Os rumores sobre uma possível reconciliação amorosa entre a cantora IZA e o jogador de futebol Yuri Lima cresceram nas redes sociais na última semana e inúmeros internautas passaram a questionar a suposta decisão da artista. Afinal, como ela poderia voltar com alguém que a traiu? Procurada pelo Estadão, a assessoria da cantora afirmou que “não tem nada a declarar” sobre o assunto. O posicionamento, no entanto, não foi o suficiente para acalmar os fãs e simpatizantes da cantora brasileira.
No X, o antigo Twitter, o nome de IZA se tornou um dos assuntos mais comentados da plataforma. Em sua maioria, os comentários julgavam a cantora e diziam que, caso ocorresse com eles, jamais perdoariam uma traição. No começo de julho, a artista publicou em seu perfil oficial no Instagram um vídeo em que revelava que Lima havia sido infiel e que ela estava terminando o relacionamento. A cantora está grávida do atleta.
O status de relacionamento do casal ainda é incerto para o público, mas o possível perdão de IZA e a reconciliação com Yuri Lima revelam algo que nem todos parecem estar dispostos a aceitar: o perdão após a traição é mais comum do que as pessoas imaginam. No Dia Nacional do Perdão, 30 de agosto, o Estadão conversou com dois psicólogos e uma pessoa que já perdoou traições para entender quando o perdão é positivo e como alcançá-lo.
É possível perdoar?
Letícia Rodrigues*, 27, já esteve em dois relacionamentos. Nos dois, foi traída. Ela, no entanto, descreve as duas experiências de forma bem diferente. “No meu primeiro namoro, tinha muito medo de ficar sozinha. Meu ex-namorado me falava que ninguém ia gostar de mim daquele jeito, só ele”, afirma. Segundo ela, a insegurança foi o grande motivador por trás do perdão. Para não ficar sozinha, Letícia acabou “aceitando as migalhas” de seu ex.
Eventualmente, o relacionamento acabou. Após alguns meses, se afeiçoou por um amigo que conheceu na faculdade e ambos começaram a paquerar. O colega a pediu em namoro. “Era o primeiro relacionamento dele. Por isso, tentei ir com calma. Após um mês juntos, recebi uma mensagem dele: ‘Preciso falar com você'”.
Ao receber a notícia de que havia sido traída de novo, Letícia desabou. “Fiquei muito mal, chorei muito. Me perguntava como era possível que minha tristeza não valesse nada para as pessoas que amo.” Apesar da mágoa, a diferença na forma com que os dois parceiros lidaram com a infidelidade foi um divisor de águas para a jovem. Se no primeiro relacionamento ela teve de descobrir por conta própria, no segundo foi o próprio companheiro quem admitiu o erro. “Ele me explicou o que ocorreu e vi que ele estava muito mal. Ali, percebi o quanto ele gostava de mim.”
Após um período de reflexão, Letícia resolveu retomar o relacionamento. “Eu sentia muita falta dele. Sempre que algo acontecia, queria comentar com ele. Pensei que poderia estar perdendo a chande de viver algo legal por conta de um erro”, conta. O medo de ser traída, entretanto, permanecia. Ela, então, propôs uma solução: um período de teste de três meses. “Era o primeiro relacionamento dele, eu entendia que ele estava bem confuso. Dei uma passada de pano para ele, confesso. Propus esses três meses juntos, para nós dois vermos se era aquilo mesmo que queríamos. Acabou dando certo, estou com ele até hoje.”
Para a psicóloga Ana Canosa, é possível criar um relacionamento saudável após uma traição. Há, no entanto, ressalvas. “Acima de tudo, é necessário entender o motivo da infidelidade. É só entendendo a motivação de quem foi infiel que a pessoa traída pode fazer a escolha de perdoar ou não”, afirma a psicóloga. “É muito difícil estabelecer a confiança novamente se não soubermos os motivos pelo qual a traição ocorreu em primeiro lugar.”
Canosa, entretanto, não entende que seja necessário entrar em detalhes gráficos sobre a traição. O importante é compreender os motivos e não o ato em si. A psicóloga acredita que nem toda infidelidade é um problema de caráter. “Nem sempre uma traição vem de um buraco na relação. Muitas vezes, é sobre o desejo do indivíduo, não porque o casamento está mal”, explica.
Se a pessoa trai constantemente e não vê isso como algo errado, é improvável que esteja disposta a conversar sobre o que causou a quebra de confiança. “Mas existem muitas pessoas que nunca foram infiéis e, do dia para a noite, se deparam com esse dilema. Perdoamos quando entendemos que também já fomos covardes em outros momentos.”
A psicóloga acredita que parte da dificuldade em perdoar está relacionada ao entendimento que a traição é uma ofensa contra o próprio ego da pessoa. “Como alguém pode fazer isso comigo? Como alguém pode me trair? As pessoas não acreditam que alguém pode fazer isso com elas”, diz a psicóloga. “Para perdoar, é importante ultrapassar essa perspectiva de ofensa pessoal”, recomenda.
Ficar ou não ficar junto?
A traição pode ser perdoada, mas isso não significa que o relacionamento tenha de continuar. A decisão de manter ou reatar uma relação é individual, mas existem bons indicativos para saber quando ir embora é a melhor opção. “Qual foi a motivação da traição? Ela é um erro recorrente? Ou foi algo de momento, um desejo que não foi contido?”, questiona Ana Canosa.
