Se sente sozinho? Talvez você deva encontrar um lugar além da sua casa e do trabalho


Entenda como funciona a teoria do terceiro lugar, que pode ajudar a criar senso de comunidade e a fazer novas amizades - algo desafiador em grandes cidades e com o ritmo de vida que levamos - mas que pode gerar bem-estar

Por Sabrina Legramandi

Depois de terminar a faculdade, Juli Batah, hoje com 33 anos, se viu sozinha. Morando desde que nasceu na maior metrópole do País, ela viu suas amigas mais próximas saindo de São Paulo para trabalhar, estudar, casar.

Já que estava sozinha, ela decidiu que começaria a sair... sozinha. Começou a se filmar indo a bares, cafés e restaurantes consigo mesma e a publicar nas redes sociais. Atraiu o interesse de várias mulheres que passam pelo mesmo e decidiu fundar o grupo Mapa das Minas. Com ele, agora combina encontros com outras pessoas para explorar a capital paulista.

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Terceiros lugares podem ser cafés, livrarias ou parques. Foto: Felipe Iruatã/Estadão

Juli encontrou no Mapa das Minas o que o sociólogo americano Ray Oldenburg chama de terceiro lugar. “Não temos um espaço físico. Nos encontramos em vários lugares de São Paulo, mas sinto que, quando estamos juntas - independente do ambiente -, encontramos esse terceiro lugar”, diz.

Em seu livro The Great Good Place, de 1999, Oldenburg discorre sobre a importância do tal terceiro lugar para criar um senso de comunidade e, consequentemente, novas amizades e uma sensação de bem-estar.

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Esse terceiro lugar precisa ser, segundo ele, um espaço que frequentamos além de nossa casa (o primeiro lugar) e do trabalho (o segundo lugar). Cafés, clubes, bibliotecas, parques, igrejas, praças podem ser considerados terceiros lugares.

Pare um segundo para pensar em qual é o seu terceiro lugar. Se foi difícil responder, não se preocupe: a culpa não é sua. Juli também percebe uma dificuldade em encontrar esse tipo de espaço na capital paulista.

Juli Batah criou o Mapa das Minas para criar novas amizades. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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Em São Paulo, as pessoas são bastante focadas nas suas profissões e nas próprias individualidades. Ter esse terceiro lugar me parece uma missão ainda mais desafiadora por aqui.

Juli Batah

A relação que temos com a cidade tem se tornado mesmo cada vez mais complexa, como explica o pesquisador da USP Massimo Di Felice, formado em Sociologia pela Università degli Studi La Sapienza, na Itália, e com pós-doutorado na área pela Universidade Paris Descartes, na França.

Massimo propôs, em seu livro Paisagens pós-urbanas, de 2009, finalista do Prêmio Jabuti, o conceito de “atopia”. Do grego, o termo significa “lugar estranho, lugar difícil de ser definido”.

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“Atopia é um habitar complexo, o resultado de interações entre pessoas, espaço físico, fluxo de dados, informações, dispositivos, aplicativos, geolocalização, etc”, explica. Essa quantidade de fatores que envolvem estar em apenas um lugar é essencial para entender o motivo de, às vezes, nos sentirmos não pertencentes.

Onde temos terceiros lugares?

Massimo Di Felice afirma que esse conceito de precisar encontrar o seu terceiro lugar foi baseado nas cidades da América - isso inclui, também, a América Latina. Na Europa, já há, desde a fundação das cidades, a cultura dos lugares públicos que fazem parte do dia a dia.

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“Nessas grandes cidades, como São Paulo e Nova York, de fato, a contraposição é mais entre o espaço de casa e o espaço de trabalho. Por quê? Porque não há espaço público”, comenta. Mesmo que haja praças e lugares gratuitos nessas grandes cidades, eles não são espaços seguros. É por isso que os terceiros lugares em São Paulo são pagos, na maioria das vezes.

Como exemplo dessa “falta de terceiro lugar”, o pesquisador cita Brasília, construída para ser a “cidade do futuro”. “A cidade aplica a carta de Le Corbusier, um projeto para criar a cidade do futuro. [...] O futuro era considerado a cidade dos carros, onde havia o lugar de descanso e o lugar de trabalho. A dimensão do espaço público era limitada ou circunstanciada, mas não fazia parte do dia, era mais no final de semana”, diz.

