Por que deixei meus filhos me verem discutindo com meu marido


Meu objetivo ao trazer as crianças para a discussão era simples: queria que elas soubessem que manter uma relação saudável dá trabalho

Por Christie Tate
Atualização:
 Foto: WPost

Doutor Phil diz que brigar em frente aos filhos é pouco menos que agressão. Ainda bem que ele não estava em minha casa nesta manhã. Fiquei tão irritada com meu marido que tive de sair da cozinha enquanto ele preparava cereal para nossos dois filhos. Talvez eu tivesse rangido os dentes e esbravejado contra a exaustiva rotina da manhã. Se não fosse o cansaço, o estresse, a raiva, talvez até pudesse esperar para discutir com ele quando as crianças estivessem na escola. A verdade é que não consegui.

"Querido, pode vir aqui um segundo?", chamei-o lá do andar de cima, aonde fui (em tese) esfriar a cabeça. Como todos os pais, eu tinha um dia cheio pela frente: além das coisas da casa, um resumo para fazer, uma carta para escrever, um artigo para redigir. Sentia a raiva e a mágoa me puxando para baixo. Não podia me dar ao luxo de ceder. 

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Tínhamos sete minutos para resolver o caso antes de levar as crianças para a escola. Era a conta exata para chegar a algum progresso naquela última variação de nossa infindável discussão. Em seis anos de casamento, parecia que todos os nossos conflitos eram uma única e longa discussão distribuída por 80 meses. O assunto era sempre o mesmo: um de nós estava magoado porque o outro não reconhecia nossa contribuição, ou com raiva porque o outro nos decepcionara. 

Normalmente, posso guardar a raiva por algumas horas e deixar o assunto para discutir depois com meu marido, quando as crianças não estiverem no caminho.  Mas não nesta manhã...

Meu marido apareceu na porta. Eu disse: "Preciso falar com você".  Ele concordou com a cabeça. Fui em frente. "Sinto que você não cumpre suas promessas." No caso, ele prometera me acordar cedo e não me chamou. Não foi nenhum pecado mortal, mas me atingiu. 

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Sua defesa era sólida: havíamos passado a maior parte da noite cuidando de uma criança adoentada e ele simplesmente apagara. O fato de não me acordar não era fazer pouco de mim, era pura exaustão.  Ficamos naquele foi-não-foi. Não falávamos alto, mas o tom era seco, amarrado. Definitivamente, estávamos discutindo. Vi em seus olhos a exaustão que eu mesma sentia. Tinham sido duas noites insones na semana, na esteira de uma infestação de piolhos que começara na semana anterior. Nós dois estávamos quase nas cordas. A combinação de fadiga e estresse nos transformara em feixes de maus sentimentos e baixa autoestima. 

Sabia que as crianças estavam no alto da escada, ouvindo cada palavra. Que será que eles achavam que ia acontecer?

Minha vontade era fechar a porta e jogar debaixo da cama o baixo astral que flutuava entre mim e meu marido, engatar um sorriso falso e levar as crianças para a escola. Em vez disso, chamei-as no quarto. "Ouviram a gente brigando?", perguntei. Elas concordaram, relutantemente, e chegaram mais perto. 

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Quando eu estava crescendo, nos anos 1970 e 1980, a mecânica do casamento de meus pais era invisível. Como num relógio de parede, só se viam o mostrador e os ponteiros. Molas, cabos e engrenagens ficavam escondidos lá dentro. Às vezes, meus pais discutiam sobre pequenas coisas, como qual locadora de carros era melhor e qual o caminho mais curto para a igreja. Nunca entravam em assuntos mais profundos. Não havia discussões sobre como estavam se comunicando, ou o que rolava entre eles. Pelo menos, não em minha presença. Assim, quando comecei a vida de casada, não tinha ideia de quanto trabalho um relacionamento dava. Estava totalmente despreparada para a luta cotidiana de dizer o que sentia e resolver conflitos. 

