, entre outros. Joana adiciona que é comum que o abusado ache que não merece outro tipo de relação, “ou que nunca mais conseguirá achar outra pessoa”. 

Apesar de ser comum ouvir mulheres contando sobre relacionamentos abusivos emocionalmente, eles acontecem de forma similar entre os gêneros, explica Joana. Fábio, 22 anos, viveu um namoro conturbado devido ao ciúme excessivo da ex. 

'Desde o começo foi abusivo, eu que não a conhecia direito'

“Desde o começo foi abusivo, eu que não a conhecia direito. Era do perfil dela ser assim, possessiva. Não deixava que ninguém tivesse contato com as coisas que ela tinha”, conta. Assim, ele como namorado, fazia parte das posses dela. Fábio conta que não podia conversar com mulheres, independente da idade, “qualquer uma já era um pecado. Ela disfarçava, escondia dizendo que era paixão, mas conforme fui conhecendo, descobri esse lado”. 

As ameaças faziam parte do lado complicado do relacionamento. Se ele fazia algo que parecia errado aos olhos da ex, ela dizia que sairia com outra pessoa. “Se eu conversasse com outra menina, era motivo para ela ficar uma semana sem falar comigo, fazia chantagem”. Ele explica que, por ser apaixonado e estar em seu primeiro namoro, aceitava. 

“Ela era mais forte que eu e usava minha fraqueza contra mim”, explica Fábio, que demorou muito para notar que estava nessa situação. “Eu não queria abrir o olho, mas as pessoas próximas a mim, como família e amigos, me avisavam. Achava que eles estavam loucos, que era amor”. No entanto, ele conta que, em certo momento, quando o relacionamento mais o machucava que fazia bem, ele passou a se questionar. 

Apesar de terem percebido e sido alertados por amigos e familiares, Fábio, Luana e Carla tiveram a mesma dificuldade: sair de seus relacionamentos. 

'Meus amigos que me tiraram dessa, porque talvez, se fosse por mim mesma, ainda estaria naquela situação'

Luana conta que os amigos tiveram de preparar uma intervenção para ela, “daquelas que a gente acha que só acontece em filmes”, descreve. “A princípio iam só nos pedir para que ele não frequentasse mais a casa deles, por ter me humilhado e gritado comigo lá. Mas essa acabou se tornando na última vez que o vi. Foi de um jeito bem catastrófico, mas eficaz. "Meus amigos que me tiraram dessa, porque talvez, se fosse por mim mesma, ainda estaria naquela situação”, conta a atriz. 

Já Fábio achava que sempre era possível consertar a situação, conversar. “Fui dando chances até uma hora que eu não aguentava mais”, explica. 

Joana afirma que o primeiro passo para sair desse tipo de relação é reconhecer que ela é abusiva. “Se você vem se sentindo cada vez mais inseguro, percebe-se frequentemente com medo da outra pessoa, se pega constantemente preocupado com as reações que ele/ela pode apresentar, você pode estar envolvido nesse tipo de relacionamento”, diz a psicologa. 

De acordo com a especialista, família e amigos podem ajudar fortalecendo a autoestima da vítima, além de criar uma rede de apoio para o momento em que o relacionamento acabar. “No entanto, em muitos casos, faz-se necessária a ajuda profissional. Um psicólogo pode ajudar a entender o que mantém o paciente nessa relação, contribuir na construção de vias alternativas para que a pessoa se fortaleça e consiga mudar a natureza da relação ou sair dela”, explica. 

Luana alerta que é sempre importante ouvir amigos e familiares, porque são as pessoas que mais conhecem e sabem quando há algo errado. “Amor de verdade não tem nada a ver com cobrança, ódio, brigas e agressão”, alerta a atriz. 

Para Fábio, além de ser necessário abrir a cabeça para entender as pessoas que alertam, é preciso pular fora o mais rápido possível: quanto mais ficar, mais difícil será sair. Carla complementa que é preciso ter coragem. “Não é fácil, vai doer e vai levar tempo, mas quando passar, a pessoa vai ser muito mais feliz”, opina a estudante. 

