Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|O tesão é melhor que o amor


O amor entorpece os sentidos, enquanto o tesão os aguça

Por Renato Essenfelder
 

arte: renato essenfelder/sd

 

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»Ultimamente tenho estado atento ao problema do tesão - quero dizer, à falta dele. Tesão, afinal, não é problema. Em condições ótimas de temperatura e pressão, é tão bom quanto o amor, sublime amor.

Na verdade, é melhor.

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O tesão é melhor do que o amor porque o amor não correspondido é uma seca, uma dor, um drama de morrer. O tesão, não. Ele contempla com olhos vidrados, mas sai de cena silenciosamente quando perde seu objeto. Sem ressentimentos, não deixa mágoas. Vai, volta, espreita como um felino que ataca um novelo de lã, cansa e retorna à toca. Depois, quando dá vontade, volta a brincar.

Não deixa espaço para minhocas ou complicações. Há ou não há, tão somente por si só, bastando-se sem precisar de explicação. Por que você não me ama mais, dizem os amantes minguantes. O tesão não diz nada. Ou é ou não é, ou arde ou dorme. Não finge, não joga, não se equivoca.

O amor entorpece os sentidos, enquanto o tesão os aguça. O amor é criatura divinal. Com humores sobrenaturais, nem sempre acorda bem disposto. Tem dias que sim, tem dias que não, e um monte de talvezes pelo caminho. Bichinho difícil de agradar, mas que necessita de constante afago. Sozinho e negligenciado, morre. Desaparece. Atenção demais, enjoa. Empalidece. Depende da temperatura, da umidade, da comida, do espelho, da roupa, do bolso, do cabelo. Do intestino o amor depende.

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O tesão não depende de nada. Existe sem tergiversação, sem racionalização, sem blablablá. É o que há.

Quando estudava os verbos, achava que tesão deveria ser um, porque é movimento, porque está sempre em ação e porque cansa e cessa rapidamente quando as coisas, enfim, param. Quando elas substantivam.

Um verbo, mas não como desejar. Um verbo menos prudente, menos comportado. Tesão, tesoar, tesar. Um verbo transitivo e transitório, impossível de prender, apreender, congelar. Mas: possível de praticar?

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Teso como quem tesa pelo corpo, pelo mar, pela lingerie, pelo cheiro do café, pela casa perfumada, pelo susto e pelo gozo do que ainda virá.«

 

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arte: renato essenfelder/sd

 

 

»Ultimamente tenho estado atento ao problema do tesão - quero dizer, à falta dele. Tesão, afinal, não é problema. Em condições ótimas de temperatura e pressão, é tão bom quanto o amor, sublime amor.

Na verdade, é melhor.

O tesão é melhor do que o amor porque o amor não correspondido é uma seca, uma dor, um drama de morrer. O tesão, não. Ele contempla com olhos vidrados, mas sai de cena silenciosamente quando perde seu objeto. Sem ressentimentos, não deixa mágoas. Vai, volta, espreita como um felino que ataca um novelo de lã, cansa e retorna à toca. Depois, quando dá vontade, volta a brincar.

Não deixa espaço para minhocas ou complicações. Há ou não há, tão somente por si só, bastando-se sem precisar de explicação. Por que você não me ama mais, dizem os amantes minguantes. O tesão não diz nada. Ou é ou não é, ou arde ou dorme. Não finge, não joga, não se equivoca.

O amor entorpece os sentidos, enquanto o tesão os aguça. O amor é criatura divinal. Com humores sobrenaturais, nem sempre acorda bem disposto. Tem dias que sim, tem dias que não, e um monte de talvezes pelo caminho. Bichinho difícil de agradar, mas que necessita de constante afago. Sozinho e negligenciado, morre. Desaparece. Atenção demais, enjoa. Empalidece. Depende da temperatura, da umidade, da comida, do espelho, da roupa, do bolso, do cabelo. Do intestino o amor depende.

O tesão não depende de nada. Existe sem tergiversação, sem racionalização, sem blablablá. É o que há.

Quando estudava os verbos, achava que tesão deveria ser um, porque é movimento, porque está sempre em ação e porque cansa e cessa rapidamente quando as coisas, enfim, param. Quando elas substantivam.

Um verbo, mas não como desejar. Um verbo menos prudente, menos comportado. Tesão, tesoar, tesar. Um verbo transitivo e transitório, impossível de prender, apreender, congelar. Mas: possível de praticar?

Teso como quem tesa pelo corpo, pelo mar, pela lingerie, pelo cheiro do café, pela casa perfumada, pelo susto e pelo gozo do que ainda virá.«

 

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»Ultimamente tenho estado atento ao problema do tesão - quero dizer, à falta dele. Tesão, afinal, não é problema. Em condições ótimas de temperatura e pressão, é tão bom quanto o amor, sublime amor.

Na verdade, é melhor.

O tesão é melhor do que o amor porque o amor não correspondido é uma seca, uma dor, um drama de morrer. O tesão, não. Ele contempla com olhos vidrados, mas sai de cena silenciosamente quando perde seu objeto. Sem ressentimentos, não deixa mágoas. Vai, volta, espreita como um felino que ataca um novelo de lã, cansa e retorna à toca. Depois, quando dá vontade, volta a brincar.

Não deixa espaço para minhocas ou complicações. Há ou não há, tão somente por si só, bastando-se sem precisar de explicação. Por que você não me ama mais, dizem os amantes minguantes. O tesão não diz nada. Ou é ou não é, ou arde ou dorme. Não finge, não joga, não se equivoca.

O amor entorpece os sentidos, enquanto o tesão os aguça. O amor é criatura divinal. Com humores sobrenaturais, nem sempre acorda bem disposto. Tem dias que sim, tem dias que não, e um monte de talvezes pelo caminho. Bichinho difícil de agradar, mas que necessita de constante afago. Sozinho e negligenciado, morre. Desaparece. Atenção demais, enjoa. Empalidece. Depende da temperatura, da umidade, da comida, do espelho, da roupa, do bolso, do cabelo. Do intestino o amor depende.

O tesão não depende de nada. Existe sem tergiversação, sem racionalização, sem blablablá. É o que há.

Quando estudava os verbos, achava que tesão deveria ser um, porque é movimento, porque está sempre em ação e porque cansa e cessa rapidamente quando as coisas, enfim, param. Quando elas substantivam.

Um verbo, mas não como desejar. Um verbo menos prudente, menos comportado. Tesão, tesoar, tesar. Um verbo transitivo e transitório, impossível de prender, apreender, congelar. Mas: possível de praticar?

Teso como quem tesa pelo corpo, pelo mar, pela lingerie, pelo cheiro do café, pela casa perfumada, pelo susto e pelo gozo do que ainda virá.«

 

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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