Se a comunidade internacional está mesmo preocupada com o futuro da Amazônia, deveria dar dinheiro ao Brasil para garantir a sua conservação - porém, sem dar "um pio" sobre como o País deve gastar os recursos. Essa é a posição da governadora do Pará, Ana Júlia Carepa (PT). Segundo ela, os países ricos têm "obrigação" de pagar pela conservação da floresta, em retorno pelos serviços ambientais prestados por ela. "O mundo tem que pagar sim", disse Ana Júlia ao Estado. "Eles destruíram as florestas deles, mas nós ainda temos a nossa." Em sintonia com o governo federal, a governadora defende a criação de um fundo nacional, para o qual os países desenvolvidos poderiam - ou "deveriam" - doar recursos para a conservação da Amazônia. "Eles têm obrigação de contribuir e não têm de dar um pio sobre como vamos utilizar esse recursos", disse. "Falo isso porque são eles que pressionam a floresta." Na quinta-feira, o governo federal anunciou que vai montar um grupo interministerial para estudar a criação de um Fundo de Proteção e Conservação da Amazônia. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, garantiu que o Brasil terá autonomia sobre os recursos, geridos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). No ano passado, o Pará foi responsável por metade da área desmatada na Amazônia. Ana Júlia diz que o desmatamento não é um problema ambiental, mas econômico, e que só será resolvido quando a floresta em pé se tornar mais lucrativa do que a floresta cortada - por exemplo, via pagamento por serviços ecológicos, como produção de água, controle climático e conservação da biodiversidade. "Só repressão não é suficiente. Precisamos de uma alternativa econômica." O Pará lançou um projeto para plantar 1 bilhão de árvores em cinco anos. A idéia é financiar o reflorestamento de áreas desmatadas com espécies de valor comercial, que possam se transformar em fonte de renda para os proprietários. A recomposição seria feita com espécies nativas, mas também com o eucalipto - uma opção que promete criar conflito com ambientalistas. A seguir, os principais trechos da entrevista. Como a senhora vê o cenário atual de aceleração do desmatamento na Amazônia? Estamos trabalhando não só para diminuir o desmatamento, mas para estabelecer uma política econômica que vá na direção contrária do desmate. Entendemos que o desmatamento é um problema de caráter econômico. O que pressiona a floresta é o consumo, da madeira e da energia (carvão vegetal). Então, para combater essa lucratividade, só mesmo outra atividade econômica com a mesma intensidade, mas na direção contrária. Por isso lançamos o programa de 1 bilhão de árvores. Queremos que os trabalhadores rurais e empresários possam ganhar dinheiro plantando floresta. O reflorestamento evita que novas áreas sejam desmatadas? Como? Muitas espécies lucrativas demoram décadas para crescer. Daqui a alguns anos não vai ser preciso derrubar mais nenhuma árvore. Já temos espécies que produzem em cinco ou seis anos, como o paricá, que é uma espécie nativa. Tem também espécies não nativas, como o eucalipto, que atinge condições de corte em cinco ou seis anos. Queremos investir em ciência e tecnologia para que tenhamos outras espécies. Você não pode dizer simplesmente que ?não vai ter mais desmatamento?, precisa dar uma alternativa, porque elas (as pessoas que desmatam) também são seres humanos, são pessoas que passaram décadas sobrevivendo dessa atividade e nunca foram incomodadas. Em tese, tinha a fiscalização do Ibama. Mas como era feito isso? Eles apreendiam a madeira e o fiel depositário era o próprio madeireiro, que depois dava um jeito de usar a madeira. O que mudou aqui é que o Estado passou a ser o fiel depositário, aí fazemos um leilão e o recurso vai servir para estruturar os órgãos de combate ao desmatamento. O desmatamento, então, tem conseqüências ambientais, mas as causas são econômicas? Exatamente. O que é que pressiona a floresta? Por que é que os outros países destruíram e queimaram suas florestas? Por pressão de consumo, essa que é a verdade. Dizer que a pobreza pressiona a floresta é uma bobagem; o que pressiona a floresta é exatamente o contrário, é a riqueza. Riqueza de dentro ou de fora da Amazônia? De fora, claro. Uma pequena parte está dentro da Amazônia, porque o desmatamento é uma atividade lucrativa para pouquíssimos, é concentradora de riqueza. Nosso programa é para criar mecanismos que incentivem os produtores rurais a reflorestar. Nosso instituto de terras vai dar prioridade de regularização fundiária para quem fizer o cadastro ambiental