Self-service de humor

Opinião|Abraçado ao meu temor


Por Carlos Castelo

"Talvez tenha sido a pandemia. Aqueles longos meses dentro de casa."

(Pixabay)  
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Talvez tenha sido a pandemia. Aqueles longos meses dentro de casa. Não sei vocês, mas eu, depois disso, mudei certos hábitos.

Antes, saía bastante. Sempre que era convidado para festas, jantares, casamentos, eu ia. Era uma chance de conhecer pessoas legais, quem sabe até namorar depois. Porém, por questão de segurança, limei os encontros amorosos de vez. Como não pretendo mais sair para locais distantes do meu bairro, nem socializar com ninguém, vendi o carro. Veio-me também a ideia de que, com a quantidade de acidentes no Brasil, eu poderia acabar entrando para a estatística dos mutilados ou mortos.

Resumi também as saídas, a pé, para mercado ou farmácia. Se preciso de mais alguma coisa, peço no Ifood. No início, me dirigia ao Petz ou Cobasi por causa do meu cãozinho, mas o doei. Pretendo me responsabilizar unicamente pela minha existência, não pela de terceiros.

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Mesmo as curtas caminhadas diárias me trazem pensamentos desagradáveis. A começar pelo elevador. E se, de repente, ele para e acontece um incêndio no prédio? A solução é descer, e subir, os dez andares pelas escadas de emergência.

Na rua, os sentimentos angustiantes não cessam. Certo dia, mirei o céu e vi a quantidade de fios elétricos; muitos de alta tensão. Pensei no ato: se um deles se solta e me acerta, babau.

Foi a partir dali que comecei a andar olhando para cima o tempo todo. Por vezes, movia rapidamente o pescoço para o nível da calçada, a fim de checar se um poste poderia estar mal enterrado, ou se uma árvore desenraizada oferecia risco de cair sobre mim. Por causa do ritual, demorava quase meia hora para chegar ao local das compras, apesar de serem quase vizinhos ao meu condomínio.

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No dia em que assisti na TV o ataque de pitbulls a uma mulher indefesa, comprei um taco de baseball e só ando com ele. Viver só é perigoso para quem não se previne.

Minha prevenção, aliás, fez com que eu assinasse todos os streamings. Salas de cinema, apesar das inocentes pipocas e refrigerantes, são sabidamente perigosas: de possíveis catástrofes a psicopatas atirando na audiência. Amo filmes, no entanto, prezo mais a minha vida.

Estou há mais de dois anos assim. Seria perfeito e seguro, caso eu não desenvolvesse a fobia de me sentir trancado no apartamento. A novidade apareceu numa noite quente, daquelas de El Niño. Eu ressonava no sofá, a TV ligada no Família Soprano. De repente, baixou uma opressão, ficou tudo escuro, eu visualizava apenas um pensamento: e se a fechadura quebrar e não abrir nunca mais?

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A aflição foi tamanha que agora escrevo este texto, em posição fetal, num cantinho do lavabo. Só sei que estou vivo por causa das dúzias de mensagens de telemarketing pelo celular oferecendo empréstimos, internet via fibra e Jogo do Tigrinho. Às vezes, o lado bom da vida vem de lugares absolutamente detestáveis.

 

"Talvez tenha sido a pandemia. Aqueles longos meses dentro de casa."

(Pixabay)  

Talvez tenha sido a pandemia. Aqueles longos meses dentro de casa. Não sei vocês, mas eu, depois disso, mudei certos hábitos.

Antes, saía bastante. Sempre que era convidado para festas, jantares, casamentos, eu ia. Era uma chance de conhecer pessoas legais, quem sabe até namorar depois. Porém, por questão de segurança, limei os encontros amorosos de vez. Como não pretendo mais sair para locais distantes do meu bairro, nem socializar com ninguém, vendi o carro. Veio-me também a ideia de que, com a quantidade de acidentes no Brasil, eu poderia acabar entrando para a estatística dos mutilados ou mortos.

Resumi também as saídas, a pé, para mercado ou farmácia. Se preciso de mais alguma coisa, peço no Ifood. No início, me dirigia ao Petz ou Cobasi por causa do meu cãozinho, mas o doei. Pretendo me responsabilizar unicamente pela minha existência, não pela de terceiros.

