Projetos debatem a desconstrução da masculinidade tóxica


Homens realizam rodas de conversa para discutir o padrão da masculinidade contemporânea e suas problematizações

Por Rafael Nascimento
Pedro de Figueiredo, fundador do Projeto MEMOH, e os integrantes da equipe do projeto,Bruno Zia, Fernando Crespe (empé), Abel Oliveira, Ronan Lima, e Victor Cezar, durante sessão de fotos cedida ao Estadãona tarde de 25 de março, em Laranjeiras, zona sul do Rio. O Projeto MEMOH realiza conversas entre homens sobre masculinidade tóxica. Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO

Um dos debates mais importantes da sociedade contemporânea é a desconstrução da masculinidade tóxica. A todo momento que temos a leve impressão que essa discussão avança, nos deparamos com casos que provam o contrário. Uma evidência recente foi o plágio denunciado pela psicóloga, filósofa e pós-doutora em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Valeska Maria Zanello de Loyola. Em suas redes sociais, a especialista denunciou o perfil do estudante de psicologia João Luiz Marques por ter plagiado o trabalho da professora sobre grupos masculinos de WhatsApp. Em conversa com o Estadão, Valeska contou que esta não foi a primeira vez que Marques utilizou de seus trabalhos sem dar o devido crédito. 

"O primeiro plágio aconteceu no ano de 2020. Eu não era seguidora deste estudante, não seguia o canal dele e fui avisada por seguidoras em comum. Ele plagiou uma pesquisa que eu fiz sobre grupos de WhatsApp masculinos no Brasil. Foi uma pesquisa que teve uma circulação nacional bem grande, ganhou bastante evidência. Ele usou tanto o resultado quanto as reflexões advindas e as ideias. [...] Ele bloqueou essas mulheres [que começaram a criticar no post pedindo referência à Valeska], algumas persistiram, tinham vários comentários... Eu não queria confusão e deixei passar. Aconteceu uma segunda vez e depois nunca mais eu tive notícia desse rapaz", conta a professora Valeska.

continua após a publicidade

Acontece que o uso indevido da obra da acadêmica não parou por aí. Em fevereiro deste ano ela teve conhecimento de mais um caso de plágio por parte do estudante de psicologia. "No mês passado, eu recebi uma mensagem de uma seguidora com print de um dos posts dele. E ela me mandou: 'professora, eu li isso aqui e fiquei impressionada, como é parecido, tem frase sua literal. Eu vi que ele não te segue, espero que seja só uma coincidência'. Quando eu vi [nos prints] era o mesmo rapaz. Eu fiquei indiginada porque realmente tinham frases praticamente literais do meu livro. Quando tentei entrar [no perfil do estudante] vi que tinha sido bloqueada. Pedi para uma amiga minha entrar, ela fez os prints do post completo, me emprestou a senha da rede dela e eu consegui averiguar", explica a pós-doutora.

"Eu acho que o fato dele me bloquear só evidencia o fato de que ele sabia o que estava fazendo. Daí, eu decidi fazer o post onde eu não me refiro diretamente à pessoa dele, mas coloco o mau estar daquela situação. É muito importante dizer que apesar do estudante estar muito errado, é um crime, ele tem que ser responsabilizado, mas ele não pode ser usado como 'bode expiatório'. Eu ganhei mais de dez mil mensagens em menos de uma semana, muitos homens me escrevendo e me apoiando, compartilhando posts de mulheres feministas famosas que me apoiaram, mas também plagiando, como se fossem posts deles. Isso foi contraditório, homens criticando um homem que plagiou, fazendo plágio de outras mulheres, o que mostra o quanto que o machismo e a misoginia são entranhados", fala Valeska sobre a repercussão que sua denúncia teve.

continua após a publicidade

A professora também conta que com seu posicionamento, muito mulheres compartilharam com ela experiências parecidas, o que é um retrato de uma masculinidade tóxica que se apropia de trabalhos femininos: "Muitas mulheres me escreveram para compartilhar e narrar experiências semelhantes e não só no meio acadêmico. Teve desde chef de gastronomia, que um homem robou a receita e assinou como se fosse dele, à jornalista que fez uma reportagem e o chefe assinou como se tivesse sido escrita por ele. É muito importante dizer que o machismo precisa ser problematizado, nomeado e combatido". O estudante João Luiz Marques chegou a publicar um pedido de desculpas em suas redes sociais, mas o post foi apagado.

Na contramão deste tipo de comportamento, existem projetos que buscam o debate sobre a masculinidade tóxica e seus desdobramentos na sociedade. Um exemplo é o projeto MEMOH, fundado pelo empresário Pedro de Figueiredo. "Eu sou formado em comunicação, sempre trabalhei na área e com todos os acessos e privilégios que eu tive, eu acho que eu quis contribuir de uma outra forma que eu me sentisse mais engajado politicamente. No alto do meu privilégio me pareceu ser uma boa maneira me engajar nessas questões de gênero", conta Figueiredo sobre a ideia que deu origem ao projeto.

Na descrição em suas redes sociais, o MEMOH se define como "um negócio social que busca promover equidade de gênero por meio de debate de masculinidades". Depois do incômodo inicial, o fundador explica que começou de forma equivocada a desenhar o projeto, mas que foi acertando o tom conforme foi pesquisando e falando com especialistas no assunto.

continua após a publicidade

"Eu costumo dizer sempre que eu comecei errando, como boa parte dos homens, mais preocupado em dizer sobre o que as mulheres deveriam fazer ou deixar de fazer, do que olhando para mim mesmo. Depois de mergulhar um pouco em alguns estudos, ouvir mulheres e levar uns tapas na cara (risos), eu comecei a entender que seria mais efetivo se eu me voltasse para as minhas questões e de outros homens. Isso se deu no primeiro semestre de 2017. Na época, eu queria fazer uma migração de carreira profissional e tinha entrado em um curso chamado Desenvolvimento de Negócios Sociais e Inclusivos. Nesse curso, eu comecei a modelar e projetar o que viria a ser o MEMOH", detalha Figueiredo.

