Dois amigos estão conversando e um deles parece distraído olhando para o celular. Ele diz prestar atenção no assunto, mas quando o outro pergunta se ele concorda ou não com algo, a realidade: "o que você estava falando?". Ele acabou de 'phubbar' o amigo.
Phubbing é o ato de ignorar ou deixar de conversar com alguém por estar focado no celular. O termo vem da junção das palavras phone (celular) e snubbing (esnobar), e o comportamento frequente pode comprometer as relações pessoais.
"O mais sério disso é que, hoje em dia, o celular entra como terceiro elemento. Você não consegue mais estar só com seu amigo ou parceiro. Em vez de entrar como um elemento que comunica, ele afasta", diz Denise Miranda de Figueiredo, terapeuta de casal e família.
A especialista comenta que as pessoas que chegam ao Instituto do Casal, do qual é cofundadora, "reclamam muito" sobre como o outro não presta atenção nelas, não interage ou não tem mais interesse nelas.
As queixas são as mesmas: desprezo, desvalorização, não é amado, não é escutado. "É como se elas perdessem o espaço para o celular, que acaba representando esse universo de interesse que compete com a outra pessoa", explica Denise.
O impacto do celular na vida a dois foi estudado por James Roberts e Meredith David, da Universidade de Baylor, nos Estados Unidos. De um grupo de 143 pessoas, 70% afirmaram que o aparelho 'às vezes', 'frequentemente', 'muito frequentemente' e 'o tempo todo' interfere na interação com o parceiro.
Ficou claro para os pesquisadores que as distrações causadas por phubbing prejudicam a satisfação do relacionamento. O comportamento, segundo a terapeuta, cria barreiras na relação que vão afastando um do outro, seja na condição de casal ou em qualquer relação interpessoal.
Denise comenta que até mesmo durante a terapia, a pessoa não desgruda do celular. Outra queixa recorrente vem do mundo corporativo em que, durante reuniões, a atenção é dividida com o aparelho.
A professora aposentada Magali Poyares Miranda, de 67 anos, fica incomodada quando sai com as amigas e alguém fica só olhando para o celular. "Me sinto desrespeitada. Acho que é uma questão de educação", comenta. Em vez de chamar atenção da pessoa, ela para de falar até que o outro perceba.
Problemas indiretos. No estudo, James e Meredith levaram em conta o que chamaram de 'ansiedade anexa', que é o grau de medo que um indivíduo tem do abandono e de preocupação se será aceito nos relacionamentos.
Eles notaram que o impacto do celular é mais forte entre pessoas com alto grau dessa ansiedade. "Geralmente, a ansiedade vem junto com a característica do controle. Eu não controlo o que está na tela do outro, não sei o que ele está fazendo, é o universo do outro, não meu", explica Denise.
O estudo mostrou ainda uma relação indireta entre phubbing e depressão. Isso porque a satisfação do relacionamento afeta a satisfação de vida. Assim, se a primeira está abalada, a segunda pode sofrer consequências também. A terapeuta diz que o celular pode aumentar um estado deprimido, mas não que cause diretamente depressão.
Cristiano Nabuco, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, diz que duas coisas podem acontecer: a depressão levar a pessoa ao uso excessivo do celular ou o inverso. Mas, uma coisa ele afirma: "quanto mais as pessoas se abstém das relações e vive no seu mundo, a gente percebe que o uso excessivo já está cumprindo alguma função".
Nomofobia. "Há um movimento em que as pessoas não podem perder nada, porque acham que isso as coloca fora dos acontecimentos", diz Denise. Essa necessidade de estar sempre 'por dentro' de tudo e o medo de ficar sem celular também têm nome: nomofobia, junção de 'no' (não) + 'mo'bile (celular) + fobia (medo).
Cristiano Nabuco explica que a nomofobia é como se a tecnologia roubasse uma série de prioridades da vida da pessoa. "Ela acha que alguém pode estar falando dela, que está perdendo algo. A necessidade é tanta, que ela imagina que o celular está vibrando e não pode pensar que a bateria vai acabar", afirma. Se em um primeiro momento esse hábito é impulsivo, com o tempo se torna ainda mais inconsciente e vicioso.
A quantidade de ferramentas que um celular traz são um 'atrativo' para o cérebro. "O cérebro, na medida em que percebe que o aparelho oferece várias possibilidades, elege o celular como item de suma importância de forma inconsciente. Estima-se que o cérebro começa a liberar dopamina, hormônio neurotransmissor ligado aos efeitos de satisfação e motivação", explica Nabuco.
Com o tempo, as pessoas perdem a capacidade de ver esse comportamento de forma sensata, diz o especialista. É aí que ele começa a ser feito na frente de outras pessoas, andando na rua, nos restaurantes. "Perdeu-se o 'cuidado' de que as coisas não estão bem. Para a pessoa do lado, passa a sensação de que o que está no celular é mais importante do que a pessoa", aponta Nabuco.
Stop phubbing. Um indício de que o comportamento está sendo prejudicial é quando, na hora de dormir, a pessoa leva o celular para a cama e continua usando. Outro ponto é quando a distração digital impede que a pessoa faça o que tem de fazer.
Como o vício pode ser imperceptível, a terapeuta Denise diz que é importante ter alguém do lado para dizer se o comportamento está atrapalhando. "Em vez de brigar, é bom dizer como se sente e estabelecer regras dentro daquela relação. Como o celular faz parte da nossa vida, precisa entrar nos combinados das relações", orienta.
Uma campanha viral chamada stop phubbing pode ajudar. O site, em inglê, compila algumas estatísticas falsas, segundo a Time (como '92% dos phubberes serão políticos'), mas que expressam muito bem a realidade.
Criada pelo estudante australiano Alex Haigh, a campanha traz placas de aviso para serem impressas e colocadas em ambientes a fim de proibir o comportamento. Também há um modelo de carta para ser enviada àquele amigo 'phubber', pedindo, gentilmente, que ele evite ficar no celular no próximo encontro.
Veja na galeria abaixo um guia da linguagem dos relacionamentos: