Síndrome do ninho vazio? Especialistas apontam como pais podem lidar com a saída dos filhos de casa


‘A independência de um filho é um reflexo do sucesso da criação dos pais’, afirma a psicóloga Anahy D’Amico

Por Daniel Vila Nova

Na última semana, o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) encerrou sua data de matrículas para as universidades brasileiras no ano de 2025. Em diversas casas ao redor do Brasil, pais e filhos celebraram a entrada em cursos do ensino superior. Nas redes sociais, são inúmeros os vídeos onde famílias comemoram as conquistas. O momento, no entanto, também carrega uma enorme dificuldade dentro de si — uma parte significativa dos filhos terão de sair de casa para estudar em outro estado.

Não à toa, o sentimento conhecido como síndrome do ninho vazio é comum nessa época do ano — quando os resultados de vestibulares em todo o país são anunciados e os jovens universitários escolhem qual faculdade irão ingressar. São muitos os pais e as mães que precisam processar a saída dos filhos de casa. “É uma espécie de perda irreparável”, afirma a psicoterapeuta de casal e família Tai Castilho, fundadora do Instituto de Terapia Familiar de São Paulo (ITF) e doutora em psicologia clínica pela Universidade de Coimbra.

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“É o sinal de que um ciclo da vida está se encerrando — a partir daqui, o filho nunca mais morará com os pais. Ao longo das nossas vidas, temos diversas separações psíquicas. Essa é uma das mais significativas”, diz Tai. Quem concorda com ela é a psicóloga Anahy D’Amico, autora do livro O Amor Não Dói (Paidós, 2020) e dona de um canal do YouTube com mais de 2,2 milhões de inscritos.

“Os pais investem anos criando e cuidando dos filhos. Esse papel acaba por definir a identidade deles”, reflete Anahy. “Quando os filhos saem de casa, é natural que os pais experimentem sensações de tristeza, solidão e inutilidade”. Para a profissional, a grande maioria dos pais dedica duas décadas de suas vidas a cuidar dos filhos. Quando essa tarefa desaparece, as pessoas se sentem perdidas e sem propósito.

“Muitos pais tentam adiar ou impedir essa saída, seja por medo, por apego ou por superproteção. Acusam o filho de abandono, não respeitam os limites estabelecidos. Isso gera tensão e angústia nos filhos”, diz Anahy. “Se sentir triste, inseguro e com medo é natural e faz parte do processo. Não há como evitar esses sentimentos, mas não é saudável tentar sabotar a saída do filho.”

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Afinal, o que pode ser feito para tornar essa transição o mais tranquila e saudável possível para ambos os lados? O Estadão conversou com especialistas e com pais e filhos que passaram por essa situação e te dá dicas de como se preparar para o momento do adeus.

‘O filho vira passarinho e quer voar’

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Aos 55 anos, a funcionária pública Maria Lúcia Oliveira já não tem mais as duas filhas em casa. Durante a infância e a juventude, ambas moravam em São Bernardo do Campo, em São Paulo, com a mãe e o pai. Isso mudou, no entanto, quando elas se formaram no ensino médio. Sofia, 26, foi para Florianópolis estudar sociologia. Poucos anos depois, Luísa, 22, optou por fazer intercâmbio na Irlanda. As duas saíram de casa em um intervalo de quatro anos.

“Nunca concordei com a saída de Sofia, mas deixei ela ir. Não temos como impedir os nossos filhos de trilhar o próprio caminho”, afirmou. A ausência da primeira filha foi bastante sentida, mas era aliviada com a presença da mais nova. Quando Luísa se foi, no entanto, as coisas pioraram bastante. “A casa ficou vazia. Minhas filhas preenchiam todos os cantos da casa, eu sentia falta disso. Era uma dor enorme.”

Para a psicóloga Anahy D’Amico, as dificuldades em lidar com o ninho vazio vão além das sentimentais. “Para além da perda, existe uma mudança na dinâmica familiar. A ausência física do filho gera saudade, ansiedade e medo”, diz. Se é bem verdade que, atualmente, é mais fácil manter contato via internet e celular, as preocupações continuam as mesmas.

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A saída dos filhos da casa dos pais não precisa ser traumática. Especialistas indicam o melhor caminho para lidar com a síndrome do ninho vazio.  Foto: Pixabay/ @qimono

“Há a preocupação por conta da segurança e do bem-estar dos jovens, mas há também o medo da distância emocional dos filhos”, afirma a psicóloga. Ela entende que muitos pais temem o dia em que seus filhos não precisarão mais deles. “Reconhecer a individualidade dos filhos e entender que eles precisam explorar o mundo se quiserem amadurecer é essencial. É importante demonstrar que confiamos na capacidade de tomada de decisões deles.”

