Guarda compartilhada obrigatória é o melhor para os filhos?


Entenda a proposta e saiba como alguns ex-casais se organizam para minimizar o impacto da separação nas crianças

Por Marcela Puccia Braz

(Atualizada em 23/12/2014, às 18h00)

A guarda compartilhada dos filhos entre pais separados se tornou obrigatória nesta terça-feira, 23, com a Lei 13.058, sancionada pela presidente Dilma Rousseff. A decisão define que o tempo de convívio com os filhos seja dividido de forma equilibrada entre pai e mãe. 

O documento corrige a decisão anterior, aprovada em 2008, da guarda ser compartilhada “sempre que possível”. “Esse ‘sempre que possível’ fez com que a lei não tivesse a eficácia desejada. Na maioria das vezes, quando não tinha acordo, o juiz não dava a compartilhada pela lei do menor esforço”, explica Mário Luiz Delgado, advogado membro da Comissão Estudos de Direito de Família do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo.

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Até então, a preferência era pela guarda unilateral, quase sempre garantida à mãe. Presumia-se dela ser mais apta que o pai a cuidar dos filhos, expõe Delgado. "Hoje em dia temos novas configurações familiares, tolerância maior a separações e se fala em distribuição das funções. Mas antes era dificílimo o juiz dar a guarda para o pai", concorda a psicanalista Isabel Kahn Marin, supervisora em Varas da Infância e Juventude, autora do livro 'Febem, família e identidade' e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

O dentista Nilson Azeredo Allucci sentiu isso na pele quatro anos atrás, quando ele e a ex-mulher procuraram uma juíza para oficializar a separação. A decisão foi a de dar guarda unilateral à mãe, porque a criança era "muito nova" para lidar com a mudança constante de casas. Na época, o filho mais novo tinha um ano e meio de idade. "Nunca me senti tão mal como nessa audiência. A juíza me olhava como se eu fosse o culpado de tudo, a pior pessoa do mundo", lembra Allucci.

Mas o ex-casal teve uma separação amigável e optou pela guarda compartilhada apesar da definição judicial. Leonardo, de 9 anos, e o caçula Mateus, hoje com 5, ficam com o pai às terças e quintas-feiras e em fins de semana alternados. Gastos são divididos -- o dentista paga escola e plano de saúde -- e todas as decisões relativas às crianças são tomadas a dois, em consenso. “Minha ex-mulher é muito legal. Se não é o caso, e a separação tem briga, o homem se ferra”, pensa.

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A guarda compartilhada vai além da residência "dividida" e diz respeito às obrigações conjuntas dos pais quanto a saúde, educação e alimentação Foto: morguefile

 

A ideia da mulher ser a mais preparada para cuidar dos filhos entre os genitores se enfraqueceu a partir da alteração do Código Civil em 2008. E este passou a declarar expressamente que a guarda seria de quem tivesse as melhores condições de exercê-la. "É claro que não basta a lei dizer, porque tem uma carga cultural grande e o papel omissivo de muitos pais. A guarda compartilhada obrigatória talvez mostre que eles têm dever de conviver com o filho, não o direito. O direito é do filho", acredita Delgado.

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Quando o professor L. A. se separou da mulher, no início deste ano, teve uma experiência judicial diferente da de Allucci. Segundo ele, a ex-mulher não teria aceitado sua saída de casa e, por isso, dificultou as visitas e tentou puni-lo financeiramente pedindo aumento da pensão. "Procurei a Justiça para regularizar a situação. Ela [a ex] contestou, arrumou uma advogada para dizer que eu só poderia ver minha filha se voltasse pra casa. Perceberam que era birra e consegui mais do que esperava", diz ele, com um fim de semana garantido a cada 15 dias para ter a filha em sua própria casa.

A separação aconteceu quando a menina tinha apenas 4 meses de idade. Nesse caso, o professor pensa ser melhor para o bebê ter residência fixa com a mãe. "Domingo de manhã bate a saudade da mãe. Minha filha fica mais chorosa, começa a balbuciar 'mã-mã'", conta ele, com a intenção de pedir a guarda compartilhada quando a pequena for mais velha e tiver 2 anos de idade.