Mesmo as curtas caminhadas diárias me trazem pensamentos desagradáveis. A começar pelo elevador. E se, de repente, ele para e acontece um incêndio no prédio? A solução é descer, e subir, os dez andares pelas escadas de emergência.

Na rua, os sentimentos angustiantes não cessam. Certo dia, mirei o céu e vi a quantidade de fios elétricos; muitos de alta tensão. Pensei no ato: se um deles se solta e me acerta, babau.

Foi a partir dali que comecei a andar olhando para cima o tempo todo. Por vezes, movia rapidamente o pescoço para o nível da calçada, a fim de checar se um poste poderia estar mal enterrado, ou se uma árvore desenraizada oferecia risco de cair sobre mim. Por causa do ritual, demorava quase meia hora para chegar ao local das compras, apesar de serem quase vizinhos ao meu condomínio.

No dia em que assisti na TV o ataque de pitbulls a uma mulher indefesa, comprei um taco de baseball e só ando com ele. Viver só é perigoso para quem não se previne.

Minha prevenção, aliás, fez com que eu assinasse todos os streamings. Salas de cinema, apesar das inocentes pipocas e refrigerantes, são sabidamente perigosas: de possíveis catástrofes a psicopatas atirando na audiência. Amo filmes, no entanto, prezo mais a minha vida.

Estou há mais de dois anos assim. Seria perfeito e seguro, caso eu não desenvolvesse a fobia de me sentir trancado no apartamento. A novidade apareceu numa noite quente, daquelas de El Niño. Eu ressonava no sofá, a TV ligada no Família Soprano. De repente, baixou uma opressão, ficou tudo escuro, eu visualizava apenas um pensamento: e se a fechadura quebrar e não abrir nunca mais?

A aflição foi tamanha que agora escrevo este texto, em posição fetal, num cantinho do lavabo. Só sei que estou vivo por causa das dúzias de mensagens de telemarketing pelo celular oferecendo empréstimos, internet via fibra e Jogo do Tigrinho. Às vezes, o lado bom da vida vem de lugares absolutamente detestáveis.

 

"Talvez tenha sido a pandemia. Aqueles longos meses dentro de casa."

(Pixabay)  

Talvez tenha sido a pandemia. Aqueles longos meses dentro de casa. Não sei vocês, mas eu, depois disso, mudei certos hábitos.

Antes, saía bastante. Sempre que era convidado para festas, jantares, casamentos, eu ia. Era uma chance de conhecer pessoas legais, quem sabe até namorar depois. Porém, por questão de segurança, limei os encontros amorosos de vez. Como não pretendo mais sair para locais distantes do meu bairro, nem socializar com ninguém, vendi o carro. Veio-me também a ideia de que, com a quantidade de acidentes no Brasil, eu poderia acabar entrando para a estatística dos mutilados ou mortos.

Resumi também as saídas, a pé, para mercado ou farmácia. Se preciso de mais alguma coisa, peço no Ifood. No início, me dirigia ao Petz ou Cobasi por causa do meu cãozinho, mas o doei. Pretendo me responsabilizar unicamente pela minha existência, não pela de terceiros.

Mesmo as curtas caminhadas diárias me trazem pensamentos desagradáveis. A começar pelo elevador. E se, de repente, ele para e acontece um incêndio no prédio? A solução é descer, e subir, os dez andares pelas escadas de emergência.

Na rua, os sentimentos angustiantes não cessam. Certo dia, mirei o céu e vi a quantidade de fios elétricos; muitos de alta tensão. Pensei no ato: se um deles se solta e me acerta, babau.

Foi a partir dali que comecei a andar olhando para cima o tempo todo. Por vezes, movia rapidamente o pescoço para o nível da calçada, a fim de checar se um poste poderia estar mal enterrado, ou se uma árvore desenraizada oferecia risco de cair sobre mim. Por causa do ritual, demorava quase meia hora para chegar ao local das compras, apesar de serem quase vizinhos ao meu condomínio.

No dia em que assisti na TV o ataque de pitbulls a uma mulher indefesa, comprei um taco de baseball e só ando com ele. Viver só é perigoso para quem não se previne.