Apesar das dificuldades enfrentadas por Maria Lúcia na ausência de Sofia e Luísa, a mãe diz não se arrepender da decisão de deixá-las ir. “Muitas vezes, achamos que os filhos são nossos. Porém, nossa função é apoiar, não controlar”, afirmou a funcionária pública. Para ela, é melhor deixar os filhos cometerem os próprios erros no presente do que ver eles, no futuro, se revoltando, pois os pais não deixaram eles saírem de casa. “À época de se arriscar na vida é quando você é jovem. Você não tem medo de nada e está lá para aprender com os erros.”

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Lidar com os sentimentos negativos, então, se torna um exercício de diálogo para ambos os lados. “Os pais têm que promover conversas francas e honestas sobre os planos e os sentimentos dos filhos em relação a essa mudança”, afirma a psicóloga Anahy D’Amico. Outra dica valiosa é oferecer apoio prático aos filhos — ajudar no planejamento financeiro, ensinar sobre orçamento e custos básicos da vida, orientar sobre organização, pagamento de contas e administração de um lar, entre outras coisas.

Mais do que falar, no entanto, os pais devem escutar as preocupações e os desejos dos filhos sem julgamentos. “Não é hora de sobrecarregar os filhos com culpa. A nova etapa na vida tem de ser celebrada, é uma conquista importante na vida deles. Algo para se orgulhar”. Para a especialista, o objetivo da criação é preparar os filhos para o mundo, não para si. “A independência de um filho é um reflexo do sucesso da criação dos pais.”

Meus filhos se foram. E agora?

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Você foi um pai ou uma mãe exemplar. Até ficou triste com a despedida, mas lidou com os próprios sentimentos de forma madura e não deixou que eles respingassem em seus filhos. Ajudou quando necessário, deu todo apoio possível — mas sempre respeitou o espaço e a individualidade deles. Agora, sozinho em casa — ou na companhia do seu parceiro —, não sabe o que fazer da vida. Para as psicólogas, esse sentimento é extremamente comum quando os filhos se vão.

“Os pais costumam viver focados nos filhos, mas o que eles fizeram da própria vida nesse tempo?”, questiona a psicoterapeuta Tai Castilho. “A vida não é só cuidar do filho, a vida também é cuidar de si. No entanto, existem casais que investem tudo nos filhos”. A psicoterapeuta entende que a separação entre pais e filhos é muito pior quando os progenitores não possuem nenhum tipo de projeto para a própria vida. “Antigamente, a família nuclear tradicional exigia esse tipo de sacrifício. Hoje em dia, no entanto, isso está se alterando”.

Para Tai, é essencial buscar outros objetivos que não estejam relacionados a cuidar dos filhos. “É necessário focar em outros lugares e procurar prazer neles — seja no lazer, nos amigos, no trabalho ou na própria relação conjugal”, afirma a psicoterapeuta. A psicóloga Anahy D’Amico concorda com a frase e acrescenta: “Os pais devem adotar estratégias para se adaptar às mudanças e para redescobrir propósitos novos. É um processo de redefinição de identidade pessoal.”

Para ambas as profissionais, muitos casamentos são deixados de lado na hora da criação dos filhos. A saída deles, então, é o momento perfeito para reavaliar o vínculo afetivo com o parceiro e entender para onde o relacionamento deve ir. “É uma oportunidade para redescobrir a parceria”, diz Anahy D’Amico. “E se o casal perceber que o casamento só existia por conta dos filhos, também é interessante procurar uma terapia de casal.”

‘No dia em que eu saí de casa’

Em uma das canções mais famosas da história do sertanejo brasileiro, a dupla Zezé Di Camargo e Luciano canta sobre as dores de um filho que, ao sair de casa, tem de dizer adeus para sua mãe. Os versos “Eu sei que ela nunca compreendeu/Os meus motivos de sair de lá/Mas ela sabe que depois que cresce/O filho vira passarinho e quer voar” foram eternizados na voz dos cantores em 1995, mas continuam atuais até hoje. Por mais que sair da casa dos pais seja uma etapa natural da vida, não são todos os progenitores que entendem — ou aprovam — a decisão. Esse impasse por gerar muito atrito e acabar danificando a relação.