Apesar de ser um processo complicado para quem enfrenta essa situação, a lição que fica é positiva: crescer com a dificuldade. Carla afirma ter certeza de que nunca mais deixará a vivência se repetir. “Sofri muito, mas tenho orgulho de reconhecer o que vivi e saber construir um relacionamento saudável e verdadeiramente feliz”. Fábio concorda, conta que criou uma barreira contra pessoas com características abusivas, “cresci demais com essa situação, foi fundamental para ser quem sou hoje”. 

* Carla e Luana são nomes fictícios. As personagens preferiram não ser identificadas para preservar suas intimidades

A psicóloga Josie Conti explica que eles se caracterizam pelo desequilíbrio de poder, e este pode acontecer tanto na esfera psicológica quanto física, “o que leva uma das partes a uma condição de subordinação e inferiorização” Foto: Hernán Piñera/ Creative Commons

Carla* fez uma viagem com a turma da escola. Estava muito calor, aproximadamente 40º C, e ela queria usar roupas curtas, como todas as suas amigas. Ao sair do quarto, no entanto, deparou-se com o olhar de reprovação de seu namorado, que opinava que ela estava vestida de maneira inapropriada. “Voltei para o quarto e coloquei o shorts mais comprido que eu tinha. Passei o resto da viagem usando a mesma roupa para agradá-lo”, relembra a estudante, hoje com 21 anos. 

Namoros como o que Carla teve aos 16 anos são chamados de relacionamentos abusivos. A psicóloga Josie Conti explica que eles se caracterizam pelo desequilíbrio de poder, e este pode acontecer tanto na esfera psicológica quanto física, “o que leva uma das partes a uma condição de subordinação e inferiorização”. 

Carla namorou durante três anos e os sinais de que algo estava errado apareceram ao longo deste período. “Eram muitas ordens: ‘você não pode usar roupas curtas nem decote, não pode ir para balada, não pode beber quando eu não estiver junto’. Me afastei de todos os meus amigos, não saía de fim de semana com minhas amigas”, lembra.

Joana Singer, psicóloga do Núcleo Paradigma, aponta que há diferentes sinais de que um relacionamento é abusivo. Alguns são mais claros, como a violência física, sexual ou verbal, mas há outros menos perceptíveis, como no caso de Carla: “restrição paulatina da liberdade do outro, cerceando, por exemplo, o crescimento profissional, a abstinência sexual como forma de controle, a desmoralização frequente da outra pessoa em público, as demonstrações de ciúmes exageradas, entre outras”, explica. 

A percepção de que vivia um relacionamento abusivo só veio tempos depois que Carla acabou o namoro, quando ela se aproximou do movimento feminista e percebeu que outras mulheres já tinham passado por situações similares, como Luana*, 21 anos. 

A atriz conheceu o ex namorado por um aplicativo e conta que ele parecia ser cavalheiro, bonzinho, calado e tinha uma história de vida que condizia com as exigências que fazia a ela. “Meu relacionamento parecia ser como qualquer outro. Eu achava normal. Talvez as cobranças que existissem fossem zelo, ou só coisa da minha imaginação. Acredito que um relacionamento não passa a ser abusivo, ele já começa assim. São sinais que vão se mostrando cada vez mais fortes”, diz Luana. 

'Eu só fui me dar conta quando de fato recebi ameaças e a situação partiu para agressão'

"Eu só fui me dar conta quando de fato recebi ameaças e a situação partiu para agressão", explica a atriz, que demorou sete meses para aceitar que o relacionamento que vivia era abusivo. “A gente vive numa sociedade que assimila amor ao ciúmes e à possessividade. Como podemos notar alguma coisa? A culpa é sempre da mulher”. 

Sentir-se responsável pela situação era um sentimento comum entre Luana e Carla. A estudante conta que quando brigava com o namorado, se trancava no quarto e chorava por horas, mas nunca o culpava. “Pelo contrário: me culpava por todas as nossas brigas. Se tínhamos brigado por ele achar minha blusa muito decotada, me policiava ainda mais para usar roupas ainda mais fechadas. E era assim com tudo”, relembra.