Construção do Congresso Nacional, em Brasília. Foto: Arquivo Público do Distrito Federal
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Ele menciona um aspecto cultural das cidades da América Latina e uma constante luta pela ocupação privada do espaço público. “O que é público é considerado como algo que pode ser ocupado, que pode ser conquistado pelo mercado. E isso é um fato econômico, obviamente, mas que se tornou também cultural, como sempre acontece com a economia”, explica.

Estamos em vários espaços ao mesmo tempo

Mas, hoje, não basta estar em um lugar para realmente conviver com a comunidade daquele espaço. Soa até um pouco confuso, mas plausível se pensarmos que estamos conectados o tempo todo. “O espaço em si não determina mais a nossa situação social. O que determina a nossa situação social é só o acesso a fluxos informativos”, diz Massimo Di Felice.

Reflita sobre a última vez em que você decidiu fazer uma reunião por videoconferência em uma cafeteria: você não se relacionou com as pessoas que estavam naquele espaço, mas com as que estavam fisicamente longe, na tela de seu computador ou celular. Isso determinou, diretamente, a forma como você se comportava naquele café.

Podemos estar em lugares, mas não necessariamente conviver com as pessoas daquele local. Foto: Biblioteca Mário de Andrade/Divulgação

O pesquisador cita como exemplo a teoria do antropólogo e sociólogo Erving Goffman, que associava diretamente a postura dos seres humanos com o espaço físico. Goffman relacionava a ideia com atores em uma peça de teatro - a atuação sempre muda com a troca do cenário do espetáculo.

Para Massimo, porém, o que vale hoje é a teoria do jornalista Joshua Meyrowitz, que, no livro No sense of place, de 1985, criticou a ideia de Goffman. Meyrowitz afirma que o que determina o comportamento em determinado espaço é o acesso a esses fluxos informativos.

“Hoje, a nossa condição habitativa não é mais ligada apenas à interação com o espaço físico, porque, toda vez que estamos em qualquer espaço, estamos conectados”, diz o pesquisador. “Isso significa que nós não habitamos mais apenas cidades de tijolos, ruas, praças, nós habitamos arquiteturas infomateriais [com fluxos informativos].”

Por que agora é difícil criar laços fortes?

Se você, ainda, tem a impressão de que, mesmo o tempo todo conectado e interagindo com tantas pessoas, está cada vez mais difícil criar laços fortes, é porque a conectividade também mudou a forma como criamos amizades. Massimo explica que nunca foi tão fácil fazer amigos e encontrar pessoas com interesses em comum - mas, da mesma forma, nunca foi tão difícil manter relações a longo prazo.

Como exemplo, o pesquisador cita as cidades pequenas no século passado. Quantas pessoas seus avós, se eles moraram em municípios desse porte, conheciam? E quantos amigos eles tiveram para a vida inteira?

“A quantidade gera sempre uma alteração também na qualidade”, aponta Massimo. “A sociedade sempre muda. E a nossa ideia de relação, de amizade também muda. Em uma grande metrópole, o sentido da amizade é diferente da ideia de amizade em uma pequena cidade, onde todas as pessoas sabem quem você é e o que você faz. Em uma metrópole, você não é nada.”

Nunca tivemos tantas conexões, mas nunca foi tão difícil criar laços fortes. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Antes, tínhamos a duração de uma amizade como prioridade. Hoje, somos incentivados a renovar continuamente as pessoas com quem nos relacionamos. Mas, para o pesquisador, isso não é necessariamente ruim. “Tem aspectos positivos e aspectos negativos, como tudo”, diz o pesquisador, que cita o quanto a emancipação das mulheres foi influenciada pela tecnologia.

Se encontrar um terceiro lugar agora pode soar como uma tarefa difícil, nem pense em como o segundo lugar se fundiu com o primeiro depois do home office. Apenas tome Juli como exemplo e crie sua própria comunidade.