“É completamente normal e aceitável perdoar, mas não querer viver mais junto. Se você sabe que não vai mais conseguir confiar naquela pessoa e viverá sempre inseguro, por que continuar?”. Perdoar, mas continuar remoendo a traição é a receita para a infelicidade. “Nós não temos como saber se vamos ser traídos de novo, só podemos confiar na intenção do outro”, diz Canosa.
Para Letícia, que relatou ter sido traída nos dois relacionamentos que teve, é importante estabelecer limites e respeitar a si mesmo. “No meu namoro atual, a relação melhorou após o perdão. As coisas ficaram confusas com um tempo, mas o nosso relacionamento foi ganhando corpo.” A jovem lembra que, com o ex-namorado, vivia insegura e com medo de uma nova traição. O atual companheiro, no entanto, faz o necessário para que ela se sinta confortável.
“O grande segredo, para mim, é não viver em sofrimento. E, para viver sem sofrimento, é necessário entender o que causa a dor. Não adianta insistir em algo que você sabe que vai te magoar. Às vezes, é dolorido olhar todo dia para a cara da pessoa que te fez mal”, afirmou Letícia. “Já perdoei uma traição por entender que não merecia um relacionamento saudável, e esse é um motivo errado. Agora, se você entende que foi um erro isolado e que o relacionamento vale o perdão, acho que as coisas podem dar certo.”
Como reconstruir a confiança?
A parte mais difícil de retomar um relacionamento após uma traição, no entanto, não reside no perdão em si, mas no que vem depois. Como voltar a acreditar em alguém após ter sua confiança quebrada? Essa é a pergunta de um milhão de dólares e não há receita de bolo que indique uma única solução. Ana Canosa, no entanto, compartilha um roteiro que costuma ser vivido por casais que enfrentam tal dilema.
Logo após a decisão da permanência no relacionamento, vem a tormenta. “Aquele que foi infiel terá que aguentar uma fase do relacionamento em que a pessoa traída exigirá uma série de coisas, algumas irracionais — foto de onde a pessoa está, a senha do celular, responder às mensagens com rapidez, etc.”
Para a psicóloga, por mais desgastante que essa fase seja, ela costuma ser necessária. “A pessoa que foi traída também vai ter um momento de explosão, onde vai querer se vingar da pessoa que traiu. Vai sair e não vai dizer para onde está indo ou com quem está saindo. É natural”. A especialista, no entanto, alerta: esse momento tem de passar. “Não dá para viver o resto da vida assim.”
Por fim, é comum que após a tempestade, a pessoa traída procure a reconfirmação do amor no relacionamento. Ela vai querer saber se o parceiro ou a parceira a amam de verdade e se querem continuar juntos. Com isso, é necessário uma repactuação do relacionamento para reestabelecer a confiança. “A relação continuará sendo monogâmica? O que será feito para suprir os desejos que originaram a traição? Essas são perguntas importantes, que precisam ser respondidas com honestidade para a formulação de um novo vínculo de confiança”, diz Canosa.
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Ela também indica a busca por um profissional da psicologia especializado em casais. “Enfrentar uma traição é navegar por um mar de sofrimento e acusações”, afirma a psicologa. “Quando descobrimos uma infidelidade, entramos em contato com o pior do que o outro tem para oferecer. É a pessoa que você mais ama quebrando sua confiança. Mas você também entra em contato com o seu pior - a raiva, o descontrole, a tristeza.”
Uma nova perspectiva
O psicanalista Lucas Bulamah, que também é doutor em psicologia clínica pela USP, tem uma visão diferente sobre a traição e o perdão. Ele, que ministra o curso “Psicanálise e Traição”, entende que é necessário investigar o que constitui um relacionamento saudável para entender o peso de uma traição. “As pessoas costumam encarar um momento de quebra de confiança como um desvio em um caminho que deveria ser reto, correto e livre de desapontamentos. Mas não é assim que a vida funciona, né?”, ele questiona.
Bulamah enxerga que o grande pânico de quem ama é perceber que o ser amado pode ser uma pessoa que ela não conhece em sua totalidade. “É assustador ver que você não tem nenhum controle sobre quem ama. A traição acaba nos obrigando a reformular a ideia que temos de relacionamento e de confiança”, afirma o psicanalista.
“Confiar no outro não é pedir coerência, mas sim aceitar o risco. Todo mundo muda, é impossível ser coerente o tempo todo e para sempre. É sobre se aventurar com outra pessoa e confiar que essa aventura vai ser interessante, muito mais do que uma relação segura. O risco pode ser mais interessante que a rotina.”
Ele acredita que o risco da traição não precisa ser um campo de temor, mas sim uma oportunidade de explorar desejos. E, quando estamos lidando com uma “fonte infinita de desejos como o ser humano”, o psicanalista entende que é necessário ser honesto consigo mesmo e com o outro.
“Quando os desejos aparecem, eles querem ser negociados. É importante estar aberto a realizá-los, entender quais compromissos podem ser alcançados para a realização daquilo que se deseja. A crise é o momento em que a gente se reorganiza e acolhe novos desejos. Os pares mudam. É natural. Nada me parece menos saudável do que um relacionamento que dura 30 anos sem nenhum tipo de mudança ou desgoverno”, finaliza Bulamah.
*O nome da entrevistada foi alterado para garantir o anonimato