Há características comuns tanto entre abusados quanto abusadores. Joana explica que o oprimido, muitas vezes, é uma pessoa que já apresenta problemas de autoestima e autoconfiança Foto: Pixabay

Josie explica que, depois de um longo período de abuso, é comum que a pessoa na posição de submissão tenha sua personalidade e estima muito fragilizadas. Consequentemente, “sair desse ciclo de destruição é uma tarefa bastante complexa. O agressor costumafazer com que a vitima se sinta culpada, incapaz e envergonhada. Existe um grande jogo de manipulação”, explica a psicóloga. 

O primeiro sinal forte que Luana sentiu foi um dia em que trabalhou o dia inteiro e não pode responder as mensagens do namorado. “Eu, sabendo do ciúmes excessivo, avisei que eu teria de trabalhar até tarde e saindo de lá, falaria com ele. Por volta das 21h, quando consegui pegar o celular, havia muitas mensagens dele me xingando, perguntando com quem eu estava, onde eu tinha ido e dizendo que aquilo não se fazia. Passamos umas 3 horas ao telefone discutindo o porquê de eu trabalhar e não respondê-lo quando ele queria. Depois disso vieram as perguntas extremas”, conta a atriz. 

Há características comuns tanto entre abusados quanto abusadores. Joana explica que o oprimido, muitas vezes, é uma pessoa que já apresenta problemas de autoestima e autoconfiança. “É justamente na ‘falha’ que o abusador consegue atuar. O abusador, por sua vez, em geral é um sujeito também com problemas de autoestima, com dificuldades de estabelecer relações horizontais”, diz a psicóloga. Ela acrescenta que, frequentemente, o opressor tem humor instável e dificuldade em ser contrariado ou frustrado. 

Ter um namoro abusivo pode marcar quem o viveu de forma dura. Josie explica que algumas consequências podem ser a perda de autonomia, destruição da estima, desenvolvimento de quadros psiquiátricos como depressão, transtornos ansiosos e até pós-traumáticos, entre outros. Joana adiciona que é comum que o abusado ache que não merece outro tipo de relação, “ou que nunca mais conseguirá achar outra pessoa”. 

Apesar de ser comum ouvir mulheres contando sobre relacionamentos abusivos emocionalmente, eles acontecem de forma similar entre os gêneros, explica Joana. Fábio, 22 anos, viveu um namoro conturbado devido ao ciúme excessivo da ex. 

'Desde o começo foi abusivo, eu que não a conhecia direito'

“Desde o começo foi abusivo, eu que não a conhecia direito. Era do perfil dela ser assim, possessiva. Não deixava que ninguém tivesse contato com as coisas que ela tinha”, conta. Assim, ele como namorado, fazia parte das posses dela. Fábio conta que não podia conversar com mulheres, independente da idade, “qualquer uma já era um pecado. Ela disfarçava, escondia dizendo que era paixão, mas conforme fui conhecendo, descobri esse lado”. 

As ameaças faziam parte do lado complicado do relacionamento. Se ele fazia algo que parecia errado aos olhos da ex, ela dizia que sairia com outra pessoa. “Se eu conversasse com outra menina, era motivo para ela ficar uma semana sem falar comigo, fazia chantagem”. Ele explica que, por ser apaixonado e estar em seu primeiro namoro, aceitava. 

“Ela era mais forte que eu e usava minha fraqueza contra mim”, explica Fábio, que demorou muito para notar que estava nessa situação. “Eu não queria abrir o olho, mas as pessoas próximas a mim, como família e amigos, me avisavam. Achava que eles estavam loucos, que era amor”. No entanto, ele conta que, em certo momento, quando o relacionamento mais o machucava que fazia bem, ele passou a se questionar. 

Apesar de terem percebido e sido alertados por amigos e familiares, Fábio, Luana e Carla tiveram a mesma dificuldade: sair de seus relacionamentos. 

'Meus amigos que me tiraram dessa, porque talvez, se fosse por mim mesma, ainda estaria naquela situação'

Luana conta que os amigos tiveram de preparar uma intervenção para ela, “daquelas que a gente acha que só acontece em filmes”, descreve. “A princípio iam só nos pedir para que ele não frequentasse mais a casa deles, por ter me humilhado e gritado comigo lá. Mas essa acabou se tornando na última vez que o vi. Foi de um jeito bem catastrófico, mas eficaz. "Meus amigos que me tiraram dessa, porque talvez, se fosse por mim mesma, ainda estaria naquela situação”, conta a atriz. 