Ela aconselha que começar a sair sozinho e encontrar seu espaço em grupos online ajuda a achar espaços além da casa e do trabalho. “[No Mapa das Minas], nós começamos a nossa experiência no digital - mais confortável - e nos propomos a sair dali juntas para explorar diversos ambientes físicos e criar esses laços”, conta ela. Pode ser o primeiro passo.

Depois de terminar a faculdade, Juli Batah, hoje com 33 anos, se viu sozinha. Morando desde que nasceu na maior metrópole do País, ela viu suas amigas mais próximas saindo de São Paulo para trabalhar, estudar, casar.

Já que estava sozinha, ela decidiu que começaria a sair... sozinha. Começou a se filmar indo a bares, cafés e restaurantes consigo mesma e a publicar nas redes sociais. Atraiu o interesse de várias mulheres que passam pelo mesmo e decidiu fundar o grupo Mapa das Minas. Com ele, agora combina encontros com outras pessoas para explorar a capital paulista.

Terceiros lugares podem ser cafés, livrarias ou parques. Foto: Felipe Iruatã/Estadão

Juli encontrou no Mapa das Minas o que o sociólogo americano Ray Oldenburg chama de terceiro lugar. “Não temos um espaço físico. Nos encontramos em vários lugares de São Paulo, mas sinto que, quando estamos juntas - independente do ambiente -, encontramos esse terceiro lugar”, diz.

Em seu livro The Great Good Place, de 1999, Oldenburg discorre sobre a importância do tal terceiro lugar para criar um senso de comunidade e, consequentemente, novas amizades e uma sensação de bem-estar.

Esse terceiro lugar precisa ser, segundo ele, um espaço que frequentamos além de nossa casa (o primeiro lugar) e do trabalho (o segundo lugar). Cafés, clubes, bibliotecas, parques, igrejas, praças podem ser considerados terceiros lugares.

Pare um segundo para pensar em qual é o seu terceiro lugar. Se foi difícil responder, não se preocupe: a culpa não é sua. Juli também percebe uma dificuldade em encontrar esse tipo de espaço na capital paulista.

Juli Batah criou o Mapa das Minas para criar novas amizades. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Em São Paulo, as pessoas são bastante focadas nas suas profissões e nas próprias individualidades. Ter esse terceiro lugar me parece uma missão ainda mais desafiadora por aqui.

Juli Batah

A relação que temos com a cidade tem se tornado mesmo cada vez mais complexa, como explica o pesquisador da USP Massimo Di Felice, formado em Sociologia pela Università degli Studi La Sapienza, na Itália, e com pós-doutorado na área pela Universidade Paris Descartes, na França.

Massimo propôs, em seu livro Paisagens pós-urbanas, de 2009, finalista do Prêmio Jabuti, o conceito de “atopia”. Do grego, o termo significa “lugar estranho, lugar difícil de ser definido”.

“Atopia é um habitar complexo, o resultado de interações entre pessoas, espaço físico, fluxo de dados, informações, dispositivos, aplicativos, geolocalização, etc”, explica. Essa quantidade de fatores que envolvem estar em apenas um lugar é essencial para entender o motivo de, às vezes, nos sentirmos não pertencentes.

Onde temos terceiros lugares?

Massimo Di Felice afirma que esse conceito de precisar encontrar o seu terceiro lugar foi baseado nas cidades da América - isso inclui, também, a América Latina. Na Europa, já há, desde a fundação das cidades, a cultura dos lugares públicos que fazem parte do dia a dia.

“Nessas grandes cidades, como São Paulo e Nova York, de fato, a contraposição é mais entre o espaço de casa e o espaço de trabalho. Por quê? Porque não há espaço público”, comenta. Mesmo que haja praças e lugares gratuitos nessas grandes cidades, eles não são espaços seguros. É por isso que os terceiros lugares em São Paulo são pagos, na maioria das vezes.

Como exemplo dessa “falta de terceiro lugar”, o pesquisador cita Brasília, construída para ser a “cidade do futuro”. “A cidade aplica a carta de Le Corbusier, um projeto para criar a cidade do futuro. [...] O futuro era considerado a cidade dos carros, onde havia o lugar de descanso e o lugar de trabalho. A dimensão do espaço público era limitada ou circunstanciada, mas não fazia parte do dia, era mais no final de semana”, diz.