A psicóloga Anahy D’Amico entende que, para suavizar a separação, os filhos devem explicar os motivos que os levaram a decidir ir embora. “É necessário se comunicar com clareza. Explicar, de forma sincera, os motivos pelos quais eles querem se independer”, afirma. Para o psicólogo e pesquisador Thiago Augusto de Souza, a decisão de ir embora foi conversada com a mãe com bastante antecedência. O jovem de 25 anos, que nasceu e cresceu no interior da Paraíba, se mudou com 18 anos para João Pessoa para estudar. “Sempre quis ter uma formação sólida e entendi que, se quisesse alcançar isso, teria de sair de casa”, disse o pesquisador.

“Minha mãe sempre investiu muito na minha educação e sempre me incentivou a estudar. Na cabeça dela, essa era o caminho mais seguro para garantir uma condição de vida melhor”, afirmou Thiago. A decisão de sair do interior da Paraíba para estudar, então, foi amadurecendo ao longo do ensino médio. O pesquisador é filho de uma mãe solo, o que dificultou ainda mais a separação. A mãe, no entanto, jamais se opôs. “Sempre que falava sobre isso com a mãe, ela ficava feliz. Ela sempre se alegrou com as minhas conquistas e deixou bem claro que uma vitória minha também é uma vitória dela. Isso me ajudou bastante.”

Após concluir a graduação em João Pessoa, Thiago optou por um novo desafio — se mudar para São Paulo para fazer a pós-graduação. Se antes ele estava a um ônibus de distância da mãe e da avó, agora era necessário um avião para visitá-las. E se é bem verdade que os pais costumam sofrer mais com a saída dos filhos de casa, isso não significa que os filhos também não sofram. “Ao longo dos últimos anos, me senti culpado em inúmeras ocasiões. O apoio familiar incondicional me dá a sensação de que não posso falhar. Elas investiram muito em mim, eu não tenho o luxo de dar errado”, revelou o pesquisador. Ele, no entanto, garante que nunca foi cobrado pela própria família. “É algo meu comigo mesmo”, explicou.

“Também me senti culpado por estar abrindo mão de passar mais tempo com a minha família. É dolorido pensar que, ao ir para um lugar que me dará oportunidades melhores, estou abrindo mão de estar presente na vida das pessoas que amo”, falou Thiago. Apesar dos sentimentos negativos, o pesquisador diz não se arrepender da decisão. “A dica fundamental é pensar muito sobre a saída. Entender o que você esperar conquistar é essencial”, disse. “É importante reconhecer que existirão momentos de dificuldade — você estará longe de casa e vai ter que se virar sozinho, isso requer algum preparo”. O pesquisador entende que o sentimento de solidão é o pior inimigo quando se está longe dos pais.

Para combater isso, a criação de rede de apoios é essencial. “Onde quer que você esteja, tente estabelecer novas relações que te ajudem a dar sentido ao dia-a-dia e a compartilhar o peso que existe nos desafios”, diz Thiago. Por fim, o jovem acredita ser necessário utilizar a liberdade adquirida para um processo de autoconhecimento. “Sair de casa me possibilitou descobrir quem eu sou sozinho no mundo.”

Na última semana, o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) encerrou sua data de matrículas para as universidades brasileiras no ano de 2025. Em diversas casas ao redor do Brasil, pais e filhos celebraram a entrada em cursos do ensino superior. Nas redes sociais, são inúmeros os vídeos onde famílias comemoram as conquistas. O momento, no entanto, também carrega uma enorme dificuldade dentro de si — uma parte significativa dos filhos terão de sair de casa para estudar em outro estado.

Não à toa, o sentimento conhecido como síndrome do ninho vazio é comum nessa época do ano — quando os resultados de vestibulares em todo o país são anunciados e os jovens universitários escolhem qual faculdade irão ingressar. São muitos os pais e as mães que precisam processar a saída dos filhos de casa. “É uma espécie de perda irreparável”, afirma a psicoterapeuta de casal e família Tai Castilho, fundadora do Instituto de Terapia Familiar de São Paulo (ITF) e doutora em psicologia clínica pela Universidade de Coimbra.

“É o sinal de que um ciclo da vida está se encerrando — a partir daqui, o filho nunca mais morará com os pais. Ao longo das nossas vidas, temos diversas separações psíquicas. Essa é uma das mais significativas”, diz Tai. Quem concorda com ela é a psicóloga Anahy D’Amico, autora do livro O Amor Não Dói (Paidós, 2020) e dona de um canal do YouTube com mais de 2,2 milhões de inscritos.

