Em 28 de junho de 1969, nos Estados Unidos, gays, lésbicas, travestis e drag queens enfrentaram policiais e iniciaram uma rebelião que lançaria as bases para a luta pelos direitos LGBT. Este episódio é considerado o marco zero do movimento contemporâneo e a sigla conquistou o mundo. Atualmente, de acordo com a USP Diversidade, LGBTQIA é a sigla para definir lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, queer (pessoas que possuem variedade de orientações, preferências e hábitos), intersexo (pessoas em que a característica física não é expressa pelas sexuais exclusivamente masculinas ou femininas) e assexual (que não possui orientação sexual definida). O ser humano sente a necessidade de categorizar tudo. E pessoas que não estão nos ‘padrões sociais estabelecidos’ chamam atenção. Em pleno século 21, frases preconceituosas são notadas desde a tenra idade, ainda no período escolar: “aquele menino esquisito, meio afeminado” ou “aquela garota ali que só usa cabelo curtinho, parece homem”. Categorizações a parte, todo o indivíduo merece respeito. Apesar do estigma, houve avanços para a comunidade LGBTQIA, na avaliação do cientista social Vinícius Zanoli, mestre em Antropologia e doutorando em Ciências Sociais. “Nós tivemos alguns programas importantes como o Brasil sem Homofobia, a criação de Centros de Referência LGBT, que prestam serviços como assistência social, jurídica, psicológica, dentre outros. Temos também a questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo, que está legalizado no Brasil desde 2011. De um ponto de vista mais geral, temos visto uma ampliação de representações positivas de LGBT na televisão por exemplo, o que eu acho que é algo muito importante e que impacta não só a autoimagem dos sujeitos, mas a própria aceitação das famílias”, analisa. Apesar disso, alguns pontos são vistos como retrocessos pelo especialista, como o veto ao kit anti-homofobia nas escolas e a intitulada ‘ideologia de gênero’, que também proíbe discussões sobre sexualidade, a violência e o preconceito sofrido por LGBTs na sociedade. “Talvez aqueles sujeitos que não aceitam nossa existência (a dos LGBT) tenham ficado incomodados com nossas poucas conquistas e tenham se voltado contra elas”, afirma o pesquisador, que é homossexual. Diante de um caminho tão desafiador para quem resolveu se libertar para o mundo, o E+ decidiu dar voz à essas pessoas e levantar a seguinte questão: “O que não falar para quem é da comunidade LGBTQIA”? Nesta reportagem, confira quais termos e frases são considerados ofensivos por casais homoafetivos. Leia com atenção, pois você já pode ter dito algo semelhante para alguém e não percebeu.
O que não dizer para casais homoafetivos?
O casamento entre pessoas do mesmo sexo é reconhecido no Brasil desde 2011. E há oito anos, Vinícius Zanoli e Rubens Mascarenhas estão juntos. “Uma frase comum é quando perguntam quem é a mulher da relação. Eu sou um homem cis gay que tem um relacionamento com outro homem cis gay, então não há mulheres na nossa relação”, declara Vinícius. Em estudos de gênero, o termo ‘cis’ é utilizado para pessoas cuja identidade de gênero corresponde ao sexo que lhes foi atribuído no nascimento. “Não pergunte quem é o homem e quem é a mulher da relação. O mundo não se resume a esses gêneros, muito menos ao padrão heteronormativo que tentam impor a todos. A sexualidade é uma questão individual e na qual existem muitas nuances. Se cada um cuida da sua, a vida fica muito mais fácil”, enfatiza a jornalista Julia Affonso. Ela e a namorada também já ouviram coisas desagradáveis das pessoas. “Eu lembro de ter ouvido uma vez: 'Vocês devem pegar muita roupa emprestada uma da outra'. Por quê nós pegaríamos? Nós somos pessoas independentes uma da outra, cada uma com seu gosto, sua altura, seu tamanho”, afirma. Julia conta que, quando alguém vai fazer algum serviço na casa delas, a questão sobre a relação de ambas é frequente: “Sempre perguntam se nós somos amigas ou irmãs. 'Vocês são amigas?', 'Não'. 'Vocês são irmãs?', Não'. Silêncio. Eu acho que ninguém tem que perguntar nada. Mas é sempre uma situação chata, porque as pessoas não assumem que duas pessoas do mesmo sexo podem ser casadas ou namoradas. Ser casada é sempre a última opção e as pessoas nos jogam para uma situação que elas criaram”, desabafa. Uma situação desagradável vivida por casal homossexuais é em relação à segurança. O medo da violência pode ser um sentimento comum, mas há algumas diferenças significativas na comunidade LGBTQIA, segundo Rubens Mascarenhas. “Algumas pessoas tendem a ‘normalizar’ a nossa sensação de insegurança, diluindo dentro da percepção geral da população. Sempre soltam o clássico “ah, mas eu também não tenho coragem de andar na rua hoje em dia porque está perigosíssimo”, “mas hoje ninguém mais tem paz para andar na rua” ou ainda (para fazer uma ponte com as demonstrações públicas de afeto), “mas eu também não ando de mãos dadas com a minha esposa/meu esposo”. Essa última reação, por exemplo, mostra como a cidadania, segurança e o direito ao espaço público para LGBTQIA ainda é limitado, pois um casal cisgênero e heterossexual pode optar por andar de mãos dadas na rua, sem o risco de sofrer reprovações verbais ou violência física”, conclui.
