O ‘abuso narcisista’ ficou famoso. Mas o que isso significa? E como ele pode afetar sua vida?


O termo já tem mais de um milhão de publicações no Instagram e ganhou até um dia mundial de conscientização; conheça histórias e entenda como esse comportamento funciona

Por Abby Ellin

Liz C. sempre soube que havia alguma coisa errada com seu casamento de 30 anos, mas nunca conseguiu identificar o problema.

Depois que seu marido se aposentou, o silêncio, o distanciamento e a falta de apoio que caracterizavam a relação pioraram.

Certo dia, uma amiga lhe perguntou se ela já tinha ouvido falar em “narcisismo oculto ou encoberto”. Esses narcisistas disfarçados são petulantes, altamente sensíveis a críticas e tendem a se sentir injustiçados pelo mundo. Eles costumam ser mais traiçoeiros do que os narcisistas abertos, que são mais estrondosos e mais fáceis de detectar.

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Liz C., 62 anos, que falou sob a condição de que seu sobrenome não fosse divulgado por questões de segurança, não estava familiarizada com a expressão. Ao pesquisar na internet, suas leituras sobre narcisismo a levaram a trabalhos da psicóloga clínica Ramani Durvasula e do psicoterapeuta clínico Les Carter. Foi então que ela descobriu um fenômeno conhecido como “abuso narcisista”.

O 'narcisismo oculto ou encoberto' pode ser mais difícil de ser reconhecido por um parceiro. Foto: calypso77 /adobe.stock

O abuso narcisista, ela aprendeu com sua pesquisa, consiste em manipulação psicológica, emocional, financeira ou sexual infligida por um narcisista, às vezes com controle coercitivo – um padrão de comportamento usado para dominar e controlar o outro – ou até mesmo violência física.

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Na maioria das vezes, o relacionamento começa maravilhosamente bem, com gestos grandiosos e “bombardeio de amor” – bombardear alguém com presentes de luxo, afeto ou atenção. Mas os especialistas dizem que tudo de repente pode passar do romântico e elogioso para o crítico e invalidante, ou continuar em um purgatório nocivo. A pessoa que está sendo vítima desse tipo de abuso pode sentir medo, confusão, ansiedade, gaslighting, transferência de culpa e manipulação.

Liz C. se identificou profundamente com a ideia.

“Foi como abrir uma janela e iluminar tudo”, disse ela. “Comecei a ter uma resposta para a dinâmica do nosso casamento”.

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Ressignificando um relacionamento ruim

“Narcisista” é um rótulo que ganhou força na última década e que tem sido aplicado a quase tudo e todos, desde o chato do seu clube do livro até o ex-presidente Donald Trump.

Os narcisistas, dizem os estudos, não têm empatia. Eles mentem. Sempre querem atenção. Acham que estão acima da lei e precisam de validação dos outros o tempo todo. “São os três fatores principais: exploração, arrogância e falta de empatia”, disse o psicólogo clínico Craig Malkin, autor de Rethinking Narcissism: The Secret to Recognizing and Coping with Narcissists [em tradução direta, “Repensando o narcisismo: o segredo para reconhecer e lidar com narcisistas”]. “Este é o núcleo do narcisismo patológico”.

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Junto com o aumento da visibilidade do termo, surgiu um interesse no tipo de sofrimento que os narcisistas podem infligir a quem está por perto. Milhões de pessoas se caracterizaram como vítimas de narcisistas, não apenas seus parceiros românticos, mas também parentes, amigos, chefes ou colegas de trabalho. A hashtag #Narsissisticabuse [ou seja, “abuso narcisista”] tem mais de 1,4 milhão de publicações no Instagram. O fenômeno ficou tão conhecido que até ganhou seu próprio dia: 1º de junho, Dia Mundial de Conscientização sobre o Abuso de Narcisistas.

Muitos dos 1,7 milhão de seguidores do canal de Durvasula no YouTube acreditam que já passaram por isso. O mesmo vale para os usuários que fizeram os mais de 6,2 milhões de downloads de seu podcast, Navigating Narcissism.

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É claro que muitas pessoas são maltratadas em seus relacionamentos. Mas quando a parte abusiva é narcisista, diz o argumento, os maus-tratos chegam a um outro nível.

Embora os relacionamentos tóxicos possam ser frustrantes ou dolorosos, “eles não deixam a pessoa confusa ou com a sensação de que está enlouquecendo”, disse Durvasula, autora de It’s Not You: Identifying and Healing from Narcissistic People [”Não é você: identificando e curando-se de pessoas narcisistas”, em tradução direta], um best-seller do New York Times. O relacionamento com um narcisista pode gerar “hipervigilância, confusão, ruminação de pensamentos, sentimento de culpa e insegurança”.

Definição de narcisismo

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Assim como muitas outras coisas, o narcisismo existe dentro de um espectro. Em um extremo está o narcisismo leve, que se caracteriza por egocentrismo, imaturidade emocional e hipersensibilidade. Embora possa ser difícil lidar com essas pessoas, os narcisistas malignos no outro extremo do espectro é que são os mais prejudiciais. Segundo Durvasula, é provável que muitos deles atendam aos critérios do Transtorno de Personalidade Narcisista, ou TPN. Trata-se de um diagnóstico clínico listado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês), o guia de transtornos mentais reconhecidos oficialmente.

Os especialistas não sabem ao certo quão comum é o TPN. O distúrbio é sub-diagnosticado, em parte porque os sintomas podem ser confundidos com outros transtornos de personalidade, em outra parte porque a maioria dos narcisistas não se apressa em fazer terapia.

“Os estudos de prevalência às vezes se baseiam no ‘autorrelato’ do paciente – que provavelmente minimiza a autopatologia”, disse Ronald W. Pies, professor emérito de psiquiatria da SUNY Medical University em Syracuse, por e-mail.

Mas há algumas estimativas. De acordo com um relatório de 2022 publicado no Focus: The Lifelong Journal of Psychiatry, 1% a 2% da população geral dos Estados Unidos pode ter TPN. Dados recentes ainda não publicados, coletados por Durvasula e pela estatística Heather Harris, revelaram que 10% da população têm traços narcisistas suficientes para afetar seus relacionamentos.

Um estudo de 2023 com mais de 270 mil participantes publicado no Journal of Personality and Social Psychology também constatou que os homens obtiveram pontuação mais alta em traços narcisistas do que as mulheres.

Mas há poucos estudos sobre abuso narcisista na literatura acadêmica, e os céticos argumentam que o termo nada mais é do que uma hashtag famosa – a explicação da moda para o mau comportamento.

Um pesquisa constatou que os homens obtiveram pontuação mais alta em traços narcisistas do que as mulheres, mas há poucos estudos sobre abuso narcisista na literatura acadêmica. Foto: Studio Romantic/adobe.stock

“Acho que virou uma tendência porque as sobreviventes precisam desesperadamente de respostas”, disse Bea Coté, diretora da Impact+ Abuse Prevention Services, que oferece programas de intervenção contra violência doméstica na região de Charlotte, Carolina do Norte. “É uma resposta que elas acham que faz sentido para explicar por que o homem que elas amavam, que parecia amá-las, depois abusou delas.”

Os céticos também questionam se fazer um diagnóstico especulativo para o agressor acrescenta alguma coisa na hora de falar sobre abuso emocional.

“Uma das questões é se as consequências desses relacionamentos são específicas, ou se essas pessoas estão simplesmente sofrendo com um relacionamento ruim”, disse Paul S. Appelbaum, ex-presidente do comitê diretor do DSM-5 da Associação Americana de Psiquiatria e professor de psiquiatria da Universidade de Columbia. “Não quer dizer que elas não precisem de assistência profissional para se livrarem do relacionamento – as duas coisas não são necessariamente independentes.”

Lisa Aronson Fontes, autora de Invisible Chains: Overcoming Coercive Control in Your Intimate Relationship [”Correntes invisíveis: superando o controle coercitivo em seu relacionamento íntimo”], diz que o termo é “uma psicologia pop vazia”.

“Algumas pessoas agem de forma mais abusiva do que outras, com certeza, e essas pessoas podem ter traços narcisistas”, disse ela. “Mas não faz o menor sentido chamar o abuso interpessoal de ‘abuso narcisista’. Por que não chamar simplesmente de abuso? Ou controle coercitivo? Ou assédio sexual no local de trabalho?”

Além disso, acrescentou ela, rotular algo como um transtorno implica uma doença mental que não pode ser controlada. E os abusadores podem controlar seu comportamento.

“Na maioria das vezes, eles atacam só as pessoas mais próximas, em situações íntimas e de forma a não serem ‘pegos’ por outras pessoas”, disse ela.

Durvasula admite que relacionamentos invalidantes existem desde que os seres humanos resolveram formar casais. Mas só recentemente a discussão foi ampliada de forma significativa, argumenta ela, porque no passado não tínhamos uma linguagem para discutir abusos não físicos.

“Já trabalhei com clientes que tinham casamentos de quarenta, cinquenta anos”, disse ela. “As pessoas acabam percebendo que a dinâmica estava instalada desde o começo da relação. Só que não havia vocabulário para descrever essa dinâmica, nem mesmo no campo da saúde mental.”

Ela insiste que chamar alguém de “narcisista” não é uma implicação de transtorno mental, mas apenas uma descrição da personalidade de alguém. E não importa onde um narcisista se enquadre no espectro, “entre os ingredientes comuns estão empatia variável, arrogância, imponência, egoísmo, necessidade de admiração e validação, ego frágil e raiva reativa em momentos de frustração, decepção ou crítica”, disse ela.

