Atualizada em 12/08/2020, às 17h15
Lidar com as diversas demandas do trabalho, a nova rotina de home office, o desaparecimento da “fronteira” entre ambiente de trabalho e doméstico. A pandemia do novo coronavírus mudou nosso dia a dia, e acabou incentivando ainda mais as pessoas a serem multitarefa, ou seja, fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo. Mas a prática possui várias desvantagens, e mais prejudica do que ajuda.
Também conhecida como multitasking, trazendo a expressão do inglês, essa característica é vista como positiva por muitos. Fazer várias coisas ao mesmo tempo acabou sendo associado a uma alta produtividade, mas é importante observar a qualidade dos resultados apresentados, não a quantidade.
A neurocientista Thaís Gameiro, sócia da empresa Nêmesis de consultoria corporativa baseada em neurociência organizacional, explica que muitas pessoas acreditam erroneamente que são multitarefa, como se fosse uma habilidade a ser desenvolvida. “Nosso cérebro funciona muito rápido, na casa de milisegundos, então é quase imperceptível a velocidade em que ele troca de foco[em algo], o que dá a sensação de que conseguimos fazer várias coisas ao mesmo tempo”, conta Thaís. É essa falsa sensação que dá origem à ideia de ser multitarefa, mas essa tentativa de dividir o foco de atenção é prejudicial.
Para explicar a situação, é possível fazer uma metáfora: a atenção é uma lanterna com um foco, ou seja, ilumina uma coisa de cada vez, mas também gera uma região mal iluminada que recebe uma atenção periférica. Ou seja, quando alguém tenta fazer várias coisas ao mesmo tempo, está mais focado em uma; as outras estão na penumbra, portanto, não são processadas com a devida atenção pelo cérebro. “É como se nos apoiássemos na atenção periférica achando que ela é um foco”, comenta Thaís.
A ideia de ser multitarefa significa dividir a atenção, mas é difícil focar em mais de uma coisa ao mesmo tempo. Um exemplo prático é quando alguém está dirigindo e mexendo no celular. O foco está no aparelho, então o motorista monitora o ambiente externo sem muita atenção ou notando detalhes, o que facilita a ocorrência de acidentes.
Na sociedade, também é comum o estereótipo de que as mulheres são multitarefa, que conseguem fazer várias coisas enquanto os homens fazem uma de cada vez. Mas Thaís destaca novamente que é impossível ficar focado em várias tarefas ao mesmo tempo, já que vai contra um processo fisiológico do cérebro.
Existem evidências de que mulheres fazem a troca do foco atencional mais rapidamente e, por isso, passam a impressão de que conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo, mas a limitação ainda existe”, explica ela. Para a neurocientista, a origem dessa ideia é uma construção social “da mulher ter que cuidar de várias atividades ao mesmo tempo, da casa, filhos, trabalho”. Mas, assim como qualquer outra pessoa, elas também estão expostas às desvantagens do multitasking.
Produtividade e trabalho
A ideia de ser multitarefa está presente principalmente no ambiente de trabalho. Com diversas demandas a serem realizadas ao longo do dia acaba sendo tentador, e até necessário, fazer várias coisas ao mesmo tempo, dividindo a atenção.
É nessa divisão que surgem os erros. A consultora em produtividade e felicidade no trabalho Lygia Pontes explica que, na ilusão de estarem fazendo várias coisas simultaneamente, as pessoas ocupam muito tempo. “Você não está fazendo duas coisas ao mesmo tempo. Está fazendo duas coisas malfeitas, ou uma errada, e terá de refazê-las depois, gastando ainda mais tempo do que se fosse feita uma por vez”, diz. Segundo ela, esse otimismo é um dos principais “ladrões de tempo” da rotina do trabalho. “A pessoa acredita que vai dar conta, mas simplesmente não é possível.”
Segundo Lygia, essa é uma das razões que fazem reuniões serem improdutivas. “As pessoas estão lá de corpo presente, mas não sabem o que foi discutido porque estão fazendo outra coisa. É uma falsa sensação de produtividade, mas é exatamente o oposto: você vive mais angustiado porque não consegue concluir as coisas no prazo que imaginava.”
Para além das consequências no resultado do trabalho, a prática também causa prejuízos na saúde, segundo explica a neurocientista. “Tudo isso leva a um aumento do estresse, isso afeta a qualidade de vida. É um estresse causado pela sobrecarga do sistema nervoso. É tanta coisa para prestar atenção que ele fica sobrecarregado, o sistema não consegue processar tudo e gera uma resposta fisiológica”, afirma.
