Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|A gente sabe o que vai estudar, mas nunca sabe o que vai aprender


Da faculdade, minha melhor lembrança são as inúteis aulas de poesia

Por Renato Essenfelder
 

arte: loro verz

  »Nesta semana acordei com uns versos na cabeça. Não eram versos quaisquer: eram trechos de três poemas assombrosos - "Terra Desolada" e "A Canção de Amor de J.Alfred Prufrock", ambos do poeta inglês T.S. Eliot, e "Harlem", do norte-americano Langston Hughes. Em comum, o fato de eu ter conhecido e estudado todos eles durante a faculdade, há mais de uma década. Estudei muitas coisas durante o curso de Jornalismo na Universidade Federal do Paraná. Como em todos os cursos do gênero, estudei Teoria da Comunicação, Fotografia, Sociologia, Antropologia, técnicas de redação etc. Mas até hoje nunca acordei pensando nas teorias da comunicação ou nas várias recomendações para a boa redação jornalística. Desperto, até com certa regularidade, pensando naqueles poemas.  A gente pode até saber o que vai estudar, mas nunca sabe o que vai aprender. O que eu aprendi, nos meus anos de faculdade, teve muito a ver com essas disciplinas, digamos, artísticas. Disciplinas que eram verdadeiras indisciplinas: a leitura e a discussão, incontrolável, de grandes poemas. Essas matérias eram, obviamente, optativas. Nada tinham a ver com técnica jornalística. Isso quer dizer que eu mesmo escolhi, movido pela minha própria curiosidade, passear pelos corredores do curso de Letras e entrar em territórios tão estranhos quanto "Literatura Alemã" e "Poesia Anglo-Americana" - nesta, conduzido pela querida e talentosíssima Luci Collin. Do ponto de vista racional, faria mais sentido me aprofundar nas matérias mais jornalísticas, mas às vezes parece que o corpo faz escolhas anteriores, e mais acertadas, do que a cabeça. Quando vi, meus pés já estavam às portas do departamento de Literatura, às portas das inúteis aulas de poesia. A gente não sabe o que vai ficar, daquilo que passa por nós, daquilo que nós mesmos atravessamos. Quando retorno de viagem, logo esqueço dos roteiros previamente calculados, da lista de afazeres efetivados. Lembro melhor de onde me perdi, de onde sofri, de onde m'espantei (da Itália já não tenho memória dos monumentos obrigatórios, mas lembro bem daquele senhor que tocava a música tema de "O Poderoso Chefão" no saxofone e da primeira pizza na estação central de Roma). Isso tudo é, também, aprendizado. A minha escola ideal seria toda assim, uma ciência do acidente. Antes e depois da técnica, viria a vida. Trombar e atritar com os conteúdos da vida, ver a miséria e o luxo, experimentar um saxofone de esquina, comer uma pizza como se fosse a última. No fim, no fim do dia, no fim da vida, puxar pela memória um velho poema. E, sem necessitar de outra explicação, simplesmente alegrar-se por ter vivido a poesia.«  

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  »Nesta semana acordei com uns versos na cabeça. Não eram versos quaisquer: eram trechos de três poemas assombrosos - "Terra Desolada" e "A Canção de Amor de J.Alfred Prufrock", ambos do poeta inglês T.S. Eliot, e "Harlem", do norte-americano Langston Hughes. Em comum, o fato de eu ter conhecido e estudado todos eles durante a faculdade, há mais de uma década. Estudei muitas coisas durante o curso de Jornalismo na Universidade Federal do Paraná. Como em todos os cursos do gênero, estudei Teoria da Comunicação, Fotografia, Sociologia, Antropologia, técnicas de redação etc. Mas até hoje nunca acordei pensando nas teorias da comunicação ou nas várias recomendações para a boa redação jornalística. Desperto, até com certa regularidade, pensando naqueles poemas.  A gente pode até saber o que vai estudar, mas nunca sabe o que vai aprender. O que eu aprendi, nos meus anos de faculdade, teve muito a ver com essas disciplinas, digamos, artísticas. Disciplinas que eram verdadeiras indisciplinas: a leitura e a discussão, incontrolável, de grandes poemas. Essas matérias eram, obviamente, optativas. Nada tinham a ver com técnica jornalística. Isso quer dizer que eu mesmo escolhi, movido pela minha própria curiosidade, passear pelos corredores do curso de Letras e entrar em territórios tão estranhos quanto "Literatura Alemã" e "Poesia Anglo-Americana" - nesta, conduzido pela querida e talentosíssima Luci Collin. Do ponto de vista racional, faria mais sentido me aprofundar nas matérias mais jornalísticas, mas às vezes parece que o corpo faz escolhas anteriores, e mais acertadas, do que a cabeça. Quando vi, meus pés já estavam às portas do departamento de Literatura, às portas das inúteis aulas de poesia. A gente não sabe o que vai ficar, daquilo que passa por nós, daquilo que nós mesmos atravessamos. Quando retorno de viagem, logo esqueço dos roteiros previamente calculados, da lista de afazeres efetivados. Lembro melhor de onde me perdi, de onde sofri, de onde m'espantei (da Itália já não tenho memória dos monumentos obrigatórios, mas lembro bem daquele senhor que tocava a música tema de "O Poderoso Chefão" no saxofone e da primeira pizza na estação central de Roma). Isso tudo é, também, aprendizado. A minha escola ideal seria toda assim, uma ciência do acidente. Antes e depois da técnica, viria a vida. Trombar e atritar com os conteúdos da vida, ver a miséria e o luxo, experimentar um saxofone de esquina, comer uma pizza como se fosse a última. No fim, no fim do dia, no fim da vida, puxar pela memória um velho poema. E, sem necessitar de outra explicação, simplesmente alegrar-se por ter vivido a poesia.«  

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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