Como funciona. A nova lei altera a de número 10.406, de 2002, do Código Civil para dividir a custódia dos filhos de forma equilibrada entre a mãe e o pai, “tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”. Se as “condições fáticas” revelam que um dos pais é médico, precisa ficar de plantão aos fins de semana e não pode dividir o tempo com os filhos igualmente em relação à mãe, por exemplo, isso é observado e a divisão pode ser adaptada a essas condições, esclarece o advogado. O texto também especifica que, quando os pais moram em cidades separadas, a base de moradia deve ser escolhida tendo em vista o melhor para a criança.

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Embora a guarda compartilhada seja comumente associada à residência "dividida", ela vai além e diz respeito principalmente às obrigações e decisões conjuntas dos pais quanto a saúde, educação e alimentação, elucida Delgado. A modificação da lei em 2008 obrigou o pai ou a mãe que não detenha a guarda unilateral a supervisionar os interesses dos filhos. E o projeto pretende dar as condições necessárias pra isso acontecer na prática, para ambos tipos de custódia.

Qualquer um dos genitores agora está legitimado a pedir informações/prestação de contas sobre o que possa afetar a educação e a saúde física e psicológica dos filhos. Assim, qualquer estabelecimento público ou privado -- escola, hospital, clínica de psicoterapia -- vai ser obrigado a fornecer informações aos pais sob pena de multa de R$ 200 a R$ 500 por dia.

Mas há casos em que a guarda pode não ser concedida: quando um deles não a quiser ou perder o poder familiar. Isso acontece por castigar o filho imoderadamente, deixá-lo em situação de abandono, abusar da autoridade, praticar atos contrários à moral e aos bons costumes, faltar com deveres ou arruinar os bens dos filhos.

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Quanto à pensão alimentícia, a lei não altera os acordos atuais. A quantia pode ser paga em espécie ou na divisão de contas e gastos, como no acordo de Allucci.

Cuidados. Para Isabel, o problema com a medida existe quando a situação da separação não está resolvida e a relação ainda tem mágoas, disputa pelo poder, desconfiança, uso do filho para atacar o outro ou até medo da criança ter preferência pela mãe ou pelo pai. “Isso também acontece na guarda unilateral. Mas, do meu ponto de vista psicológico, é absurdo obrigar algo a ser igual quando vai seguir uma disputa em outro nível. Nesse caso, a guarda compartilhada fica como uma solução falsa”, opina.

A psicanalista acredita na necessidade de existir um eixo de acordo entre os pais, na importância de se manter uma rotina. Hora de dormir, de ir para a escola, do pai ou da mãe ir buscar. Isso porque o desrespeito a horários e combinados pode decepcionar o filho em relação à expectativa de ficar com um dos pais. Mais do que a rotina pela rotina, a professora ressalta a importância da previsibilidade, tanto para os adultos como para as crianças. "A criança vai crescendo e a vida dela vai tendo outros interesses que não estar só com o pai o com a mãe. Quando o casal consegue se dar bem, muitas vezes começa a flexibilizar a quinzena", observa ela.

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A designer Vivian Chachamovitz e o ex-marido combinam o horário de dormir do filho Gabriel, de 8 anos, e revezam os dias de ficar com o menino. Mas quando há imprevistos, ambos são maleáveis. Se a festa de aniversário da avó de Vivian cai no dia do outro ficar com o filho, por exemplo, isso é conversado e troca-se o dia.

Isabel concorda com o projeto estabelecer que é responsabilidade de pai e de mãe cuidar dos filhos. A questão para a psicanalista é a organização do compartilhamento de compromissos. “Se há um cotidiano em que a criança tenha sua escola, seus amigos e seu canto garantido, por que não? Pode ser muito boa essa divisão de responsabilidades”.

Vivian e o ex, Ricardo, criaram uma logística para a nova dinâmica familiar dar certo. Se um levou Gabriel à escola, o outro busca e fica com o menino até a manhã seguinte. A escola é o ponto de entrega e retirada para evitar a convivência do ex-casal, apesar dos dois conversarem sobre tudo referente ao pequeno: comportamento, "punições", roupas, escola, problemas de saúde. Ambos ficam atentos à agenda para ver os recados da professora e usam a mala na administração da roupa do judô ou até para transportar uma bermuda quando na casa de um o item está "em falta". “O Gabriel adorou esse esquema. Acho importante a criança conviver com os dois. Eu não seria tão boa mãe se o Ricardo não estivesse na minha vida e o mesmo vale para ele em relação a mim.”

