É difícil parar pra pensar, ponderar, quando a revolta bate fundo. E estamos todos assim, revoltados com o Brasil. Com todos os governantes passados, presentes e futuros (os candidatos). Estamos revoltados até mesmo com o povo, mesmo sabendo que em boa parte esse mesmo povo que culpamos é muito mais vítima de um sistema que mantém pessoas sob controle mantendo-os mergulhados nas trevas da mentira e da ignorância.
Estou tão revoltada que nem sinto medo de ser 'acusada de elitista'. Até porque, mesmo vivendo no andar de cima da pirâmide social, nasci e cresci em sua base. Tenho consciência suficiente pra não acreditar na falácia da 'meritocracia' como única forma de ascensão social , como acreditava um professora de uma das escolas públicas que frequentei, Professor Olympio Polezzi, que tinha um carimbo próprio com os dizeres 'Venci pelo esforço'. A base da pirâmide é vítima sim, da desigualdade, do preconceito, da falta de oportunidade e, principalmente, a chaga que atinge todos nós em diferentes graus no Brasil: o descaso.
O Descaso é mais do que apenas parte de nossa cultura, ele foi eleito Presidente. O Descaso hoje manda no Brasil. Talvez sempre tenha mandado.
O incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro é a tragédia mais recente do poder dessa soma de sentimentos, pensamentos e atitudes de desprezo, desinteresse e desinformação que resulta no Descaso. Quem se importa de verdade com esse Museu? Ou com qualquer outro? Ou com a memória cultural de forma geral? Poucos. Quase ninguém.
O Museu Nacional estava na pindaíba, quebrado, sem manutenção. Mesmo tendo 20 milhões de ítens catalogados, mesmo sendo um centro de estudo e pesquisa, mesmo abrigando peças essenciais para a cultura nacional e mundial, mesmo sendo um patrimônio da humanidade. Em 2015 o Museu chegou a FECHAR por falta de dinheiro. Em 2018 vez uma VAQUINHA VIRTUAL pra juntar 30 mil reais e reabrir a sala do Dinoprata, maior dinossauro a ser reconstituído no Brasil. Só pra dar uma ideia de valores, acabei de ler sobre duas famosas que ganham 200 mil reais por mês só com as redes sociais, mostrando a intimidade de suas famílias para o público. Não é culpa das celebridades, é um FATO. E esse fato mostra que e o povo brasileiro prefere ver o treino da Kelly Key do que toda a história da civilização. Prefere ver o look do dia da blogueira de moda do que ir à biblioteca. Prefere ver um vídeo de tutorial de maquiagem do que ver uma aula de história. Aliás, não só no Brasil, nos Estados Unidos a família Kardashian mobiliza muito mais gente do que as livrarias que não param de fechar. O que não está na mídia, não interessa. Esse é o instantâneo da realidade brasileiro, basta perguntar pros jovens se eles querem ser cientistas ou influenciadores digitais.
Como chegamos a isso? É culpa da mídia de massa que só vende cultura pop e joga fora 5 mil anos de civilização? É culpa das escolas que não desenvolvem nos alunos apreço pela ciência, pelas artes, pela história da humanidade? Ou é só um desinteresse coletivo típico da modernidade? É a desesperança nos políticos que nos roubam há 500 anos e continuam roubando até hoje, sem parar, mesmo de dentro dos presídios? Ou somos todos nós culpados? Ou não há culpados? Ou devemos apenas aceitar tudo como está porque dói menos?
Não sei você, mas pra mim essa última opção não serve. Não dá pra aceitar o Descaso Geral, porque dói muito. Dói ver autoridades ignorantes que acham que o Museu é o prédio, que a cópia vale o mesmo que o original, dói saber que uma única jóia da agora livre (com tornozeleira) Adriana Ancelmo, um par de brincos, equivale a todo orçamento anual do Museu Nacional. Dói ver eleitores desesperançosos optando por votar em piada, em candidatos que podem ser tão trágicos quanto um incêndio.
Estamos todos sofrendo. E revoltados. Com o Descaso Geral da Nação. Uma nação que não dá valor a nada, que não se respeita, que não faz manutenção, que não sabe cuidar, nem de coisas, nem de pessoas. Que faz tudo nas coxas e empurra com a barriga. A terra do tanto-faz. O país que sempre teve tudo para ser grande e que escolhe encolher, minguar, por não ser capaz de administrar sua vastidão e sua riqueza. Um pais que hoje tem quase 30 milhões sem trabalho, sem perspectiva, sem opção.
Está na hora de fazer o impeachment dessa metáfora, desse eterno Presidente Descaso, que convenceu o país inteiro a ligar o 'Dane-se' com tamanha eficiência que a cada dia, nos danamos todos um pouco mais.