Daniel Shaw, autor de Traumatic Narcissism e psicoterapeuta em Nova York, cita quatro características marcantes do abuso narcisista: sedução, intimidação, humilhação e menosprezo.

“A pessoa está sempre se engrandecendo? Ela se recusa a reconhecer qualquer falha em si mesma? Ela despreza os outros? Se você tentar dizer por que se chateou com ela, ela nega que tenha feito qualquer coisa errada ou ataca você, invertendo quem é a vítima e quem é o agressor?

“O narcisista traumatizante está determinado a encontrar sua presa”, continuou ele. “E vai encontrar pessoas que possa controlar e explorar. Ele usa tudo o que têm: carisma, charme, inteligência. Em geral, eles são bem espertos. E precisam desesperadamente ter pessoas para controlar”. Controlar pessoas tranquiliza esses indivíduos, que tendem a ser profundamente inseguros, de que eles realmente são tão poderosos e superiores quanto querem acreditar, diz Shaw.

Faith C. Echo sofreu com esse tipo de controle. Sem que ela soubesse, seu ex-parceiro tinha colocado gravadores de vídeo em toda a casa e um rastreador GPS no carro dela, e estava lendo seus e-mails e mensagens de texto. Ele escondia as chaves do carro dela. Se ela deixasse o celular em um cômodo e não o encontrasse, ele dizia que não o tinha visto.

“Eu vasculhava a casa inteira e meu telefone estava lá, bem perto dele”, disse Echo, 44 anos, que escreve e mantém um blog sobre abuso narcisista sob um pseudônimo por questões de segurança. “Ele dizia: ‘Você está ficando louca, precisa de ajuda psicológica’.”

Ela não tinha permissão para ter amigos ou passar tempo sozinha com o filho deles. “Eu não sabia mais quem eu era. Não tinha mais opinião”, disse Echo, que publicou um livro sobre sua experiência e é assistente social licenciada. Até mesmo o cheiro de velas com aroma de maçã a deixava em pânico: o casal brigava muito em um cômodo da casa cheio desse aroma.

Ela finalmente foi embora em 2023, depois de quatro anos e meio com ele.

“É fortalecedor e muito legitimador conversar com pessoas que já passaram por isso”, disse ela. “Se você não tiver passado por isso, não vai entender a insanidade”.

Seguindo em frente

Por que é tão difícil se libertar? “No início do relacionamento, o narcisista pode parecer muito atencioso, gentil, dedicado e comprometido”, disse Vickie Howard, professora e vice-diretora do programa de saúde mental e bem-estar em Hull, Inglaterra, que escreveu sobre sua experiência pessoal com abuso narcisista. Ela comparou a situação a se livrar de um culto destrutivo com mecanismos de controle mental. Além disso, como em qualquer tipo de abuso doméstico, o abuso narcisista geralmente vem junto com abuso financeiro, físico e psicológico. Ou então há crianças envolvidas, o que faz com que seja quase impossível ir embora.

Um dos desafios de obter tratamento para abuso narcisista é que muitos terapeutas não têm treinamento ou experiência para lidar com pessoas que estiveram nesse tipo de relação doentia. Um estudo de 2019 no Journal of Counseling & Development analisou uma pesquisa respondida por 104 sobreviventes de abuso por parceiro íntimo. Cerca de metade das pessoas entrevistadas disseram que sentiam que os terapeutas as culpavam, dizendo que eram “codependentes” ou que, de alguma forma, tinham escolhido esse tipo de parceiro.

“Quando as vítimas de violência por parceiro íntimo fazem terapia, muitas vezes o terapeuta não tem formação para trabalhar com traumas e não tem uma compreensão do sistema de abuso psicológico e gaslighting”, disse a psicóloga clínica Vaile Wright, diretora sênior de inovação em saúde da Associação Americana de Psicologia. (O termo gaslight, que leva o nome do filme homônimo de 1944, se refere à manipulação psicológica criada para fazer com que a vítima duvide de suas próprias percepções).

Na última vez que Liz C. e seu então marido fizeram terapia juntos, ela viu a terapeuta “cair no feitiço dele”, disse ela.

“Ele ficava fazendo gaslighting, distorcendo todas as palavras. E ela só repetia a mesma retórica: ‘Vocês precisam de comunicação, resolução de conflitos’, todas as coisas típicas do casamento que não se aplicam aos narcisistas porque eles não seguem as mesmas regras.”

O abuso narcisista geralmente vem junto com abuso financeiro, físico e psicológico. Foto: Dzianis Vasilyeu/adobe.stock

Durvasula desenvolveu um programa de treinamento e certificação para clínicos que querem adquirir experiência em trabalhar com pacientes em relacionamentos com pessoas narcisistas. O mesmo fez Sandra L. Brown, fundadora do Instituto de Redução de Danos Relacionais e Educação Pública em Patologia, que publica a Safe Relationships Magazine.

Caroline Strawson, terapeuta e coach especializada em trauma nos arredores de Londres, com 42 mil mulheres em seu grupo no Facebook, insiste que suas clientes não tenham contato com o narcisista, bloqueando-o nas redes sociais e no e-mail. Se houver crianças envolvidas, ela aconselha as clientes a adquirir outro celular apenas para emergências. “Caso contrário, se você continuar se comunicando, ele vai tentar controlar você”, disse ela.

Durvasula, que também coordena um programa de recuperação, quer que as pessoas se concentrem em si mesmas, e não no comportamento do agressor.

“Cura significa a aceitação radical de enxergar o problema, de ver os padrões como padrões e de entender que o comportamento não vai mudar”, disse ela. “Significa também encerrar o ciclo de acreditar que há algo que você poderia fazer para melhorar a situação.”

Com o tempo, Liz C. percebeu que seu marido não mudaria nunca. Para ter uma chance de felicidade no futuro, ela precisava ir embora. E ela foi, dois anos atrás.

“As pessoas subestimam o preço que o abuso narcisista cobra e os estragos que causa”, disse ela. “Chamar isso de abuso aumenta a importância do problema e acho que é o jeito correto de encarar o assunto”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Liz C. sempre soube que havia alguma coisa errada com seu casamento de 30 anos, mas nunca conseguiu identificar o problema.

Depois que seu marido se aposentou, o silêncio, o distanciamento e a falta de apoio que caracterizavam a relação pioraram.

Certo dia, uma amiga lhe perguntou se ela já tinha ouvido falar em “narcisismo oculto ou encoberto”. Esses narcisistas disfarçados são petulantes, altamente sensíveis a críticas e tendem a se sentir injustiçados pelo mundo. Eles costumam ser mais traiçoeiros do que os narcisistas abertos, que são mais estrondosos e mais fáceis de detectar.

Liz C., 62 anos, que falou sob a condição de que seu sobrenome não fosse divulgado por questões de segurança, não estava familiarizada com a expressão. Ao pesquisar na internet, suas leituras sobre narcisismo a levaram a trabalhos da psicóloga clínica Ramani Durvasula e do psicoterapeuta clínico Les Carter. Foi então que ela descobriu um fenômeno conhecido como “abuso narcisista”.

O 'narcisismo oculto ou encoberto' pode ser mais difícil de ser reconhecido por um parceiro. Foto: calypso77 /adobe.stock

O abuso narcisista, ela aprendeu com sua pesquisa, consiste em manipulação psicológica, emocional, financeira ou sexual infligida por um narcisista, às vezes com controle coercitivo – um padrão de comportamento usado para dominar e controlar o outro – ou até mesmo violência física.

Na maioria das vezes, o relacionamento começa maravilhosamente bem, com gestos grandiosos e “bombardeio de amor” – bombardear alguém com presentes de luxo, afeto ou atenção. Mas os especialistas dizem que tudo de repente pode passar do romântico e elogioso para o crítico e invalidante, ou continuar em um purgatório nocivo. A pessoa que está sendo vítima desse tipo de abuso pode sentir medo, confusão, ansiedade, gaslighting, transferência de culpa e manipulação.

Liz C. se identificou profundamente com a ideia.

“Foi como abrir uma janela e iluminar tudo”, disse ela. “Comecei a ter uma resposta para a dinâmica do nosso casamento”.

Ressignificando um relacionamento ruim

“Narcisista” é um rótulo que ganhou força na última década e que tem sido aplicado a quase tudo e todos, desde o chato do seu clube do livro até o ex-presidente Donald Trump.

Os narcisistas, dizem os estudos, não têm empatia. Eles mentem. Sempre querem atenção. Acham que estão acima da lei e precisam de validação dos outros o tempo todo. “São os três fatores principais: exploração, arrogância e falta de empatia”, disse o psicólogo clínico Craig Malkin, autor de Rethinking Narcissism: The Secret to Recognizing and Coping with Narcissists [em tradução direta, “Repensando o narcisismo: o segredo para reconhecer e lidar com narcisistas”]. “Este é o núcleo do narcisismo patológico”.

Junto com o aumento da visibilidade do termo, surgiu um interesse no tipo de sofrimento que os narcisistas podem infligir a quem está por perto. Milhões de pessoas se caracterizaram como vítimas de narcisistas, não apenas seus parceiros românticos, mas também parentes, amigos, chefes ou colegas de trabalho. A hashtag #Narsissisticabuse [ou seja, “abuso narcisista”] tem mais de 1,4 milhão de publicações no Instagram. O fenômeno ficou tão conhecido que até ganhou seu próprio dia: 1º de junho, Dia Mundial de Conscientização sobre o Abuso de Narcisistas.

Muitos dos 1,7 milhão de seguidores do canal de Durvasula no YouTube acreditam que já passaram por isso. O mesmo vale para os usuários que fizeram os mais de 6,2 milhões de downloads de seu podcast, Navigating Narcissism.