(Atualizada em 23/12/2014, às 18h00)

A guarda compartilhada dos filhos entre pais separados se tornou obrigatória nesta terça-feira, 23, com a Lei 13.058, sancionada pela presidente Dilma Rousseff. A decisão define que o tempo de convívio com os filhos seja dividido de forma equilibrada entre pai e mãe. 

O documento corrige a decisão anterior, aprovada em 2008, da guarda ser compartilhada “sempre que possível”. “Esse ‘sempre que possível’ fez com que a lei não tivesse a eficácia desejada. Na maioria das vezes, quando não tinha acordo, o juiz não dava a compartilhada pela lei do menor esforço”, explica Mário Luiz Delgado, advogado membro da Comissão Estudos de Direito de Família do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo.

Até então, a preferência era pela guarda unilateral, quase sempre garantida à mãe. Presumia-se dela ser mais apta que o pai a cuidar dos filhos, expõe Delgado. "Hoje em dia temos novas configurações familiares, tolerância maior a separações e se fala em distribuição das funções. Mas antes era dificílimo o juiz dar a guarda para o pai", concorda a psicanalista Isabel Kahn Marin, supervisora em Varas da Infância e Juventude, autora do livro 'Febem, família e identidade' e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

O dentista Nilson Azeredo Allucci sentiu isso na pele quatro anos atrás, quando ele e a ex-mulher procuraram uma juíza para oficializar a separação. A decisão foi a de dar guarda unilateral à mãe, porque a criança era "muito nova" para lidar com a mudança constante de casas. Na época, o filho mais novo tinha um ano e meio de idade. "Nunca me senti tão mal como nessa audiência. A juíza me olhava como se eu fosse o culpado de tudo, a pior pessoa do mundo", lembra Allucci.

Mas o ex-casal teve uma separação amigável e optou pela guarda compartilhada apesar da definição judicial. Leonardo, de 9 anos, e o caçula Mateus, hoje com 5, ficam com o pai às terças e quintas-feiras e em fins de semana alternados. Gastos são divididos -- o dentista paga escola e plano de saúde -- e todas as decisões relativas às crianças são tomadas a dois, em consenso. “Minha ex-mulher é muito legal. Se não é o caso, e a separação tem briga, o homem se ferra”, pensa.

A guarda compartilhada vai além da residência "dividida" e diz respeito às obrigações conjuntas dos pais quanto a saúde, educação e alimentação Foto: morguefile

 

A ideia da mulher ser a mais preparada para cuidar dos filhos entre os genitores se enfraqueceu a partir da alteração do Código Civil em 2008. E este passou a declarar expressamente que a guarda seria de quem tivesse as melhores condições de exercê-la. "É claro que não basta a lei dizer, porque tem uma carga cultural grande e o papel omissivo de muitos pais. A guarda compartilhada obrigatória talvez mostre que eles têm dever de conviver com o filho, não o direito. O direito é do filho", acredita Delgado.

Quando o professor L. A. se separou da mulher, no início deste ano, teve uma experiência judicial diferente da de Allucci. Segundo ele, a ex-mulher não teria aceitado sua saída de casa e, por isso, dificultou as visitas e tentou puni-lo financeiramente pedindo aumento da pensão. "Procurei a Justiça para regularizar a situação. Ela [a ex] contestou, arrumou uma advogada para dizer que eu só poderia ver minha filha se voltasse pra casa. Perceberam que era birra e consegui mais do que esperava", diz ele, com um fim de semana garantido a cada 15 dias para ter a filha em sua própria casa.

A separação aconteceu quando a menina tinha apenas 4 meses de idade. Nesse caso, o professor pensa ser melhor para o bebê ter residência fixa com a mãe. "Domingo de manhã bate a saudade da mãe. Minha filha fica mais chorosa, começa a balbuciar 'mã-mã'", conta ele, com a intenção de pedir a guarda compartilhada quando a pequena for mais velha e tiver 2 anos de idade.