Já Fábio achava que sempre era possível consertar a situação, conversar. “Fui dando chances até uma hora que eu não aguentava mais”, explica. 

Joana afirma que o primeiro passo para sair desse tipo de relação é reconhecer que ela é abusiva. “Se você vem se sentindo cada vez mais inseguro, percebe-se frequentemente com medo da outra pessoa, se pega constantemente preocupado com as reações que ele/ela pode apresentar, você pode estar envolvido nesse tipo de relacionamento”, diz a psicologa. 

De acordo com a especialista, família e amigos podem ajudar fortalecendo a autoestima da vítima, além de criar uma rede de apoio para o momento em que o relacionamento acabar. “No entanto, em muitos casos, faz-se necessária a ajuda profissional. Um psicólogo pode ajudar a entender o que mantém o paciente nessa relação, contribuir na construção de vias alternativas para que a pessoa se fortaleça e consiga mudar a natureza da relação ou sair dela”, explica. 

Luana alerta que é sempre importante ouvir amigos e familiares, porque são as pessoas que mais conhecem e sabem quando há algo errado. “Amor de verdade não tem nada a ver com cobrança, ódio, brigas e agressão”, alerta a atriz. 

Para Fábio, além de ser necessário abrir a cabeça para entender as pessoas que alertam, é preciso pular fora o mais rápido possível: quanto mais ficar, mais difícil será sair. Carla complementa que é preciso ter coragem. “Não é fácil, vai doer e vai levar tempo, mas quando passar, a pessoa vai ser muito mais feliz”, opina a estudante. 

Apesar de ser um processo complicado para quem enfrenta essa situação, a lição que fica é positiva: crescer com a dificuldade. Carla afirma ter certeza de que nunca mais deixará a vivência se repetir. “Sofri muito, mas tenho orgulho de reconhecer o que vivi e saber construir um relacionamento saudável e verdadeiramente feliz”. Fábio concorda, conta que criou uma barreira contra pessoas com características abusivas, “cresci demais com essa situação, foi fundamental para ser quem sou hoje”. 

* Carla e Luana são nomes fictícios. As personagens preferiram não ser identificadas para preservar suas intimidades

A psicóloga Josie Conti explica que eles se caracterizam pelo desequilíbrio de poder, e este pode acontecer tanto na esfera psicológica quanto física, “o que leva uma das partes a uma condição de subordinação e inferiorização” Foto: Hernán Piñera/ Creative Commons

Carla* fez uma viagem com a turma da escola. Estava muito calor, aproximadamente 40º C, e ela queria usar roupas curtas, como todas as suas amigas. Ao sair do quarto, no entanto, deparou-se com o olhar de reprovação de seu namorado, que opinava que ela estava vestida de maneira inapropriada. “Voltei para o quarto e coloquei o shorts mais comprido que eu tinha. Passei o resto da viagem usando a mesma roupa para agradá-lo”, relembra a estudante, hoje com 21 anos. 

Namoros como o que Carla teve aos 16 anos são chamados de relacionamentos abusivos. A psicóloga Josie Conti explica que eles se caracterizam pelo desequilíbrio de poder, e este pode acontecer tanto na esfera psicológica quanto física, “o que leva uma das partes a uma condição de subordinação e inferiorização”. 

Carla namorou durante três anos e os sinais de que algo estava errado apareceram ao longo deste período. “Eram muitas ordens: ‘você não pode usar roupas curtas nem decote, não pode ir para balada, não pode beber quando eu não estiver junto’. Me afastei de todos os meus amigos, não saía de fim de semana com minhas amigas”, lembra.

Joana Singer, psicóloga do Núcleo Paradigma, aponta que há diferentes sinais de que um relacionamento é abusivo. Alguns são mais claros, como a violência física, sexual ou verbal, mas há outros menos perceptíveis, como no caso de Carla: “restrição paulatina da liberdade do outro, cerceando, por exemplo, o crescimento profissional, a abstinência sexual como forma de controle, a desmoralização frequente da outra pessoa em público, as demonstrações de ciúmes exageradas, entre outras”, explica. 