Ronan Lima, Pedro de Figueiredo (de camisa vermelha), fundador do Projeto MEMOH, Abel Oliveira, Lincoln Frutuoso, Bruno Zia, Rodrigo Moura e Victor Cezar, em Laranjeiras, zona sul do Rio. Eles fazem parte da equipe do projeto, que discute masculinidade tóxica. Foto: Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO

Sobre a atuação do projeto, o empresário explica que são três pilares: rodas de conversas, produção de conteúdo e treinamento a empresas, o que gera a receita do negócio. "O MEMOH é um modelo de negócios e eu vivo desse trabalho. Há três formas de atuação: a produção de conteúdo, com as redes sociais e o nosso podcast; os grupos reflexivos, que têm uma metodologia própria e que oferece isso gratuitamente para a sociedade civil. A cada semestre há um novo ciclo de três grupos reflexivos sendo proposto [...] A cada 15 dias esses grupos se encontram para discutir questões relacionadas ao debate de masculinidade sempre proposto pelos próprios participantes. O cara que propõe o tema, nós chamamos de 'líder da rodada'. O líder sempre propõe um tema a partir de uma questão particular dele. Não é uma palestra que o cara vai dar para as pessoas, mas sim um incômodo que ele vai trazer para o grupo".

continua após a publicidade

Ao falar sobre a parte que gera receita para a empresa, Figueiredo explica: "O terceiro pilar do projeto é a parte de serviços corporativos. A gente tem a intenção de trazer homens dos ambientes corporativos para dentro desta discussão de questões de gênero, por meio do debate de masculinidade, visando acelerar de alguma forma a visão de cultura organizacional que se pretende na empresa [que está contratando o serviço]. É o que se chama de 'subsídio cruzado', já que a gente cobra de empresas para desenvolver o nosso trabalho, para conseguir oferecer ele gratuitamente para a sociedade civil, que, no nosso caso, é por meio dos grupos reflexivos".

Figueiredo finaliza esclarecendo que os debates são ancorados em estudos teóricos: "Para conseguirmos desenvolver a metodologia dos grupos reflexivos, a gente se apoiou em diversas teorias, inclusive uma das nossas principais referências é o Instituto Noos, de psicólogos que escrevem a metodologia de grupos reflexivos para homens autores de violência. A gente não está inventando a roda, a gente está colocando uma camada extra de borracha na roda, alguma coisa assim", brincou o fundador do projeto. Quem também está ajudando a incrementar essa roda é o publicitário Leonardo Borba. Ele participou de um dos ciclos de debates do MEMOH e, após a experiência, decidiu criar o seu próprio grupo de desconstrução da masculinidade tóxica, o Homens de Quinta.

continua após a publicidade

"Quando o ciclo se encerrou [no segundo semestre de 2020], eu e alguns colegas que participaram dos debates, nos sentimos orfãos de um espaço para continuar isso [as rodas de conversa]. A fundação do Homens de Quinta veio logo após o encerramento do ciclo do MEMOH em que participamos e pensamos: 'a gente não vai ter mais essa oportunidade, de se ver, de se falar, de criar uma rotina que para gente acaba sendo importante para oxigenar, para se libertar de alguns sentimentos, para troca'".

Borba explica que o nome do projeto surgiu de uma brincadeira: "nossos encontros no MEMOH eram às quintas-feiras e esse nome 'de quinta' também vai na direção oposta à ideia de 'homem de primeira'. A gente não é esse homem forte, viril e machão. Tem um sacarsmo em não sermos esse homem idealizado".

Reunião virtual do projeto Homens de Quinta, fundado pelo publicitário Leonardo Borba. O projeto nasceu depois de Borba, e outros homens, terem terminado um ciclo do projeto MEMOH. Ambas iniciativas discutem masculinidade tóxica. Foto: Arquivo Pessoal/ Leonardo Borba
continua após a publicidade

O Homens de Quinta já nasceu na pandemia, mas o MEMOH teve que se adaptar a esta nova realidade. Mesmo representando um desafio, o fundador Pedro de Figueiredo explica que o espaço remoto abriu portas para que homens de outras regiões, e com outros recortes sociais, também pudessem participar das rodas de conversa: "Antes da pandemia nossos encontros eram presenciais. A gente tinha um limite geográfico de atuação e os grupos aconteciam no Rio e em São Paulo. Com a pandemia a gente migrou para o formato digital e, com isso, a gente começou a ter uma preocupação ainda maior com esse alcance que a gente tem a partir dos grupos. Começamos então a criar critérios para o processo de inscrição que são, basicamente, dois: a ordem de inscrição e marcadores sociais para garantir uma pluraridade de homens neste debate, porque senão, como diz um amigo meu: 'Vira papo de homem branco'. E papo de homem branco não nos interessa tanto".

Quem representa bem essa pluraridade do que é ser homem, e que fez parte de um dos ciclos do MEMOH, a partir desse enfoque na diversidade, é o gerente na Superintendência LGBTQIA+ da Secretaria Municipal dos Direitos Humanos de Goiana, em GoiásJohn Maia. Além de ser um homem trans, Maia também tem outros recortes sociais que limitavam seu espaço de atuação dentro da sociedade, mas para ele, a participação no projeto foi "um divisor de águas".

"Ter encontrado o MEMOH foi um grande presente para mim. Eu que sou um homem trans, preto, periférico, ex-morador de rua, ex-presidiário e ex-traficante, consegui entender que as culpas que carregava vinham mais da sociedade do que de mim mesmo. Eu não falo que foi uma construção perante a socidade, mas sim, perante a minha vida mesmo [...] Quando você faz a transição, que você se vê como um homem trans, você luta diariamente perante a sociedade. Com as trocas de experiência que eu tive no MEMOH, entendi que essa masculinidade tóxica te obriga a se impor como alguém que você não é".