"Querem saber por que estamos discutindo?", perguntei a meus filhos de 5 e 6 anos.  Disse a eles que meus sentimentos estavam feridos porque o papai não fizera o que prometera. Aí, meu marido explicou que cometera um erro e se sentia mal porque eu estava sendo tão dura com ele. E resumiu: "Nós dois estamos magoados e bravos, mas estamos tentando resolver". 

Meu objetivo ao trazer as crianças para a discussão era simples. Queria que elas soubessem que manter uma relação saudável dá trabalho. Para cada piquenique na escola, cada encontro romântico à noite ou cada bolo de aniversário havia manhãs como esta, cheia de ressentimentos, raiva, egos feridos. Queria que vissem nosso casamento além da fachada, que tivessem uma ideia de como uma discussão pode facilmente desandar e suas consequências se arrastarem pelo dia todo. 

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Apesar da advertência do doutor Phil sobre brigar em frente de crianças, há pesquisas indicando que essas brigas podem trazer benefícios. Gordon Harold chefiou uma equipe na Universidade Cardiff que estudou os efeitos nos filhos de discussões entre os pais. Atitudes como emburrar, fugir de campo, bater portas ou pôr as crianças no meio da briga afeta-as negativamente. Entretanto, no vasto terreno entre harmonia total e comportamento destrutivo, a maioria das discordâncias maritais trazem muitas oportunidades para ensinar alguma coisa aos filhos. Uma vez que eles vão topar com conflitos em todos os seus relacionamentos, mostrar-lhes como dar voz às tensões e trabalhar as discórdias com um parceiro amoroso lhes proporcionará valiosas lições de como um relacionamento real funciona. Vai ensinar-lhes que as ferramentas do relacionamento incluem habilidades de negociação, comunicação e compromisso para enfrentar os inevitáveis momentos de conflito. 

A pesquisa também confirmou minha suspeita de que suspender a discussão até que as crianças estejam fora de alcance não é necessariamente bom para elas. Por um lado, sempre vão saber que alguma coisa está acontecendo. Crianças são sensíveis e percebem quando os pais estão em atrito. Tentar esconder a discussão não vai livrá-las da ansiedade. De fato, não tratar abertamente do conflito só aumentará sua preocupação. 

Confessei a meu terapeuta que briguei com meu marido em frente dos filhos. "Será que sou uma mãe horrível?", perguntei. Ele riu e perguntou também: "Quem disse que uma boa mãe não pode expressar sua raiva? Você não quer que seus filhos aprendam como fazer isso?". É claro que quero, mas é difícil sair da sensação de que fiz algo errado.

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Não sei o que meus filhos aprenderam nesta manhã. Quero crer que mostramos a eles algumas coisas sobre luta honesta e resolução de conflitos. No mínimo, vão saber que, mesmo nos melhores relacionamentos, algumas vezes vão sentir mágoa e raiva. Talvez entendam que o indício de um bom relacionamento não é a ausência de coisas ruins, mas a disposição de lidar com elas. 

Tradução de Roberto Muniz

 Foto: WPost

Doutor Phil diz que brigar em frente aos filhos é pouco menos que agressão. Ainda bem que ele não estava em minha casa nesta manhã. Fiquei tão irritada com meu marido que tive de sair da cozinha enquanto ele preparava cereal para nossos dois filhos. Talvez eu tivesse rangido os dentes e esbravejado contra a exaustiva rotina da manhã. Se não fosse o cansaço, o estresse, a raiva, talvez até pudesse esperar para discutir com ele quando as crianças estivessem na escola. A verdade é que não consegui.

"Querido, pode vir aqui um segundo?", chamei-o lá do andar de cima, aonde fui (em tese) esfriar a cabeça. Como todos os pais, eu tinha um dia cheio pela frente: além das coisas da casa, um resumo para fazer, uma carta para escrever, um artigo para redigir. Sentia a raiva e a mágoa me puxando para baixo. Não podia me dar ao luxo de ceder. 