“Os pais investem anos criando e cuidando dos filhos. Esse papel acaba por definir a identidade deles”, reflete Anahy. “Quando os filhos saem de casa, é natural que os pais experimentem sensações de tristeza, solidão e inutilidade”. Para a profissional, a grande maioria dos pais dedica duas décadas de suas vidas a cuidar dos filhos. Quando essa tarefa desaparece, as pessoas se sentem perdidas e sem propósito.

“Muitos pais tentam adiar ou impedir essa saída, seja por medo, por apego ou por superproteção. Acusam o filho de abandono, não respeitam os limites estabelecidos. Isso gera tensão e angústia nos filhos”, diz Anahy. “Se sentir triste, inseguro e com medo é natural e faz parte do processo. Não há como evitar esses sentimentos, mas não é saudável tentar sabotar a saída do filho.”

Afinal, o que pode ser feito para tornar essa transição o mais tranquila e saudável possível para ambos os lados? O Estadão conversou com especialistas e com pais e filhos que passaram por essa situação e te dá dicas de como se preparar para o momento do adeus.

‘O filho vira passarinho e quer voar’

Aos 55 anos, a funcionária pública Maria Lúcia Oliveira já não tem mais as duas filhas em casa. Durante a infância e a juventude, ambas moravam em São Bernardo do Campo, em São Paulo, com a mãe e o pai. Isso mudou, no entanto, quando elas se formaram no ensino médio. Sofia, 26, foi para Florianópolis estudar sociologia. Poucos anos depois, Luísa, 22, optou por fazer intercâmbio na Irlanda. As duas saíram de casa em um intervalo de quatro anos.

“Nunca concordei com a saída de Sofia, mas deixei ela ir. Não temos como impedir os nossos filhos de trilhar o próprio caminho”, afirmou. A ausência da primeira filha foi bastante sentida, mas era aliviada com a presença da mais nova. Quando Luísa se foi, no entanto, as coisas pioraram bastante. “A casa ficou vazia. Minhas filhas preenchiam todos os cantos da casa, eu sentia falta disso. Era uma dor enorme.”

Para a psicóloga Anahy D’Amico, as dificuldades em lidar com o ninho vazio vão além das sentimentais. “Para além da perda, existe uma mudança na dinâmica familiar. A ausência física do filho gera saudade, ansiedade e medo”, diz. Se é bem verdade que, atualmente, é mais fácil manter contato via internet e celular, as preocupações continuam as mesmas.

A saída dos filhos da casa dos pais não precisa ser traumática. Especialistas indicam o melhor caminho para lidar com a síndrome do ninho vazio.  Foto: Pixabay/ @qimono

“Há a preocupação por conta da segurança e do bem-estar dos jovens, mas há também o medo da distância emocional dos filhos”, afirma a psicóloga. Ela entende que muitos pais temem o dia em que seus filhos não precisarão mais deles. “Reconhecer a individualidade dos filhos e entender que eles precisam explorar o mundo se quiserem amadurecer é essencial. É importante demonstrar que confiamos na capacidade de tomada de decisões deles.”

Apesar das dificuldades enfrentadas por Maria Lúcia na ausência de Sofia e Luísa, a mãe diz não se arrepender da decisão de deixá-las ir. “Muitas vezes, achamos que os filhos são nossos. Porém, nossa função é apoiar, não controlar”, afirmou a funcionária pública. Para ela, é melhor deixar os filhos cometerem os próprios erros no presente do que ver eles, no futuro, se revoltando, pois os pais não deixaram eles saírem de casa. “À época de se arriscar na vida é quando você é jovem. Você não tem medo de nada e está lá para aprender com os erros.”

Lidar com os sentimentos negativos, então, se torna um exercício de diálogo para ambos os lados. “Os pais têm que promover conversas francas e honestas sobre os planos e os sentimentos dos filhos em relação a essa mudança”, afirma a psicóloga Anahy D’Amico. Outra dica valiosa é oferecer apoio prático aos filhos — ajudar no planejamento financeiro, ensinar sobre orçamento e custos básicos da vida, orientar sobre organização, pagamento de contas e administração de um lar, entre outras coisas.

Mais do que falar, no entanto, os pais devem escutar as preocupações e os desejos dos filhos sem julgamentos. “Não é hora de sobrecarregar os filhos com culpa. A nova etapa na vida tem de ser celebrada, é uma conquista importante na vida deles. Algo para se orgulhar”. Para a especialista, o objetivo da criação é preparar os filhos para o mundo, não para si. “A independência de um filho é um reflexo do sucesso da criação dos pais.”