Pedro de Figueiredo, fundador do Projeto MEMOH, e os integrantes da equipe do projeto,Bruno Zia, Fernando Crespe (empé), Abel Oliveira, Ronan Lima, e Victor Cezar, durante sessão de fotos cedida ao Estadãona tarde de 25 de março, em Laranjeiras, zona sul do Rio. O Projeto MEMOH realiza conversas entre homens sobre masculinidade tóxica. Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO

Um dos debates mais importantes da sociedade contemporânea é a desconstrução da masculinidade tóxica. A todo momento que temos a leve impressão que essa discussão avança, nos deparamos com casos que provam o contrário. Uma evidência recente foi o plágio denunciado pela psicóloga, filósofa e pós-doutora em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Valeska Maria Zanello de Loyola. Em suas redes sociais, a especialista denunciou o perfil do estudante de psicologia João Luiz Marques por ter plagiado o trabalho da professora sobre grupos masculinos de WhatsApp. Em conversa com o Estadão, Valeska contou que esta não foi a primeira vez que Marques utilizou de seus trabalhos sem dar o devido crédito. 

"O primeiro plágio aconteceu no ano de 2020. Eu não era seguidora deste estudante, não seguia o canal dele e fui avisada por seguidoras em comum. Ele plagiou uma pesquisa que eu fiz sobre grupos de WhatsApp masculinos no Brasil. Foi uma pesquisa que teve uma circulação nacional bem grande, ganhou bastante evidência. Ele usou tanto o resultado quanto as reflexões advindas e as ideias. [...] Ele bloqueou essas mulheres [que começaram a criticar no post pedindo referência à Valeska], algumas persistiram, tinham vários comentários... Eu não queria confusão e deixei passar. Aconteceu uma segunda vez e depois nunca mais eu tive notícia desse rapaz", conta a professora Valeska.

Acontece que o uso indevido da obra da acadêmica não parou por aí. Em fevereiro deste ano ela teve conhecimento de mais um caso de plágio por parte do estudante de psicologia. "No mês passado, eu recebi uma mensagem de uma seguidora com print de um dos posts dele. E ela me mandou: 'professora, eu li isso aqui e fiquei impressionada, como é parecido, tem frase sua literal. Eu vi que ele não te segue, espero que seja só uma coincidência'. Quando eu vi [nos prints] era o mesmo rapaz. Eu fiquei indiginada porque realmente tinham frases praticamente literais do meu livro. Quando tentei entrar [no perfil do estudante] vi que tinha sido bloqueada. Pedi para uma amiga minha entrar, ela fez os prints do post completo, me emprestou a senha da rede dela e eu consegui averiguar", explica a pós-doutora.

"Eu acho que o fato dele me bloquear só evidencia o fato de que ele sabia o que estava fazendo. Daí, eu decidi fazer o post onde eu não me refiro diretamente à pessoa dele, mas coloco o mau estar daquela situação. É muito importante dizer que apesar do estudante estar muito errado, é um crime, ele tem que ser responsabilizado, mas ele não pode ser usado como 'bode expiatório'. Eu ganhei mais de dez mil mensagens em menos de uma semana, muitos homens me escrevendo e me apoiando, compartilhando posts de mulheres feministas famosas que me apoiaram, mas também plagiando, como se fossem posts deles. Isso foi contraditório, homens criticando um homem que plagiou, fazendo plágio de outras mulheres, o que mostra o quanto que o machismo e a misoginia são entranhados", fala Valeska sobre a repercussão que sua denúncia teve.

A professora também conta que com seu posicionamento, muito mulheres compartilharam com ela experiências parecidas, o que é um retrato de uma masculinidade tóxica que se apropia de trabalhos femininos: "Muitas mulheres me escreveram para compartilhar e narrar experiências semelhantes e não só no meio acadêmico. Teve desde chef de gastronomia, que um homem robou a receita e assinou como se fosse dele, à jornalista que fez uma reportagem e o chefe assinou como se tivesse sido escrita por ele. É muito importante dizer que o machismo precisa ser problematizado, nomeado e combatido". O estudante João Luiz Marques chegou a publicar um pedido de desculpas em suas redes sociais, mas o post foi apagado.

Na contramão deste tipo de comportamento, existem projetos que buscam o debate sobre a masculinidade tóxica e seus desdobramentos na sociedade. Um exemplo é o projeto MEMOH, fundado pelo empresário Pedro de Figueiredo. "Eu sou formado em comunicação, sempre trabalhei na área e com todos os acessos e privilégios que eu tive, eu acho que eu quis contribuir de uma outra forma que eu me sentisse mais engajado politicamente. No alto do meu privilégio me pareceu ser uma boa maneira me engajar nessas questões de gênero", conta Figueiredo sobre a ideia que deu origem ao projeto.

Na descrição em suas redes sociais, o MEMOH se define como "um negócio social que busca promover equidade de gênero por meio de debate de masculinidades". Depois do incômodo inicial, o fundador explica que começou de forma equivocada a desenhar o projeto, mas que foi acertando o tom conforme foi pesquisando e falando com especialistas no assunto.

"Eu costumo dizer sempre que eu comecei errando, como boa parte dos homens, mais preocupado em dizer sobre o que as mulheres deveriam fazer ou deixar de fazer, do que olhando para mim mesmo. Depois de mergulhar um pouco em alguns estudos, ouvir mulheres e levar uns tapas na cara (risos), eu comecei a entender que seria mais efetivo se eu me voltasse para as minhas questões e de outros homens. Isso se deu no primeiro semestre de 2017. Na época, eu queria fazer uma migração de carreira profissional e tinha entrado em um curso chamado Desenvolvimento de Negócios Sociais e Inclusivos. Nesse curso, eu comecei a modelar e projetar o que viria a ser o MEMOH", detalha Figueiredo.