Tínhamos sete minutos para resolver o caso antes de levar as crianças para a escola. Era a conta exata para chegar a algum progresso naquela última variação de nossa infindável discussão. Em seis anos de casamento, parecia que todos os nossos conflitos eram uma única e longa discussão distribuída por 80 meses. O assunto era sempre o mesmo: um de nós estava magoado porque o outro não reconhecia nossa contribuição, ou com raiva porque o outro nos decepcionara. 

Normalmente, posso guardar a raiva por algumas horas e deixar o assunto para discutir depois com meu marido, quando as crianças não estiverem no caminho.  Mas não nesta manhã...

Meu marido apareceu na porta. Eu disse: "Preciso falar com você".  Ele concordou com a cabeça. Fui em frente. "Sinto que você não cumpre suas promessas." No caso, ele prometera me acordar cedo e não me chamou. Não foi nenhum pecado mortal, mas me atingiu. 

Sua defesa era sólida: havíamos passado a maior parte da noite cuidando de uma criança adoentada e ele simplesmente apagara. O fato de não me acordar não era fazer pouco de mim, era pura exaustão.  Ficamos naquele foi-não-foi. Não falávamos alto, mas o tom era seco, amarrado. Definitivamente, estávamos discutindo. Vi em seus olhos a exaustão que eu mesma sentia. Tinham sido duas noites insones na semana, na esteira de uma infestação de piolhos que começara na semana anterior. Nós dois estávamos quase nas cordas. A combinação de fadiga e estresse nos transformara em feixes de maus sentimentos e baixa autoestima. 

Sabia que as crianças estavam no alto da escada, ouvindo cada palavra. Que será que eles achavam que ia acontecer?

Minha vontade era fechar a porta e jogar debaixo da cama o baixo astral que flutuava entre mim e meu marido, engatar um sorriso falso e levar as crianças para a escola. Em vez disso, chamei-as no quarto. "Ouviram a gente brigando?", perguntei. Elas concordaram, relutantemente, e chegaram mais perto. 

Quando eu estava crescendo, nos anos 1970 e 1980, a mecânica do casamento de meus pais era invisível. Como num relógio de parede, só se viam o mostrador e os ponteiros. Molas, cabos e engrenagens ficavam escondidos lá dentro. Às vezes, meus pais discutiam sobre pequenas coisas, como qual locadora de carros era melhor e qual o caminho mais curto para a igreja. Nunca entravam em assuntos mais profundos. Não havia discussões sobre como estavam se comunicando, ou o que rolava entre eles. Pelo menos, não em minha presença. Assim, quando comecei a vida de casada, não tinha ideia de quanto trabalho um relacionamento dava. Estava totalmente despreparada para a luta cotidiana de dizer o que sentia e resolver conflitos. 

"Querem saber por que estamos discutindo?", perguntei a meus filhos de 5 e 6 anos.  Disse a eles que meus sentimentos estavam feridos porque o papai não fizera o que prometera. Aí, meu marido explicou que cometera um erro e se sentia mal porque eu estava sendo tão dura com ele. E resumiu: "Nós dois estamos magoados e bravos, mas estamos tentando resolver". 

Meu objetivo ao trazer as crianças para a discussão era simples. Queria que elas soubessem que manter uma relação saudável dá trabalho. Para cada piquenique na escola, cada encontro romântico à noite ou cada bolo de aniversário havia manhãs como esta, cheia de ressentimentos, raiva, egos feridos. Queria que vissem nosso casamento além da fachada, que tivessem uma ideia de como uma discussão pode facilmente desandar e suas consequências se arrastarem pelo dia todo. 

