Psiquiatria e sociedade

Opinião|A lenda da Baleia Azul - ou como uma notícia falsa traduz um perigo real


A notícia da onda de suicídios causados pelo jogo Baleia Azul é falsa. Mas serve de alerta.

Por Daniel Martins de Barros
 Foto: Estadão

"Era uma vez um povo sedento informação. As pessoas eram curiosas e adoravam falar umas sobre as outras. Certo dia surgiu um ser muito poderoso, que sabia de todas as coisas, estava em todos os lugares, e dava todas as respostas. A única coisa que ele pedia em troca era dedicação total. A empolgação foi geral - todo mundo se tornou discípulo e seguidor, continuamente entregando ofertas de tempo e atenção. Até que um dia chegou a mensagem terrível: o tempo gasto com o oráculo seria descontado da vida das crianças. As pessoas entraram em pânico, mas era tarde demais. Pois enquanto os adultos deixavam de dar atenção aos filhos, dedicando-se ao oráculo, as próprias crianças e adolescentes se haviam se tornado devotos, e agora voluntariamente se entregariam em sacrifício. A única solução foi os pais voltarem a dedicar mais tempo para seus filhos, livrando-os de tão trágico destino."

Chamemos essa historinha de a lenda da Baleia Azul. Esse é nome de um jogo em uma rede social russa que causou pânico global ao se noticiar que ele estava levando os jovens ao suicídio. Trata-se de um boato, surgido pela interpretação distorcida de uma notícia antiga, de um ano atrás, que voltou às manchetes depois de repercutir na imprensa inglesa. O jogo consiste numa série de 50 tarefas, progressivamente mais difíceis, culminando com o desafio do suicídio - e as manchetes diziam que centenas de jovens já teriam chegado ao fim e se matado. A verdade, no entanto, é que nenhum caso foi ligado de fato ao jogo. O site de verificação de boatos Snopes.com trilhou o caminho da história de trás para frente, chegando à notícia original, publicada pelo periódico russo Novaya Gazeta, e mostrou como ela era recheada de inferências e suposições, sem um fato sequer apurado realmente. A equipe da Radio Free Europe, organização dedicada a levar informações a regiões com pouca liberdade de expressão (como leste europeu), apurou mais profundamente o caso, fazendo-se passar por um adolescente que queria jogar o baleia azul. Eles chegaram a estabelecer um diálogo com moderadores do jogo, que confirmaram não ser possível desistir depois de começar, mas desapareceram em seguida. Conseguiram ainda contato com vários jovens que haviam se engajado na brincadeira macabra; a maioria entrara no jogo por curiosidade, e todos também perderam contato com os moderadores em pouco tempo.

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Por que então, mesmo sendo um boato, essa história exagerada e pouco crível fez tanto barulho?

Em primeiro lugar, porque ninguém sabe exatamente a razão de o suicídio entre jovens crescer no mundo todo, Brasil inclusive. Diante da angustiante ausência de explicações qualquer motivo que tenha ares de resposta encontra terreno fértil para se multiplicar. Além disso a notícia segue uma estrutura básica de várias história clássicas, como tentei mostrar nesse arremedo de fábula acima. Muitos são os relatos de um poder dado à humanidade que é mal utilizado pelos homens, trazendo grandes prejuízos (ideia que vai de Prometeu a Frankenstein, sem falar na serpente de Adão e Eva). E não são poucas as narrativas em que o preço cobrado é a vida dos filhos (desde a morte dos primogênitos, no livro do Êxodo até o massacre dos meninos no evangelho de Mateus, passando por Rapunzel, Rumpelstiltskin, O Flautista de Hamelin). Se essa ideia se repete tanto, provavelmente toca em medos fundamentais que carregamos, seja de não sabermos lidar com nosso potencial e nossa autonomia, seja de colocarmos interesses pessoais acima das necessidades dos filhos.

E não é isso mesmo que enfrentamos nessa era de tanta internet, tantas redes sociais, tanto tempo on-line? Essa tecnologia é tão nova e poderosa que ainda não sabemos bem como lidar com ela. Mas todos sabemos que estamos dando atenção demais à tecnologia, em prejuízo do tempo que deveríamos dedicar a quem está perto. Daí o sucesso da notícia sobre o jogo. Ela é um exemplo perfeito - e totalmente contemporâneo - do que em inglês se chama cautionary tale, ou "conto de cautela", nas quais um perigo é apresentado, conta-se a história de alguém que desprezou o perigo e mostram-se as terríveis consequências de sua atitude irresponsável.