Como funciona. A nova lei altera a de número 10.406, de 2002, do Código Civil para dividir a custódia dos filhos de forma equilibrada entre a mãe e o pai, “tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”. Se as “condições fáticas” revelam que um dos pais é médico, precisa ficar de plantão aos fins de semana e não pode dividir o tempo com os filhos igualmente em relação à mãe, por exemplo, isso é observado e a divisão pode ser adaptada a essas condições, esclarece o advogado. O texto também especifica que, quando os pais moram em cidades separadas, a base de moradia deve ser escolhida tendo em vista o melhor para a criança.

Embora a guarda compartilhada seja comumente associada à residência "dividida", ela vai além e diz respeito principalmente às obrigações e decisões conjuntas dos pais quanto a saúde, educação e alimentação, elucida Delgado. A modificação da lei em 2008 obrigou o pai ou a mãe que não detenha a guarda unilateral a supervisionar os interesses dos filhos. E o projeto pretende dar as condições necessárias pra isso acontecer na prática, para ambos tipos de custódia.

Qualquer um dos genitores agora está legitimado a pedir informações/prestação de contas sobre o que possa afetar a educação e a saúde física e psicológica dos filhos. Assim, qualquer estabelecimento público ou privado -- escola, hospital, clínica de psicoterapia -- vai ser obrigado a fornecer informações aos pais sob pena de multa de R$ 200 a R$ 500 por dia.

Mas há casos em que a guarda pode não ser concedida: quando um deles não a quiser ou perder o poder familiar. Isso acontece por castigar o filho imoderadamente, deixá-lo em situação de abandono, abusar da autoridade, praticar atos contrários à moral e aos bons costumes, faltar com deveres ou arruinar os bens dos filhos.

Quanto à pensão alimentícia, a lei não altera os acordos atuais. A quantia pode ser paga em espécie ou na divisão de contas e gastos, como no acordo de Allucci.

Cuidados. Para Isabel, o problema com a medida existe quando a situação da separação não está resolvida e a relação ainda tem mágoas, disputa pelo poder, desconfiança, uso do filho para atacar o outro ou até medo da criança ter preferência pela mãe ou pelo pai. “Isso também acontece na guarda unilateral. Mas, do meu ponto de vista psicológico, é absurdo obrigar algo a ser igual quando vai seguir uma disputa em outro nível. Nesse caso, a guarda compartilhada fica como uma solução falsa”, opina.

A psicanalista acredita na necessidade de existir um eixo de acordo entre os pais, na importância de se manter uma rotina. Hora de dormir, de ir para a escola, do pai ou da mãe ir buscar. Isso porque o desrespeito a horários e combinados pode decepcionar o filho em relação à expectativa de ficar com um dos pais. Mais do que a rotina pela rotina, a professora ressalta a importância da previsibilidade, tanto para os adultos como para as crianças. "A criança vai crescendo e a vida dela vai tendo outros interesses que não estar só com o pai o com a mãe. Quando o casal consegue se dar bem, muitas vezes começa a flexibilizar a quinzena", observa ela.

A designer Vivian Chachamovitz e o ex-marido combinam o horário de dormir do filho Gabriel, de 8 anos, e revezam os dias de ficar com o menino. Mas quando há imprevistos, ambos são maleáveis. Se a festa de aniversário da avó de Vivian cai no dia do outro ficar com o filho, por exemplo, isso é conversado e troca-se o dia.

Isabel concorda com o projeto estabelecer que é responsabilidade de pai e de mãe cuidar dos filhos. A questão para a psicanalista é a organização do compartilhamento de compromissos. “Se há um cotidiano em que a criança tenha sua escola, seus amigos e seu canto garantido, por que não? Pode ser muito boa essa divisão de responsabilidades”.

Vivian e o ex, Ricardo, criaram uma logística para a nova dinâmica familiar dar certo. Se um levou Gabriel à escola, o outro busca e fica com o menino até a manhã seguinte. A escola é o ponto de entrega e retirada para evitar a convivência do ex-casal, apesar dos dois conversarem sobre tudo referente ao pequeno: comportamento, "punições", roupas, escola, problemas de saúde. Ambos ficam atentos à agenda para ver os recados da professora e usam a mala na administração da roupa do judô ou até para transportar uma bermuda quando na casa de um o item está "em falta". “O Gabriel adorou esse esquema. Acho importante a criança conviver com os dois. Eu não seria tão boa mãe se o Ricardo não estivesse na minha vida e o mesmo vale para ele em relação a mim.”

