Um dos assuntos mais comentados (e polêmicos!) no mercado de moda é o crescimento exponencial da empresa de moda SHEIN. Difícil quem ainda não conheça, mas vale uma apresentação: a SHEIN é uma plataforma crossborder que atua em um formato de ultra fast fashion, com experiência de consumo gamificada e baseada fortemente em divulgação nas mídias sociais. Vamos traduzir?
A SHEIN é uma plataforma porque ela conecta diversos fornecedores a diversos clientes, o que garante muitas opções de venda.
É crossborder pois atravessa fronteiras nacionais. Por exemplo, um cliente aqui no Brasil compra produtos que estão no estoque no país de origem - no caso, a China - e o faturamento é feito da empresa para o cliente diretamente, sem passar por uma subsidiária brasileira.
Aliás, esse é um dos temas polêmicos relacionados à SHEIN: esse tipo de operação deveria ser obrigatoriamente tributada, já que a origem é uma empresa no exterior. Porém, para se esquivar dos impostos, é comum que plataformas crossborders enviem produtos como se a origem fosse uma pessoa física. Essa é uma transação ilegal, mas cujo volume é tão alto que torna a fiscalização muito desafiadora.
O fato de evadir impostos torna o preço ainda mais barato para quem compra nos países de destino, oferecendo concorrência desleal para os varejistas nacionais que pagam impostos.
O próximo termo da descrição acima se trata do "ultra fast fashion" e ele é aplicado porque a SHEIN consegue produzir lotes relativamente pequenos para seu porte e testar os produtos (aproximadamente 500 peças por modelo), avaliar seus desempenhos comerciais, e reabastecer seu estoque em poucos dias para produtos bem-sucedidos. Isso acontece por dois principais motivos: sua sede está próxima dos fabricantes, e mesmo lotes pequenos para a SHEIN não são tão pequenos para marcas locais em outros países.
Esse reabastecimento em poucos dias é algo realmente distante da realidade do mercado de moda. Uma empresa de "fast fashion", como a Zara, alega que parte de seus produtos podem ser desenvolvidos, produzidos e distribuídos em um prazo menor que um mês. Mesmo assim, não é a realidade para a grande maioria dos produtos.
Finalmente, vamos traduzir a experiência de vendas "gamificada". Isso quer dizer que a experiência do usuário no aplicativo da SHEIN é projetada para prender o cliente, como se ele estivesse jogando. Um produto leva a outro, existe uma bonificação para os clientes que postam seus comentários e experiências, a navegação é fluida. Tudo isso associado aos baixos preços dos produtos estimulam o consumo de forma viciante.
Além de tudo isso, a plataforma também soube utilizar as mídias sociais para cativar novos clientes. Os próprios consumidores geram conteúdos que potencializam a circulação do nome da empresa através das hashtags.
Ou seja, é uma "receita" difícil de seguir para os que desejam copiar o modelo de negócio e não tenham um dos componentes essenciais: produção chinesa em uma velocidade ultrarrápida. O perigo de tentar copiar e deixar esse ingrediente de fora é a receita desandar completamente.
Nada indica a redução de velocidade no crescimento da SHEIN e plataformas análogas nos próximos tempos, mas muito se questiona sobre a incoerência entre a adesão massiva das gerações mais jovens a esse tipo de sistema de moda e a preocupação da mesma geração com sustentabilidade. Será que, em algum momento, esses dois extremos terão algum encaminhamento mais consciente?
Independentemente da opinião pessoal a respeito desses temas, é um processo complexo que merece observação de perto, pois tem relação tanto com o mercado quanto com o comportamento individual.
Marília Carvalhinha é coordenadora da pós-graduação em Fashion Business do Centro Universitário FAAP