É claro que muitas pessoas são maltratadas em seus relacionamentos. Mas quando a parte abusiva é narcisista, diz o argumento, os maus-tratos chegam a um outro nível.

Embora os relacionamentos tóxicos possam ser frustrantes ou dolorosos, “eles não deixam a pessoa confusa ou com a sensação de que está enlouquecendo”, disse Durvasula, autora de It’s Not You: Identifying and Healing from Narcissistic People [”Não é você: identificando e curando-se de pessoas narcisistas”, em tradução direta], um best-seller do New York Times. O relacionamento com um narcisista pode gerar “hipervigilância, confusão, ruminação de pensamentos, sentimento de culpa e insegurança”.

Definição de narcisismo

Assim como muitas outras coisas, o narcisismo existe dentro de um espectro. Em um extremo está o narcisismo leve, que se caracteriza por egocentrismo, imaturidade emocional e hipersensibilidade. Embora possa ser difícil lidar com essas pessoas, os narcisistas malignos no outro extremo do espectro é que são os mais prejudiciais. Segundo Durvasula, é provável que muitos deles atendam aos critérios do Transtorno de Personalidade Narcisista, ou TPN. Trata-se de um diagnóstico clínico listado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês), o guia de transtornos mentais reconhecidos oficialmente.

Os especialistas não sabem ao certo quão comum é o TPN. O distúrbio é sub-diagnosticado, em parte porque os sintomas podem ser confundidos com outros transtornos de personalidade, em outra parte porque a maioria dos narcisistas não se apressa em fazer terapia.

“Os estudos de prevalência às vezes se baseiam no ‘autorrelato’ do paciente – que provavelmente minimiza a autopatologia”, disse Ronald W. Pies, professor emérito de psiquiatria da SUNY Medical University em Syracuse, por e-mail.

Mas há algumas estimativas. De acordo com um relatório de 2022 publicado no Focus: The Lifelong Journal of Psychiatry, 1% a 2% da população geral dos Estados Unidos pode ter TPN. Dados recentes ainda não publicados, coletados por Durvasula e pela estatística Heather Harris, revelaram que 10% da população têm traços narcisistas suficientes para afetar seus relacionamentos.

Um estudo de 2023 com mais de 270 mil participantes publicado no Journal of Personality and Social Psychology também constatou que os homens obtiveram pontuação mais alta em traços narcisistas do que as mulheres.

Mas há poucos estudos sobre abuso narcisista na literatura acadêmica, e os céticos argumentam que o termo nada mais é do que uma hashtag famosa – a explicação da moda para o mau comportamento.

Um pesquisa constatou que os homens obtiveram pontuação mais alta em traços narcisistas do que as mulheres, mas há poucos estudos sobre abuso narcisista na literatura acadêmica. Foto: Studio Romantic/adobe.stock

“Acho que virou uma tendência porque as sobreviventes precisam desesperadamente de respostas”, disse Bea Coté, diretora da Impact+ Abuse Prevention Services, que oferece programas de intervenção contra violência doméstica na região de Charlotte, Carolina do Norte. “É uma resposta que elas acham que faz sentido para explicar por que o homem que elas amavam, que parecia amá-las, depois abusou delas.”

Os céticos também questionam se fazer um diagnóstico especulativo para o agressor acrescenta alguma coisa na hora de falar sobre abuso emocional.

“Uma das questões é se as consequências desses relacionamentos são específicas, ou se essas pessoas estão simplesmente sofrendo com um relacionamento ruim”, disse Paul S. Appelbaum, ex-presidente do comitê diretor do DSM-5 da Associação Americana de Psiquiatria e professor de psiquiatria da Universidade de Columbia. “Não quer dizer que elas não precisem de assistência profissional para se livrarem do relacionamento – as duas coisas não são necessariamente independentes.”

Lisa Aronson Fontes, autora de Invisible Chains: Overcoming Coercive Control in Your Intimate Relationship [”Correntes invisíveis: superando o controle coercitivo em seu relacionamento íntimo”], diz que o termo é “uma psicologia pop vazia”.

“Algumas pessoas agem de forma mais abusiva do que outras, com certeza, e essas pessoas podem ter traços narcisistas”, disse ela. “Mas não faz o menor sentido chamar o abuso interpessoal de ‘abuso narcisista’. Por que não chamar simplesmente de abuso? Ou controle coercitivo? Ou assédio sexual no local de trabalho?”

Além disso, acrescentou ela, rotular algo como um transtorno implica uma doença mental que não pode ser controlada. E os abusadores podem controlar seu comportamento.

“Na maioria das vezes, eles atacam só as pessoas mais próximas, em situações íntimas e de forma a não serem ‘pegos’ por outras pessoas”, disse ela.

Durvasula admite que relacionamentos invalidantes existem desde que os seres humanos resolveram formar casais. Mas só recentemente a discussão foi ampliada de forma significativa, argumenta ela, porque no passado não tínhamos uma linguagem para discutir abusos não físicos.

“Já trabalhei com clientes que tinham casamentos de quarenta, cinquenta anos”, disse ela. “As pessoas acabam percebendo que a dinâmica estava instalada desde o começo da relação. Só que não havia vocabulário para descrever essa dinâmica, nem mesmo no campo da saúde mental.”

Ela insiste que chamar alguém de “narcisista” não é uma implicação de transtorno mental, mas apenas uma descrição da personalidade de alguém. E não importa onde um narcisista se enquadre no espectro, “entre os ingredientes comuns estão empatia variável, arrogância, imponência, egoísmo, necessidade de admiração e validação, ego frágil e raiva reativa em momentos de frustração, decepção ou crítica”, disse ela.

Daniel Shaw, autor de Traumatic Narcissism e psicoterapeuta em Nova York, cita quatro características marcantes do abuso narcisista: sedução, intimidação, humilhação e menosprezo.

“A pessoa está sempre se engrandecendo? Ela se recusa a reconhecer qualquer falha em si mesma? Ela despreza os outros? Se você tentar dizer por que se chateou com ela, ela nega que tenha feito qualquer coisa errada ou ataca você, invertendo quem é a vítima e quem é o agressor?

“O narcisista traumatizante está determinado a encontrar sua presa”, continuou ele. “E vai encontrar pessoas que possa controlar e explorar. Ele usa tudo o que têm: carisma, charme, inteligência. Em geral, eles são bem espertos. E precisam desesperadamente ter pessoas para controlar”. Controlar pessoas tranquiliza esses indivíduos, que tendem a ser profundamente inseguros, de que eles realmente são tão poderosos e superiores quanto querem acreditar, diz Shaw.

Faith C. Echo sofreu com esse tipo de controle. Sem que ela soubesse, seu ex-parceiro tinha colocado gravadores de vídeo em toda a casa e um rastreador GPS no carro dela, e estava lendo seus e-mails e mensagens de texto. Ele escondia as chaves do carro dela. Se ela deixasse o celular em um cômodo e não o encontrasse, ele dizia que não o tinha visto.

“Eu vasculhava a casa inteira e meu telefone estava lá, bem perto dele”, disse Echo, 44 anos, que escreve e mantém um blog sobre abuso narcisista sob um pseudônimo por questões de segurança. “Ele dizia: ‘Você está ficando louca, precisa de ajuda psicológica’.”

Ela não tinha permissão para ter amigos ou passar tempo sozinha com o filho deles. “Eu não sabia mais quem eu era. Não tinha mais opinião”, disse Echo, que publicou um livro sobre sua experiência e é assistente social licenciada. Até mesmo o cheiro de velas com aroma de maçã a deixava em pânico: o casal brigava muito em um cômodo da casa cheio desse aroma.

Ela finalmente foi embora em 2023, depois de quatro anos e meio com ele.

“É fortalecedor e muito legitimador conversar com pessoas que já passaram por isso”, disse ela. “Se você não tiver passado por isso, não vai entender a insanidade”.

Seguindo em frente

Por que é tão difícil se libertar? “No início do relacionamento, o narcisista pode parecer muito atencioso, gentil, dedicado e comprometido”, disse Vickie Howard, professora e vice-diretora do programa de saúde mental e bem-estar em Hull, Inglaterra, que escreveu sobre sua experiência pessoal com abuso narcisista. Ela comparou a situação a se livrar de um culto destrutivo com mecanismos de controle mental. Além disso, como em qualquer tipo de abuso doméstico, o abuso narcisista geralmente vem junto com abuso financeiro, físico e psicológico. Ou então há crianças envolvidas, o que faz com que seja quase impossível ir embora.

Um dos desafios de obter tratamento para abuso narcisista é que muitos terapeutas não têm treinamento ou experiência para lidar com pessoas que estiveram nesse tipo de relação doentia. Um estudo de 2019 no Journal of Counseling & Development analisou uma pesquisa respondida por 104 sobreviventes de abuso por parceiro íntimo. Cerca de metade das pessoas entrevistadas disseram que sentiam que os terapeutas as culpavam, dizendo que eram “codependentes” ou que, de alguma forma, tinham escolhido esse tipo de parceiro.

“Quando as vítimas de violência por parceiro íntimo fazem terapia, muitas vezes o terapeuta não tem formação para trabalhar com traumas e não tem uma compreensão do sistema de abuso psicológico e gaslighting”, disse a psicóloga clínica Vaile Wright, diretora sênior de inovação em saúde da Associação Americana de Psicologia. (O termo gaslight, que leva o nome do filme homônimo de 1944, se refere à manipulação psicológica criada para fazer com que a vítima duvide de suas próprias percepções).