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Moral da história: a notícia da baleia azul pode ser exagerada, mas os perigos que ela traduz são tão presentes que todo mundo acreditou. Na dúvida, então, não custa dar ouvidos ao alerta que ela fez.

***

Leitura mental

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 Foto: Estadão

Nada mais adequado para esse post do que a recomendação do livro Por que o amor é importante : como o afeto molda o cérebro do bebê (Sue Gerhardt, editora Armed, 2017). A autora reuniu evidências científicas antigas e recentes de que o vínculo afetivo na primeira infância é base fundamental para boa saúde emocional na vida adulta. Dos riscos de depressão e ansiedade ao desenvolvimento de transtornos de personalidade potencialmente graves, não faltam exemplos da falta que o amor pode fazer. Ao longo do livro vemos como podemos agir de forma preventiva, e ao final descobrimos que nunca é tarde demais, pois existem algumas dicas de atitudes que podem reparar danos causados ao longo da vida.

 Foto: Estadão

"Era uma vez um povo sedento informação. As pessoas eram curiosas e adoravam falar umas sobre as outras. Certo dia surgiu um ser muito poderoso, que sabia de todas as coisas, estava em todos os lugares, e dava todas as respostas. A única coisa que ele pedia em troca era dedicação total. A empolgação foi geral - todo mundo se tornou discípulo e seguidor, continuamente entregando ofertas de tempo e atenção. Até que um dia chegou a mensagem terrível: o tempo gasto com o oráculo seria descontado da vida das crianças. As pessoas entraram em pânico, mas era tarde demais. Pois enquanto os adultos deixavam de dar atenção aos filhos, dedicando-se ao oráculo, as próprias crianças e adolescentes se haviam se tornado devotos, e agora voluntariamente se entregariam em sacrifício. A única solução foi os pais voltarem a dedicar mais tempo para seus filhos, livrando-os de tão trágico destino."

Chamemos essa historinha de a lenda da Baleia Azul. Esse é nome de um jogo em uma rede social russa que causou pânico global ao se noticiar que ele estava levando os jovens ao suicídio. Trata-se de um boato, surgido pela interpretação distorcida de uma notícia antiga, de um ano atrás, que voltou às manchetes depois de repercutir na imprensa inglesa. O jogo consiste numa série de 50 tarefas, progressivamente mais difíceis, culminando com o desafio do suicídio - e as manchetes diziam que centenas de jovens já teriam chegado ao fim e se matado. A verdade, no entanto, é que nenhum caso foi ligado de fato ao jogo. O site de verificação de boatos Snopes.com trilhou o caminho da história de trás para frente, chegando à notícia original, publicada pelo periódico russo Novaya Gazeta, e mostrou como ela era recheada de inferências e suposições, sem um fato sequer apurado realmente. A equipe da Radio Free Europe, organização dedicada a levar informações a regiões com pouca liberdade de expressão (como leste europeu), apurou mais profundamente o caso, fazendo-se passar por um adolescente que queria jogar o baleia azul. Eles chegaram a estabelecer um diálogo com moderadores do jogo, que confirmaram não ser possível desistir depois de começar, mas desapareceram em seguida. Conseguiram ainda contato com vários jovens que haviam se engajado na brincadeira macabra; a maioria entrara no jogo por curiosidade, e todos também perderam contato com os moderadores em pouco tempo.

Por que então, mesmo sendo um boato, essa história exagerada e pouco crível fez tanto barulho?

