Barba por fazer, grandes argolas nas orelhas, um delineador ‘gatinho’ clássico, vestido preto longo com grandes fendas laterias, calça e tranças afro cortadas no estilo “um bom chanel de bico”, como ela mesmo gosta de descrever. Esse foi o figurino. “Nos vocais ele, ela, ili: Liniker!” Foi assim que a banda ‘Os Caramelows’ apresentou no Festival ‘Vento’, na noite de sexta-feira, 10, em Ilhabela, litoral de São Paulo, a cantora que é um dos principais nomes da nova geração da música brasileira. Na tarde de hoje, 11, Liniker foi um dos destaques da roda de conversa sobre sexualidade e gênero na música.
“A questão da representatividade importa muito, eu fico muito feliz por me verem como uma representação, por fazer parte de um movimento. Eu não sou a primeira pessoa que está falando de gênero, que está subindo no palco usando maquiagem. Não sou. Não sou a primeira pessoa negra que usa turbante, trança. Esse movimento vem da minha mãe, que vem da vó da minha mãe, vem da tataravó, que vem de toda a população que já resistiu. Então, eu fico feliz em fazer parte de toda essa representatividade.” Durante o debate cheio de depoimentos emocionados na areia da praia, Liniker contou que vem de uma família de músicos, mas também de homens opressores, mas que teve uma mãe solteira empoderada. “A gente sofre”, disse ela com os olhos marejados, mas depois descontraiu dizendo que é canceriana (signo conhecido entre as pessoas que gostam de astrologia como um sofredor).
Enquanto eu aguardava para fazer a entrevista logo após a roda de conversa, a cantora pediu licença e se dirigiu ao banheiro feminino. No entanto, ao ser questionada a respeito de seu próprio gênero ela responde: “eu tirei o gênero da minha vida. Eu me chamo de a Liniker, o Liniker, apenas Liniker. Exatamente isso que eu tento quebrar com o meu trabalho. Pode ser a cantora Liniker, nascido em Araraquara. Eu não tenho uma fórmula”. Leia abaixo a entrevista exclusiva com a cantora.
Vem ganhando força na moda e na música o movimento ‘genderless’ (sem gênero) que quebra todas as barreiras entre o feminino e o masculino. Qual é a sua opinião sobre essa tendência?
Temos que usar o que queremos, o que nos faz bem. Esse vestido é de mulher, essa calça é de homem. Esses nomes de gêneros masculino e feminino, principalmente, para roupa são muito chulos. Não, as pessoas são livres para usa o que elas quiserem. Mas esse movimento não é uma coisa que está aparecendo agora, é uma coisa que acontece há muito tempo, não é a moda está descobrindo. As pessoas estão aí para quebrar os padrões que foram impostos para nós, para serem livres com o que quiserem usar.
Como a música e a moda se conectam nesse movimento para mudar os preconceitos sobre gênero?
Tudo é expressão. São ferramentas que podemos usar para mostrar o nosso trabalho. Muitos artistas usam a moda como um complemento da música.
Você brinca muito com os ícones de masculino e feminino, como a barba e o batom vermelho. Ao fazer essas escolhas você pretende transmitir alguma mensagem?
Isso é natural para mim, eu posso ser uma mulher de barba e isso não tem problema.Eu posso ser uma mulher de barba que usa batom. Eu posso ser uma mulher que se vista assim hoje. Esse sou eu.
Qual é a importância da moda no seu trabalho?
Eu não sou uma pessoa da moda. Eu me visto com o que eu gosto de usar.. Eu não assisto desfile. Tenho só os estilistas pretos que eu gosto, que são meus amigos, a Luana Nascimento, da Dress Coração, o Isaque Silva e o Murilo Rangel. É por causa deles que eu uso um pouco de moda. Acaba virando uma referência para as pessoas que vêm o meu trabalho, alguns meninos vão aos shows vestidos como eu. Então, é a minha linguagem.
Como foi a evolução do seu estilo desde o começo da sua carreira?
Foi uma coisa de entender quais eram os meus momentos. Cada momento tem uma referência diferente na vida. Foi tudo muito orgânico, mas nada muito pensado. Eu não decidi ‘tenho que começar a me vestir desse jeito, porque é tendência. Preciso usar o meu cabelo assim, porque é tendência’. É orgânico, eu permito muitas coisas me atravessarem para os processos serem tranquilos.
Para você, como a questão do gênero se conecta com a sexualidade?
Estamos aí pela liberdade, cada pessoa é uma pessoa, cada opção é uma opção e as pessoas precisam de respeito a partir disso. São questões de resistência sobre sexualidade e gênero, mostramos que existem pessoas muito diferentes. Não existe um padrão e um único tipo de sexo. Sexo é fluido.
Vocês já estão trabalhando em um próximo CD?
‘Remonta’ é o nosso primeiro CD depois do EP. Lançamos o EP em outubro do ano passado e tivemos uma resposta muito grande da mídia e do público. Foi muito natural como chegou a todas as pessoas, fiquei muito feliz. Agora estamos rumando para o nosso primeiro álbum, vamos entrar em estúdio em julho e acabamos de abrir a campanha de financiamento coletivo no Catarse. Muitas pessoas acharam que devido a visibilidade que tivemos, iríamos para uma gravadora e foi totalmente o que não quisemos. Entendemos que o mercado de música independente também é muito importante e é preciso ocupar esse espaço, pois muitas outras linguagens estão sendo criadas lá. Essa escolha do independente é um caminho que traçamos desde o começo do processo. Fizemos o nosso EP com as nossas mãos, com R$ 200, com força de vontade. Eu propus, mas os meninos da Vulcania criaram um selo de música independente no interior. Estou super ansiosa pelo novo CD, já estou com batedeira. Terminamos de gravar agora um single com a Tássia Reis. É uma música composta por mim e pela Tássia, mas tocamos junto com ‘Aeromoços e tenistas russas’, que é uma banda de São Carlos, interior de São Paulo; minha banda ‘Os Caramelows’, que é de Araraquara; e a Tássia, que é de Jacareí e está em São Paulo. A Tássia é uma rapper com muita influência por ser feminista, por quebrar linguagens, padrões. Lançamos esse single agora e depois vem o CD.
Como essas questões de resistência e gênero farão parte do novo CD?
Acho que elas vão aparecer naturalmente, porque nesse CD eu falo de mim, eu falo do que eu sinto, eu falo das minhas relações. Com certeza espelha o que eu sou, essa coisa não binária, fluida, livre. Isso vai ter muito no CD.