Na última vez que Liz C. e seu então marido fizeram terapia juntos, ela viu a terapeuta “cair no feitiço dele”, disse ela.

“Ele ficava fazendo gaslighting, distorcendo todas as palavras. E ela só repetia a mesma retórica: ‘Vocês precisam de comunicação, resolução de conflitos’, todas as coisas típicas do casamento que não se aplicam aos narcisistas porque eles não seguem as mesmas regras.”

O abuso narcisista geralmente vem junto com abuso financeiro, físico e psicológico. Foto: Dzianis Vasilyeu/adobe.stock

Durvasula desenvolveu um programa de treinamento e certificação para clínicos que querem adquirir experiência em trabalhar com pacientes em relacionamentos com pessoas narcisistas. O mesmo fez Sandra L. Brown, fundadora do Instituto de Redução de Danos Relacionais e Educação Pública em Patologia, que publica a Safe Relationships Magazine.

Caroline Strawson, terapeuta e coach especializada em trauma nos arredores de Londres, com 42 mil mulheres em seu grupo no Facebook, insiste que suas clientes não tenham contato com o narcisista, bloqueando-o nas redes sociais e no e-mail. Se houver crianças envolvidas, ela aconselha as clientes a adquirir outro celular apenas para emergências. “Caso contrário, se você continuar se comunicando, ele vai tentar controlar você”, disse ela.

Durvasula, que também coordena um programa de recuperação, quer que as pessoas se concentrem em si mesmas, e não no comportamento do agressor.

“Cura significa a aceitação radical de enxergar o problema, de ver os padrões como padrões e de entender que o comportamento não vai mudar”, disse ela. “Significa também encerrar o ciclo de acreditar que há algo que você poderia fazer para melhorar a situação.”

Com o tempo, Liz C. percebeu que seu marido não mudaria nunca. Para ter uma chance de felicidade no futuro, ela precisava ir embora. E ela foi, dois anos atrás.

“As pessoas subestimam o preço que o abuso narcisista cobra e os estragos que causa”, disse ela. “Chamar isso de abuso aumenta a importância do problema e acho que é o jeito correto de encarar o assunto”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Liz C. sempre soube que havia alguma coisa errada com seu casamento de 30 anos, mas nunca conseguiu identificar o problema.

Depois que seu marido se aposentou, o silêncio, o distanciamento e a falta de apoio que caracterizavam a relação pioraram.

Certo dia, uma amiga lhe perguntou se ela já tinha ouvido falar em “narcisismo oculto ou encoberto”. Esses narcisistas disfarçados são petulantes, altamente sensíveis a críticas e tendem a se sentir injustiçados pelo mundo. Eles costumam ser mais traiçoeiros do que os narcisistas abertos, que são mais estrondosos e mais fáceis de detectar.

Liz C., 62 anos, que falou sob a condição de que seu sobrenome não fosse divulgado por questões de segurança, não estava familiarizada com a expressão. Ao pesquisar na internet, suas leituras sobre narcisismo a levaram a trabalhos da psicóloga clínica Ramani Durvasula e do psicoterapeuta clínico Les Carter. Foi então que ela descobriu um fenômeno conhecido como “abuso narcisista”.

O 'narcisismo oculto ou encoberto' pode ser mais difícil de ser reconhecido por um parceiro. Foto: calypso77 /adobe.stock

O abuso narcisista, ela aprendeu com sua pesquisa, consiste em manipulação psicológica, emocional, financeira ou sexual infligida por um narcisista, às vezes com controle coercitivo – um padrão de comportamento usado para dominar e controlar o outro – ou até mesmo violência física.

Na maioria das vezes, o relacionamento começa maravilhosamente bem, com gestos grandiosos e “bombardeio de amor” – bombardear alguém com presentes de luxo, afeto ou atenção. Mas os especialistas dizem que tudo de repente pode passar do romântico e elogioso para o crítico e invalidante, ou continuar em um purgatório nocivo. A pessoa que está sendo vítima desse tipo de abuso pode sentir medo, confusão, ansiedade, gaslighting, transferência de culpa e manipulação.

Liz C. se identificou profundamente com a ideia.

“Foi como abrir uma janela e iluminar tudo”, disse ela. “Comecei a ter uma resposta para a dinâmica do nosso casamento”.

Ressignificando um relacionamento ruim

“Narcisista” é um rótulo que ganhou força na última década e que tem sido aplicado a quase tudo e todos, desde o chato do seu clube do livro até o ex-presidente Donald Trump.

Os narcisistas, dizem os estudos, não têm empatia. Eles mentem. Sempre querem atenção. Acham que estão acima da lei e precisam de validação dos outros o tempo todo. “São os três fatores principais: exploração, arrogância e falta de empatia”, disse o psicólogo clínico Craig Malkin, autor de Rethinking Narcissism: The Secret to Recognizing and Coping with Narcissists [em tradução direta, “Repensando o narcisismo: o segredo para reconhecer e lidar com narcisistas”]. “Este é o núcleo do narcisismo patológico”.

Junto com o aumento da visibilidade do termo, surgiu um interesse no tipo de sofrimento que os narcisistas podem infligir a quem está por perto. Milhões de pessoas se caracterizaram como vítimas de narcisistas, não apenas seus parceiros românticos, mas também parentes, amigos, chefes ou colegas de trabalho. A hashtag #Narsissisticabuse [ou seja, “abuso narcisista”] tem mais de 1,4 milhão de publicações no Instagram. O fenômeno ficou tão conhecido que até ganhou seu próprio dia: 1º de junho, Dia Mundial de Conscientização sobre o Abuso de Narcisistas.

Muitos dos 1,7 milhão de seguidores do canal de Durvasula no YouTube acreditam que já passaram por isso. O mesmo vale para os usuários que fizeram os mais de 6,2 milhões de downloads de seu podcast, Navigating Narcissism.

É claro que muitas pessoas são maltratadas em seus relacionamentos. Mas quando a parte abusiva é narcisista, diz o argumento, os maus-tratos chegam a um outro nível.

Embora os relacionamentos tóxicos possam ser frustrantes ou dolorosos, “eles não deixam a pessoa confusa ou com a sensação de que está enlouquecendo”, disse Durvasula, autora de It’s Not You: Identifying and Healing from Narcissistic People [”Não é você: identificando e curando-se de pessoas narcisistas”, em tradução direta], um best-seller do New York Times. O relacionamento com um narcisista pode gerar “hipervigilância, confusão, ruminação de pensamentos, sentimento de culpa e insegurança”.

Definição de narcisismo

Assim como muitas outras coisas, o narcisismo existe dentro de um espectro. Em um extremo está o narcisismo leve, que se caracteriza por egocentrismo, imaturidade emocional e hipersensibilidade. Embora possa ser difícil lidar com essas pessoas, os narcisistas malignos no outro extremo do espectro é que são os mais prejudiciais. Segundo Durvasula, é provável que muitos deles atendam aos critérios do Transtorno de Personalidade Narcisista, ou TPN. Trata-se de um diagnóstico clínico listado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês), o guia de transtornos mentais reconhecidos oficialmente.

Os especialistas não sabem ao certo quão comum é o TPN. O distúrbio é sub-diagnosticado, em parte porque os sintomas podem ser confundidos com outros transtornos de personalidade, em outra parte porque a maioria dos narcisistas não se apressa em fazer terapia.

“Os estudos de prevalência às vezes se baseiam no ‘autorrelato’ do paciente – que provavelmente minimiza a autopatologia”, disse Ronald W. Pies, professor emérito de psiquiatria da SUNY Medical University em Syracuse, por e-mail.

Mas há algumas estimativas. De acordo com um relatório de 2022 publicado no Focus: The Lifelong Journal of Psychiatry, 1% a 2% da população geral dos Estados Unidos pode ter TPN. Dados recentes ainda não publicados, coletados por Durvasula e pela estatística Heather Harris, revelaram que 10% da população têm traços narcisistas suficientes para afetar seus relacionamentos.

Um estudo de 2023 com mais de 270 mil participantes publicado no Journal of Personality and Social Psychology também constatou que os homens obtiveram pontuação mais alta em traços narcisistas do que as mulheres.

Mas há poucos estudos sobre abuso narcisista na literatura acadêmica, e os céticos argumentam que o termo nada mais é do que uma hashtag famosa – a explicação da moda para o mau comportamento.

Um pesquisa constatou que os homens obtiveram pontuação mais alta em traços narcisistas do que as mulheres, mas há poucos estudos sobre abuso narcisista na literatura acadêmica. Foto: Studio Romantic/adobe.stock

“Acho que virou uma tendência porque as sobreviventes precisam desesperadamente de respostas”, disse Bea Coté, diretora da Impact+ Abuse Prevention Services, que oferece programas de intervenção contra violência doméstica na região de Charlotte, Carolina do Norte. “É uma resposta que elas acham que faz sentido para explicar por que o homem que elas amavam, que parecia amá-las, depois abusou delas.”

Os céticos também questionam se fazer um diagnóstico especulativo para o agressor acrescenta alguma coisa na hora de falar sobre abuso emocional.

“Uma das questões é se as consequências desses relacionamentos são específicas, ou se essas pessoas estão simplesmente sofrendo com um relacionamento ruim”, disse Paul S. Appelbaum, ex-presidente do comitê diretor do DSM-5 da Associação Americana de Psiquiatria e professor de psiquiatria da Universidade de Columbia. “Não quer dizer que elas não precisem de assistência profissional para se livrarem do relacionamento – as duas coisas não são necessariamente independentes.”