Em primeiro lugar, porque ninguém sabe exatamente a razão de o suicídio entre jovens crescer no mundo todo, Brasil inclusive. Diante da angustiante ausência de explicações qualquer motivo que tenha ares de resposta encontra terreno fértil para se multiplicar. Além disso a notícia segue uma estrutura básica de várias história clássicas, como tentei mostrar nesse arremedo de fábula acima. Muitos são os relatos de um poder dado à humanidade que é mal utilizado pelos homens, trazendo grandes prejuízos (ideia que vai de Prometeu a Frankenstein, sem falar na serpente de Adão e Eva). E não são poucas as narrativas em que o preço cobrado é a vida dos filhos (desde a morte dos primogênitos, no livro do Êxodo até o massacre dos meninos no evangelho de Mateus, passando por Rapunzel, Rumpelstiltskin, O Flautista de Hamelin). Se essa ideia se repete tanto, provavelmente toca em medos fundamentais que carregamos, seja de não sabermos lidar com nosso potencial e nossa autonomia, seja de colocarmos interesses pessoais acima das necessidades dos filhos.

E não é isso mesmo que enfrentamos nessa era de tanta internet, tantas redes sociais, tanto tempo on-line? Essa tecnologia é tão nova e poderosa que ainda não sabemos bem como lidar com ela. Mas todos sabemos que estamos dando atenção demais à tecnologia, em prejuízo do tempo que deveríamos dedicar a quem está perto. Daí o sucesso da notícia sobre o jogo. Ela é um exemplo perfeito - e totalmente contemporâneo - do que em inglês se chama cautionary tale, ou "conto de cautela", nas quais um perigo é apresentado, conta-se a história de alguém que desprezou o perigo e mostram-se as terríveis consequências de sua atitude irresponsável.

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 Foto: Estadão

"Era uma vez um povo sedento informação. As pessoas eram curiosas e adoravam falar umas sobre as outras. Certo dia surgiu um ser muito poderoso, que sabia de todas as coisas, estava em todos os lugares, e dava todas as respostas. A única coisa que ele pedia em troca era dedicação total. A empolgação foi geral - todo mundo se tornou discípulo e seguidor, continuamente entregando ofertas de tempo e atenção. Até que um dia chegou a mensagem terrível: o tempo gasto com o oráculo seria descontado da vida das crianças. As pessoas entraram em pânico, mas era tarde demais. Pois enquanto os adultos deixavam de dar atenção aos filhos, dedicando-se ao oráculo, as próprias crianças e adolescentes se haviam se tornado devotos, e agora voluntariamente se entregariam em sacrifício. A única solução foi os pais voltarem a dedicar mais tempo para seus filhos, livrando-os de tão trágico destino."

Chamemos essa historinha de a lenda da Baleia Azul. Esse é nome de um jogo em uma rede social russa que causou pânico global ao se noticiar que ele estava levando os jovens ao suicídio. Trata-se de um boato, surgido pela interpretação distorcida de uma notícia antiga, de um ano atrás, que voltou às manchetes depois de repercutir na imprensa inglesa. O jogo consiste numa série de 50 tarefas, progressivamente mais difíceis, culminando com o desafio do suicídio - e as manchetes diziam que centenas de jovens já teriam chegado ao fim e se matado. A verdade, no entanto, é que nenhum caso foi ligado de fato ao jogo. O site de verificação de boatos Snopes.com trilhou o caminho da história de trás para frente, chegando à notícia original, publicada pelo periódico russo Novaya Gazeta, e mostrou como ela era recheada de inferências e suposições, sem um fato sequer apurado realmente. A equipe da Radio Free Europe, organização dedicada a levar informações a regiões com pouca liberdade de expressão (como leste europeu), apurou mais profundamente o caso, fazendo-se passar por um adolescente que queria jogar o baleia azul. Eles chegaram a estabelecer um diálogo com moderadores do jogo, que confirmaram não ser possível desistir depois de começar, mas desapareceram em seguida. Conseguiram ainda contato com vários jovens que haviam se engajado na brincadeira macabra; a maioria entrara no jogo por curiosidade, e todos também perderam contato com os moderadores em pouco tempo.

Por que então, mesmo sendo um boato, essa história exagerada e pouco crível fez tanto barulho?