A percepção de que vivia um relacionamento abusivo só veio tempos depois que Carla acabou o namoro, quando ela se aproximou do movimento feminista e percebeu que outras mulheres já tinham passado por situações similares, como Luana*, 21 anos. 

A atriz conheceu o ex namorado por um aplicativo e conta que ele parecia ser cavalheiro, bonzinho, calado e tinha uma história de vida que condizia com as exigências que fazia a ela. “Meu relacionamento parecia ser como qualquer outro. Eu achava normal. Talvez as cobranças que existissem fossem zelo, ou só coisa da minha imaginação. Acredito que um relacionamento não passa a ser abusivo, ele já começa assim. São sinais que vão se mostrando cada vez mais fortes”, diz Luana. 

'Eu só fui me dar conta quando de fato recebi ameaças e a situação partiu para agressão'

"Eu só fui me dar conta quando de fato recebi ameaças e a situação partiu para agressão", explica a atriz, que demorou sete meses para aceitar que o relacionamento que vivia era abusivo. “A gente vive numa sociedade que assimila amor ao ciúmes e à possessividade. Como podemos notar alguma coisa? A culpa é sempre da mulher”. 

Sentir-se responsável pela situação era um sentimento comum entre Luana e Carla. A estudante conta que quando brigava com o namorado, se trancava no quarto e chorava por horas, mas nunca o culpava. “Pelo contrário: me culpava por todas as nossas brigas. Se tínhamos brigado por ele achar minha blusa muito decotada, me policiava ainda mais para usar roupas ainda mais fechadas. E era assim com tudo”, relembra.

Há características comuns tanto entre abusados quanto abusadores. Joana explica que o oprimido, muitas vezes, é uma pessoa que já apresenta problemas de autoestima e autoconfiança Foto: Pixabay

Josie explica que, depois de um longo período de abuso, é comum que a pessoa na posição de submissão tenha sua personalidade e estima muito fragilizadas. Consequentemente, “sair desse ciclo de destruição é uma tarefa bastante complexa. O agressor costumafazer com que a vitima se sinta culpada, incapaz e envergonhada. Existe um grande jogo de manipulação”, explica a psicóloga. 

O primeiro sinal forte que Luana sentiu foi um dia em que trabalhou o dia inteiro e não pode responder as mensagens do namorado. “Eu, sabendo do ciúmes excessivo, avisei que eu teria de trabalhar até tarde e saindo de lá, falaria com ele. Por volta das 21h, quando consegui pegar o celular, havia muitas mensagens dele me xingando, perguntando com quem eu estava, onde eu tinha ido e dizendo que aquilo não se fazia. Passamos umas 3 horas ao telefone discutindo o porquê de eu trabalhar e não respondê-lo quando ele queria. Depois disso vieram as perguntas extremas”, conta a atriz. 

Há características comuns tanto entre abusados quanto abusadores. Joana explica que o oprimido, muitas vezes, é uma pessoa que já apresenta problemas de autoestima e autoconfiança. “É justamente na ‘falha’ que o abusador consegue atuar. O abusador, por sua vez, em geral é um sujeito também com problemas de autoestima, com dificuldades de estabelecer relações horizontais”, diz a psicóloga. Ela acrescenta que, frequentemente, o opressor tem humor instável e dificuldade em ser contrariado ou frustrado. 

Ter um namoro abusivo pode marcar quem o viveu de forma dura. Josie explica que algumas consequências podem ser a perda de autonomia, destruição da estima, desenvolvimento de quadros psiquiátricos como depressão, transtornos ansiosos e até pós-traumáticos, entre outros. Joana adiciona que é comum que o abusado ache que não merece outro tipo de relação, “ou que nunca mais conseguirá achar outra pessoa”. 

Apesar de ser comum ouvir mulheres contando sobre relacionamentos abusivos emocionalmente, eles acontecem de forma similar entre os gêneros, explica Joana. Fábio, 22 anos, viveu um namoro conturbado devido ao ciúme excessivo da ex. 