Apesar da advertência do doutor Phil sobre brigar em frente de crianças, há pesquisas indicando que essas brigas podem trazer benefícios. Gordon Harold chefiou uma equipe na Universidade Cardiff que estudou os efeitos nos filhos de discussões entre os pais. Atitudes como emburrar, fugir de campo, bater portas ou pôr as crianças no meio da briga afeta-as negativamente. Entretanto, no vasto terreno entre harmonia total e comportamento destrutivo, a maioria das discordâncias maritais trazem muitas oportunidades para ensinar alguma coisa aos filhos. Uma vez que eles vão topar com conflitos em todos os seus relacionamentos, mostrar-lhes como dar voz às tensões e trabalhar as discórdias com um parceiro amoroso lhes proporcionará valiosas lições de como um relacionamento real funciona. Vai ensinar-lhes que as ferramentas do relacionamento incluem habilidades de negociação, comunicação e compromisso para enfrentar os inevitáveis momentos de conflito. 

A pesquisa também confirmou minha suspeita de que suspender a discussão até que as crianças estejam fora de alcance não é necessariamente bom para elas. Por um lado, sempre vão saber que alguma coisa está acontecendo. Crianças são sensíveis e percebem quando os pais estão em atrito. Tentar esconder a discussão não vai livrá-las da ansiedade. De fato, não tratar abertamente do conflito só aumentará sua preocupação. 

Confessei a meu terapeuta que briguei com meu marido em frente dos filhos. "Será que sou uma mãe horrível?", perguntei. Ele riu e perguntou também: "Quem disse que uma boa mãe não pode expressar sua raiva? Você não quer que seus filhos aprendam como fazer isso?". É claro que quero, mas é difícil sair da sensação de que fiz algo errado.

Não sei o que meus filhos aprenderam nesta manhã. Quero crer que mostramos a eles algumas coisas sobre luta honesta e resolução de conflitos. No mínimo, vão saber que, mesmo nos melhores relacionamentos, algumas vezes vão sentir mágoa e raiva. Talvez entendam que o indício de um bom relacionamento não é a ausência de coisas ruins, mas a disposição de lidar com elas. 

Tradução de Roberto Muniz

 Foto: WPost

Doutor Phil diz que brigar em frente aos filhos é pouco menos que agressão. Ainda bem que ele não estava em minha casa nesta manhã. Fiquei tão irritada com meu marido que tive de sair da cozinha enquanto ele preparava cereal para nossos dois filhos. Talvez eu tivesse rangido os dentes e esbravejado contra a exaustiva rotina da manhã. Se não fosse o cansaço, o estresse, a raiva, talvez até pudesse esperar para discutir com ele quando as crianças estivessem na escola. A verdade é que não consegui.

"Querido, pode vir aqui um segundo?", chamei-o lá do andar de cima, aonde fui (em tese) esfriar a cabeça. Como todos os pais, eu tinha um dia cheio pela frente: além das coisas da casa, um resumo para fazer, uma carta para escrever, um artigo para redigir. Sentia a raiva e a mágoa me puxando para baixo. Não podia me dar ao luxo de ceder. 

Tínhamos sete minutos para resolver o caso antes de levar as crianças para a escola. Era a conta exata para chegar a algum progresso naquela última variação de nossa infindável discussão. Em seis anos de casamento, parecia que todos os nossos conflitos eram uma única e longa discussão distribuída por 80 meses. O assunto era sempre o mesmo: um de nós estava magoado porque o outro não reconhecia nossa contribuição, ou com raiva porque o outro nos decepcionara. 

Normalmente, posso guardar a raiva por algumas horas e deixar o assunto para discutir depois com meu marido, quando as crianças não estiverem no caminho.  Mas não nesta manhã...

Meu marido apareceu na porta. Eu disse: "Preciso falar com você".  Ele concordou com a cabeça. Fui em frente. "Sinto que você não cumpre suas promessas." No caso, ele prometera me acordar cedo e não me chamou. Não foi nenhum pecado mortal, mas me atingiu. 