Meus filhos se foram. E agora?

Você foi um pai ou uma mãe exemplar. Até ficou triste com a despedida, mas lidou com os próprios sentimentos de forma madura e não deixou que eles respingassem em seus filhos. Ajudou quando necessário, deu todo apoio possível — mas sempre respeitou o espaço e a individualidade deles. Agora, sozinho em casa — ou na companhia do seu parceiro —, não sabe o que fazer da vida. Para as psicólogas, esse sentimento é extremamente comum quando os filhos se vão.

“Os pais costumam viver focados nos filhos, mas o que eles fizeram da própria vida nesse tempo?”, questiona a psicoterapeuta Tai Castilho. “A vida não é só cuidar do filho, a vida também é cuidar de si. No entanto, existem casais que investem tudo nos filhos”. A psicoterapeuta entende que a separação entre pais e filhos é muito pior quando os progenitores não possuem nenhum tipo de projeto para a própria vida. “Antigamente, a família nuclear tradicional exigia esse tipo de sacrifício. Hoje em dia, no entanto, isso está se alterando”.

Para Tai, é essencial buscar outros objetivos que não estejam relacionados a cuidar dos filhos. “É necessário focar em outros lugares e procurar prazer neles — seja no lazer, nos amigos, no trabalho ou na própria relação conjugal”, afirma a psicoterapeuta. A psicóloga Anahy D’Amico concorda com a frase e acrescenta: “Os pais devem adotar estratégias para se adaptar às mudanças e para redescobrir propósitos novos. É um processo de redefinição de identidade pessoal.”

Para ambas as profissionais, muitos casamentos são deixados de lado na hora da criação dos filhos. A saída deles, então, é o momento perfeito para reavaliar o vínculo afetivo com o parceiro e entender para onde o relacionamento deve ir. “É uma oportunidade para redescobrir a parceria”, diz Anahy D’Amico. “E se o casal perceber que o casamento só existia por conta dos filhos, também é interessante procurar uma terapia de casal.”

‘No dia em que eu saí de casa’

Em uma das canções mais famosas da história do sertanejo brasileiro, a dupla Zezé Di Camargo e Luciano canta sobre as dores de um filho que, ao sair de casa, tem de dizer adeus para sua mãe. Os versos “Eu sei que ela nunca compreendeu/Os meus motivos de sair de lá/Mas ela sabe que depois que cresce/O filho vira passarinho e quer voar” foram eternizados na voz dos cantores em 1995, mas continuam atuais até hoje. Por mais que sair da casa dos pais seja uma etapa natural da vida, não são todos os progenitores que entendem — ou aprovam — a decisão. Esse impasse por gerar muito atrito e acabar danificando a relação.

A psicóloga Anahy D’Amico entende que, para suavizar a separação, os filhos devem explicar os motivos que os levaram a decidir ir embora. “É necessário se comunicar com clareza. Explicar, de forma sincera, os motivos pelos quais eles querem se independer”, afirma. Para o psicólogo e pesquisador Thiago Augusto de Souza, a decisão de ir embora foi conversada com a mãe com bastante antecedência. O jovem de 25 anos, que nasceu e cresceu no interior da Paraíba, se mudou com 18 anos para João Pessoa para estudar. “Sempre quis ter uma formação sólida e entendi que, se quisesse alcançar isso, teria de sair de casa”, disse o pesquisador.

“Minha mãe sempre investiu muito na minha educação e sempre me incentivou a estudar. Na cabeça dela, essa era o caminho mais seguro para garantir uma condição de vida melhor”, afirmou Thiago. A decisão de sair do interior da Paraíba para estudar, então, foi amadurecendo ao longo do ensino médio. O pesquisador é filho de uma mãe solo, o que dificultou ainda mais a separação. A mãe, no entanto, jamais se opôs. “Sempre que falava sobre isso com a mãe, ela ficava feliz. Ela sempre se alegrou com as minhas conquistas e deixou bem claro que uma vitória minha também é uma vitória dela. Isso me ajudou bastante.”