(Atualizada em 23/12/2014, às 18h00)

A guarda compartilhada dos filhos entre pais separados se tornou obrigatória nesta terça-feira, 23, com a Lei 13.058, sancionada pela presidente Dilma Rousseff. A decisão define que o tempo de convívio com os filhos seja dividido de forma equilibrada entre pai e mãe. 

O documento corrige a decisão anterior, aprovada em 2008, da guarda ser compartilhada “sempre que possível”. “Esse ‘sempre que possível’ fez com que a lei não tivesse a eficácia desejada. Na maioria das vezes, quando não tinha acordo, o juiz não dava a compartilhada pela lei do menor esforço”, explica Mário Luiz Delgado, advogado membro da Comissão Estudos de Direito de Família do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo.

Até então, a preferência era pela guarda unilateral, quase sempre garantida à mãe. Presumia-se dela ser mais apta que o pai a cuidar dos filhos, expõe Delgado. "Hoje em dia temos novas configurações familiares, tolerância maior a separações e se fala em distribuição das funções. Mas antes era dificílimo o juiz dar a guarda para o pai", concorda a psicanalista Isabel Kahn Marin, supervisora em Varas da Infância e Juventude, autora do livro 'Febem, família e identidade' e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

O dentista Nilson Azeredo Allucci sentiu isso na pele quatro anos atrás, quando ele e a ex-mulher procuraram uma juíza para oficializar a separação. A decisão foi a de dar guarda unilateral à mãe, porque a criança era "muito nova" para lidar com a mudança constante de casas. Na época, o filho mais novo tinha um ano e meio de idade. "Nunca me senti tão mal como nessa audiência. A juíza me olhava como se eu fosse o culpado de tudo, a pior pessoa do mundo", lembra Allucci.

Mas o ex-casal teve uma separação amigável e optou pela guarda compartilhada apesar da definição judicial. Leonardo, de 9 anos, e o caçula Mateus, hoje com 5, ficam com o pai às terças e quintas-feiras e em fins de semana alternados. Gastos são divididos -- o dentista paga escola e plano de saúde -- e todas as decisões relativas às crianças são tomadas a dois, em consenso. “Minha ex-mulher é muito legal. Se não é o caso, e a separação tem briga, o homem se ferra”, pensa.

A guarda compartilhada vai além da residência "dividida" e diz respeito às obrigações conjuntas dos pais quanto a saúde, educação e alimentação Foto: morguefile

 

A ideia da mulher ser a mais preparada para cuidar dos filhos entre os genitores se enfraqueceu a partir da alteração do Código Civil em 2008. E este passou a declarar expressamente que a guarda seria de quem tivesse as melhores condições de exercê-la. "É claro que não basta a lei dizer, porque tem uma carga cultural grande e o papel omissivo de muitos pais. A guarda compartilhada obrigatória talvez mostre que eles têm dever de conviver com o filho, não o direito. O direito é do filho", acredita Delgado.

Quando o professor L. A. se separou da mulher, no início deste ano, teve uma experiência judicial diferente da de Allucci. Segundo ele, a ex-mulher não teria aceitado sua saída de casa e, por isso, dificultou as visitas e tentou puni-lo financeiramente pedindo aumento da pensão. "Procurei a Justiça para regularizar a situação. Ela [a ex] contestou, arrumou uma advogada para dizer que eu só poderia ver minha filha se voltasse pra casa. Perceberam que era birra e consegui mais do que esperava", diz ele, com um fim de semana garantido a cada 15 dias para ter a filha em sua própria casa.

A separação aconteceu quando a menina tinha apenas 4 meses de idade. Nesse caso, o professor pensa ser melhor para o bebê ter residência fixa com a mãe. "Domingo de manhã bate a saudade da mãe. Minha filha fica mais chorosa, começa a balbuciar 'mã-mã'", conta ele, com a intenção de pedir a guarda compartilhada quando a pequena for mais velha e tiver 2 anos de idade.