Construção do Congresso Nacional, em Brasília. Foto: Arquivo Público do Distrito Federal

Ele menciona um aspecto cultural das cidades da América Latina e uma constante luta pela ocupação privada do espaço público. “O que é público é considerado como algo que pode ser ocupado, que pode ser conquistado pelo mercado. E isso é um fato econômico, obviamente, mas que se tornou também cultural, como sempre acontece com a economia”, explica.

Estamos em vários espaços ao mesmo tempo

Mas, hoje, não basta estar em um lugar para realmente conviver com a comunidade daquele espaço. Soa até um pouco confuso, mas plausível se pensarmos que estamos conectados o tempo todo. “O espaço em si não determina mais a nossa situação social. O que determina a nossa situação social é só o acesso a fluxos informativos”, diz Massimo Di Felice.

Reflita sobre a última vez em que você decidiu fazer uma reunião por videoconferência em uma cafeteria: você não se relacionou com as pessoas que estavam naquele espaço, mas com as que estavam fisicamente longe, na tela de seu computador ou celular. Isso determinou, diretamente, a forma como você se comportava naquele café.

Podemos estar em lugares, mas não necessariamente conviver com as pessoas daquele local. Foto: Biblioteca Mário de Andrade/Divulgação

O pesquisador cita como exemplo a teoria do antropólogo e sociólogo Erving Goffman, que associava diretamente a postura dos seres humanos com o espaço físico. Goffman relacionava a ideia com atores em uma peça de teatro - a atuação sempre muda com a troca do cenário do espetáculo.

Para Massimo, porém, o que vale hoje é a teoria do jornalista Joshua Meyrowitz, que, no livro No sense of place, de 1985, criticou a ideia de Goffman. Meyrowitz afirma que o que determina o comportamento em determinado espaço é o acesso a esses fluxos informativos.

“Hoje, a nossa condição habitativa não é mais ligada apenas à interação com o espaço físico, porque, toda vez que estamos em qualquer espaço, estamos conectados”, diz o pesquisador. “Isso significa que nós não habitamos mais apenas cidades de tijolos, ruas, praças, nós habitamos arquiteturas infomateriais [com fluxos informativos].”

Por que agora é difícil criar laços fortes?

Se você, ainda, tem a impressão de que, mesmo o tempo todo conectado e interagindo com tantas pessoas, está cada vez mais difícil criar laços fortes, é porque a conectividade também mudou a forma como criamos amizades. Massimo explica que nunca foi tão fácil fazer amigos e encontrar pessoas com interesses em comum - mas, da mesma forma, nunca foi tão difícil manter relações a longo prazo.

Como exemplo, o pesquisador cita as cidades pequenas no século passado. Quantas pessoas seus avós, se eles moraram em municípios desse porte, conheciam? E quantos amigos eles tiveram para a vida inteira?

“A quantidade gera sempre uma alteração também na qualidade”, aponta Massimo. “A sociedade sempre muda. E a nossa ideia de relação, de amizade também muda. Em uma grande metrópole, o sentido da amizade é diferente da ideia de amizade em uma pequena cidade, onde todas as pessoas sabem quem você é e o que você faz. Em uma metrópole, você não é nada.”

Nunca tivemos tantas conexões, mas nunca foi tão difícil criar laços fortes. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Antes, tínhamos a duração de uma amizade como prioridade. Hoje, somos incentivados a renovar continuamente as pessoas com quem nos relacionamos. Mas, para o pesquisador, isso não é necessariamente ruim. “Tem aspectos positivos e aspectos negativos, como tudo”, diz o pesquisador, que cita o quanto a emancipação das mulheres foi influenciada pela tecnologia.

Se encontrar um terceiro lugar agora pode soar como uma tarefa difícil, nem pense em como o segundo lugar se fundiu com o primeiro depois do home office. Apenas tome Juli como exemplo e crie sua própria comunidade.