Em primeiro lugar, porque ninguém sabe exatamente a razão de o suicídio entre jovens crescer no mundo todo, Brasil inclusive. Diante da angustiante ausência de explicações qualquer motivo que tenha ares de resposta encontra terreno fértil para se multiplicar. Além disso a notícia segue uma estrutura básica de várias história clássicas, como tentei mostrar nesse arremedo de fábula acima. Muitos são os relatos de um poder dado à humanidade que é mal utilizado pelos homens, trazendo grandes prejuízos (ideia que vai de Prometeu a Frankenstein, sem falar na serpente de Adão e Eva). E não são poucas as narrativas em que o preço cobrado é a vida dos filhos (desde a morte dos primogênitos, no livro do Êxodo até o massacre dos meninos no evangelho de Mateus, passando por Rapunzel, Rumpelstiltskin, O Flautista de Hamelin). Se essa ideia se repete tanto, provavelmente toca em medos fundamentais que carregamos, seja de não sabermos lidar com nosso potencial e nossa autonomia, seja de colocarmos interesses pessoais acima das necessidades dos filhos.

E não é isso mesmo que enfrentamos nessa era de tanta internet, tantas redes sociais, tanto tempo on-line? Essa tecnologia é tão nova e poderosa que ainda não sabemos bem como lidar com ela. Mas todos sabemos que estamos dando atenção demais à tecnologia, em prejuízo do tempo que deveríamos dedicar a quem está perto. Daí o sucesso da notícia sobre o jogo. Ela é um exemplo perfeito - e totalmente contemporâneo - do que em inglês se chama cautionary tale, ou "conto de cautela", nas quais um perigo é apresentado, conta-se a história de alguém que desprezou o perigo e mostram-se as terríveis consequências de sua atitude irresponsável.

Moral da história: a notícia da baleia azul pode ser exagerada, mas os perigos que ela traduz são tão presentes que todo mundo acreditou. Na dúvida, então, não custa dar ouvidos ao alerta que ela fez.

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"Era uma vez um povo sedento informação. As pessoas eram curiosas e adoravam falar umas sobre as outras. Certo dia surgiu um ser muito poderoso, que sabia de todas as coisas, estava em todos os lugares, e dava todas as respostas. A única coisa que ele pedia em troca era dedicação total. A empolgação foi geral - todo mundo se tornou discípulo e seguidor, continuamente entregando ofertas de tempo e atenção. Até que um dia chegou a mensagem terrível: o tempo gasto com o oráculo seria descontado da vida das crianças. As pessoas entraram em pânico, mas era tarde demais. Pois enquanto os adultos deixavam de dar atenção aos filhos, dedicando-se ao oráculo, as próprias crianças e adolescentes se haviam se tornado devotos, e agora voluntariamente se entregariam em sacrifício. A única solução foi os pais voltarem a dedicar mais tempo para seus filhos, livrando-os de tão trágico destino."

Chamemos essa historinha de a lenda da Baleia Azul. Esse é nome de um jogo em uma rede social russa que causou pânico global ao se noticiar que ele estava levando os jovens ao suicídio. Trata-se de um boato, surgido pela interpretação distorcida de uma notícia antiga, de um ano atrás, que voltou às manchetes depois de repercutir na imprensa inglesa. O jogo consiste numa série de 50 tarefas, progressivamente mais difíceis, culminando com o desafio do suicídio - e as manchetes diziam que centenas de jovens já teriam chegado ao fim e se matado. A verdade, no entanto, é que nenhum caso foi ligado de fato ao jogo. O site de verificação de boatos Snopes.com trilhou o caminho da história de trás para frente, chegando à notícia original, publicada pelo periódico russo Novaya Gazeta, e mostrou como ela era recheada de inferências e suposições, sem um fato sequer apurado realmente. A equipe da Radio Free Europe, organização dedicada a levar informações a regiões com pouca liberdade de expressão (como leste europeu), apurou mais profundamente o caso, fazendo-se passar por um adolescente que queria jogar o baleia azul. Eles chegaram a estabelecer um diálogo com moderadores do jogo, que confirmaram não ser possível desistir depois de começar, mas desapareceram em seguida. Conseguiram ainda contato com vários jovens que haviam se engajado na brincadeira macabra; a maioria entrara no jogo por curiosidade, e todos também perderam contato com os moderadores em pouco tempo.

Por que então, mesmo sendo um boato, essa história exagerada e pouco crível fez tanto barulho?