Após concluir a graduação em João Pessoa, Thiago optou por um novo desafio — se mudar para São Paulo para fazer a pós-graduação. Se antes ele estava a um ônibus de distância da mãe e da avó, agora era necessário um avião para visitá-las. E se é bem verdade que os pais costumam sofrer mais com a saída dos filhos de casa, isso não significa que os filhos também não sofram. “Ao longo dos últimos anos, me senti culpado em inúmeras ocasiões. O apoio familiar incondicional me dá a sensação de que não posso falhar. Elas investiram muito em mim, eu não tenho o luxo de dar errado”, revelou o pesquisador. Ele, no entanto, garante que nunca foi cobrado pela própria família. “É algo meu comigo mesmo”, explicou.

“Também me senti culpado por estar abrindo mão de passar mais tempo com a minha família. É dolorido pensar que, ao ir para um lugar que me dará oportunidades melhores, estou abrindo mão de estar presente na vida das pessoas que amo”, falou Thiago. Apesar dos sentimentos negativos, o pesquisador diz não se arrepender da decisão. “A dica fundamental é pensar muito sobre a saída. Entender o que você esperar conquistar é essencial”, disse. “É importante reconhecer que existirão momentos de dificuldade — você estará longe de casa e vai ter que se virar sozinho, isso requer algum preparo”. O pesquisador entende que o sentimento de solidão é o pior inimigo quando se está longe dos pais.

Para combater isso, a criação de rede de apoios é essencial. “Onde quer que você esteja, tente estabelecer novas relações que te ajudem a dar sentido ao dia-a-dia e a compartilhar o peso que existe nos desafios”, diz Thiago. Por fim, o jovem acredita ser necessário utilizar a liberdade adquirida para um processo de autoconhecimento. “Sair de casa me possibilitou descobrir quem eu sou sozinho no mundo.”

Na última semana, o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) encerrou sua data de matrículas para as universidades brasileiras no ano de 2025. Em diversas casas ao redor do Brasil, pais e filhos celebraram a entrada em cursos do ensino superior. Nas redes sociais, são inúmeros os vídeos onde famílias comemoram as conquistas. O momento, no entanto, também carrega uma enorme dificuldade dentro de si — uma parte significativa dos filhos terão de sair de casa para estudar em outro estado.

Não à toa, o sentimento conhecido como síndrome do ninho vazio é comum nessa época do ano — quando os resultados de vestibulares em todo o país são anunciados e os jovens universitários escolhem qual faculdade irão ingressar. São muitos os pais e as mães que precisam processar a saída dos filhos de casa. “É uma espécie de perda irreparável”, afirma a psicoterapeuta de casal e família Tai Castilho, fundadora do Instituto de Terapia Familiar de São Paulo (ITF) e doutora em psicologia clínica pela Universidade de Coimbra.

“É o sinal de que um ciclo da vida está se encerrando — a partir daqui, o filho nunca mais morará com os pais. Ao longo das nossas vidas, temos diversas separações psíquicas. Essa é uma das mais significativas”, diz Tai. Quem concorda com ela é a psicóloga Anahy D’Amico, autora do livro O Amor Não Dói (Paidós, 2020) e dona de um canal do YouTube com mais de 2,2 milhões de inscritos.

“Os pais investem anos criando e cuidando dos filhos. Esse papel acaba por definir a identidade deles”, reflete Anahy. “Quando os filhos saem de casa, é natural que os pais experimentem sensações de tristeza, solidão e inutilidade”. Para a profissional, a grande maioria dos pais dedica duas décadas de suas vidas a cuidar dos filhos. Quando essa tarefa desaparece, as pessoas se sentem perdidas e sem propósito.

“Muitos pais tentam adiar ou impedir essa saída, seja por medo, por apego ou por superproteção. Acusam o filho de abandono, não respeitam os limites estabelecidos. Isso gera tensão e angústia nos filhos”, diz Anahy. “Se sentir triste, inseguro e com medo é natural e faz parte do processo. Não há como evitar esses sentimentos, mas não é saudável tentar sabotar a saída do filho.”

Afinal, o que pode ser feito para tornar essa transição o mais tranquila e saudável possível para ambos os lados? O Estadão conversou com especialistas e com pais e filhos que passaram por essa situação e te dá dicas de como se preparar para o momento do adeus.

‘O filho vira passarinho e quer voar’

Aos 55 anos, a funcionária pública Maria Lúcia Oliveira já não tem mais as duas filhas em casa. Durante a infância e a juventude, ambas moravam em São Bernardo do Campo, em São Paulo, com a mãe e o pai. Isso mudou, no entanto, quando elas se formaram no ensino médio. Sofia, 26, foi para Florianópolis estudar sociologia. Poucos anos depois, Luísa, 22, optou por fazer intercâmbio na Irlanda. As duas saíram de casa em um intervalo de quatro anos.