Lisa Aronson Fontes, autora de Invisible Chains: Overcoming Coercive Control in Your Intimate Relationship [”Correntes invisíveis: superando o controle coercitivo em seu relacionamento íntimo”], diz que o termo é “uma psicologia pop vazia”.

“Algumas pessoas agem de forma mais abusiva do que outras, com certeza, e essas pessoas podem ter traços narcisistas”, disse ela. “Mas não faz o menor sentido chamar o abuso interpessoal de ‘abuso narcisista’. Por que não chamar simplesmente de abuso? Ou controle coercitivo? Ou assédio sexual no local de trabalho?”

Além disso, acrescentou ela, rotular algo como um transtorno implica uma doença mental que não pode ser controlada. E os abusadores podem controlar seu comportamento.

“Na maioria das vezes, eles atacam só as pessoas mais próximas, em situações íntimas e de forma a não serem ‘pegos’ por outras pessoas”, disse ela.

Durvasula admite que relacionamentos invalidantes existem desde que os seres humanos resolveram formar casais. Mas só recentemente a discussão foi ampliada de forma significativa, argumenta ela, porque no passado não tínhamos uma linguagem para discutir abusos não físicos.

“Já trabalhei com clientes que tinham casamentos de quarenta, cinquenta anos”, disse ela. “As pessoas acabam percebendo que a dinâmica estava instalada desde o começo da relação. Só que não havia vocabulário para descrever essa dinâmica, nem mesmo no campo da saúde mental.”

Ela insiste que chamar alguém de “narcisista” não é uma implicação de transtorno mental, mas apenas uma descrição da personalidade de alguém. E não importa onde um narcisista se enquadre no espectro, “entre os ingredientes comuns estão empatia variável, arrogância, imponência, egoísmo, necessidade de admiração e validação, ego frágil e raiva reativa em momentos de frustração, decepção ou crítica”, disse ela.

Daniel Shaw, autor de Traumatic Narcissism e psicoterapeuta em Nova York, cita quatro características marcantes do abuso narcisista: sedução, intimidação, humilhação e menosprezo.

“A pessoa está sempre se engrandecendo? Ela se recusa a reconhecer qualquer falha em si mesma? Ela despreza os outros? Se você tentar dizer por que se chateou com ela, ela nega que tenha feito qualquer coisa errada ou ataca você, invertendo quem é a vítima e quem é o agressor?

“O narcisista traumatizante está determinado a encontrar sua presa”, continuou ele. “E vai encontrar pessoas que possa controlar e explorar. Ele usa tudo o que têm: carisma, charme, inteligência. Em geral, eles são bem espertos. E precisam desesperadamente ter pessoas para controlar”. Controlar pessoas tranquiliza esses indivíduos, que tendem a ser profundamente inseguros, de que eles realmente são tão poderosos e superiores quanto querem acreditar, diz Shaw.

Faith C. Echo sofreu com esse tipo de controle. Sem que ela soubesse, seu ex-parceiro tinha colocado gravadores de vídeo em toda a casa e um rastreador GPS no carro dela, e estava lendo seus e-mails e mensagens de texto. Ele escondia as chaves do carro dela. Se ela deixasse o celular em um cômodo e não o encontrasse, ele dizia que não o tinha visto.

“Eu vasculhava a casa inteira e meu telefone estava lá, bem perto dele”, disse Echo, 44 anos, que escreve e mantém um blog sobre abuso narcisista sob um pseudônimo por questões de segurança. “Ele dizia: ‘Você está ficando louca, precisa de ajuda psicológica’.”

Ela não tinha permissão para ter amigos ou passar tempo sozinha com o filho deles. “Eu não sabia mais quem eu era. Não tinha mais opinião”, disse Echo, que publicou um livro sobre sua experiência e é assistente social licenciada. Até mesmo o cheiro de velas com aroma de maçã a deixava em pânico: o casal brigava muito em um cômodo da casa cheio desse aroma.

Ela finalmente foi embora em 2023, depois de quatro anos e meio com ele.

“É fortalecedor e muito legitimador conversar com pessoas que já passaram por isso”, disse ela. “Se você não tiver passado por isso, não vai entender a insanidade”.

Seguindo em frente

Por que é tão difícil se libertar? “No início do relacionamento, o narcisista pode parecer muito atencioso, gentil, dedicado e comprometido”, disse Vickie Howard, professora e vice-diretora do programa de saúde mental e bem-estar em Hull, Inglaterra, que escreveu sobre sua experiência pessoal com abuso narcisista. Ela comparou a situação a se livrar de um culto destrutivo com mecanismos de controle mental. Além disso, como em qualquer tipo de abuso doméstico, o abuso narcisista geralmente vem junto com abuso financeiro, físico e psicológico. Ou então há crianças envolvidas, o que faz com que seja quase impossível ir embora.

Um dos desafios de obter tratamento para abuso narcisista é que muitos terapeutas não têm treinamento ou experiência para lidar com pessoas que estiveram nesse tipo de relação doentia. Um estudo de 2019 no Journal of Counseling & Development analisou uma pesquisa respondida por 104 sobreviventes de abuso por parceiro íntimo. Cerca de metade das pessoas entrevistadas disseram que sentiam que os terapeutas as culpavam, dizendo que eram “codependentes” ou que, de alguma forma, tinham escolhido esse tipo de parceiro.

“Quando as vítimas de violência por parceiro íntimo fazem terapia, muitas vezes o terapeuta não tem formação para trabalhar com traumas e não tem uma compreensão do sistema de abuso psicológico e gaslighting”, disse a psicóloga clínica Vaile Wright, diretora sênior de inovação em saúde da Associação Americana de Psicologia. (O termo gaslight, que leva o nome do filme homônimo de 1944, se refere à manipulação psicológica criada para fazer com que a vítima duvide de suas próprias percepções).

Na última vez que Liz C. e seu então marido fizeram terapia juntos, ela viu a terapeuta “cair no feitiço dele”, disse ela.

“Ele ficava fazendo gaslighting, distorcendo todas as palavras. E ela só repetia a mesma retórica: ‘Vocês precisam de comunicação, resolução de conflitos’, todas as coisas típicas do casamento que não se aplicam aos narcisistas porque eles não seguem as mesmas regras.”

O abuso narcisista geralmente vem junto com abuso financeiro, físico e psicológico. Foto: Dzianis Vasilyeu/adobe.stock

Durvasula desenvolveu um programa de treinamento e certificação para clínicos que querem adquirir experiência em trabalhar com pacientes em relacionamentos com pessoas narcisistas. O mesmo fez Sandra L. Brown, fundadora do Instituto de Redução de Danos Relacionais e Educação Pública em Patologia, que publica a Safe Relationships Magazine.

Caroline Strawson, terapeuta e coach especializada em trauma nos arredores de Londres, com 42 mil mulheres em seu grupo no Facebook, insiste que suas clientes não tenham contato com o narcisista, bloqueando-o nas redes sociais e no e-mail. Se houver crianças envolvidas, ela aconselha as clientes a adquirir outro celular apenas para emergências. “Caso contrário, se você continuar se comunicando, ele vai tentar controlar você”, disse ela.

Durvasula, que também coordena um programa de recuperação, quer que as pessoas se concentrem em si mesmas, e não no comportamento do agressor.

“Cura significa a aceitação radical de enxergar o problema, de ver os padrões como padrões e de entender que o comportamento não vai mudar”, disse ela. “Significa também encerrar o ciclo de acreditar que há algo que você poderia fazer para melhorar a situação.”

Com o tempo, Liz C. percebeu que seu marido não mudaria nunca. Para ter uma chance de felicidade no futuro, ela precisava ir embora. E ela foi, dois anos atrás.

“As pessoas subestimam o preço que o abuso narcisista cobra e os estragos que causa”, disse ela. “Chamar isso de abuso aumenta a importância do problema e acho que é o jeito correto de encarar o assunto”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Liz C. sempre soube que havia alguma coisa errada com seu casamento de 30 anos, mas nunca conseguiu identificar o problema.

Depois que seu marido se aposentou, o silêncio, o distanciamento e a falta de apoio que caracterizavam a relação pioraram.

Certo dia, uma amiga lhe perguntou se ela já tinha ouvido falar em “narcisismo oculto ou encoberto”. Esses narcisistas disfarçados são petulantes, altamente sensíveis a críticas e tendem a se sentir injustiçados pelo mundo. Eles costumam ser mais traiçoeiros do que os narcisistas abertos, que são mais estrondosos e mais fáceis de detectar.

Liz C., 62 anos, que falou sob a condição de que seu sobrenome não fosse divulgado por questões de segurança, não estava familiarizada com a expressão. Ao pesquisar na internet, suas leituras sobre narcisismo a levaram a trabalhos da psicóloga clínica Ramani Durvasula e do psicoterapeuta clínico Les Carter. Foi então que ela descobriu um fenômeno conhecido como “abuso narcisista”.

O 'narcisismo oculto ou encoberto' pode ser mais difícil de ser reconhecido por um parceiro. Foto: calypso77 /adobe.stock

O abuso narcisista, ela aprendeu com sua pesquisa, consiste em manipulação psicológica, emocional, financeira ou sexual infligida por um narcisista, às vezes com controle coercitivo – um padrão de comportamento usado para dominar e controlar o outro – ou até mesmo violência física.

Na maioria das vezes, o relacionamento começa maravilhosamente bem, com gestos grandiosos e “bombardeio de amor” – bombardear alguém com presentes de luxo, afeto ou atenção. Mas os especialistas dizem que tudo de repente pode passar do romântico e elogioso para o crítico e invalidante, ou continuar em um purgatório nocivo. A pessoa que está sendo vítima desse tipo de abuso pode sentir medo, confusão, ansiedade, gaslighting, transferência de culpa e manipulação.