Minha prevenção, aliás, fez com que eu assinasse todos os streamings. Salas de cinema, apesar das inocentes pipocas e refrigerantes, são sabidamente perigosas: de possíveis catástrofes a psicopatas atirando na audiência. Amo filmes, no entanto, prezo mais a minha vida.

Estou há mais de dois anos assim. Seria perfeito e seguro, caso eu não desenvolvesse a fobia de me sentir trancado no apartamento. A novidade apareceu numa noite quente, daquelas de El Niño. Eu ressonava no sofá, a TV ligada no Família Soprano. De repente, baixou uma opressão, ficou tudo escuro, eu visualizava apenas um pensamento: e se a fechadura quebrar e não abrir nunca mais?

A aflição foi tamanha que agora escrevo este texto, em posição fetal, num cantinho do lavabo. Só sei que estou vivo por causa das dúzias de mensagens de telemarketing pelo celular oferecendo empréstimos, internet via fibra e Jogo do Tigrinho. Às vezes, o lado bom da vida vem de lugares absolutamente detestáveis.

 

"Talvez tenha sido a pandemia. Aqueles longos meses dentro de casa."

(Pixabay)  

Talvez tenha sido a pandemia. Aqueles longos meses dentro de casa. Não sei vocês, mas eu, depois disso, mudei certos hábitos.

Antes, saía bastante. Sempre que era convidado para festas, jantares, casamentos, eu ia. Era uma chance de conhecer pessoas legais, quem sabe até namorar depois. Porém, por questão de segurança, limei os encontros amorosos de vez. Como não pretendo mais sair para locais distantes do meu bairro, nem socializar com ninguém, vendi o carro. Veio-me também a ideia de que, com a quantidade de acidentes no Brasil, eu poderia acabar entrando para a estatística dos mutilados ou mortos.

Resumi também as saídas, a pé, para mercado ou farmácia. Se preciso de mais alguma coisa, peço no Ifood. No início, me dirigia ao Petz ou Cobasi por causa do meu cãozinho, mas o doei. Pretendo me responsabilizar unicamente pela minha existência, não pela de terceiros.

Mesmo as curtas caminhadas diárias me trazem pensamentos desagradáveis. A começar pelo elevador. E se, de repente, ele para e acontece um incêndio no prédio? A solução é descer, e subir, os dez andares pelas escadas de emergência.

Na rua, os sentimentos angustiantes não cessam. Certo dia, mirei o céu e vi a quantidade de fios elétricos; muitos de alta tensão. Pensei no ato: se um deles se solta e me acerta, babau.

Foi a partir dali que comecei a andar olhando para cima o tempo todo. Por vezes, movia rapidamente o pescoço para o nível da calçada, a fim de checar se um poste poderia estar mal enterrado, ou se uma árvore desenraizada oferecia risco de cair sobre mim. Por causa do ritual, demorava quase meia hora para chegar ao local das compras, apesar de serem quase vizinhos ao meu condomínio.

No dia em que assisti na TV o ataque de pitbulls a uma mulher indefesa, comprei um taco de baseball e só ando com ele. Viver só é perigoso para quem não se previne.

Minha prevenção, aliás, fez com que eu assinasse todos os streamings. Salas de cinema, apesar das inocentes pipocas e refrigerantes, são sabidamente perigosas: de possíveis catástrofes a psicopatas atirando na audiência. Amo filmes, no entanto, prezo mais a minha vida.

Estou há mais de dois anos assim. Seria perfeito e seguro, caso eu não desenvolvesse a fobia de me sentir trancado no apartamento. A novidade apareceu numa noite quente, daquelas de El Niño. Eu ressonava no sofá, a TV ligada no Família Soprano. De repente, baixou uma opressão, ficou tudo escuro, eu visualizava apenas um pensamento: e se a fechadura quebrar e não abrir nunca mais?

A aflição foi tamanha que agora escrevo este texto, em posição fetal, num cantinho do lavabo. Só sei que estou vivo por causa das dúzias de mensagens de telemarketing pelo celular oferecendo empréstimos, internet via fibra e Jogo do Tigrinho. Às vezes, o lado bom da vida vem de lugares absolutamente detestáveis.

 

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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