Nem só de “dancinhas” vive o TikTok. No mês passado, a plataforma anunciou que vai investir em curtas e criou uma parceria com o Festival de Cannes, um dos festivais de cinema mais prestigiados do mundo.
A rede lançou, pela primeira vez, o #TikTokShortFilm, uma competição de curtas que levará três criadores de conteúdo para Cannes, na França, onde o evento ocorrerá entre os dias 17 a 28 de maio.
Para concorrer, os participantes teriam de postar um vídeo gravado na vertical, com roteiro original e duração mínima de 30 segundos. O curta também deveria obedecer ao padrão de vídeos "rápidos" da rede e não poderia ultrapassar três minutos.
Os vencedores concorrerão em três categorias – Grand Prix, Melhor Roteiro e Melhor Edição – e serão selecionados por um júri especializado. Além da viagem a Cannes, eles também receberão um prêmio em dinheiro de até 10 mil euros.
Nesta sexta-feira, 29, conheceremos os ganhadores da competição, que reuniu pessoas de diversas partes do mundo. Da Inglaterra à Nigéria ou do Japão até o Brasil, criadores apostaram no "novo cinema" da plataforma de vídeos e o Estadão conversou com cinco deles.
Onyi Moss – Inglaterra
Onyi Moss é fotógrafa, cineasta, cantora e compositora. Ela nasceu na Nigéria, mas vive no Reino Unido desde os 22 anos, quando se mudou para seguir uma carreira como contadora. Atualmente, vive em Manchester.
Desde pequena, Onyi viu o seu interesse pela arte surgir: sua mãe era professora de artes, o seu pai, amava documentar o dia a dia da família através de fotos. além disso, musicais, como A Noviça Rebelde, coroaram a vontade da cantora de adentrar ao mundo da música.
Ao se ver desempregada, em 2013, Onyi decidiu apostar em autorretratos. Deu certo. Hoje, a criadora é conhecida pelas suas fotografias em estilo "vintage" e foi justamente essa a experiência que a inspirou a criar o curta da competição.
A fotógrafa apostou em contar a sua própria história e, até mesmo, mencionou que "acabou de descobrir" o seu talento para fazer curtas – marcas que a patrocinam no Instagram começaram a demandar que ela criasse mais conteúdos em vídeo.
Para ela, fazer filmes com histórias que as pessoas já conhecem os tornam mais autênticos e, por isso, ela decidiu tecer a trama dessa maneira. "Meus esforços no cinema se concentraram principalmente na minha jornada pela vida e na autodescoberta, então achei adequado contar uma história 'familiar' nesta ocasião", conta.
Sobre a escolha pelo "vintage", Onyi conta que ama a estética por ser atraída pela história dela. "Agora faço parte dessa história dando vida a essas peças 'vintage' do meu jeito", complementa.
No vídeo, a criadora brinca que, se ganhar a competição, gastará o dinheiro do prêmio com "dezenas de rosas", mas, durante a entrevista, ela afirma que sentirá "gratidão acima de tudo". "Ter meus esforços reconhecidos no cinema significará muito para mim", finaliza.
Mabuta – Japão
Mabuta é diretor da Lang Pictures, empresa de produção de vídeos, e atuou como o "homem de preto" que pergunta se "é ok cortar árvores". No vídeo, ele também foi o diretor, o câmera e o editor.
Com Kazuma, amigo que interpretou o tanoeiro, e Michi Ishikawa, a "vovó", Mabuta se desafiou ao tentar produzir um filme "que não deixasse os usuários do TikTok entediados". Deu certo: o vídeo acumula mais de 10 milhões de visualizações.
O diretor resolveu mesclar questões ambientais e uma arte ancestral no Japão, a tanoaria, para costurar a trama. Segundo ele, a inspiração veio do próprio amigo, Kazuma, um dos poucos Okedaiku, como são chamados os tanoeiros, restantes no país.
Um dia, Mabuta conheceu o avô do amigo, que também era um Okedaiku, e ficou impressionado com os vasilhames que ele fazia. "Era todo feito à mão e cuidadosamente projetado para aproveitar ao máximo as características da madeira", conta.
Depois do falecimento do avô de Kazuma, o cineasta resolveu fazer "o filme que não pôde filmar quando ele estava vivo" e o uniu com questões ambientais.
O curta traz questões que Kazuma realmente já escutou enquanto praticava a tanoaria, como a enigmática "É ok cortar árvores para fazer isso?", e fala sobre a ancestralidade do costume.
"Mesmo os japoneses não têm muita chance de ver imagens dos tanoeiros, então pensei que não só eles, mas também pessoas do mundo todo, estariam interessadas na cultura tradicional japonesa", afirma.