Amizade entre mulheres e gays
Sobre o comportamento das mulheres em relação à homossexualidade, é comum que amigas pensem que, por ser gay, a pessoa gosta de moda. “É comum também e isso acontece mais na relação com mulheres cis heterossexuais, de algumas delas acharem que somos experts em moda. Eu me lembro de algumas amigas, quando eu “me assumi”, virem me perguntar sobre dicas de moda, ou pedir para que eu as acompanhasse em compras de roupas”, destaca. Mas existem frases piores ditas por mulheres para gays, na avaliação de Vinícius: “Incomoda muito é quando você se apresenta e por algum motivo acaba dizendo que é gay e elas dizem que é um “desperdício”. Eu até tento levar como um elogio, como se elas tivessem dizendo que eu sou bonito, mas no fim não deixa de ter uma conotação negativa. Nesse mesmo sentido, algumas delas, às vezes dizem coisas como, “ah, se você fosse homem”. Isso não deixa de ser ofensivo”. Uma outra situação comum é quando as amigas acham que, pelo simples fato de ser gay, a pessoa precisa conhecer outros amigos homossexuais dela.
Relação entre amigos heteros e homossexuais
“Eu me incomodo muito quando amigos homens dizem que gostam de sair comigo porque eu sou ‘discreto’. Eu não me considero discreto. Nem considero que eu tenho uma performance de gênero de ‘macho padrão heterossexual’. Mas mesmo que esse fosse o caso, as pessoas deveriam gostar de mim do mesmo jeito se eu fosse ‘pintosa’, como dizemos. Essa questão da discrição para mim é muito incômoda. Porque alguns homens heterossexuais não têm problema com você, desde que você seja um homem gay higienizado e assexuado”, ressalta Rubens. Vinícius escuta uma série de coisas que o incomodam, mas sempre tenta dar um toque para a pessoa que diz e explicar porque ofende. “A primeira delas é quando um homem heterossexual quer ressaltar para mim que “gosta de mulheres” e ressalta que “ele é homem”, como se, necessariamente, ser homem implicasse em gostar de mulher”, afirma.
Por direitos iguais na forma de tratamento
Se todos temos direitos iguais, por que tratar uma população de uma maneira ‘diferente’? Essa é a ponderação de Julia, que manda um recado: “Não chame maridos ou mulheres de gays de companheiro e companheira e nem beijo de ‘beijo gay’. Se casou, é marido e mulher. Se beijou, beijou. Não tem diferença. Acho que não fazer diferença é o melhor tratamento. Não existe ‘beijo gay’ ou ‘casal gay’. Existe beijo e casal. As relações entre mulheres e mulheres, homens e homens e mulheres e homens são iguais. Todo mundo tem que acordar cedo, trabalhar, pagar conta. Todo mundo se irrita, se diverte, fica feliz, triste. Os relacionamentos dão certo, dão errado. Não tem mistério.” Rubens Mascarenhas resume: “Sim, também somos diferentes, iguais a vocês. A população LGBTQIA é diferente, diversa, e o direito a ser diferente dentro de uma população que também tem suas diferenças é algo a ser reivindicado”.