A empresária Isabella Sanches levou sua cachorra da raça papillon, de porte pequeno, Lisa, para brincar no Pet Park da Zee Dog, em São Paulo, na terça-feira de carnaval. Era a primeira vez que visitava o espaço, já frequentado por um casal de amigos que a convidou. Eles chegaram no final de tarde e ficaram cerca de uma hora. Quando a Isabella estava colocando a guia na Lisa para ir embora viu um cachorro da raça pastor australiano, de porte grande, correndo na sua direção. Assustada, pegou a Lisa no colo, porém a mordida já havia acontecido.
"Estou muito traumatizada com tudo que passei e ainda estou passando. Bem triste viver isso, não consigo fazer nada direito, estou avoada, só penso nessa história. A Lisa, de ontem para hoje não come, não consegue tomar remédio. Tinham vários cachorros pequenos por lá, poderia ter sido muito pior. Se eu não tivesse junto, o pastor poderia ter matado a Lisa", desabafa Isabella.
De quem é a culpa?
Uma coisa é certa: a culpa não é do cachorro. Seguramente é do tutor do cão que fez o ataque. Este cachorro não deveria estar ali, mas estava e machucou a Lisa, que certamente precisará ter o acompanhamento de um comportamentalista animal para não desenvolver - ou tratar - uma possível reatividade.
Eis que surge um debate: é papel dos parques para cães garantir a segurança dos seus frequentadores? E como isso seria feito? Pois veja bem, é uma via de mão dupla. Se por um lado o tutor tem a obrigação de socializar e educar seu cachorro, por outro o parque deve proteger o usuário selecionando os usuários ou os instruindo? Ou seria ideológico demais desejar isso?
O advogado Leandro Petráglia levanta a questão: "Ademais, a responsabilidade do tutor não isenta o local que, a depender, poderá ser também acionado se falhar no seu dever de prover a segurança, em especial em cachorródromos privados, e pagos, cuja relação tutor-parque seria gerida pelo código de defesa do consumidor, haja vista a prestação do serviço (ambiente recreativo animal).
O que a lei diz
O artigo 936 do Código Civil obriga o tutor do cão, que fez a agressão, a pagar todas as despesas físicas e danos morais à vítima. Nas palavras de Petráglia: "Os tutores precisam se conscientizar de que respondem, sim, por todos os atos dos animais, assim como os pais respondem pelos danos causados pelos filhos. Essa responsabilidade decorre, logicamente, do dever que os tutores têm de educar (adestrar) os animais, tanto quanto os pais têm de educar os filhos. É claro que a responsabilização (pós dano) não é o ideal, visto que a prevenção dos danos é sempre o melhor caminho, porém, acreditamos que a penalização dos envolvidos no dano tem um efeito sócio pedagógico de demonstrar que há, sim, consequências legais pela negligência na educação dos animais e proteção dos demais usuários e animais dos cachorródromos".
Quem sabe a dor no bolso faça com que tutores irresponsáveis, talvez por falta de conhecimento, pensem antes de soltar a guia do seu cachorro, ou melhor, invistam em adestramento para que possam oferecer momentos de prazer para os seus cães sem o risco de Lisas serem machucadas e de eles terem que pagar pelas consequências de um ataque.
Lembrando que o tutor do pastor, que ainda não foi identificado, saiu sem prestar ajuda. A Zee Dog lamentou o ocorrido: "Estamos empenhados em descobrir quem é o tutor responsável pelo outro cachorro que realizou o ataque no caso ocorrido, e seguiremos em contato com a tutora em questão para continuar dando todo o suporte necessário".
Pela visão dos educadores caninos
A educadora canina Manu Moraes, da Escola Dog Urbano, concorda com a visão do advogado e salienta: "Eu defendo a capacitação do tutor. E, mais uma vez, os cães que são reativos, perseguem outros cães e geram conflito em um ambiente de grupo, não deveriam estar lá. À medida que os tutores negligentes forem processados e responsabilizados, ou seja, colocarem a mão no bolso para pagar os danos físicos e emocionais que seus cães causam - inclusive, com adestramento para tratamento dos traumas do cão atacado - vão parar de frequentar um cachorródromo.
O especialista em comportamento canino pela Cão Ideal Gustavo Campelo, assim como a Manu, defende a importância do cão estar preparado para frequentar um local coletivo: "Eu levo meus cães com muito cuidado. Não vou aos finais de semana e feriados e antes de entrar fico 5 minutos observando os tutores e cães presentes. Minhas cachorras não atacam, mas uma delas reage se for provocada, portanto, eu evito situações de conflito. Estes espaços não substituem a caminhada, que tem uma função biológica para o animal. Eles têm a função social e para ir você deve preparar seu cachorro antes. Eles não são uma ferramenta para socializar seu cachorro, é para quem já está treinado", ressalta.
Como frequentar um parque para cães
Preste atenção nos cuidados básicos que um parque para cães deve ter: a porta de entrada deve ter duas portas com uma clausura no meio de forma que nenhuma fique aberta e um cão fuja na chegada ou saída. Não abre a segunda porta antes de fechar a primeira, pois isso evita fugas.
Leia as regras de convivência e jogue limpo: seu cachorro está pronto para estar ali sem colocar em risco os demais cães presentes? Ele precisa gostar de interagir com outros animais, caso contrário a experiência será negativa para todos.
Faça como o Gustavo Campelo, observe antes de entrar. Veja se o ambiente está saudável, se há algum cão desconfortável que poderá gerar um atrito com o seu. Evite dias muito cheios.
Debate
Enquanto buscamos disseminar a cultura educacional nos tutores para que conduzam bem seus cães em espaços públicos, assim como, hotéis e restaurantes, qual seria a solução para evitar mais ataques em parques para cães?
Exigir a presença obrigatória de adestradores nos cachorródromos? Se estes locais tiverem profissionais especializados em comportamento animal, uma triagem pode ser feita, sinalizando os cães que estão preparados para estar naquele ambiente. Além, é claro, de antecipar um conflito.
Disponibilizar a locação de espaços exclusivos para grupos de amigos humanos e caninos, que já se conhecem e estão socializados entre si? Seguramente, nesse caso, eu frequentaria uma cachorródromo, pois depois que a Ella foi mordida duas vezes no prazo de quinze dias, evito todo tipo de situação duvidosa. E digo mais: depois que seu cachorro é atacado por outro, você abandona o mundo colorido onde tudo é perfeito e descobre que nossos filhos caninos precisam de educação e preparo ou senão teremos muitas histórias como essa para contar.