Liz C. se identificou profundamente com a ideia.

“Foi como abrir uma janela e iluminar tudo”, disse ela. “Comecei a ter uma resposta para a dinâmica do nosso casamento”.

Ressignificando um relacionamento ruim

“Narcisista” é um rótulo que ganhou força na última década e que tem sido aplicado a quase tudo e todos, desde o chato do seu clube do livro até o ex-presidente Donald Trump.

Os narcisistas, dizem os estudos, não têm empatia. Eles mentem. Sempre querem atenção. Acham que estão acima da lei e precisam de validação dos outros o tempo todo. “São os três fatores principais: exploração, arrogância e falta de empatia”, disse o psicólogo clínico Craig Malkin, autor de Rethinking Narcissism: The Secret to Recognizing and Coping with Narcissists [em tradução direta, “Repensando o narcisismo: o segredo para reconhecer e lidar com narcisistas”]. “Este é o núcleo do narcisismo patológico”.

Junto com o aumento da visibilidade do termo, surgiu um interesse no tipo de sofrimento que os narcisistas podem infligir a quem está por perto. Milhões de pessoas se caracterizaram como vítimas de narcisistas, não apenas seus parceiros românticos, mas também parentes, amigos, chefes ou colegas de trabalho. A hashtag #Narsissisticabuse [ou seja, “abuso narcisista”] tem mais de 1,4 milhão de publicações no Instagram. O fenômeno ficou tão conhecido que até ganhou seu próprio dia: 1º de junho, Dia Mundial de Conscientização sobre o Abuso de Narcisistas.

Muitos dos 1,7 milhão de seguidores do canal de Durvasula no YouTube acreditam que já passaram por isso. O mesmo vale para os usuários que fizeram os mais de 6,2 milhões de downloads de seu podcast, Navigating Narcissism.

É claro que muitas pessoas são maltratadas em seus relacionamentos. Mas quando a parte abusiva é narcisista, diz o argumento, os maus-tratos chegam a um outro nível.

Embora os relacionamentos tóxicos possam ser frustrantes ou dolorosos, “eles não deixam a pessoa confusa ou com a sensação de que está enlouquecendo”, disse Durvasula, autora de It’s Not You: Identifying and Healing from Narcissistic People [”Não é você: identificando e curando-se de pessoas narcisistas”, em tradução direta], um best-seller do New York Times. O relacionamento com um narcisista pode gerar “hipervigilância, confusão, ruminação de pensamentos, sentimento de culpa e insegurança”.

Definição de narcisismo

Assim como muitas outras coisas, o narcisismo existe dentro de um espectro. Em um extremo está o narcisismo leve, que se caracteriza por egocentrismo, imaturidade emocional e hipersensibilidade. Embora possa ser difícil lidar com essas pessoas, os narcisistas malignos no outro extremo do espectro é que são os mais prejudiciais. Segundo Durvasula, é provável que muitos deles atendam aos critérios do Transtorno de Personalidade Narcisista, ou TPN. Trata-se de um diagnóstico clínico listado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês), o guia de transtornos mentais reconhecidos oficialmente.

Os especialistas não sabem ao certo quão comum é o TPN. O distúrbio é sub-diagnosticado, em parte porque os sintomas podem ser confundidos com outros transtornos de personalidade, em outra parte porque a maioria dos narcisistas não se apressa em fazer terapia.

“Os estudos de prevalência às vezes se baseiam no ‘autorrelato’ do paciente – que provavelmente minimiza a autopatologia”, disse Ronald W. Pies, professor emérito de psiquiatria da SUNY Medical University em Syracuse, por e-mail.

Mas há algumas estimativas. De acordo com um relatório de 2022 publicado no Focus: The Lifelong Journal of Psychiatry, 1% a 2% da população geral dos Estados Unidos pode ter TPN. Dados recentes ainda não publicados, coletados por Durvasula e pela estatística Heather Harris, revelaram que 10% da população têm traços narcisistas suficientes para afetar seus relacionamentos.

Um estudo de 2023 com mais de 270 mil participantes publicado no Journal of Personality and Social Psychology também constatou que os homens obtiveram pontuação mais alta em traços narcisistas do que as mulheres.

Mas há poucos estudos sobre abuso narcisista na literatura acadêmica, e os céticos argumentam que o termo nada mais é do que uma hashtag famosa – a explicação da moda para o mau comportamento.

Um pesquisa constatou que os homens obtiveram pontuação mais alta em traços narcisistas do que as mulheres, mas há poucos estudos sobre abuso narcisista na literatura acadêmica. Foto: Studio Romantic/adobe.stock

“Acho que virou uma tendência porque as sobreviventes precisam desesperadamente de respostas”, disse Bea Coté, diretora da Impact+ Abuse Prevention Services, que oferece programas de intervenção contra violência doméstica na região de Charlotte, Carolina do Norte. “É uma resposta que elas acham que faz sentido para explicar por que o homem que elas amavam, que parecia amá-las, depois abusou delas.”

Os céticos também questionam se fazer um diagnóstico especulativo para o agressor acrescenta alguma coisa na hora de falar sobre abuso emocional.

“Uma das questões é se as consequências desses relacionamentos são específicas, ou se essas pessoas estão simplesmente sofrendo com um relacionamento ruim”, disse Paul S. Appelbaum, ex-presidente do comitê diretor do DSM-5 da Associação Americana de Psiquiatria e professor de psiquiatria da Universidade de Columbia. “Não quer dizer que elas não precisem de assistência profissional para se livrarem do relacionamento – as duas coisas não são necessariamente independentes.”

Lisa Aronson Fontes, autora de Invisible Chains: Overcoming Coercive Control in Your Intimate Relationship [”Correntes invisíveis: superando o controle coercitivo em seu relacionamento íntimo”], diz que o termo é “uma psicologia pop vazia”.

“Algumas pessoas agem de forma mais abusiva do que outras, com certeza, e essas pessoas podem ter traços narcisistas”, disse ela. “Mas não faz o menor sentido chamar o abuso interpessoal de ‘abuso narcisista’. Por que não chamar simplesmente de abuso? Ou controle coercitivo? Ou assédio sexual no local de trabalho?”

Além disso, acrescentou ela, rotular algo como um transtorno implica uma doença mental que não pode ser controlada. E os abusadores podem controlar seu comportamento.

“Na maioria das vezes, eles atacam só as pessoas mais próximas, em situações íntimas e de forma a não serem ‘pegos’ por outras pessoas”, disse ela.

Durvasula admite que relacionamentos invalidantes existem desde que os seres humanos resolveram formar casais. Mas só recentemente a discussão foi ampliada de forma significativa, argumenta ela, porque no passado não tínhamos uma linguagem para discutir abusos não físicos.

“Já trabalhei com clientes que tinham casamentos de quarenta, cinquenta anos”, disse ela. “As pessoas acabam percebendo que a dinâmica estava instalada desde o começo da relação. Só que não havia vocabulário para descrever essa dinâmica, nem mesmo no campo da saúde mental.”

Ela insiste que chamar alguém de “narcisista” não é uma implicação de transtorno mental, mas apenas uma descrição da personalidade de alguém. E não importa onde um narcisista se enquadre no espectro, “entre os ingredientes comuns estão empatia variável, arrogância, imponência, egoísmo, necessidade de admiração e validação, ego frágil e raiva reativa em momentos de frustração, decepção ou crítica”, disse ela.

Daniel Shaw, autor de Traumatic Narcissism e psicoterapeuta em Nova York, cita quatro características marcantes do abuso narcisista: sedução, intimidação, humilhação e menosprezo.

“A pessoa está sempre se engrandecendo? Ela se recusa a reconhecer qualquer falha em si mesma? Ela despreza os outros? Se você tentar dizer por que se chateou com ela, ela nega que tenha feito qualquer coisa errada ou ataca você, invertendo quem é a vítima e quem é o agressor?

“O narcisista traumatizante está determinado a encontrar sua presa”, continuou ele. “E vai encontrar pessoas que possa controlar e explorar. Ele usa tudo o que têm: carisma, charme, inteligência. Em geral, eles são bem espertos. E precisam desesperadamente ter pessoas para controlar”. Controlar pessoas tranquiliza esses indivíduos, que tendem a ser profundamente inseguros, de que eles realmente são tão poderosos e superiores quanto querem acreditar, diz Shaw.

Faith C. Echo sofreu com esse tipo de controle. Sem que ela soubesse, seu ex-parceiro tinha colocado gravadores de vídeo em toda a casa e um rastreador GPS no carro dela, e estava lendo seus e-mails e mensagens de texto. Ele escondia as chaves do carro dela. Se ela deixasse o celular em um cômodo e não o encontrasse, ele dizia que não o tinha visto.

“Eu vasculhava a casa inteira e meu telefone estava lá, bem perto dele”, disse Echo, 44 anos, que escreve e mantém um blog sobre abuso narcisista sob um pseudônimo por questões de segurança. “Ele dizia: ‘Você está ficando louca, precisa de ajuda psicológica’.”

Ela não tinha permissão para ter amigos ou passar tempo sozinha com o filho deles. “Eu não sabia mais quem eu era. Não tinha mais opinião”, disse Echo, que publicou um livro sobre sua experiência e é assistente social licenciada. Até mesmo o cheiro de velas com aroma de maçã a deixava em pânico: o casal brigava muito em um cômodo da casa cheio desse aroma.

Ela finalmente foi embora em 2023, depois de quatro anos e meio com ele.