'Desde o começo foi abusivo, eu que não a conhecia direito'

“Desde o começo foi abusivo, eu que não a conhecia direito. Era do perfil dela ser assim, possessiva. Não deixava que ninguém tivesse contato com as coisas que ela tinha”, conta. Assim, ele como namorado, fazia parte das posses dela. Fábio conta que não podia conversar com mulheres, independente da idade, “qualquer uma já era um pecado. Ela disfarçava, escondia dizendo que era paixão, mas conforme fui conhecendo, descobri esse lado”. 

As ameaças faziam parte do lado complicado do relacionamento. Se ele fazia algo que parecia errado aos olhos da ex, ela dizia que sairia com outra pessoa. “Se eu conversasse com outra menina, era motivo para ela ficar uma semana sem falar comigo, fazia chantagem”. Ele explica que, por ser apaixonado e estar em seu primeiro namoro, aceitava. 

“Ela era mais forte que eu e usava minha fraqueza contra mim”, explica Fábio, que demorou muito para notar que estava nessa situação. “Eu não queria abrir o olho, mas as pessoas próximas a mim, como família e amigos, me avisavam. Achava que eles estavam loucos, que era amor”. No entanto, ele conta que, em certo momento, quando o relacionamento mais o machucava que fazia bem, ele passou a se questionar. 

Apesar de terem percebido e sido alertados por amigos e familiares, Fábio, Luana e Carla tiveram a mesma dificuldade: sair de seus relacionamentos. 

'Meus amigos que me tiraram dessa, porque talvez, se fosse por mim mesma, ainda estaria naquela situação'

Luana conta que os amigos tiveram de preparar uma intervenção para ela, “daquelas que a gente acha que só acontece em filmes”, descreve. “A princípio iam só nos pedir para que ele não frequentasse mais a casa deles, por ter me humilhado e gritado comigo lá. Mas essa acabou se tornando na última vez que o vi. Foi de um jeito bem catastrófico, mas eficaz. "Meus amigos que me tiraram dessa, porque talvez, se fosse por mim mesma, ainda estaria naquela situação”, conta a atriz. 

Já Fábio achava que sempre era possível consertar a situação, conversar. “Fui dando chances até uma hora que eu não aguentava mais”, explica. 

Joana afirma que o primeiro passo para sair desse tipo de relação é reconhecer que ela é abusiva. “Se você vem se sentindo cada vez mais inseguro, percebe-se frequentemente com medo da outra pessoa, se pega constantemente preocupado com as reações que ele/ela pode apresentar, você pode estar envolvido nesse tipo de relacionamento”, diz a psicologa. 

De acordo com a especialista, família e amigos podem ajudar fortalecendo a autoestima da vítima, além de criar uma rede de apoio para o momento em que o relacionamento acabar. “No entanto, em muitos casos, faz-se necessária a ajuda profissional. Um psicólogo pode ajudar a entender o que mantém o paciente nessa relação, contribuir na construção de vias alternativas para que a pessoa se fortaleça e consiga mudar a natureza da relação ou sair dela”, explica. 

Luana alerta que é sempre importante ouvir amigos e familiares, porque são as pessoas que mais conhecem e sabem quando há algo errado. “Amor de verdade não tem nada a ver com cobrança, ódio, brigas e agressão”, alerta a atriz. 

Para Fábio, além de ser necessário abrir a cabeça para entender as pessoas que alertam, é preciso pular fora o mais rápido possível: quanto mais ficar, mais difícil será sair. Carla complementa que é preciso ter coragem. “Não é fácil, vai doer e vai levar tempo, mas quando passar, a pessoa vai ser muito mais feliz”, opina a estudante. 

Apesar de ser um processo complicado para quem enfrenta essa situação, a lição que fica é positiva: crescer com a dificuldade. Carla afirma ter certeza de que nunca mais deixará a vivência se repetir. “Sofri muito, mas tenho orgulho de reconhecer o que vivi e saber construir um relacionamento saudável e verdadeiramente feliz”. Fábio concorda, conta que criou uma barreira contra pessoas com características abusivas, “cresci demais com essa situação, foi fundamental para ser quem sou hoje”. 

* Carla e Luana são nomes fictícios. As personagens preferiram não ser identificadas para preservar suas intimidades

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