Ronan Lima, Pedro de Figueiredo (de camisa vermelha), fundador do Projeto MEMOH, Abel Oliveira, Lincoln Frutuoso, Bruno Zia, Rodrigo Moura e Victor Cezar, em Laranjeiras, zona sul do Rio. Eles fazem parte da equipe do projeto, que discute masculinidade tóxica. Foto: Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO

Sobre a atuação do projeto, o empresário explica que são três pilares: rodas de conversas, produção de conteúdo e treinamento a empresas, o que gera a receita do negócio. "O MEMOH é um modelo de negócios e eu vivo desse trabalho. Há três formas de atuação: a produção de conteúdo, com as redes sociais e o nosso podcast; os grupos reflexivos, que têm uma metodologia própria e que oferece isso gratuitamente para a sociedade civil. A cada semestre há um novo ciclo de três grupos reflexivos sendo proposto [...] A cada 15 dias esses grupos se encontram para discutir questões relacionadas ao debate de masculinidade sempre proposto pelos próprios participantes. O cara que propõe o tema, nós chamamos de 'líder da rodada'. O líder sempre propõe um tema a partir de uma questão particular dele. Não é uma palestra que o cara vai dar para as pessoas, mas sim um incômodo que ele vai trazer para o grupo".

Ao falar sobre a parte que gera receita para a empresa, Figueiredo explica: "O terceiro pilar do projeto é a parte de serviços corporativos. A gente tem a intenção de trazer homens dos ambientes corporativos para dentro desta discussão de questões de gênero, por meio do debate de masculinidade, visando acelerar de alguma forma a visão de cultura organizacional que se pretende na empresa [que está contratando o serviço]. É o que se chama de 'subsídio cruzado', já que a gente cobra de empresas para desenvolver o nosso trabalho, para conseguir oferecer ele gratuitamente para a sociedade civil, que, no nosso caso, é por meio dos grupos reflexivos".

Figueiredo finaliza esclarecendo que os debates são ancorados em estudos teóricos: "Para conseguirmos desenvolver a metodologia dos grupos reflexivos, a gente se apoiou em diversas teorias, inclusive uma das nossas principais referências é o Instituto Noos, de psicólogos que escrevem a metodologia de grupos reflexivos para homens autores de violência. A gente não está inventando a roda, a gente está colocando uma camada extra de borracha na roda, alguma coisa assim", brincou o fundador do projeto. Quem também está ajudando a incrementar essa roda é o publicitário Leonardo Borba. Ele participou de um dos ciclos de debates do MEMOH e, após a experiência, decidiu criar o seu próprio grupo de desconstrução da masculinidade tóxica, o Homens de Quinta.

"Quando o ciclo se encerrou [no segundo semestre de 2020], eu e alguns colegas que participaram dos debates, nos sentimos orfãos de um espaço para continuar isso [as rodas de conversa]. A fundação do Homens de Quinta veio logo após o encerramento do ciclo do MEMOH em que participamos e pensamos: 'a gente não vai ter mais essa oportunidade, de se ver, de se falar, de criar uma rotina que para gente acaba sendo importante para oxigenar, para se libertar de alguns sentimentos, para troca'".

Borba explica que o nome do projeto surgiu de uma brincadeira: "nossos encontros no MEMOH eram às quintas-feiras e esse nome 'de quinta' também vai na direção oposta à ideia de 'homem de primeira'. A gente não é esse homem forte, viril e machão. Tem um sacarsmo em não sermos esse homem idealizado".

Reunião virtual do projeto Homens de Quinta, fundado pelo publicitário Leonardo Borba. O projeto nasceu depois de Borba, e outros homens, terem terminado um ciclo do projeto MEMOH. Ambas iniciativas discutem masculinidade tóxica. Foto: Arquivo Pessoal/ Leonardo Borba

O Homens de Quinta já nasceu na pandemia, mas o MEMOH teve que se adaptar a esta nova realidade. Mesmo representando um desafio, o fundador Pedro de Figueiredo explica que o espaço remoto abriu portas para que homens de outras regiões, e com outros recortes sociais, também pudessem participar das rodas de conversa: "Antes da pandemia nossos encontros eram presenciais. A gente tinha um limite geográfico de atuação e os grupos aconteciam no Rio e em São Paulo. Com a pandemia a gente migrou para o formato digital e, com isso, a gente começou a ter uma preocupação ainda maior com esse alcance que a gente tem a partir dos grupos. Começamos então a criar critérios para o processo de inscrição que são, basicamente, dois: a ordem de inscrição e marcadores sociais para garantir uma pluraridade de homens neste debate, porque senão, como diz um amigo meu: 'Vira papo de homem branco'. E papo de homem branco não nos interessa tanto".

Quem representa bem essa pluraridade do que é ser homem, e que fez parte de um dos ciclos do MEMOH, a partir desse enfoque na diversidade, é o gerente na Superintendência LGBTQIA+ da Secretaria Municipal dos Direitos Humanos de Goiana, em GoiásJohn Maia. Além de ser um homem trans, Maia também tem outros recortes sociais que limitavam seu espaço de atuação dentro da sociedade, mas para ele, a participação no projeto foi "um divisor de águas".

"Ter encontrado o MEMOH foi um grande presente para mim. Eu que sou um homem trans, preto, periférico, ex-morador de rua, ex-presidiário e ex-traficante, consegui entender que as culpas que carregava vinham mais da sociedade do que de mim mesmo. Eu não falo que foi uma construção perante a socidade, mas sim, perante a minha vida mesmo [...] Quando você faz a transição, que você se vê como um homem trans, você luta diariamente perante a sociedade. Com as trocas de experiência que eu tive no MEMOH, entendi que essa masculinidade tóxica te obriga a se impor como alguém que você não é".

