O homem tinha acabado de descobrir que seu assento no voo era ao lado de uma criança.
O homem tinha acabado de descobrir que seu assento no voo era ao lado de uma criança. O terror começou antes mesmo de ele se acomodar; o menino, com a energia de um coelho que caiu numa piscina de cafeína, chutava o assento da frente com vontade.
O homem suspirou, ajustou os fones de ouvido e lançou um olhar fulminante para a pequena criatura ao seu lado.
A mãe do garoto, em estado de exaustão parental, já havia abandonado qualquer esperança de controlar o minitornado. Apenas sussurrou: "ele é tão animado!" com um sorriso que pedia desculpas por todas as decisões de vida que levaram àquele momento. Inclusive, o ato sexual.
O homem respondeu com um sorriso triste que queria dizer: "Se ele ficar animado assim por mais tempo, vou abrir a saída de emergência e jogá-lo".
O avião decolou, e começou a batalha. O garoto estava mesmo disposto a desrespeitar as leis da física ou as normas básicas de convivência. Começou espancando a mesinha retrátil, tentando descobrir se ela poderia ser usada como catapulta. Depois, abria e fechava a janelinha. A cada "CLACK!", o homem sentia a paciência escorrer pelos poros.
Mas o auge veio quando o tsunami decidiu formular perguntas. Aquelas que apenas uma criança daquela idade consegue inventar, com um nível de criatividade que faria Picasso parecer Romero Britto.
-- Moço, o que acontece se eu puxar essa coisa? -- perguntou ele, apontando para a máscara de oxigênio.
-- Você aprende a voar -- respondeu o homem, sem levantar os olhos do tablet.
-- Sério?! -- O garoto arregalou os olhos, considerando puxar o objeto.
Depois vieram as perguntas filosóficas.
-- Por que o avião é branco? -- ele perguntou, com uma expressão de quem precisava muito dessa resposta.
-- Porque a manutenção é mais barata -- o homem respondeu, sem a menor paciência.
-- Mas e se fosse vermelho? Ele ia ser mais rápido, tipo o carro do meu pai?
-- Talvez -- disse o homem, já conformado com o interrogatório.
A mãe tentou intervir algumas vezes, mas o garoto tinha o instinto de detectar o momento exato em que ela estava dormindo. Era aí que ele tocava o terror.
Quando o lanche foi servido, o passageiro achou que teria um momento de paz. Doce ilusão. O diabinho derrubou suco de laranja na camisa dele, seguido por um angelical "foi sem querer". O homem, que até então conseguira manter uma fachada de dignidade, olhou para a criança como se fosse um juiz prestes a dar uma sentença de prisão perpétua. Mas, antes que pudesse dizer algo, o menino completou:
-- Moço, sua camisa ficou igual a um tigre! Agora você é feroz!
O homem, contra todas as probabilidades, soltou uma gargalhada. Como é que uma criatura tão novinha podia ser tão irritante e, ao mesmo tempo, tão verdadeira? Olhou para o menino, que estava agora com um pedaço de bolacha grudado no nariz, e percebeu que era um mini humano sem filtro -- e talvez houvesse algo de admirável nisso.
Quando aterrissaram, o homem estava exausto. Porém, era parte do jogo, os guris têm prioridade na vida.
Enquanto pegava a bagagem de mão, o menino lhe disse:
-- Moço, você é muito legal.
-- Obrigado, meu amiguinho - o passageiro respondeu, enternecido.
Ao que o guri completou:
-- Quando eu crescer, quero ser igual a você, só que não vou usar peruca.