“Nunca concordei com a saída de Sofia, mas deixei ela ir. Não temos como impedir os nossos filhos de trilhar o próprio caminho”, afirmou. A ausência da primeira filha foi bastante sentida, mas era aliviada com a presença da mais nova. Quando Luísa se foi, no entanto, as coisas pioraram bastante. “A casa ficou vazia. Minhas filhas preenchiam todos os cantos da casa, eu sentia falta disso. Era uma dor enorme.”

Para a psicóloga Anahy D’Amico, as dificuldades em lidar com o ninho vazio vão além das sentimentais. “Para além da perda, existe uma mudança na dinâmica familiar. A ausência física do filho gera saudade, ansiedade e medo”, diz. Se é bem verdade que, atualmente, é mais fácil manter contato via internet e celular, as preocupações continuam as mesmas.

A saída dos filhos da casa dos pais não precisa ser traumática. Especialistas indicam o melhor caminho para lidar com a síndrome do ninho vazio.  Foto: Pixabay/ @qimono

“Há a preocupação por conta da segurança e do bem-estar dos jovens, mas há também o medo da distância emocional dos filhos”, afirma a psicóloga. Ela entende que muitos pais temem o dia em que seus filhos não precisarão mais deles. “Reconhecer a individualidade dos filhos e entender que eles precisam explorar o mundo se quiserem amadurecer é essencial. É importante demonstrar que confiamos na capacidade de tomada de decisões deles.”

Apesar das dificuldades enfrentadas por Maria Lúcia na ausência de Sofia e Luísa, a mãe diz não se arrepender da decisão de deixá-las ir. “Muitas vezes, achamos que os filhos são nossos. Porém, nossa função é apoiar, não controlar”, afirmou a funcionária pública. Para ela, é melhor deixar os filhos cometerem os próprios erros no presente do que ver eles, no futuro, se revoltando, pois os pais não deixaram eles saírem de casa. “À época de se arriscar na vida é quando você é jovem. Você não tem medo de nada e está lá para aprender com os erros.”

Lidar com os sentimentos negativos, então, se torna um exercício de diálogo para ambos os lados. “Os pais têm que promover conversas francas e honestas sobre os planos e os sentimentos dos filhos em relação a essa mudança”, afirma a psicóloga Anahy D’Amico. Outra dica valiosa é oferecer apoio prático aos filhos — ajudar no planejamento financeiro, ensinar sobre orçamento e custos básicos da vida, orientar sobre organização, pagamento de contas e administração de um lar, entre outras coisas.

Mais do que falar, no entanto, os pais devem escutar as preocupações e os desejos dos filhos sem julgamentos. “Não é hora de sobrecarregar os filhos com culpa. A nova etapa na vida tem de ser celebrada, é uma conquista importante na vida deles. Algo para se orgulhar”. Para a especialista, o objetivo da criação é preparar os filhos para o mundo, não para si. “A independência de um filho é um reflexo do sucesso da criação dos pais.”

Meus filhos se foram. E agora?

Você foi um pai ou uma mãe exemplar. Até ficou triste com a despedida, mas lidou com os próprios sentimentos de forma madura e não deixou que eles respingassem em seus filhos. Ajudou quando necessário, deu todo apoio possível — mas sempre respeitou o espaço e a individualidade deles. Agora, sozinho em casa — ou na companhia do seu parceiro —, não sabe o que fazer da vida. Para as psicólogas, esse sentimento é extremamente comum quando os filhos se vão.

“Os pais costumam viver focados nos filhos, mas o que eles fizeram da própria vida nesse tempo?”, questiona a psicoterapeuta Tai Castilho. “A vida não é só cuidar do filho, a vida também é cuidar de si. No entanto, existem casais que investem tudo nos filhos”. A psicoterapeuta entende que a separação entre pais e filhos é muito pior quando os progenitores não possuem nenhum tipo de projeto para a própria vida. “Antigamente, a família nuclear tradicional exigia esse tipo de sacrifício. Hoje em dia, no entanto, isso está se alterando”.

Para Tai, é essencial buscar outros objetivos que não estejam relacionados a cuidar dos filhos. “É necessário focar em outros lugares e procurar prazer neles — seja no lazer, nos amigos, no trabalho ou na própria relação conjugal”, afirma a psicoterapeuta. A psicóloga Anahy D’Amico concorda com a frase e acrescenta: “Os pais devem adotar estratégias para se adaptar às mudanças e para redescobrir propósitos novos. É um processo de redefinição de identidade pessoal.”