Pedro de Figueiredo, fundador do Projeto MEMOH, e os integrantes da equipe do projeto,Bruno Zia, Fernando Crespe (empé), Abel Oliveira, Ronan Lima, e Victor Cezar, durante sessão de fotos cedida ao Estadãona tarde de 25 de março, em Laranjeiras, zona sul do Rio. O Projeto MEMOH realiza conversas entre homens sobre masculinidade tóxica. Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO

Um dos debates mais importantes da sociedade contemporânea é a desconstrução da masculinidade tóxica. A todo momento que temos a leve impressão que essa discussão avança, nos deparamos com casos que provam o contrário. Uma evidência recente foi o plágio denunciado pela psicóloga, filósofa e pós-doutora em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Valeska Maria Zanello de Loyola. Em suas redes sociais, a especialista denunciou o perfil do estudante de psicologia João Luiz Marques por ter plagiado o trabalho da professora sobre grupos masculinos de WhatsApp. Em conversa com o Estadão, Valeska contou que esta não foi a primeira vez que Marques utilizou de seus trabalhos sem dar o devido crédito. 

"O primeiro plágio aconteceu no ano de 2020. Eu não era seguidora deste estudante, não seguia o canal dele e fui avisada por seguidoras em comum. Ele plagiou uma pesquisa que eu fiz sobre grupos de WhatsApp masculinos no Brasil. Foi uma pesquisa que teve uma circulação nacional bem grande, ganhou bastante evidência. Ele usou tanto o resultado quanto as reflexões advindas e as ideias. [...] Ele bloqueou essas mulheres [que começaram a criticar no post pedindo referência à Valeska], algumas persistiram, tinham vários comentários... Eu não queria confusão e deixei passar. Aconteceu uma segunda vez e depois nunca mais eu tive notícia desse rapaz", conta a professora Valeska.

Acontece que o uso indevido da obra da acadêmica não parou por aí. Em fevereiro deste ano ela teve conhecimento de mais um caso de plágio por parte do estudante de psicologia. "No mês passado, eu recebi uma mensagem de uma seguidora com print de um dos posts dele. E ela me mandou: 'professora, eu li isso aqui e fiquei impressionada, como é parecido, tem frase sua literal. Eu vi que ele não te segue, espero que seja só uma coincidência'. Quando eu vi [nos prints] era o mesmo rapaz. Eu fiquei indiginada porque realmente tinham frases praticamente literais do meu livro. Quando tentei entrar [no perfil do estudante] vi que tinha sido bloqueada. Pedi para uma amiga minha entrar, ela fez os prints do post completo, me emprestou a senha da rede dela e eu consegui averiguar", explica a pós-doutora.

"Eu acho que o fato dele me bloquear só evidencia o fato de que ele sabia o que estava fazendo. Daí, eu decidi fazer o post onde eu não me refiro diretamente à pessoa dele, mas coloco o mau estar daquela situação. É muito importante dizer que apesar do estudante estar muito errado, é um crime, ele tem que ser responsabilizado, mas ele não pode ser usado como 'bode expiatório'. Eu ganhei mais de dez mil mensagens em menos de uma semana, muitos homens me escrevendo e me apoiando, compartilhando posts de mulheres feministas famosas que me apoiaram, mas também plagiando, como se fossem posts deles. Isso foi contraditório, homens criticando um homem que plagiou, fazendo plágio de outras mulheres, o que mostra o quanto que o machismo e a misoginia são entranhados", fala Valeska sobre a repercussão que sua denúncia teve.

A professora também conta que com seu posicionamento, muito mulheres compartilharam com ela experiências parecidas, o que é um retrato de uma masculinidade tóxica que se apropia de trabalhos femininos: "Muitas mulheres me escreveram para compartilhar e narrar experiências semelhantes e não só no meio acadêmico. Teve desde chef de gastronomia, que um homem robou a receita e assinou como se fosse dele, à jornalista que fez uma reportagem e o chefe assinou como se tivesse sido escrita por ele. É muito importante dizer que o machismo precisa ser problematizado, nomeado e combatido". O estudante João Luiz Marques chegou a publicar um pedido de desculpas em suas redes sociais, mas o post foi apagado.

Na contramão deste tipo de comportamento, existem projetos que buscam o debate sobre a masculinidade tóxica e seus desdobramentos na sociedade. Um exemplo é o projeto MEMOH, fundado pelo empresário Pedro de Figueiredo. "Eu sou formado em comunicação, sempre trabalhei na área e com todos os acessos e privilégios que eu tive, eu acho que eu quis contribuir de uma outra forma que eu me sentisse mais engajado politicamente. No alto do meu privilégio me pareceu ser uma boa maneira me engajar nessas questões de gênero", conta Figueiredo sobre a ideia que deu origem ao projeto.

Na descrição em suas redes sociais, o MEMOH se define como "um negócio social que busca promover equidade de gênero por meio de debate de masculinidades". Depois do incômodo inicial, o fundador explica que começou de forma equivocada a desenhar o projeto, mas que foi acertando o tom conforme foi pesquisando e falando com especialistas no assunto.

"Eu costumo dizer sempre que eu comecei errando, como boa parte dos homens, mais preocupado em dizer sobre o que as mulheres deveriam fazer ou deixar de fazer, do que olhando para mim mesmo. Depois de mergulhar um pouco em alguns estudos, ouvir mulheres e levar uns tapas na cara (risos), eu comecei a entender que seria mais efetivo se eu me voltasse para as minhas questões e de outros homens. Isso se deu no primeiro semestre de 2017. Na época, eu queria fazer uma migração de carreira profissional e tinha entrado em um curso chamado Desenvolvimento de Negócios Sociais e Inclusivos. Nesse curso, eu comecei a modelar e projetar o que viria a ser o MEMOH", detalha Figueiredo.