Ela aconselha que começar a sair sozinho e encontrar seu espaço em grupos online ajuda a achar espaços além da casa e do trabalho. “[No Mapa das Minas], nós começamos a nossa experiência no digital - mais confortável - e nos propomos a sair dali juntas para explorar diversos ambientes físicos e criar esses laços”, conta ela. Pode ser o primeiro passo.

Depois de terminar a faculdade, Juli Batah, hoje com 33 anos, se viu sozinha. Morando desde que nasceu na maior metrópole do País, ela viu suas amigas mais próximas saindo de São Paulo para trabalhar, estudar, casar.

Já que estava sozinha, ela decidiu que começaria a sair... sozinha. Começou a se filmar indo a bares, cafés e restaurantes consigo mesma e a publicar nas redes sociais. Atraiu o interesse de várias mulheres que passam pelo mesmo e decidiu fundar o grupo Mapa das Minas. Com ele, agora combina encontros com outras pessoas para explorar a capital paulista.

Terceiros lugares podem ser cafés, livrarias ou parques. Foto: Felipe Iruatã/Estadão

Juli encontrou no Mapa das Minas o que o sociólogo americano Ray Oldenburg chama de terceiro lugar. “Não temos um espaço físico. Nos encontramos em vários lugares de São Paulo, mas sinto que, quando estamos juntas - independente do ambiente -, encontramos esse terceiro lugar”, diz.

Em seu livro The Great Good Place, de 1999, Oldenburg discorre sobre a importância do tal terceiro lugar para criar um senso de comunidade e, consequentemente, novas amizades e uma sensação de bem-estar.

Esse terceiro lugar precisa ser, segundo ele, um espaço que frequentamos além de nossa casa (o primeiro lugar) e do trabalho (o segundo lugar). Cafés, clubes, bibliotecas, parques, igrejas, praças podem ser considerados terceiros lugares.

Pare um segundo para pensar em qual é o seu terceiro lugar. Se foi difícil responder, não se preocupe: a culpa não é sua. Juli também percebe uma dificuldade em encontrar esse tipo de espaço na capital paulista.

Juli Batah criou o Mapa das Minas para criar novas amizades. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Em São Paulo, as pessoas são bastante focadas nas suas profissões e nas próprias individualidades. Ter esse terceiro lugar me parece uma missão ainda mais desafiadora por aqui.

Juli Batah

A relação que temos com a cidade tem se tornado mesmo cada vez mais complexa, como explica o pesquisador da USP Massimo Di Felice, formado em Sociologia pela Università degli Studi La Sapienza, na Itália, e com pós-doutorado na área pela Universidade Paris Descartes, na França.

Massimo propôs, em seu livro Paisagens pós-urbanas, de 2009, finalista do Prêmio Jabuti, o conceito de “atopia”. Do grego, o termo significa “lugar estranho, lugar difícil de ser definido”.

“Atopia é um habitar complexo, o resultado de interações entre pessoas, espaço físico, fluxo de dados, informações, dispositivos, aplicativos, geolocalização, etc”, explica. Essa quantidade de fatores que envolvem estar em apenas um lugar é essencial para entender o motivo de, às vezes, nos sentirmos não pertencentes.

Onde temos terceiros lugares?

Massimo Di Felice afirma que esse conceito de precisar encontrar o seu terceiro lugar foi baseado nas cidades da América - isso inclui, também, a América Latina. Na Europa, já há, desde a fundação das cidades, a cultura dos lugares públicos que fazem parte do dia a dia.

“Nessas grandes cidades, como São Paulo e Nova York, de fato, a contraposição é mais entre o espaço de casa e o espaço de trabalho. Por quê? Porque não há espaço público”, comenta. Mesmo que haja praças e lugares gratuitos nessas grandes cidades, eles não são espaços seguros. É por isso que os terceiros lugares em São Paulo são pagos, na maioria das vezes.

Como exemplo dessa “falta de terceiro lugar”, o pesquisador cita Brasília, construída para ser a “cidade do futuro”. “A cidade aplica a carta de Le Corbusier, um projeto para criar a cidade do futuro. [...] O futuro era considerado a cidade dos carros, onde havia o lugar de descanso e o lugar de trabalho. A dimensão do espaço público era limitada ou circunstanciada, mas não fazia parte do dia, era mais no final de semana”, diz.