Sua defesa era sólida: havíamos passado a maior parte da noite cuidando de uma criança adoentada e ele simplesmente apagara. O fato de não me acordar não era fazer pouco de mim, era pura exaustão.  Ficamos naquele foi-não-foi. Não falávamos alto, mas o tom era seco, amarrado. Definitivamente, estávamos discutindo. Vi em seus olhos a exaustão que eu mesma sentia. Tinham sido duas noites insones na semana, na esteira de uma infestação de piolhos que começara na semana anterior. Nós dois estávamos quase nas cordas. A combinação de fadiga e estresse nos transformara em feixes de maus sentimentos e baixa autoestima. 

Sabia que as crianças estavam no alto da escada, ouvindo cada palavra. Que será que eles achavam que ia acontecer?

Minha vontade era fechar a porta e jogar debaixo da cama o baixo astral que flutuava entre mim e meu marido, engatar um sorriso falso e levar as crianças para a escola. Em vez disso, chamei-as no quarto. "Ouviram a gente brigando?", perguntei. Elas concordaram, relutantemente, e chegaram mais perto. 

Quando eu estava crescendo, nos anos 1970 e 1980, a mecânica do casamento de meus pais era invisível. Como num relógio de parede, só se viam o mostrador e os ponteiros. Molas, cabos e engrenagens ficavam escondidos lá dentro. Às vezes, meus pais discutiam sobre pequenas coisas, como qual locadora de carros era melhor e qual o caminho mais curto para a igreja. Nunca entravam em assuntos mais profundos. Não havia discussões sobre como estavam se comunicando, ou o que rolava entre eles. Pelo menos, não em minha presença. Assim, quando comecei a vida de casada, não tinha ideia de quanto trabalho um relacionamento dava. Estava totalmente despreparada para a luta cotidiana de dizer o que sentia e resolver conflitos. 

"Querem saber por que estamos discutindo?", perguntei a meus filhos de 5 e 6 anos.  Disse a eles que meus sentimentos estavam feridos porque o papai não fizera o que prometera. Aí, meu marido explicou que cometera um erro e se sentia mal porque eu estava sendo tão dura com ele. E resumiu: "Nós dois estamos magoados e bravos, mas estamos tentando resolver". 

Meu objetivo ao trazer as crianças para a discussão era simples. Queria que elas soubessem que manter uma relação saudável dá trabalho. Para cada piquenique na escola, cada encontro romântico à noite ou cada bolo de aniversário havia manhãs como esta, cheia de ressentimentos, raiva, egos feridos. Queria que vissem nosso casamento além da fachada, que tivessem uma ideia de como uma discussão pode facilmente desandar e suas consequências se arrastarem pelo dia todo. 

Apesar da advertência do doutor Phil sobre brigar em frente de crianças, há pesquisas indicando que essas brigas podem trazer benefícios. Gordon Harold chefiou uma equipe na Universidade Cardiff que estudou os efeitos nos filhos de discussões entre os pais. Atitudes como emburrar, fugir de campo, bater portas ou pôr as crianças no meio da briga afeta-as negativamente. Entretanto, no vasto terreno entre harmonia total e comportamento destrutivo, a maioria das discordâncias maritais trazem muitas oportunidades para ensinar alguma coisa aos filhos. Uma vez que eles vão topar com conflitos em todos os seus relacionamentos, mostrar-lhes como dar voz às tensões e trabalhar as discórdias com um parceiro amoroso lhes proporcionará valiosas lições de como um relacionamento real funciona. Vai ensinar-lhes que as ferramentas do relacionamento incluem habilidades de negociação, comunicação e compromisso para enfrentar os inevitáveis momentos de conflito. 