“É fortalecedor e muito legitimador conversar com pessoas que já passaram por isso”, disse ela. “Se você não tiver passado por isso, não vai entender a insanidade”.

Seguindo em frente

Por que é tão difícil se libertar? “No início do relacionamento, o narcisista pode parecer muito atencioso, gentil, dedicado e comprometido”, disse Vickie Howard, professora e vice-diretora do programa de saúde mental e bem-estar em Hull, Inglaterra, que escreveu sobre sua experiência pessoal com abuso narcisista. Ela comparou a situação a se livrar de um culto destrutivo com mecanismos de controle mental. Além disso, como em qualquer tipo de abuso doméstico, o abuso narcisista geralmente vem junto com abuso financeiro, físico e psicológico. Ou então há crianças envolvidas, o que faz com que seja quase impossível ir embora.

Um dos desafios de obter tratamento para abuso narcisista é que muitos terapeutas não têm treinamento ou experiência para lidar com pessoas que estiveram nesse tipo de relação doentia. Um estudo de 2019 no Journal of Counseling & Development analisou uma pesquisa respondida por 104 sobreviventes de abuso por parceiro íntimo. Cerca de metade das pessoas entrevistadas disseram que sentiam que os terapeutas as culpavam, dizendo que eram “codependentes” ou que, de alguma forma, tinham escolhido esse tipo de parceiro.

“Quando as vítimas de violência por parceiro íntimo fazem terapia, muitas vezes o terapeuta não tem formação para trabalhar com traumas e não tem uma compreensão do sistema de abuso psicológico e gaslighting”, disse a psicóloga clínica Vaile Wright, diretora sênior de inovação em saúde da Associação Americana de Psicologia. (O termo gaslight, que leva o nome do filme homônimo de 1944, se refere à manipulação psicológica criada para fazer com que a vítima duvide de suas próprias percepções).

Na última vez que Liz C. e seu então marido fizeram terapia juntos, ela viu a terapeuta “cair no feitiço dele”, disse ela.

“Ele ficava fazendo gaslighting, distorcendo todas as palavras. E ela só repetia a mesma retórica: ‘Vocês precisam de comunicação, resolução de conflitos’, todas as coisas típicas do casamento que não se aplicam aos narcisistas porque eles não seguem as mesmas regras.”

O abuso narcisista geralmente vem junto com abuso financeiro, físico e psicológico. Foto: Dzianis Vasilyeu/adobe.stock

Durvasula desenvolveu um programa de treinamento e certificação para clínicos que querem adquirir experiência em trabalhar com pacientes em relacionamentos com pessoas narcisistas. O mesmo fez Sandra L. Brown, fundadora do Instituto de Redução de Danos Relacionais e Educação Pública em Patologia, que publica a Safe Relationships Magazine.

Caroline Strawson, terapeuta e coach especializada em trauma nos arredores de Londres, com 42 mil mulheres em seu grupo no Facebook, insiste que suas clientes não tenham contato com o narcisista, bloqueando-o nas redes sociais e no e-mail. Se houver crianças envolvidas, ela aconselha as clientes a adquirir outro celular apenas para emergências. “Caso contrário, se você continuar se comunicando, ele vai tentar controlar você”, disse ela.

Durvasula, que também coordena um programa de recuperação, quer que as pessoas se concentrem em si mesmas, e não no comportamento do agressor.

“Cura significa a aceitação radical de enxergar o problema, de ver os padrões como padrões e de entender que o comportamento não vai mudar”, disse ela. “Significa também encerrar o ciclo de acreditar que há algo que você poderia fazer para melhorar a situação.”

Com o tempo, Liz C. percebeu que seu marido não mudaria nunca. Para ter uma chance de felicidade no futuro, ela precisava ir embora. E ela foi, dois anos atrás.

“As pessoas subestimam o preço que o abuso narcisista cobra e os estragos que causa”, disse ela. “Chamar isso de abuso aumenta a importância do problema e acho que é o jeito correto de encarar o assunto”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Liz C. sempre soube que havia alguma coisa errada com seu casamento de 30 anos, mas nunca conseguiu identificar o problema.

Depois que seu marido se aposentou, o silêncio, o distanciamento e a falta de apoio que caracterizavam a relação pioraram.

Certo dia, uma amiga lhe perguntou se ela já tinha ouvido falar em “narcisismo oculto ou encoberto”. Esses narcisistas disfarçados são petulantes, altamente sensíveis a críticas e tendem a se sentir injustiçados pelo mundo. Eles costumam ser mais traiçoeiros do que os narcisistas abertos, que são mais estrondosos e mais fáceis de detectar.

Liz C., 62 anos, que falou sob a condição de que seu sobrenome não fosse divulgado por questões de segurança, não estava familiarizada com a expressão. Ao pesquisar na internet, suas leituras sobre narcisismo a levaram a trabalhos da psicóloga clínica Ramani Durvasula e do psicoterapeuta clínico Les Carter. Foi então que ela descobriu um fenômeno conhecido como “abuso narcisista”.

O 'narcisismo oculto ou encoberto' pode ser mais difícil de ser reconhecido por um parceiro. Foto: calypso77 /adobe.stock

O abuso narcisista, ela aprendeu com sua pesquisa, consiste em manipulação psicológica, emocional, financeira ou sexual infligida por um narcisista, às vezes com controle coercitivo – um padrão de comportamento usado para dominar e controlar o outro – ou até mesmo violência física.

Na maioria das vezes, o relacionamento começa maravilhosamente bem, com gestos grandiosos e “bombardeio de amor” – bombardear alguém com presentes de luxo, afeto ou atenção. Mas os especialistas dizem que tudo de repente pode passar do romântico e elogioso para o crítico e invalidante, ou continuar em um purgatório nocivo. A pessoa que está sendo vítima desse tipo de abuso pode sentir medo, confusão, ansiedade, gaslighting, transferência de culpa e manipulação.

Liz C. se identificou profundamente com a ideia.

“Foi como abrir uma janela e iluminar tudo”, disse ela. “Comecei a ter uma resposta para a dinâmica do nosso casamento”.

Ressignificando um relacionamento ruim

“Narcisista” é um rótulo que ganhou força na última década e que tem sido aplicado a quase tudo e todos, desde o chato do seu clube do livro até o ex-presidente Donald Trump.

Os narcisistas, dizem os estudos, não têm empatia. Eles mentem. Sempre querem atenção. Acham que estão acima da lei e precisam de validação dos outros o tempo todo. “São os três fatores principais: exploração, arrogância e falta de empatia”, disse o psicólogo clínico Craig Malkin, autor de Rethinking Narcissism: The Secret to Recognizing and Coping with Narcissists [em tradução direta, “Repensando o narcisismo: o segredo para reconhecer e lidar com narcisistas”]. “Este é o núcleo do narcisismo patológico”.

Junto com o aumento da visibilidade do termo, surgiu um interesse no tipo de sofrimento que os narcisistas podem infligir a quem está por perto. Milhões de pessoas se caracterizaram como vítimas de narcisistas, não apenas seus parceiros românticos, mas também parentes, amigos, chefes ou colegas de trabalho. A hashtag #Narsissisticabuse [ou seja, “abuso narcisista”] tem mais de 1,4 milhão de publicações no Instagram. O fenômeno ficou tão conhecido que até ganhou seu próprio dia: 1º de junho, Dia Mundial de Conscientização sobre o Abuso de Narcisistas.

Muitos dos 1,7 milhão de seguidores do canal de Durvasula no YouTube acreditam que já passaram por isso. O mesmo vale para os usuários que fizeram os mais de 6,2 milhões de downloads de seu podcast, Navigating Narcissism.

É claro que muitas pessoas são maltratadas em seus relacionamentos. Mas quando a parte abusiva é narcisista, diz o argumento, os maus-tratos chegam a um outro nível.

Embora os relacionamentos tóxicos possam ser frustrantes ou dolorosos, “eles não deixam a pessoa confusa ou com a sensação de que está enlouquecendo”, disse Durvasula, autora de It’s Not You: Identifying and Healing from Narcissistic People [”Não é você: identificando e curando-se de pessoas narcisistas”, em tradução direta], um best-seller do New York Times. O relacionamento com um narcisista pode gerar “hipervigilância, confusão, ruminação de pensamentos, sentimento de culpa e insegurança”.

Definição de narcisismo

Assim como muitas outras coisas, o narcisismo existe dentro de um espectro. Em um extremo está o narcisismo leve, que se caracteriza por egocentrismo, imaturidade emocional e hipersensibilidade. Embora possa ser difícil lidar com essas pessoas, os narcisistas malignos no outro extremo do espectro é que são os mais prejudiciais. Segundo Durvasula, é provável que muitos deles atendam aos critérios do Transtorno de Personalidade Narcisista, ou TPN. Trata-se de um diagnóstico clínico listado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês), o guia de transtornos mentais reconhecidos oficialmente.

Os especialistas não sabem ao certo quão comum é o TPN. O distúrbio é sub-diagnosticado, em parte porque os sintomas podem ser confundidos com outros transtornos de personalidade, em outra parte porque a maioria dos narcisistas não se apressa em fazer terapia.

“Os estudos de prevalência às vezes se baseiam no ‘autorrelato’ do paciente – que provavelmente minimiza a autopatologia”, disse Ronald W. Pies, professor emérito de psiquiatria da SUNY Medical University em Syracuse, por e-mail.

Mas há algumas estimativas. De acordo com um relatório de 2022 publicado no Focus: The Lifelong Journal of Psychiatry, 1% a 2% da população geral dos Estados Unidos pode ter TPN. Dados recentes ainda não publicados, coletados por Durvasula e pela estatística Heather Harris, revelaram que 10% da população têm traços narcisistas suficientes para afetar seus relacionamentos.

