E se em vez de comprar uma calça manequim 42, fosse possível adquirir uma peça que veste um quadril de 95 a 105 centímetros? Certamente isso reduziria um fenômeno bastante comum no guarda-roupas da maioria das pessoas: a presença de uma grande variedade de tamanhos de roupas que vestem um mesmo corpo.
A influenciadora digital May Fernandes, que produz conteúdos voltados para mulheres mid size (expressão que abrange quem está acima da grade convencional e abaixo da plus size), tem roupas que variam mais de 5 manequins no armário.
“Tenho peças minhas que são 42, por mais incrível que isso possa parecer, porque eu uso 46; e tenho roupas, por exemplo, que se eu comprar em locais que não estão acostumados a trabalhar com 46, 48, é 52. Eu já coloquei shorts tamanho 52 e, se eu não estivesse com a cabeça muito boa, entendendo que a culpa não é do meu corpo, isso me causaria uma crise de choro, com toda certeza”, relata.
Essa realidade não é exclusiva do público feminino. O armário do modelo plus size Isaquiel Winchester tem peças que vão do 48 ao 54, embora seu corpo seja tamanho 52. Nas magazines masculinas é ainda mais difícil encontrar variedades de tamanhos.
O modelo conta: “geralmente acabo recorrendo sempre às mesmas lojas, porque já é meio que certeza que vai ter algo que me serve lá. Não necessariamente algo que eu goste, mas que me serve, eu sei que tem”.
Ele também comenta que, no meio masculino, ainda há muita dificuldade em conversar sobre esse assunto. “Envolve várias coisas, não é? Envolve a aceitação de ser gordo, de ser preto, machismo e várias questões que não são debatidas entre os próprios homens, né? E entre os próprios homens que trabalham com moda”, pontua Winchester.
Em dezembro do ano passado, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) aprovou a NBR n. 16933, que estabelece uma padronagem para os tamanhos de roupas femininas. As medidas foram convencionadas após um estudo sobre diferentes corpos de mulheres brasileiras em todo o país.
Contudo, como a sua aderência é facultativa, o número de confecções que aderiram ainda é pequeno e, geralmente, sem abandonar o tamanho convencional – como conta Maria Adelina Pereira, superintendente do Comitê de Têxtil e Vestuário da associação. Ou seja, por mais que sejam disponibilizadas as medidas da peça, continua na etiqueta o seu enquadramento na grade do P, M, G ou do manequim.
“Porém, nas marcas que estão pela internet isso já é frequente”, pontua Pereira. No e-commerce, como os consumidores têm direito à primeira troca custeada pelo vendedor, disponibilizar as medidas das peças em centímetros reduz esse gasto. “Trabalhar com a indicação da vestibilidade vai reduzir a troca. Vai ser uma facilidade muito grande para o usuário e uma redução de troca para o lojista e para a marca”, afirma.
Vestibilidade é um neologismo usado no meio da moda para se referir ao caimento da peça de roupa no corpo. Isso depende não só da fidelidade das medidas, mas também do tipo do tecido e do ajuste esperado.
A superintendente dá um exemplo: “para uma calça, o limitante é o quadril, que é a maior medida dos perímetros que a gente tem. Eu tenho um quadril 110 e me chegou a uma calça que tem quadril 105. Mas, quando você entrar, o tecido tem elastano e vai ficar perfeito no corpo, sem sobras, porque o elastano vai esticar até o tamanho adequado”.
Os estigmas em torno dos tamanhos das roupas, consagrados pelas fast fashion (lojas de departamento e grandes confecções) podem ser minimizados por meio desse olhar para as roupas pela perspectiva da vestibilidade.
“Uns quatro anos atrás isso era um grande sofrimento para mim. Eu não gostava de comprar roupa na frente de ninguém, ou de falar a minha numeração, porque sentia muita vergonha. E eu sei que isso ainda acontece com muitas mulheres, de não entender que o problema não está no seu corpo. Que não é você que tem que caber na roupa. É a roupa que tem que caber em você”, conta May Fernandes.