Ronan Lima, Pedro de Figueiredo (de camisa vermelha), fundador do Projeto MEMOH, Abel Oliveira, Lincoln Frutuoso, Bruno Zia, Rodrigo Moura e Victor Cezar, em Laranjeiras, zona sul do Rio. Eles fazem parte da equipe do projeto, que discute masculinidade tóxica. Foto: Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO

Sobre a atuação do projeto, o empresário explica que são três pilares: rodas de conversas, produção de conteúdo e treinamento a empresas, o que gera a receita do negócio. "O MEMOH é um modelo de negócios e eu vivo desse trabalho. Há três formas de atuação: a produção de conteúdo, com as redes sociais e o nosso podcast; os grupos reflexivos, que têm uma metodologia própria e que oferece isso gratuitamente para a sociedade civil. A cada semestre há um novo ciclo de três grupos reflexivos sendo proposto [...] A cada 15 dias esses grupos se encontram para discutir questões relacionadas ao debate de masculinidade sempre proposto pelos próprios participantes. O cara que propõe o tema, nós chamamos de 'líder da rodada'. O líder sempre propõe um tema a partir de uma questão particular dele. Não é uma palestra que o cara vai dar para as pessoas, mas sim um incômodo que ele vai trazer para o grupo".

Ao falar sobre a parte que gera receita para a empresa, Figueiredo explica: "O terceiro pilar do projeto é a parte de serviços corporativos. A gente tem a intenção de trazer homens dos ambientes corporativos para dentro desta discussão de questões de gênero, por meio do debate de masculinidade, visando acelerar de alguma forma a visão de cultura organizacional que se pretende na empresa [que está contratando o serviço]. É o que se chama de 'subsídio cruzado', já que a gente cobra de empresas para desenvolver o nosso trabalho, para conseguir oferecer ele gratuitamente para a sociedade civil, que, no nosso caso, é por meio dos grupos reflexivos".

Figueiredo finaliza esclarecendo que os debates são ancorados em estudos teóricos: "Para conseguirmos desenvolver a metodologia dos grupos reflexivos, a gente se apoiou em diversas teorias, inclusive uma das nossas principais referências é o Instituto Noos, de psicólogos que escrevem a metodologia de grupos reflexivos para homens autores de violência. A gente não está inventando a roda, a gente está colocando uma camada extra de borracha na roda, alguma coisa assim", brincou o fundador do projeto. Quem também está ajudando a incrementar essa roda é o publicitário Leonardo Borba. Ele participou de um dos ciclos de debates do MEMOH e, após a experiência, decidiu criar o seu próprio grupo de desconstrução da masculinidade tóxica, o Homens de Quinta.

"Quando o ciclo se encerrou [no segundo semestre de 2020], eu e alguns colegas que participaram dos debates, nos sentimos orfãos de um espaço para continuar isso [as rodas de conversa]. A fundação do Homens de Quinta veio logo após o encerramento do ciclo do MEMOH em que participamos e pensamos: 'a gente não vai ter mais essa oportunidade, de se ver, de se falar, de criar uma rotina que para gente acaba sendo importante para oxigenar, para se libertar de alguns sentimentos, para troca'".

Borba explica que o nome do projeto surgiu de uma brincadeira: "nossos encontros no MEMOH eram às quintas-feiras e esse nome 'de quinta' também vai na direção oposta à ideia de 'homem de primeira'. A gente não é esse homem forte, viril e machão. Tem um sacarsmo em não sermos esse homem idealizado".

Reunião virtual do projeto Homens de Quinta, fundado pelo publicitário Leonardo Borba. O projeto nasceu depois de Borba, e outros homens, terem terminado um ciclo do projeto MEMOH. Ambas iniciativas discutem masculinidade tóxica. Foto: Arquivo Pessoal/ Leonardo Borba

O Homens de Quinta já nasceu na pandemia, mas o MEMOH teve que se adaptar a esta nova realidade. Mesmo representando um desafio, o fundador Pedro de Figueiredo explica que o espaço remoto abriu portas para que homens de outras regiões, e com outros recortes sociais, também pudessem participar das rodas de conversa: "Antes da pandemia nossos encontros eram presenciais. A gente tinha um limite geográfico de atuação e os grupos aconteciam no Rio e em São Paulo. Com a pandemia a gente migrou para o formato digital e, com isso, a gente começou a ter uma preocupação ainda maior com esse alcance que a gente tem a partir dos grupos. Começamos então a criar critérios para o processo de inscrição que são, basicamente, dois: a ordem de inscrição e marcadores sociais para garantir uma pluraridade de homens neste debate, porque senão, como diz um amigo meu: 'Vira papo de homem branco'. E papo de homem branco não nos interessa tanto".

Quem representa bem essa pluraridade do que é ser homem, e que fez parte de um dos ciclos do MEMOH, a partir desse enfoque na diversidade, é o gerente na Superintendência LGBTQIA+ da Secretaria Municipal dos Direitos Humanos de Goiana, em GoiásJohn Maia. Além de ser um homem trans, Maia também tem outros recortes sociais que limitavam seu espaço de atuação dentro da sociedade, mas para ele, a participação no projeto foi "um divisor de águas".

"Ter encontrado o MEMOH foi um grande presente para mim. Eu que sou um homem trans, preto, periférico, ex-morador de rua, ex-presidiário e ex-traficante, consegui entender que as culpas que carregava vinham mais da sociedade do que de mim mesmo. Eu não falo que foi uma construção perante a socidade, mas sim, perante a minha vida mesmo [...] Quando você faz a transição, que você se vê como um homem trans, você luta diariamente perante a sociedade. Com as trocas de experiência que eu tive no MEMOH, entendi que essa masculinidade tóxica te obriga a se impor como alguém que você não é".