Como funciona. A nova lei altera a de número 10.406, de 2002, do Código Civil para dividir a custódia dos filhos de forma equilibrada entre a mãe e o pai, “tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”. Se as “condições fáticas” revelam que um dos pais é médico, precisa ficar de plantão aos fins de semana e não pode dividir o tempo com os filhos igualmente em relação à mãe, por exemplo, isso é observado e a divisão pode ser adaptada a essas condições, esclarece o advogado. O texto também especifica que, quando os pais moram em cidades separadas, a base de moradia deve ser escolhida tendo em vista o melhor para a criança.

Embora a guarda compartilhada seja comumente associada à residência "dividida", ela vai além e diz respeito principalmente às obrigações e decisões conjuntas dos pais quanto a saúde, educação e alimentação, elucida Delgado. A modificação da lei em 2008 obrigou o pai ou a mãe que não detenha a guarda unilateral a supervisionar os interesses dos filhos. E o projeto pretende dar as condições necessárias pra isso acontecer na prática, para ambos tipos de custódia.

Qualquer um dos genitores agora está legitimado a pedir informações/prestação de contas sobre o que possa afetar a educação e a saúde física e psicológica dos filhos. Assim, qualquer estabelecimento público ou privado -- escola, hospital, clínica de psicoterapia -- vai ser obrigado a fornecer informações aos pais sob pena de multa de R$ 200 a R$ 500 por dia.

Mas há casos em que a guarda pode não ser concedida: quando um deles não a quiser ou perder o poder familiar. Isso acontece por castigar o filho imoderadamente, deixá-lo em situação de abandono, abusar da autoridade, praticar atos contrários à moral e aos bons costumes, faltar com deveres ou arruinar os bens dos filhos.

Quanto à pensão alimentícia, a lei não altera os acordos atuais. A quantia pode ser paga em espécie ou na divisão de contas e gastos, como no acordo de Allucci.

Cuidados. Para Isabel, o problema com a medida existe quando a situação da separação não está resolvida e a relação ainda tem mágoas, disputa pelo poder, desconfiança, uso do filho para atacar o outro ou até medo da criança ter preferência pela mãe ou pelo pai. “Isso também acontece na guarda unilateral. Mas, do meu ponto de vista psicológico, é absurdo obrigar algo a ser igual quando vai seguir uma disputa em outro nível. Nesse caso, a guarda compartilhada fica como uma solução falsa”, opina.

A psicanalista acredita na necessidade de existir um eixo de acordo entre os pais, na importância de se manter uma rotina. Hora de dormir, de ir para a escola, do pai ou da mãe ir buscar. Isso porque o desrespeito a horários e combinados pode decepcionar o filho em relação à expectativa de ficar com um dos pais. Mais do que a rotina pela rotina, a professora ressalta a importância da previsibilidade, tanto para os adultos como para as crianças. "A criança vai crescendo e a vida dela vai tendo outros interesses que não estar só com o pai o com a mãe. Quando o casal consegue se dar bem, muitas vezes começa a flexibilizar a quinzena", observa ela.

A designer Vivian Chachamovitz e o ex-marido combinam o horário de dormir do filho Gabriel, de 8 anos, e revezam os dias de ficar com o menino. Mas quando há imprevistos, ambos são maleáveis. Se a festa de aniversário da avó de Vivian cai no dia do outro ficar com o filho, por exemplo, isso é conversado e troca-se o dia.

Isabel concorda com o projeto estabelecer que é responsabilidade de pai e de mãe cuidar dos filhos. A questão para a psicanalista é a organização do compartilhamento de compromissos. “Se há um cotidiano em que a criança tenha sua escola, seus amigos e seu canto garantido, por que não? Pode ser muito boa essa divisão de responsabilidades”.

Vivian e o ex, Ricardo, criaram uma logística para a nova dinâmica familiar dar certo. Se um levou Gabriel à escola, o outro busca e fica com o menino até a manhã seguinte. A escola é o ponto de entrega e retirada para evitar a convivência do ex-casal, apesar dos dois conversarem sobre tudo referente ao pequeno: comportamento, "punições", roupas, escola, problemas de saúde. Ambos ficam atentos à agenda para ver os recados da professora e usam a mala na administração da roupa do judô ou até para transportar uma bermuda quando na casa de um o item está "em falta". “O Gabriel adorou esse esquema. Acho importante a criança conviver com os dois. Eu não seria tão boa mãe se o Ricardo não estivesse na minha vida e o mesmo vale para ele em relação a mim.”

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