Um estudo de 2023 com mais de 270 mil participantes publicado no Journal of Personality and Social Psychology também constatou que os homens obtiveram pontuação mais alta em traços narcisistas do que as mulheres.

Mas há poucos estudos sobre abuso narcisista na literatura acadêmica, e os céticos argumentam que o termo nada mais é do que uma hashtag famosa – a explicação da moda para o mau comportamento.

Um pesquisa constatou que os homens obtiveram pontuação mais alta em traços narcisistas do que as mulheres, mas há poucos estudos sobre abuso narcisista na literatura acadêmica. Foto: Studio Romantic/adobe.stock

“Acho que virou uma tendência porque as sobreviventes precisam desesperadamente de respostas”, disse Bea Coté, diretora da Impact+ Abuse Prevention Services, que oferece programas de intervenção contra violência doméstica na região de Charlotte, Carolina do Norte. “É uma resposta que elas acham que faz sentido para explicar por que o homem que elas amavam, que parecia amá-las, depois abusou delas.”

Os céticos também questionam se fazer um diagnóstico especulativo para o agressor acrescenta alguma coisa na hora de falar sobre abuso emocional.

“Uma das questões é se as consequências desses relacionamentos são específicas, ou se essas pessoas estão simplesmente sofrendo com um relacionamento ruim”, disse Paul S. Appelbaum, ex-presidente do comitê diretor do DSM-5 da Associação Americana de Psiquiatria e professor de psiquiatria da Universidade de Columbia. “Não quer dizer que elas não precisem de assistência profissional para se livrarem do relacionamento – as duas coisas não são necessariamente independentes.”

Lisa Aronson Fontes, autora de Invisible Chains: Overcoming Coercive Control in Your Intimate Relationship [”Correntes invisíveis: superando o controle coercitivo em seu relacionamento íntimo”], diz que o termo é “uma psicologia pop vazia”.

“Algumas pessoas agem de forma mais abusiva do que outras, com certeza, e essas pessoas podem ter traços narcisistas”, disse ela. “Mas não faz o menor sentido chamar o abuso interpessoal de ‘abuso narcisista’. Por que não chamar simplesmente de abuso? Ou controle coercitivo? Ou assédio sexual no local de trabalho?”

Além disso, acrescentou ela, rotular algo como um transtorno implica uma doença mental que não pode ser controlada. E os abusadores podem controlar seu comportamento.

“Na maioria das vezes, eles atacam só as pessoas mais próximas, em situações íntimas e de forma a não serem ‘pegos’ por outras pessoas”, disse ela.

Durvasula admite que relacionamentos invalidantes existem desde que os seres humanos resolveram formar casais. Mas só recentemente a discussão foi ampliada de forma significativa, argumenta ela, porque no passado não tínhamos uma linguagem para discutir abusos não físicos.

“Já trabalhei com clientes que tinham casamentos de quarenta, cinquenta anos”, disse ela. “As pessoas acabam percebendo que a dinâmica estava instalada desde o começo da relação. Só que não havia vocabulário para descrever essa dinâmica, nem mesmo no campo da saúde mental.”

Ela insiste que chamar alguém de “narcisista” não é uma implicação de transtorno mental, mas apenas uma descrição da personalidade de alguém. E não importa onde um narcisista se enquadre no espectro, “entre os ingredientes comuns estão empatia variável, arrogância, imponência, egoísmo, necessidade de admiração e validação, ego frágil e raiva reativa em momentos de frustração, decepção ou crítica”, disse ela.

Daniel Shaw, autor de Traumatic Narcissism e psicoterapeuta em Nova York, cita quatro características marcantes do abuso narcisista: sedução, intimidação, humilhação e menosprezo.

“A pessoa está sempre se engrandecendo? Ela se recusa a reconhecer qualquer falha em si mesma? Ela despreza os outros? Se você tentar dizer por que se chateou com ela, ela nega que tenha feito qualquer coisa errada ou ataca você, invertendo quem é a vítima e quem é o agressor?

“O narcisista traumatizante está determinado a encontrar sua presa”, continuou ele. “E vai encontrar pessoas que possa controlar e explorar. Ele usa tudo o que têm: carisma, charme, inteligência. Em geral, eles são bem espertos. E precisam desesperadamente ter pessoas para controlar”. Controlar pessoas tranquiliza esses indivíduos, que tendem a ser profundamente inseguros, de que eles realmente são tão poderosos e superiores quanto querem acreditar, diz Shaw.

Faith C. Echo sofreu com esse tipo de controle. Sem que ela soubesse, seu ex-parceiro tinha colocado gravadores de vídeo em toda a casa e um rastreador GPS no carro dela, e estava lendo seus e-mails e mensagens de texto. Ele escondia as chaves do carro dela. Se ela deixasse o celular em um cômodo e não o encontrasse, ele dizia que não o tinha visto.

“Eu vasculhava a casa inteira e meu telefone estava lá, bem perto dele”, disse Echo, 44 anos, que escreve e mantém um blog sobre abuso narcisista sob um pseudônimo por questões de segurança. “Ele dizia: ‘Você está ficando louca, precisa de ajuda psicológica’.”

Ela não tinha permissão para ter amigos ou passar tempo sozinha com o filho deles. “Eu não sabia mais quem eu era. Não tinha mais opinião”, disse Echo, que publicou um livro sobre sua experiência e é assistente social licenciada. Até mesmo o cheiro de velas com aroma de maçã a deixava em pânico: o casal brigava muito em um cômodo da casa cheio desse aroma.

Ela finalmente foi embora em 2023, depois de quatro anos e meio com ele.

“É fortalecedor e muito legitimador conversar com pessoas que já passaram por isso”, disse ela. “Se você não tiver passado por isso, não vai entender a insanidade”.

Seguindo em frente

Por que é tão difícil se libertar? “No início do relacionamento, o narcisista pode parecer muito atencioso, gentil, dedicado e comprometido”, disse Vickie Howard, professora e vice-diretora do programa de saúde mental e bem-estar em Hull, Inglaterra, que escreveu sobre sua experiência pessoal com abuso narcisista. Ela comparou a situação a se livrar de um culto destrutivo com mecanismos de controle mental. Além disso, como em qualquer tipo de abuso doméstico, o abuso narcisista geralmente vem junto com abuso financeiro, físico e psicológico. Ou então há crianças envolvidas, o que faz com que seja quase impossível ir embora.

Um dos desafios de obter tratamento para abuso narcisista é que muitos terapeutas não têm treinamento ou experiência para lidar com pessoas que estiveram nesse tipo de relação doentia. Um estudo de 2019 no Journal of Counseling & Development analisou uma pesquisa respondida por 104 sobreviventes de abuso por parceiro íntimo. Cerca de metade das pessoas entrevistadas disseram que sentiam que os terapeutas as culpavam, dizendo que eram “codependentes” ou que, de alguma forma, tinham escolhido esse tipo de parceiro.

“Quando as vítimas de violência por parceiro íntimo fazem terapia, muitas vezes o terapeuta não tem formação para trabalhar com traumas e não tem uma compreensão do sistema de abuso psicológico e gaslighting”, disse a psicóloga clínica Vaile Wright, diretora sênior de inovação em saúde da Associação Americana de Psicologia. (O termo gaslight, que leva o nome do filme homônimo de 1944, se refere à manipulação psicológica criada para fazer com que a vítima duvide de suas próprias percepções).

Na última vez que Liz C. e seu então marido fizeram terapia juntos, ela viu a terapeuta “cair no feitiço dele”, disse ela.

“Ele ficava fazendo gaslighting, distorcendo todas as palavras. E ela só repetia a mesma retórica: ‘Vocês precisam de comunicação, resolução de conflitos’, todas as coisas típicas do casamento que não se aplicam aos narcisistas porque eles não seguem as mesmas regras.”

O abuso narcisista geralmente vem junto com abuso financeiro, físico e psicológico. Foto: Dzianis Vasilyeu/adobe.stock

Durvasula desenvolveu um programa de treinamento e certificação para clínicos que querem adquirir experiência em trabalhar com pacientes em relacionamentos com pessoas narcisistas. O mesmo fez Sandra L. Brown, fundadora do Instituto de Redução de Danos Relacionais e Educação Pública em Patologia, que publica a Safe Relationships Magazine.

Caroline Strawson, terapeuta e coach especializada em trauma nos arredores de Londres, com 42 mil mulheres em seu grupo no Facebook, insiste que suas clientes não tenham contato com o narcisista, bloqueando-o nas redes sociais e no e-mail. Se houver crianças envolvidas, ela aconselha as clientes a adquirir outro celular apenas para emergências. “Caso contrário, se você continuar se comunicando, ele vai tentar controlar você”, disse ela.

Durvasula, que também coordena um programa de recuperação, quer que as pessoas se concentrem em si mesmas, e não no comportamento do agressor.

“Cura significa a aceitação radical de enxergar o problema, de ver os padrões como padrões e de entender que o comportamento não vai mudar”, disse ela. “Significa também encerrar o ciclo de acreditar que há algo que você poderia fazer para melhorar a situação.”

Com o tempo, Liz C. percebeu que seu marido não mudaria nunca. Para ter uma chance de felicidade no futuro, ela precisava ir embora. E ela foi, dois anos atrás.

“As pessoas subestimam o preço que o abuso narcisista cobra e os estragos que causa”, disse ela. “Chamar isso de abuso aumenta a importância do problema e acho que é o jeito correto de encarar o assunto”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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