Segundo ele, a mensagem do filme é "valorizar as coisas que você usa diariamente e conectar esse pensamento ao futuro". "Pensei que, se o público compartilhasse suas opiniões através dos comentários, assistir ao filme não seria o fim, mas seria um começo para pensar mais", conta.
Mabuta ficou surpreso quando soube da parceria do Festival de Cannes com o TikTok, mas disse que isso representa o início da valorização de filmes curtos e verticais. "Acredito que a indústria cinematográfica se tornará ainda mais empolgante à medida que os filmes evoluem com o tempo", afirma.
Tamunokuro Tonye Nathan – Nigéria
O nigeriano Tamunokuro Tonye Nathan faz sucesso no TikTok com vídeos de comédia, mas, para a competição do Festival de Cannes, decidiu apostar em um gênero totalmente diferente do que estava acostumado: o terror psicológico.
"Sou versátil e gosto dessa flexibilidade criativa. Queria criar algo que me desafiasse e consegui", conta. Para ele, assistir a uma diversidade de gêneros de filmes e séries o ajuda a criar conteúdos que, no final, "serão totalmente diferentes do que estava assistindo".
Desde criança, Tamunokuro participava dos grupos de teatro da escola e da igreja e fazia as pessoas rirem imitando aqueles com quem convivia diariamente.
Hoje, os seus vídeos com mais curtidas são os que aparece fazendo imitações de manias de "mães africanas" e ele decidiu estudar Teatro e Cinema na Universidade.
Para Tamunokuro, a competição de curtas no TikTok mostra que "quase tudo é possível" na rede e que é uma questão de tempo até que o conteúdo cinematográfico criado na plataforma comece a ser valorizado.
"Competições como a do Festival de Cannes contribuem muito para o crescimento de futuros cineastas, estimula a criatividade e os motiva a lutar por seus objetivos de carreira", conclui.
Nisculas – Brasil
Nisculas tem 19 anos e é um sucesso na plataforma de vídeos. Ele conta com 4,3 milhões de seguidores e quase 114 milhões de curtidas e é conhecido por conta dos "povs" (point of view ou ponto de vista, em português).
Em um de seus vídeos, ele mesmo explica sobre o conteito dos "povs": "É uma categoria que se encaixa em drama, meio que fazer nosso próprio filme". Segundo Nisculas, os vídeos podem levar até três dias para ficarem prontos.
Em todos eles, o criador é responsável pela atuação, pela caracterização, pelo roteiro e pela edição, que faz no celular. "Minha especialidade é deixar vocês sem dormir à noite", brinca com os seguidores.
Para participar da competição do Festival de Cannes, ele escolheu fazer um "pov" que mistura suspense e terror e se juntou à criadora Ana Honeyo. Segundo Nisculas, todo vídeo que faz com Ana tem a tendência de viralizar.
Mesmo morando em estados diferentes, os dois sempre se encontram para gravar vídeos juntos – e os seguidores sempre ficam na expectativa do momento.
"Nosso público tem uma relação muito forte com nossa amizade, eles sempre esperam novos vídeos juntos e as próximas vezes da gente se reencontrar", conta.
A ideia da trama do vídeo, comenta, era trazer a possibilidade da existência de "várias dimensões". "Queria fazer com que quem assistisse questionasse se, em uma realidade paralela, as nossas cópias viveriam da mesma maneira que vivemos ou se tudo poderia ser diferente", diz.
Para ele, ganhar a competição significaria poder investir mais nos vídeos. "Tento ser cada vez mais profissional. A visibilidade e o apoio que a premiação do festival traria me possibilitaria melhores condições de chegar perto de realizar isso", afirma.
Julia Cardeal – Brasil
Julia Cardeal também é uma "viral" no TikTok. Ela possui quase 5 milhões de seguidores e soma mais de 110 milhões de curtidas. Assim como Nisculas, Julia também é reconhecida pelos "povs".
Na maioria dos seus vídeos, Julia aparece sozinha e conversa com personagens que não aparecem. Porém, para a competição do Festival de Cannes, ela apostou em trazer mais um personagem, interpretado por Nathan Brasil, um jogo de câmeras e uma equipe nos bastidores.
O filme contou com a direção de Bruno Avellar, roteiro de Julia e de Jordanna Castro e produção da Av Mídia. Segundo ela, seu desejo era trazer um "lado mais profissional" para o vídeo.
Cafés e Cappuccinos, como se chama o curta, foi inspirado no filme Como Eu Era Antes de Você, de 2016. "Esse filme, para mim, é um clichê lindo e triste. Eu quis trazer isso para o meu curta-metragem", diz.
A criadora enxerga no TikTok uma oportunidade de desenvolver o seu interesse pela arte e, na competição, de os vídeos da rede serem mais valorizados. "Vejo muitos criadores incríveis, que podem agregar muito conteúdo de qualidade ao cinema através do TikTok", comenta.
*Estagiária sob supervisão de Charlise de Morais