Construção do Congresso Nacional, em Brasília. Foto: Arquivo Público do Distrito Federal

Ele menciona um aspecto cultural das cidades da América Latina e uma constante luta pela ocupação privada do espaço público. “O que é público é considerado como algo que pode ser ocupado, que pode ser conquistado pelo mercado. E isso é um fato econômico, obviamente, mas que se tornou também cultural, como sempre acontece com a economia”, explica.

Estamos em vários espaços ao mesmo tempo

Mas, hoje, não basta estar em um lugar para realmente conviver com a comunidade daquele espaço. Soa até um pouco confuso, mas plausível se pensarmos que estamos conectados o tempo todo. “O espaço em si não determina mais a nossa situação social. O que determina a nossa situação social é só o acesso a fluxos informativos”, diz Massimo Di Felice.

Reflita sobre a última vez em que você decidiu fazer uma reunião por videoconferência em uma cafeteria: você não se relacionou com as pessoas que estavam naquele espaço, mas com as que estavam fisicamente longe, na tela de seu computador ou celular. Isso determinou, diretamente, a forma como você se comportava naquele café.

Podemos estar em lugares, mas não necessariamente conviver com as pessoas daquele local. Foto: Biblioteca Mário de Andrade/Divulgação

O pesquisador cita como exemplo a teoria do antropólogo e sociólogo Erving Goffman, que associava diretamente a postura dos seres humanos com o espaço físico. Goffman relacionava a ideia com atores em uma peça de teatro - a atuação sempre muda com a troca do cenário do espetáculo.

Para Massimo, porém, o que vale hoje é a teoria do jornalista Joshua Meyrowitz, que, no livro No sense of place, de 1985, criticou a ideia de Goffman. Meyrowitz afirma que o que determina o comportamento em determinado espaço é o acesso a esses fluxos informativos.

“Hoje, a nossa condição habitativa não é mais ligada apenas à interação com o espaço físico, porque, toda vez que estamos em qualquer espaço, estamos conectados”, diz o pesquisador. “Isso significa que nós não habitamos mais apenas cidades de tijolos, ruas, praças, nós habitamos arquiteturas infomateriais [com fluxos informativos].”

Por que agora é difícil criar laços fortes?

Se você, ainda, tem a impressão de que, mesmo o tempo todo conectado e interagindo com tantas pessoas, está cada vez mais difícil criar laços fortes, é porque a conectividade também mudou a forma como criamos amizades. Massimo explica que nunca foi tão fácil fazer amigos e encontrar pessoas com interesses em comum - mas, da mesma forma, nunca foi tão difícil manter relações a longo prazo.

Como exemplo, o pesquisador cita as cidades pequenas no século passado. Quantas pessoas seus avós, se eles moraram em municípios desse porte, conheciam? E quantos amigos eles tiveram para a vida inteira?

“A quantidade gera sempre uma alteração também na qualidade”, aponta Massimo. “A sociedade sempre muda. E a nossa ideia de relação, de amizade também muda. Em uma grande metrópole, o sentido da amizade é diferente da ideia de amizade em uma pequena cidade, onde todas as pessoas sabem quem você é e o que você faz. Em uma metrópole, você não é nada.”

Nunca tivemos tantas conexões, mas nunca foi tão difícil criar laços fortes. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Antes, tínhamos a duração de uma amizade como prioridade. Hoje, somos incentivados a renovar continuamente as pessoas com quem nos relacionamos. Mas, para o pesquisador, isso não é necessariamente ruim. “Tem aspectos positivos e aspectos negativos, como tudo”, diz o pesquisador, que cita o quanto a emancipação das mulheres foi influenciada pela tecnologia.

Se encontrar um terceiro lugar agora pode soar como uma tarefa difícil, nem pense em como o segundo lugar se fundiu com o primeiro depois do home office. Apenas tome Juli como exemplo e crie sua própria comunidade.

Ela aconselha que começar a sair sozinho e encontrar seu espaço em grupos online ajuda a achar espaços além da casa e do trabalho. “[No Mapa das Minas], nós começamos a nossa experiência no digital - mais confortável - e nos propomos a sair dali juntas para explorar diversos ambientes físicos e criar esses laços”, conta ela. Pode ser o primeiro passo.