A pesquisa também confirmou minha suspeita de que suspender a discussão até que as crianças estejam fora de alcance não é necessariamente bom para elas. Por um lado, sempre vão saber que alguma coisa está acontecendo. Crianças são sensíveis e percebem quando os pais estão em atrito. Tentar esconder a discussão não vai livrá-las da ansiedade. De fato, não tratar abertamente do conflito só aumentará sua preocupação. 

Confessei a meu terapeuta que briguei com meu marido em frente dos filhos. "Será que sou uma mãe horrível?", perguntei. Ele riu e perguntou também: "Quem disse que uma boa mãe não pode expressar sua raiva? Você não quer que seus filhos aprendam como fazer isso?". É claro que quero, mas é difícil sair da sensação de que fiz algo errado.

Não sei o que meus filhos aprenderam nesta manhã. Quero crer que mostramos a eles algumas coisas sobre luta honesta e resolução de conflitos. No mínimo, vão saber que, mesmo nos melhores relacionamentos, algumas vezes vão sentir mágoa e raiva. Talvez entendam que o indício de um bom relacionamento não é a ausência de coisas ruins, mas a disposição de lidar com elas. 

Tradução de Roberto Muniz

 Foto: WPost

Doutor Phil diz que brigar em frente aos filhos é pouco menos que agressão. Ainda bem que ele não estava em minha casa nesta manhã. Fiquei tão irritada com meu marido que tive de sair da cozinha enquanto ele preparava cereal para nossos dois filhos. Talvez eu tivesse rangido os dentes e esbravejado contra a exaustiva rotina da manhã. Se não fosse o cansaço, o estresse, a raiva, talvez até pudesse esperar para discutir com ele quando as crianças estivessem na escola. A verdade é que não consegui.

"Querido, pode vir aqui um segundo?", chamei-o lá do andar de cima, aonde fui (em tese) esfriar a cabeça. Como todos os pais, eu tinha um dia cheio pela frente: além das coisas da casa, um resumo para fazer, uma carta para escrever, um artigo para redigir. Sentia a raiva e a mágoa me puxando para baixo. Não podia me dar ao luxo de ceder. 

Tínhamos sete minutos para resolver o caso antes de levar as crianças para a escola. Era a conta exata para chegar a algum progresso naquela última variação de nossa infindável discussão. Em seis anos de casamento, parecia que todos os nossos conflitos eram uma única e longa discussão distribuída por 80 meses. O assunto era sempre o mesmo: um de nós estava magoado porque o outro não reconhecia nossa contribuição, ou com raiva porque o outro nos decepcionara. 

Normalmente, posso guardar a raiva por algumas horas e deixar o assunto para discutir depois com meu marido, quando as crianças não estiverem no caminho.  Mas não nesta manhã...

Meu marido apareceu na porta. Eu disse: "Preciso falar com você".  Ele concordou com a cabeça. Fui em frente. "Sinto que você não cumpre suas promessas." No caso, ele prometera me acordar cedo e não me chamou. Não foi nenhum pecado mortal, mas me atingiu. 

Sua defesa era sólida: havíamos passado a maior parte da noite cuidando de uma criança adoentada e ele simplesmente apagara. O fato de não me acordar não era fazer pouco de mim, era pura exaustão.  Ficamos naquele foi-não-foi. Não falávamos alto, mas o tom era seco, amarrado. Definitivamente, estávamos discutindo. Vi em seus olhos a exaustão que eu mesma sentia. Tinham sido duas noites insones na semana, na esteira de uma infestação de piolhos que começara na semana anterior. Nós dois estávamos quase nas cordas. A combinação de fadiga e estresse nos transformara em feixes de maus sentimentos e baixa autoestima. 

Sabia que as crianças estavam no alto da escada, ouvindo cada palavra. Que será que eles achavam que ia acontecer?

Minha vontade era fechar a porta e jogar debaixo da cama o baixo astral que flutuava entre mim e meu marido, engatar um sorriso falso e levar as crianças para a escola. Em vez disso, chamei-as no quarto. "Ouviram a gente brigando?", perguntei. Elas concordaram, relutantemente, e chegaram mais perto. 

