Ao falar de contracepção, é bem comum vir à mente o uso de camisinha e anticoncepcional via oral, a famosa pílula. No entanto, devido aos possíveis riscos de doenças, mulheres buscam uma alternativa à ingestão de hormônios e uma delas é o método sintotermal.
Mais do que uma maneira natural de prevenir ou planejar a gravidez, o método é uma forma de a mulher conhecer melhor o próprio corpo.
Baseado, a princípio, na temperatura corporal basal, na secreção vaginal e no colo uterino, o método permite que as mulheres se toquem e acompanhem as mudanças do corpo durante os ciclos menstruais.
Embora pareça difícil, uma vez que as alterações são sutis, a ginecologista Bel Saide, especialista em ginecologia natural, diz que é possível para qualquer mulher. “Exige disciplina, tem de medir todos os dias, mas as mulheres são capazes de se observar de uma forma que elas não estão habituadas”, diz.
A estudante Luana Moreira, de 19 anos, aderiu ao método sintotermal há dois anos quando o conheceu em grupos no Facebook. Ela queria parar com a pílula anticoncepcional para conhecer melhor o próprio corpo.
“Hoje em dia, me respeito, me conheço e amo muito mais meu corpo e meu ciclo. É mais do que um método contraceptivo, é um jeito de enxergar a fertilidade”, afirma a jovem. “Em um mundo onde a fertilidade só serve para engravidar, trazer isso para o nosso dia a dia e para a nossa sexualidade é libertador”, completa.
Ela conta que parou de tomar o anticoncepcional via oral com muito receio, mas estudou sobre o método sintotermal e ficou “super entusiasmada”, porque nunca tinha ouvido falar sobre nada do que estava conhecendo. Junto com o método, ela adota a camisinha.
A ginecologista Bel, que lançou recentemente o ebook Ginecologia sem Hormônios, diz que muitas mulheres acham que precisam de uma preparação para interromper a ingestão da pílula.
“É só parar. No primeiro momento, pode ser que a mulher sinta muitas coisas: o ciclo fica desregulado, ela pode não menstruar, a pele piora e o cabelo fica oleoso, mas não são todas. É preciso ter calma que, em poucos meses, melhora”, garante a especialista.
Luana não sentia efeitos colaterais enquanto tomava a pílula, mas percebeu diferenças quando parou. “Libido, disposição, dores, meu sangue, ganho de massa magra. Tudo isso melhorou 90% depois que eu parei”, conta.
Como funciona? O método sintotermal se baseia em observar as mudanças do corpo e não deve ser confundido com a tabelinha, que envolve calcular a metade do ciclo, que pode variar ao longo dos meses.
A temperatura corporal deve ser medida todos os dias de manhã, em um mesmo horário, com um termômetro de duas casas decimais por ser mais preciso (36,27ºC, por exemplo). Segundo Bel, a temperatura sobe um pouco depois da ovulação, e as mudanças são pequenas.
A secreção vaginal fica mais seca logo que a menstruação termina. Depois, no período fértil, fica mais fluida, pegajosa e transparente. No período infértil, o muco é mais opaco e grosso. Quanto ao colo uterino, a mulher precisa estar em uma posição confortável para senti-lo. Ele fica mais alto, com textura mais amolecida ou suave e mais aberto no período fértil.
Bel orienta anotar tudo em uma caderneta ou em aplicativos para celular próprios para isso, que constroem gráficos de cada ciclo. “Tudo é baseado em comparações, que devem ser feitas por pelo menos três meses. Cada mulher deve observar como acontece o seu [ciclo]”, diz a especialista.
A estudante Luana diz que percebeu esses sinais instintivamente com o tempo, mas conseguiu identificar a própria ovulação a partir do muco já no primeiro ciclo. “Ouvir seu corpo é muito difícil, mas é incrível. Acordar sempre em um horário parecido para medir a temperatura foi bem difícil no começo, mas acho mais fácil do que lembrar de tomar a pílula. Se você tem uma rotina, mesmo que mínima, é totalmente possível”, afirma.
Bel alerta que, além de observar esses fatores, a mulher tem de ficar atenta a mudanças secundárias individuais. "Alteração na mama, sensibilidade, cólica no baixo ventre, alteração no sono, na pele e no humor”, cita. A temperatura basal também pode se modificar por outros fatores, como infecções ou ingestão de bebida alcóolica.
Dependendo da mulher, a adaptação ao método pode demorar de três a seis meses, segundo Bel. Por isso, ela orienta que a mulher não deve deixar de usar camisinha. A taxa de segurança para quem não quer engravidar é garantida se a mulher for disciplinada.
Um estudo da Universidade de Oxford mostrou que, depois de 13 ciclos, 1,8 a cada 100 mulheres que utilizaram o método engravidaram inesperadamente. Cerca de nove a cada 100 desistiram por insatisfação com o método. A taxa de gravidez em casais que se protegeram durante as relações sexuais em período fértil foi de 0,6 a cada 100 mulheres.
Críticas. O ginecologista Rogério Bonassi, presidente da Comissão de Anticoncepção da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), diz que o método sintotermal, assim como outras formas naturais de contracepção, é um movimento de mídia social. “Não é muito visto no consultório, é restrito a grupos de mulheres”, afirma.
No entanto, ele diz que os profissionais da área estão “totalmente preparados” para tratar desse método com a mulher que queira aderi-lo. “Esses métodos são baseados na presunção da fertilidade, que é baseada na fisiologia feminina. A gente sabe da teoria disso e pode orientar como se faz, mas tem de falar que é altamente factível de ter falha”, diz Bonassi.
A falha é pelo método levar em conta fatores muito variáveis. "Você pode mostrar para a paciente como é, mas é óbvio que é difícil. Nem o próprio médico consegue identificar, porque varia muito. Não é que o médico não quer [apresentar o método], mas é variável e a gente identifica barreiras para isso”, afirma.
Neste ano, a Febrasgo lançou a campanha #VamosDecidirJuntos com o objetivo de desmistificar os riscos de usar métodos anticoncepcionais tradicionais. Bonassi diz que os efeitos colaterais do uso da pílula existem, como dor de cabeça e enjoos, mas o risco de trombose, por exemplo, é baixo, segundo ele. “Não chega a 10 casos para cada 10 mil mulheres”, menciona.