Depois de terminar a faculdade, Juli Batah, hoje com 33 anos, se viu sozinha. Morando desde que nasceu na maior metrópole do País, ela viu suas amigas mais próximas saindo de São Paulo para trabalhar, estudar, casar.

Já que estava sozinha, ela decidiu que começaria a sair... sozinha. Começou a se filmar indo a bares, cafés e restaurantes consigo mesma e a publicar nas redes sociais. Atraiu o interesse de várias mulheres que passam pelo mesmo e decidiu fundar o grupo Mapa das Minas. Com ele, agora combina encontros com outras pessoas para explorar a capital paulista.

Terceiros lugares podem ser cafés, livrarias ou parques. Foto: Felipe Iruatã/Estadão

Juli encontrou no Mapa das Minas o que o sociólogo americano Ray Oldenburg chama de terceiro lugar. “Não temos um espaço físico. Nos encontramos em vários lugares de São Paulo, mas sinto que, quando estamos juntas - independente do ambiente -, encontramos esse terceiro lugar”, diz.

Em seu livro The Great Good Place, de 1999, Oldenburg discorre sobre a importância do tal terceiro lugar para criar um senso de comunidade e, consequentemente, novas amizades e uma sensação de bem-estar.

Esse terceiro lugar precisa ser, segundo ele, um espaço que frequentamos além de nossa casa (o primeiro lugar) e do trabalho (o segundo lugar). Cafés, clubes, bibliotecas, parques, igrejas, praças podem ser considerados terceiros lugares.

Pare um segundo para pensar em qual é o seu terceiro lugar. Se foi difícil responder, não se preocupe: a culpa não é sua. Juli também percebe uma dificuldade em encontrar esse tipo de espaço na capital paulista.

Juli Batah criou o Mapa das Minas para criar novas amizades. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Em São Paulo, as pessoas são bastante focadas nas suas profissões e nas próprias individualidades. Ter esse terceiro lugar me parece uma missão ainda mais desafiadora por aqui.

Juli Batah

A relação que temos com a cidade tem se tornado mesmo cada vez mais complexa, como explica o pesquisador da USP Massimo Di Felice, formado em Sociologia pela Università degli Studi La Sapienza, na Itália, e com pós-doutorado na área pela Universidade Paris Descartes, na França.

Massimo propôs, em seu livro Paisagens pós-urbanas, de 2009, finalista do Prêmio Jabuti, o conceito de “atopia”. Do grego, o termo significa “lugar estranho, lugar difícil de ser definido”.

“Atopia é um habitar complexo, o resultado de interações entre pessoas, espaço físico, fluxo de dados, informações, dispositivos, aplicativos, geolocalização, etc”, explica. Essa quantidade de fatores que envolvem estar em apenas um lugar é essencial para entender o motivo de, às vezes, nos sentirmos não pertencentes.

Onde temos terceiros lugares?

Massimo Di Felice afirma que esse conceito de precisar encontrar o seu terceiro lugar foi baseado nas cidades da América - isso inclui, também, a América Latina. Na Europa, já há, desde a fundação das cidades, a cultura dos lugares públicos que fazem parte do dia a dia.

“Nessas grandes cidades, como São Paulo e Nova York, de fato, a contraposição é mais entre o espaço de casa e o espaço de trabalho. Por quê? Porque não há espaço público”, comenta. Mesmo que haja praças e lugares gratuitos nessas grandes cidades, eles não são espaços seguros. É por isso que os terceiros lugares em São Paulo são pagos, na maioria das vezes.

Como exemplo dessa “falta de terceiro lugar”, o pesquisador cita Brasília, construída para ser a “cidade do futuro”. “A cidade aplica a carta de Le Corbusier, um projeto para criar a cidade do futuro. [...] O futuro era considerado a cidade dos carros, onde havia o lugar de descanso e o lugar de trabalho. A dimensão do espaço público era limitada ou circunstanciada, mas não fazia parte do dia, era mais no final de semana”, diz.