Quando eu estava crescendo, nos anos 1970 e 1980, a mecânica do casamento de meus pais era invisível. Como num relógio de parede, só se viam o mostrador e os ponteiros. Molas, cabos e engrenagens ficavam escondidos lá dentro. Às vezes, meus pais discutiam sobre pequenas coisas, como qual locadora de carros era melhor e qual o caminho mais curto para a igreja. Nunca entravam em assuntos mais profundos. Não havia discussões sobre como estavam se comunicando, ou o que rolava entre eles. Pelo menos, não em minha presença. Assim, quando comecei a vida de casada, não tinha ideia de quanto trabalho um relacionamento dava. Estava totalmente despreparada para a luta cotidiana de dizer o que sentia e resolver conflitos. 

"Querem saber por que estamos discutindo?", perguntei a meus filhos de 5 e 6 anos.  Disse a eles que meus sentimentos estavam feridos porque o papai não fizera o que prometera. Aí, meu marido explicou que cometera um erro e se sentia mal porque eu estava sendo tão dura com ele. E resumiu: "Nós dois estamos magoados e bravos, mas estamos tentando resolver". 

Meu objetivo ao trazer as crianças para a discussão era simples. Queria que elas soubessem que manter uma relação saudável dá trabalho. Para cada piquenique na escola, cada encontro romântico à noite ou cada bolo de aniversário havia manhãs como esta, cheia de ressentimentos, raiva, egos feridos. Queria que vissem nosso casamento além da fachada, que tivessem uma ideia de como uma discussão pode facilmente desandar e suas consequências se arrastarem pelo dia todo. 

Apesar da advertência do doutor Phil sobre brigar em frente de crianças, há pesquisas indicando que essas brigas podem trazer benefícios. Gordon Harold chefiou uma equipe na Universidade Cardiff que estudou os efeitos nos filhos de discussões entre os pais. Atitudes como emburrar, fugir de campo, bater portas ou pôr as crianças no meio da briga afeta-as negativamente. Entretanto, no vasto terreno entre harmonia total e comportamento destrutivo, a maioria das discordâncias maritais trazem muitas oportunidades para ensinar alguma coisa aos filhos. Uma vez que eles vão topar com conflitos em todos os seus relacionamentos, mostrar-lhes como dar voz às tensões e trabalhar as discórdias com um parceiro amoroso lhes proporcionará valiosas lições de como um relacionamento real funciona. Vai ensinar-lhes que as ferramentas do relacionamento incluem habilidades de negociação, comunicação e compromisso para enfrentar os inevitáveis momentos de conflito. 

A pesquisa também confirmou minha suspeita de que suspender a discussão até que as crianças estejam fora de alcance não é necessariamente bom para elas. Por um lado, sempre vão saber que alguma coisa está acontecendo. Crianças são sensíveis e percebem quando os pais estão em atrito. Tentar esconder a discussão não vai livrá-las da ansiedade. De fato, não tratar abertamente do conflito só aumentará sua preocupação. 

Confessei a meu terapeuta que briguei com meu marido em frente dos filhos. "Será que sou uma mãe horrível?", perguntei. Ele riu e perguntou também: "Quem disse que uma boa mãe não pode expressar sua raiva? Você não quer que seus filhos aprendam como fazer isso?". É claro que quero, mas é difícil sair da sensação de que fiz algo errado.

Não sei o que meus filhos aprenderam nesta manhã. Quero crer que mostramos a eles algumas coisas sobre luta honesta e resolução de conflitos. No mínimo, vão saber que, mesmo nos melhores relacionamentos, algumas vezes vão sentir mágoa e raiva. Talvez entendam que o indício de um bom relacionamento não é a ausência de coisas ruins, mas a disposição de lidar com elas. 

Tradução de Roberto Muniz

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