Para ambas as profissionais, muitos casamentos são deixados de lado na hora da criação dos filhos. A saída deles, então, é o momento perfeito para reavaliar o vínculo afetivo com o parceiro e entender para onde o relacionamento deve ir. “É uma oportunidade para redescobrir a parceria”, diz Anahy D’Amico. “E se o casal perceber que o casamento só existia por conta dos filhos, também é interessante procurar uma terapia de casal.”

‘No dia em que eu saí de casa’

Em uma das canções mais famosas da história do sertanejo brasileiro, a dupla Zezé Di Camargo e Luciano canta sobre as dores de um filho que, ao sair de casa, tem de dizer adeus para sua mãe. Os versos “Eu sei que ela nunca compreendeu/Os meus motivos de sair de lá/Mas ela sabe que depois que cresce/O filho vira passarinho e quer voar” foram eternizados na voz dos cantores em 1995, mas continuam atuais até hoje. Por mais que sair da casa dos pais seja uma etapa natural da vida, não são todos os progenitores que entendem — ou aprovam — a decisão. Esse impasse por gerar muito atrito e acabar danificando a relação.

A psicóloga Anahy D’Amico entende que, para suavizar a separação, os filhos devem explicar os motivos que os levaram a decidir ir embora. “É necessário se comunicar com clareza. Explicar, de forma sincera, os motivos pelos quais eles querem se independer”, afirma. Para o psicólogo e pesquisador Thiago Augusto de Souza, a decisão de ir embora foi conversada com a mãe com bastante antecedência. O jovem de 25 anos, que nasceu e cresceu no interior da Paraíba, se mudou com 18 anos para João Pessoa para estudar. “Sempre quis ter uma formação sólida e entendi que, se quisesse alcançar isso, teria de sair de casa”, disse o pesquisador.

“Minha mãe sempre investiu muito na minha educação e sempre me incentivou a estudar. Na cabeça dela, essa era o caminho mais seguro para garantir uma condição de vida melhor”, afirmou Thiago. A decisão de sair do interior da Paraíba para estudar, então, foi amadurecendo ao longo do ensino médio. O pesquisador é filho de uma mãe solo, o que dificultou ainda mais a separação. A mãe, no entanto, jamais se opôs. “Sempre que falava sobre isso com a mãe, ela ficava feliz. Ela sempre se alegrou com as minhas conquistas e deixou bem claro que uma vitória minha também é uma vitória dela. Isso me ajudou bastante.”

Após concluir a graduação em João Pessoa, Thiago optou por um novo desafio — se mudar para São Paulo para fazer a pós-graduação. Se antes ele estava a um ônibus de distância da mãe e da avó, agora era necessário um avião para visitá-las. E se é bem verdade que os pais costumam sofrer mais com a saída dos filhos de casa, isso não significa que os filhos também não sofram. “Ao longo dos últimos anos, me senti culpado em inúmeras ocasiões. O apoio familiar incondicional me dá a sensação de que não posso falhar. Elas investiram muito em mim, eu não tenho o luxo de dar errado”, revelou o pesquisador. Ele, no entanto, garante que nunca foi cobrado pela própria família. “É algo meu comigo mesmo”, explicou.

“Também me senti culpado por estar abrindo mão de passar mais tempo com a minha família. É dolorido pensar que, ao ir para um lugar que me dará oportunidades melhores, estou abrindo mão de estar presente na vida das pessoas que amo”, falou Thiago. Apesar dos sentimentos negativos, o pesquisador diz não se arrepender da decisão. “A dica fundamental é pensar muito sobre a saída. Entender o que você esperar conquistar é essencial”, disse. “É importante reconhecer que existirão momentos de dificuldade — você estará longe de casa e vai ter que se virar sozinho, isso requer algum preparo”. O pesquisador entende que o sentimento de solidão é o pior inimigo quando se está longe dos pais.

Para combater isso, a criação de rede de apoios é essencial. “Onde quer que você esteja, tente estabelecer novas relações que te ajudem a dar sentido ao dia-a-dia e a compartilhar o peso que existe nos desafios”, diz Thiago. Por fim, o jovem acredita ser necessário utilizar a liberdade adquirida para um processo de autoconhecimento. “Sair de casa me possibilitou descobrir quem eu sou sozinho no mundo.”

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