Construção do Congresso Nacional, em Brasília. Foto: Arquivo Público do Distrito Federal

Ele menciona um aspecto cultural das cidades da América Latina e uma constante luta pela ocupação privada do espaço público. “O que é público é considerado como algo que pode ser ocupado, que pode ser conquistado pelo mercado. E isso é um fato econômico, obviamente, mas que se tornou também cultural, como sempre acontece com a economia”, explica.

Estamos em vários espaços ao mesmo tempo

Mas, hoje, não basta estar em um lugar para realmente conviver com a comunidade daquele espaço. Soa até um pouco confuso, mas plausível se pensarmos que estamos conectados o tempo todo. “O espaço em si não determina mais a nossa situação social. O que determina a nossa situação social é só o acesso a fluxos informativos”, diz Massimo Di Felice.

Reflita sobre a última vez em que você decidiu fazer uma reunião por videoconferência em uma cafeteria: você não se relacionou com as pessoas que estavam naquele espaço, mas com as que estavam fisicamente longe, na tela de seu computador ou celular. Isso determinou, diretamente, a forma como você se comportava naquele café.

Podemos estar em lugares, mas não necessariamente conviver com as pessoas daquele local. Foto: Biblioteca Mário de Andrade/Divulgação

O pesquisador cita como exemplo a teoria do antropólogo e sociólogo Erving Goffman, que associava diretamente a postura dos seres humanos com o espaço físico. Goffman relacionava a ideia com atores em uma peça de teatro - a atuação sempre muda com a troca do cenário do espetáculo.

Para Massimo, porém, o que vale hoje é a teoria do jornalista Joshua Meyrowitz, que, no livro No sense of place, de 1985, criticou a ideia de Goffman. Meyrowitz afirma que o que determina o comportamento em determinado espaço é o acesso a esses fluxos informativos.

“Hoje, a nossa condição habitativa não é mais ligada apenas à interação com o espaço físico, porque, toda vez que estamos em qualquer espaço, estamos conectados”, diz o pesquisador. “Isso significa que nós não habitamos mais apenas cidades de tijolos, ruas, praças, nós habitamos arquiteturas infomateriais [com fluxos informativos].”

Por que agora é difícil criar laços fortes?

Se você, ainda, tem a impressão de que, mesmo o tempo todo conectado e interagindo com tantas pessoas, está cada vez mais difícil criar laços fortes, é porque a conectividade também mudou a forma como criamos amizades. Massimo explica que nunca foi tão fácil fazer amigos e encontrar pessoas com interesses em comum - mas, da mesma forma, nunca foi tão difícil manter relações a longo prazo.

Como exemplo, o pesquisador cita as cidades pequenas no século passado. Quantas pessoas seus avós, se eles moraram em municípios desse porte, conheciam? E quantos amigos eles tiveram para a vida inteira?

“A quantidade gera sempre uma alteração também na qualidade”, aponta Massimo. “A sociedade sempre muda. E a nossa ideia de relação, de amizade também muda. Em uma grande metrópole, o sentido da amizade é diferente da ideia de amizade em uma pequena cidade, onde todas as pessoas sabem quem você é e o que você faz. Em uma metrópole, você não é nada.”

Nunca tivemos tantas conexões, mas nunca foi tão difícil criar laços fortes. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Antes, tínhamos a duração de uma amizade como prioridade. Hoje, somos incentivados a renovar continuamente as pessoas com quem nos relacionamos. Mas, para o pesquisador, isso não é necessariamente ruim. “Tem aspectos positivos e aspectos negativos, como tudo”, diz o pesquisador, que cita o quanto a emancipação das mulheres foi influenciada pela tecnologia.

Se encontrar um terceiro lugar agora pode soar como uma tarefa difícil, nem pense em como o segundo lugar se fundiu com o primeiro depois do home office. Apenas tome Juli como exemplo e crie sua própria comunidade.

Ela aconselha que começar a sair sozinho e encontrar seu espaço em grupos online ajuda a achar espaços além da casa e do trabalho. “[No Mapa das Minas], nós começamos a nossa experiência no digital - mais confortável - e nos propomos a sair dali juntas para explorar diversos ambientes físicos e criar esses laços”, conta ela. Pode ser o primeiro passo.

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