Pedro de Figueiredo, fundador do Projeto MEMOH, e os integrantes da equipe do projeto,Bruno Zia, Fernando Crespe (empé), Abel Oliveira, Ronan Lima, e Victor Cezar, durante sessão de fotos cedida ao Estadãona tarde de 25 de março, em Laranjeiras, zona sul do Rio. O Projeto MEMOH realiza conversas entre homens sobre masculinidade tóxica. Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO

Um dos debates mais importantes da sociedade contemporânea é a desconstrução da masculinidade tóxica. A todo momento que temos a leve impressão que essa discussão avança, nos deparamos com casos que provam o contrário. Uma evidência recente foi o plágio denunciado pela psicóloga, filósofa e pós-doutora em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Valeska Maria Zanello de Loyola. Em suas redes sociais, a especialista denunciou o perfil do estudante de psicologia João Luiz Marques por ter plagiado o trabalho da professora sobre grupos masculinos de WhatsApp. Em conversa com o Estadão, Valeska contou que esta não foi a primeira vez que Marques utilizou de seus trabalhos sem dar o devido crédito. 

"O primeiro plágio aconteceu no ano de 2020. Eu não era seguidora deste estudante, não seguia o canal dele e fui avisada por seguidoras em comum. Ele plagiou uma pesquisa que eu fiz sobre grupos de WhatsApp masculinos no Brasil. Foi uma pesquisa que teve uma circulação nacional bem grande, ganhou bastante evidência. Ele usou tanto o resultado quanto as reflexões advindas e as ideias. [...] Ele bloqueou essas mulheres [que começaram a criticar no post pedindo referência à Valeska], algumas persistiram, tinham vários comentários... Eu não queria confusão e deixei passar. Aconteceu uma segunda vez e depois nunca mais eu tive notícia desse rapaz", conta a professora Valeska.

Acontece que o uso indevido da obra da acadêmica não parou por aí. Em fevereiro deste ano ela teve conhecimento de mais um caso de plágio por parte do estudante de psicologia. "No mês passado, eu recebi uma mensagem de uma seguidora com print de um dos posts dele. E ela me mandou: 'professora, eu li isso aqui e fiquei impressionada, como é parecido, tem frase sua literal. Eu vi que ele não te segue, espero que seja só uma coincidência'. Quando eu vi [nos prints] era o mesmo rapaz. Eu fiquei indiginada porque realmente tinham frases praticamente literais do meu livro. Quando tentei entrar [no perfil do estudante] vi que tinha sido bloqueada. Pedi para uma amiga minha entrar, ela fez os prints do post completo, me emprestou a senha da rede dela e eu consegui averiguar", explica a pós-doutora.

"Eu acho que o fato dele me bloquear só evidencia o fato de que ele sabia o que estava fazendo. Daí, eu decidi fazer o post onde eu não me refiro diretamente à pessoa dele, mas coloco o mau estar daquela situação. É muito importante dizer que apesar do estudante estar muito errado, é um crime, ele tem que ser responsabilizado, mas ele não pode ser usado como 'bode expiatório'. Eu ganhei mais de dez mil mensagens em menos de uma semana, muitos homens me escrevendo e me apoiando, compartilhando posts de mulheres feministas famosas que me apoiaram, mas também plagiando, como se fossem posts deles. Isso foi contraditório, homens criticando um homem que plagiou, fazendo plágio de outras mulheres, o que mostra o quanto que o machismo e a misoginia são entranhados", fala Valeska sobre a repercussão que sua denúncia teve.

A professora também conta que com seu posicionamento, muito mulheres compartilharam com ela experiências parecidas, o que é um retrato de uma masculinidade tóxica que se apropia de trabalhos femininos: "Muitas mulheres me escreveram para compartilhar e narrar experiências semelhantes e não só no meio acadêmico. Teve desde chef de gastronomia, que um homem robou a receita e assinou como se fosse dele, à jornalista que fez uma reportagem e o chefe assinou como se tivesse sido escrita por ele. É muito importante dizer que o machismo precisa ser problematizado, nomeado e combatido". O estudante João Luiz Marques chegou a publicar um pedido de desculpas em suas redes sociais, mas o post foi apagado.

Na contramão deste tipo de comportamento, existem projetos que buscam o debate sobre a masculinidade tóxica e seus desdobramentos na sociedade. Um exemplo é o projeto MEMOH, fundado pelo empresário Pedro de Figueiredo. "Eu sou formado em comunicação, sempre trabalhei na área e com todos os acessos e privilégios que eu tive, eu acho que eu quis contribuir de uma outra forma que eu me sentisse mais engajado politicamente. No alto do meu privilégio me pareceu ser uma boa maneira me engajar nessas questões de gênero", conta Figueiredo sobre a ideia que deu origem ao projeto.

Na descrição em suas redes sociais, o MEMOH se define como "um negócio social que busca promover equidade de gênero por meio de debate de masculinidades". Depois do incômodo inicial, o fundador explica que começou de forma equivocada a desenhar o projeto, mas que foi acertando o tom conforme foi pesquisando e falando com especialistas no assunto.

"Eu costumo dizer sempre que eu comecei errando, como boa parte dos homens, mais preocupado em dizer sobre o que as mulheres deveriam fazer ou deixar de fazer, do que olhando para mim mesmo. Depois de mergulhar um pouco em alguns estudos, ouvir mulheres e levar uns tapas na cara (risos), eu comecei a entender que seria mais efetivo se eu me voltasse para as minhas questões e de outros homens. Isso se deu no primeiro semestre de 2017. Na época, eu queria fazer uma migração de carreira profissional e tinha entrado em um curso chamado Desenvolvimento de Negócios Sociais e Inclusivos. Nesse curso, eu comecei a modelar e projetar o que viria a ser o MEMOH", detalha Figueiredo.