A quarentena também criou o que Thaís chama de “ambiente propício” para o crescimento do multitasking. Não apenas porque a rotina do home office é diferente, e pode trazer mais demandas com a ideia de que o funcionário está online o tempo todo, mas também porque a mistura do ambiente doméstico e profissional leva à junção das demandas das duas esferas.
Assim, se já é difícil adaptar-se à nova rotina de trabalho, também surgem demandas de filhos, companheiros ou necessidades como limpar a casa, ir ao mercado e fazer comida. “É preciso separar esses espaços e planejar a rotina pensando nisso. Quem vai ter mais qualidade de vida é quem perceber e se a adaptar a isso”, alerta Thaís.
Yuri Pantojo Serapilha, de 27 anos, consultor especialista em growth marketing, está bastante adaptado: há seis anos ele trabalha em home office. Casado e com a esposa grávida, ele conta que a prática exige disciplina e diálogo para que a família também entenda que você está ali, mas trabalhando. “No começo, eu não sabia separar o que era home office e o que era de casa, como um impactava o outro. Hoje não mais, mas veio dessa disciplina, consciência”, relata. “Claro que existem emergências. Mas é preciso evitar fazer coisas de um ambiente no outro, se não há confusão.”
Para Yuri, a rotina é importante no home office, mas a maleabilidade também é necessária. “Se algo muda e você precisa readaptar a agenda, traz um estresse. Então é preciso ter uma rotina que possa ser adaptada quando necessário.” No entanto, ele diz que os gestores também têm responsabilidade nesse processo. “No home office às vezes o gestor acha que a pessoa não está trabalhando e passa uma carga de trabalho muito grande. A pessoa faz, mas o resultado não tem qualidade.”
Mas como evitar ser multitarefa?
Lygia explica que a primeira coisa que pede a seus clientes para aumentarem a eficiência é uma agenda de produtividade, anotando o tempo de todas as tarefas do dia – mesmo as menores, como aguar as plantas ou escovar os dentes. “Não parece, mas são atividades que ocupam tempo, e é necessário ter uma perspectiva real de quanto se leva para completá-las”, conta. Dessa forma, ela diz, é possível fazer uma agenda de compromissos com prazos que de fato podem ser cumpridos. “Cada pessoa tem seu tempo, e tudo bem. É importante saber o seu para não se sobrecarregar e nem frustrar as expectativas dos outros.”
Também é fundamental estabelecer prazos concretos. “Não pode ser ‘o quanto antes’, ‘assim que der’, porque isso lida com expectativas. O meu ‘o quanto antes’ pode ser diferente do seu, e isso cria falhas de comunicação”, relata Lygia.
Thaís tem a mesma opinião e recomenda evitar “abraçar o mundo com braços e pernas”. Segundo ela, ao estabelecer o cronograma, é importante pensar em uma margem de erro, abrindo espaços para emergências. Mudar o fluxo de atenção demora um tempo, e se feito muitas vezes causa estresse. “Uma troca muito repentina de tipos de assuntos e de atividades não é aconselhável, é legal separar um dia para se dedicar a um tipo de tarefa”, aconselha.
Mesmo que a tarefa seja finalizada antes do prazo, o tempo extra pode ser aproveitado como um descanso, o que também é favorável para o ritmo de trabalho. Além disso, é preciso delimitar o tempo para trabalho e o tempo para o ambiente doméstico, e tentar não realizar tarefas de um no outro, algo que também deve ser respeitado por familiares e colegas e superiores do trabalho.
Outra dica é interromper a tarefa quando se sentir “travado”. Thaís destaca que é possível notar quando estamos empacados em algo, pois ocorre um “estreitamento do foco”, ou seja, perde-se a capacidade de analisar a situação de forma mais ampla. “Às vezes se afastar, esquecer um pouco daquilo, ajuda o cérebro a encontrar a resposta. Pode ser um break, um café. Relaxar ajuda.”
Quando a sensação é a de que ainda não estamos travados, ou seja, ainda há um bom fluxo de trabalho, vale a pena continuar na tarefa, mesmo que isso signifique que o cronograma vai ser replanejado - novamente, ter as margens de erro evita essa tarefa.
Já para manter o foco em uma atividade, Thaís destaca a importância de criar uma rotina, e se esforçar para segui-la. É válido evitar distrações, em especial as de celulares, tirando as notificações para evitar a “ansiedade” que surge para responder algo que, na verdade, não é urgente. Exercícios de desenvolvimento de foco e meditação também são aliados “Basicamente, é ficar 10, 15 minutos respirando e trazendo conscientemente a atenção para algo. Isso ajuda a acalmar e ficar conectado com o agora”, explica Thaís. / COLABOROU ADRIANA MOREIRA
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*Estagiário sob supervisão de Charlise Morais