rural. As pessoas vão poder recompor a área e ainda ganhar dinheiro. Ganhar dinheiro como? Quando plantarem, parte dessa floresta será de espécies com potencial econômico. Queremos também captar recursos com créditos de carbono. Potencial econômico extrativista ou madeireiro? O valor extrativista também é importante, mas fizemos os cálculos com base no valor madeireiro, de espécies como paricá e eucalipto. Então o eucalipto vai valer como espécie de reflorestamento? A Embrapa está fazendo pesquisa com 15 espécies nativas do Estado para aproveitamento econômico. Precisamos agilizar esse tipo de pesquisa. Mas o eucalipto entra? Veja bem, essas áreas estavam desmatadas. A idéia não é derrubar a floresta, é reflorestar. Parte desse 1 bilhão será mesmo de valor econômico. Não vamos incentivar que se plante só eucalipto; não é essa a proposta. Por que é tão difícil acabar com o desmatamento? Sabe qual é o lucro do desmatamento? US$ 270 mil por quilômetro quadrado por ano. O lucro da pecuária é de US$ 15 mil km2/ano. O da soja é de US$ 24 mil km2/ano. E o do reflorestamento é de US$ 125 mil km2/ano. Então, essa é a atividade econômica que mais se aproxima do lucro do desmatamento. Temos dificuldade para combater o desmatamento, sim, porque há interesses econômicos imensos. O lucro é muito alto. A floresta tem de dar dinheiro em pé, se não cai? É isso? Se der dinheiro, vai deixar de ter pressão. Outra coisa que temos colocado é que é preciso pagar por serviços ambientais. Não é justo que o mundo que já destruiu suas florestas cobre alguma coisa do povo da Amazônia. Alguém tem direito de exigir que esse povo não tenha acesso a bens de consumo, a energia elétrica, a qualidade de vida? Ninguém pode ousar exigir isso do nosso povo. Por isso é justo cobrar por serviços ambientais, para que não se desmate, para que se possa viver dos produtos florestais. A política de preço mínimo do governo federal (para produtos extrativistas) já foi um grande avanço. O mercado internacional também pode valorizar o produto florestal. E a única opção que as pessoas encontram para sobreviver é derrubar a floresta? O problema é que foi assim por muito tempo. Não estou falando de 50 mil pessoas, estou falando de 1 milhão, que durante décadas nunca foram incomodadas. O prejuízo agora não pode ser justamente delas. Não temos como controlar isso; não temos como encher o Estado de fiscais. Não posso ter só ações reativas, preciso de ações proativas, que possam gerar emprego, renda, desenvolvimento, sem destruir. Quem deveria pagar pelos serviços ambientais? O próprio Brasil ou os governos estrangeiros? Primeiro temos de regulamentar isso aqui, no nosso país. Eu sou favorável a que tenhamos também um fundo com soberania nossa, para que o mundo inteiro pague. Ora, o mundo tem de pagar sim. O mundo que já destruiu. Eles não têm moral para criticar nada. A senhora acha que outros países têm obrigação de financiar a conservação da Amazônia, ou seria mais uma ação filantrópica? Eles têm obrigação, sim, e ainda não têm de dar um pio em relação a como vamos utilizar esses recursos. São eles que pressionam a floresta. Como a senhora vê a agropecuária dentro da Amazônia? O Pará já tem o quarto rebanho do Brasil. Queremos fazer com que essa pecuária seja intensiva. Não há necessidade de desmatar mais nada; podemos aumentar a produtividade sem aumentar as áreas. Há casos em que o desmatamento se justifica? Acho que o desmatamento pode acontecer em situações que seja necessário fazer uma obra. Não vou deixar de fazer uma obra importante, seja de saneamento, uma hidrelétrica, um gasoduto, uma estrada. Posso fazer isso de forma sustentável, sem depredar a natureza. É isso que não se admite mais. Daqui a algum tempo vamos ter desmatamento praticamente zero, porque o pouco desmatamento que tiver será compensado com reflorestamento. Como a senhora vê esse suposto conflito entre desenvolvimento, infra-estrutura e conservação? Nós não podemos permitir que os impactos sejam colocados todos na conta do meio ambiente. Quando você tem a obra de uma estrada, ou da eclusa de Tucuruí (no Rio Tocantins), o impacto maior não é ambiental, é social. É sobre como ter infra-estrutura e planejamento para que o Estado possa receber milhares de pessoas da noite para o dia. Mas cai tudo na conta do meio ambiente. Claro que queremos minimizar todos os impactos, mas não tem como ter geração de energia sem nenhum impacto. O que não vamos admitir, e eu já falei isso para o presidente Lula, é ter uma hidrelétrica e o povo daqui não ter energia. Isso não dá mais.