Ronan Lima, Pedro de Figueiredo (de camisa vermelha), fundador do Projeto MEMOH, Abel Oliveira, Lincoln Frutuoso, Bruno Zia, Rodrigo Moura e Victor Cezar, em Laranjeiras, zona sul do Rio. Eles fazem parte da equipe do projeto, que discute masculinidade tóxica. Foto: Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO

Sobre a atuação do projeto, o empresário explica que são três pilares: rodas de conversas, produção de conteúdo e treinamento a empresas, o que gera a receita do negócio. "O MEMOH é um modelo de negócios e eu vivo desse trabalho. Há três formas de atuação: a produção de conteúdo, com as redes sociais e o nosso podcast; os grupos reflexivos, que têm uma metodologia própria e que oferece isso gratuitamente para a sociedade civil. A cada semestre há um novo ciclo de três grupos reflexivos sendo proposto [...] A cada 15 dias esses grupos se encontram para discutir questões relacionadas ao debate de masculinidade sempre proposto pelos próprios participantes. O cara que propõe o tema, nós chamamos de 'líder da rodada'. O líder sempre propõe um tema a partir de uma questão particular dele. Não é uma palestra que o cara vai dar para as pessoas, mas sim um incômodo que ele vai trazer para o grupo".

Ao falar sobre a parte que gera receita para a empresa, Figueiredo explica: "O terceiro pilar do projeto é a parte de serviços corporativos. A gente tem a intenção de trazer homens dos ambientes corporativos para dentro desta discussão de questões de gênero, por meio do debate de masculinidade, visando acelerar de alguma forma a visão de cultura organizacional que se pretende na empresa [que está contratando o serviço]. É o que se chama de 'subsídio cruzado', já que a gente cobra de empresas para desenvolver o nosso trabalho, para conseguir oferecer ele gratuitamente para a sociedade civil, que, no nosso caso, é por meio dos grupos reflexivos".

Figueiredo finaliza esclarecendo que os debates são ancorados em estudos teóricos: "Para conseguirmos desenvolver a metodologia dos grupos reflexivos, a gente se apoiou em diversas teorias, inclusive uma das nossas principais referências é o Instituto Noos, de psicólogos que escrevem a metodologia de grupos reflexivos para homens autores de violência. A gente não está inventando a roda, a gente está colocando uma camada extra de borracha na roda, alguma coisa assim", brincou o fundador do projeto. Quem também está ajudando a incrementar essa roda é o publicitário Leonardo Borba. Ele participou de um dos ciclos de debates do MEMOH e, após a experiência, decidiu criar o seu próprio grupo de desconstrução da masculinidade tóxica, o Homens de Quinta.

"Quando o ciclo se encerrou [no segundo semestre de 2020], eu e alguns colegas que participaram dos debates, nos sentimos orfãos de um espaço para continuar isso [as rodas de conversa]. A fundação do Homens de Quinta veio logo após o encerramento do ciclo do MEMOH em que participamos e pensamos: 'a gente não vai ter mais essa oportunidade, de se ver, de se falar, de criar uma rotina que para gente acaba sendo importante para oxigenar, para se libertar de alguns sentimentos, para troca'".

Borba explica que o nome do projeto surgiu de uma brincadeira: "nossos encontros no MEMOH eram às quintas-feiras e esse nome 'de quinta' também vai na direção oposta à ideia de 'homem de primeira'. A gente não é esse homem forte, viril e machão. Tem um sacarsmo em não sermos esse homem idealizado".

Reunião virtual do projeto Homens de Quinta, fundado pelo publicitário Leonardo Borba. O projeto nasceu depois de Borba, e outros homens, terem terminado um ciclo do projeto MEMOH. Ambas iniciativas discutem masculinidade tóxica. Foto: Arquivo Pessoal/ Leonardo Borba

O Homens de Quinta já nasceu na pandemia, mas o MEMOH teve que se adaptar a esta nova realidade. Mesmo representando um desafio, o fundador Pedro de Figueiredo explica que o espaço remoto abriu portas para que homens de outras regiões, e com outros recortes sociais, também pudessem participar das rodas de conversa: "Antes da pandemia nossos encontros eram presenciais. A gente tinha um limite geográfico de atuação e os grupos aconteciam no Rio e em São Paulo. Com a pandemia a gente migrou para o formato digital e, com isso, a gente começou a ter uma preocupação ainda maior com esse alcance que a gente tem a partir dos grupos. Começamos então a criar critérios para o processo de inscrição que são, basicamente, dois: a ordem de inscrição e marcadores sociais para garantir uma pluraridade de homens neste debate, porque senão, como diz um amigo meu: 'Vira papo de homem branco'. E papo de homem branco não nos interessa tanto".

Quem representa bem essa pluraridade do que é ser homem, e que fez parte de um dos ciclos do MEMOH, a partir desse enfoque na diversidade, é o gerente na Superintendência LGBTQIA+ da Secretaria Municipal dos Direitos Humanos de Goiana, em GoiásJohn Maia. Além de ser um homem trans, Maia também tem outros recortes sociais que limitavam seu espaço de atuação dentro da sociedade, mas para ele, a participação no projeto foi "um divisor de águas".

"Ter encontrado o MEMOH foi um grande presente para mim. Eu que sou um homem trans, preto, periférico, ex-morador de rua, ex-presidiário e ex-traficante, consegui entender que as culpas que carregava vinham mais da sociedade do que de mim mesmo. Eu não falo que foi uma construção perante a socidade, mas sim, perante a minha vida mesmo [...] Quando você faz a transição, que você se vê como um homem trans, você luta diariamente perante a sociedade. Com as trocas de experiência que eu tive no MEMOH, entendi que essa masculinidade tóxica te obriga a se impor como alguém que você não é".

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.