Em primeiro lugar, porque ninguém sabe exatamente a razão de o suicídio entre jovens crescer no mundo todo, Brasil inclusive. Diante da angustiante ausência de explicações qualquer motivo que tenha ares de resposta encontra terreno fértil para se multiplicar. Além disso a notícia segue uma estrutura básica de várias história clássicas, como tentei mostrar nesse arremedo de fábula acima. Muitos são os relatos de um poder dado à humanidade que é mal utilizado pelos homens, trazendo grandes prejuízos (ideia que vai de Prometeu a Frankenstein, sem falar na serpente de Adão e Eva). E não são poucas as narrativas em que o preço cobrado é a vida dos filhos (desde a morte dos primogênitos, no livro do Êxodo até o massacre dos meninos no evangelho de Mateus, passando por Rapunzel, Rumpelstiltskin, O Flautista de Hamelin). Se essa ideia se repete tanto, provavelmente toca em medos fundamentais que carregamos, seja de não sabermos lidar com nosso potencial e nossa autonomia, seja de colocarmos interesses pessoais acima das necessidades dos filhos.

E não é isso mesmo que enfrentamos nessa era de tanta internet, tantas redes sociais, tanto tempo on-line? Essa tecnologia é tão nova e poderosa que ainda não sabemos bem como lidar com ela. Mas todos sabemos que estamos dando atenção demais à tecnologia, em prejuízo do tempo que deveríamos dedicar a quem está perto. Daí o sucesso da notícia sobre o jogo. Ela é um exemplo perfeito - e totalmente contemporâneo - do que em inglês se chama cautionary tale, ou "conto de cautela", nas quais um perigo é apresentado, conta-se a história de alguém que desprezou o perigo e mostram-se as terríveis consequências de sua atitude irresponsável.

Moral da história: a notícia da baleia azul pode ser exagerada, mas os perigos que ela traduz são tão presentes que todo mundo acreditou. Na dúvida, então, não custa dar ouvidos ao alerta que ela fez.

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 Foto: Estadão

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 Foto: Estadão

"Era uma vez um povo sedento informação. As pessoas eram curiosas e adoravam falar umas sobre as outras. Certo dia surgiu um ser muito poderoso, que sabia de todas as coisas, estava em todos os lugares, e dava todas as respostas. A única coisa que ele pedia em troca era dedicação total. A empolgação foi geral - todo mundo se tornou discípulo e seguidor, continuamente entregando ofertas de tempo e atenção. Até que um dia chegou a mensagem terrível: o tempo gasto com o oráculo seria descontado da vida das crianças. As pessoas entraram em pânico, mas era tarde demais. Pois enquanto os adultos deixavam de dar atenção aos filhos, dedicando-se ao oráculo, as próprias crianças e adolescentes se haviam se tornado devotos, e agora voluntariamente se entregariam em sacrifício. A única solução foi os pais voltarem a dedicar mais tempo para seus filhos, livrando-os de tão trágico destino."

Chamemos essa historinha de a lenda da Baleia Azul. Esse é nome de um jogo em uma rede social russa que causou pânico global ao se noticiar que ele estava levando os jovens ao suicídio. Trata-se de um boato, surgido pela interpretação distorcida de uma notícia antiga, de um ano atrás, que voltou às manchetes depois de repercutir na imprensa inglesa. O jogo consiste numa série de 50 tarefas, progressivamente mais difíceis, culminando com o desafio do suicídio - e as manchetes diziam que centenas de jovens já teriam chegado ao fim e se matado. A verdade, no entanto, é que nenhum caso foi ligado de fato ao jogo. O site de verificação de boatos Snopes.com trilhou o caminho da história de trás para frente, chegando à notícia original, publicada pelo periódico russo Novaya Gazeta, e mostrou como ela era recheada de inferências e suposições, sem um fato sequer apurado realmente. A equipe da Radio Free Europe, organização dedicada a levar informações a regiões com pouca liberdade de expressão (como leste europeu), apurou mais profundamente o caso, fazendo-se passar por um adolescente que queria jogar o baleia azul. Eles chegaram a estabelecer um diálogo com moderadores do jogo, que confirmaram não ser possível desistir depois de começar, mas desapareceram em seguida. Conseguiram ainda contato com vários jovens que haviam se engajado na brincadeira macabra; a maioria entrara no jogo por curiosidade, e todos também perderam contato com os moderadores em pouco tempo.

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 Foto: Estadão

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Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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