"O ciúme é um latido que atrai os ladrões."
continua após a publicidade
(Karl Kraus)
continua após a publicidade
Seu Farid vivia maridalmente com dona Clélia desde a Guerra dos Seis Dias. Já tinham gerado uma filharada, três dos quais inclusivamente trabalhavam na loja de armarinhos do pai, ali na área da Previdência. Cada qual já tinha o seu domicílio próprio; o velho turco providenciara tudo e, em vida, com o fito de não deixar nó pelas costas quando fosse ter com as 11 mil virgens.
continua após a publicidade
Dona Clélia, dama oriunda de extrato social de baixo extrato, teve seu primeiro contato com seu Farid num dancing da avenida Ipiranga. As línguas agoureiras diziam que o estabelecimento, na realidade, era de entretenimento adulto - no sentido mais adulto possível. Troncho de benquerença por sua parceira de boleros e tangos, seu Farid não demorou para convidá-la a trocar argolas.
continua após a publicidade
Matrimoniada, dona Clélia veio a ter comportamento aciumentado. Parecia até que o esposo era o pé-de-fandango do casal. Deu logo para botar deslustre nos camaradas de canastra do marido. Em seguida, tocou na rua as serviçais, com menos de 25 anos de idade, trocando-as por arcaicas senhoras que tinham mais cara de freiras da clausura do Mosteiro da Luz.
Bonacheiroso, seu Farid tinha pensar diverso sobre aqueles achaques esposais: eram a prova do paixonismo de dona Clélia por sua pessoa. Até que a patroa, certa noite, abusou do excesso de zelo e fez-lhe passar por uma que o deixou de ovo virado.
continua após a publicidade
O homem tinha sido invitado para uma homenagem na Associação Comercial do Sub-Distrito do Butantã. Cousa reputada; justamente por sua laboração no ramo dos armarinhos e correlatos, com diploma, presença de vice-prefeito e medalha de honra aos méritos auferidos.
Meia-de-seda daqui, amendoim confeitado dali, quando chegou a ocasião do medalhamento já passava das 12 da noite. Seu Farid acabou ancorando em casa já batendo mais de duas da matina no cuco do corredor.
continua após a publicidade
Desperta e paramentada como se fosse a uma tertúlia, dona Clélia abriu a porta do WC e apontou a banheira cheia de água morna. Emendou, numa classe quase crassa:
- Tira a roupa e mergulha, Farid.
- Por que? - perguntou ele, mais ressabiado que lagosta em tanque d'água de restaurante chinês.
- Porque sim.
Resignoso, restou-lhe apenas imergir-se. A mulher botou as butucas na boiação como se o marido estivesse flutuando no Mar Morto. Após alguns minutos de observação, dona Clélia o liberou das abluções.
Nos lençóis, no calor da intimidade edredônica, seu Farid quis conjuminar melhor a situação que acabara de passar na tina de água. Dona Clélia, mais serenada, explicou:
- Confio em você, mas nas outras, não. Por isso, fiz um testezinho que a comadre Jamila me ensinou.
- Teste? - surpreendeu-se Farid.
- Sim. Quando o homem dela chegava tarde dos arrruamentos e Jamila desconfiava de algum desaprumo, botava-o desvestido na banheira.
- E o quê mais?
- Via se as bolas boiavam.
- Hummm, e se subiam?
- É que estavam vazias.
- E daí, Clelhinha?
- Daí que o esposo tinha usado os berloques...
Seu Farid soltou uma gargalhada daquelas de traumatizar recém-nascido. E, curioso, ainda perguntou:
- E o homem da Jamila, tava de tareco cheio ou vazio?
- Vazio, disse dona Clélia, os dele subiram loguinho pra flor d'água...
- E então...?
- Comadre Jamila deu-lhe uma peia de toalha molhada. Nunca mais saiu da lei e da ordem.
Sorriram tanto que aquela noite desdormiram.