Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|Professores são muito perigosos


Traficam, para o nosso imaginário, amplidões

Por Renato Essenfelder
arte: renato essenfelder/sd 

»Excelentíssimo sr.. 

Começo por uma metáfora. É verdade que os Professores são, sim, mais perigosos do que traficantes de drogas, porque traficam, para o nosso imaginário, amplidões. Um Professor amplia horizontes, questiona certezas, provoca. Acorda-nos, desperta qualquer coisa, mobiliza.

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Para a luta armada? Para o comunismo? Para a escatologia? Não, meu caro senhor. Para a vida.

(Porque a coisa mais simples da vida é passá-la assim, em branco, alheio, alienado. Olhando para o outro lado. Como, certamente, deve te convir.)  

Eu avançaria nessa mesma metáfora: professores, assim como romances, poemas, filmes, canções, pinturas, performances, espetáculos, são duplamente perigosos. Ao mesmo tempo que traficam, que incutem dentro de nós a melindrosa dúvida, o perigoso conhecimento, também ajudam-nos a perceber o que já estava dentro de nós, porém adormecido.

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A isso chamemos de consciência. De classe, de raça, de sujeito-cidadão. Um eu sou que pulsa, ser que se torna, acima e abaixo deste manto de aço que nos encerra. Livre (ou quase).

Eu diria, a princípio, que assim são os bons professores: mais perigosos do que traficantes, do que príncipes e milicianos. Mas a verdade é que não há algo como mau professor, quero dizer, porque do mau também se extrai lição. Mesmo diante de um completo néscio, mesmo diante de pessoa vil, podemos aprender. 

Olho para ti e aprendo tanto. 

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Claro que seria uma ofensa a mim e à minha categoria chamar-te de professor. Vi-o falando em um cursinho e senti apenas asco. Faço aqui uma extrapolação. Quero dizer que, ainda que tu te tornasses professor, que diariamente estivesse exposto à dor e à dor da sala de aula, ainda assim haveria algo produtivo, nesse encontro. Ou melhor, constitutivo, quiçá frutitutivo, porque "produtivo" é uma dessas palavras que tenciono abandonar, uma dessas ideias cuja consecução já não se sustenta. 

É frutífero olhar o parvo e descobrir o que o parvo é. Olhar no olho do mal e dele se afastar - contra ele lutar.

Não sei, contudo, onde iria dar essa metáfora. Se me permite imagens gastas, mais do que murro em ponta de faca, mais do que pérolas aos porcos, seria admitir que os senhores estão interessados em discutir a educação, a cidadania, o país. Não estão. 

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Professores são perigosos, muito perigosos, mas nada têm a ver com traficantes de drogas, meu caro senhor. Tenha respeito. Até quem não frequentou a escola conhece essa lição.«

 

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+redes sociais do autor+

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arte: renato essenfelder/sd 

»Excelentíssimo sr.. 

Começo por uma metáfora. É verdade que os Professores são, sim, mais perigosos do que traficantes de drogas, porque traficam, para o nosso imaginário, amplidões. Um Professor amplia horizontes, questiona certezas, provoca. Acorda-nos, desperta qualquer coisa, mobiliza.

Para a luta armada? Para o comunismo? Para a escatologia? Não, meu caro senhor. Para a vida.

(Porque a coisa mais simples da vida é passá-la assim, em branco, alheio, alienado. Olhando para o outro lado. Como, certamente, deve te convir.)  

Eu avançaria nessa mesma metáfora: professores, assim como romances, poemas, filmes, canções, pinturas, performances, espetáculos, são duplamente perigosos. Ao mesmo tempo que traficam, que incutem dentro de nós a melindrosa dúvida, o perigoso conhecimento, também ajudam-nos a perceber o que já estava dentro de nós, porém adormecido.

A isso chamemos de consciência. De classe, de raça, de sujeito-cidadão. Um eu sou que pulsa, ser que se torna, acima e abaixo deste manto de aço que nos encerra. Livre (ou quase).

Eu diria, a princípio, que assim são os bons professores: mais perigosos do que traficantes, do que príncipes e milicianos. Mas a verdade é que não há algo como mau professor, quero dizer, porque do mau também se extrai lição. Mesmo diante de um completo néscio, mesmo diante de pessoa vil, podemos aprender. 

Olho para ti e aprendo tanto. 

Claro que seria uma ofensa a mim e à minha categoria chamar-te de professor. Vi-o falando em um cursinho e senti apenas asco. Faço aqui uma extrapolação. Quero dizer que, ainda que tu te tornasses professor, que diariamente estivesse exposto à dor e à dor da sala de aula, ainda assim haveria algo produtivo, nesse encontro. Ou melhor, constitutivo, quiçá frutitutivo, porque "produtivo" é uma dessas palavras que tenciono abandonar, uma dessas ideias cuja consecução já não se sustenta. 

É frutífero olhar o parvo e descobrir o que o parvo é. Olhar no olho do mal e dele se afastar - contra ele lutar.

Não sei, contudo, onde iria dar essa metáfora. Se me permite imagens gastas, mais do que murro em ponta de faca, mais do que pérolas aos porcos, seria admitir que os senhores estão interessados em discutir a educação, a cidadania, o país. Não estão. 

Professores são perigosos, muito perigosos, mas nada têm a ver com traficantes de drogas, meu caro senhor. Tenha respeito. Até quem não frequentou a escola conhece essa lição.«

 

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»Excelentíssimo sr.. 

Começo por uma metáfora. É verdade que os Professores são, sim, mais perigosos do que traficantes de drogas, porque traficam, para o nosso imaginário, amplidões. Um Professor amplia horizontes, questiona certezas, provoca. Acorda-nos, desperta qualquer coisa, mobiliza.

Para a luta armada? Para o comunismo? Para a escatologia? Não, meu caro senhor. Para a vida.

(Porque a coisa mais simples da vida é passá-la assim, em branco, alheio, alienado. Olhando para o outro lado. Como, certamente, deve te convir.)  

Eu avançaria nessa mesma metáfora: professores, assim como romances, poemas, filmes, canções, pinturas, performances, espetáculos, são duplamente perigosos. Ao mesmo tempo que traficam, que incutem dentro de nós a melindrosa dúvida, o perigoso conhecimento, também ajudam-nos a perceber o que já estava dentro de nós, porém adormecido.

A isso chamemos de consciência. De classe, de raça, de sujeito-cidadão. Um eu sou que pulsa, ser que se torna, acima e abaixo deste manto de aço que nos encerra. Livre (ou quase).

Eu diria, a princípio, que assim são os bons professores: mais perigosos do que traficantes, do que príncipes e milicianos. Mas a verdade é que não há algo como mau professor, quero dizer, porque do mau também se extrai lição. Mesmo diante de um completo néscio, mesmo diante de pessoa vil, podemos aprender. 

Olho para ti e aprendo tanto. 

Claro que seria uma ofensa a mim e à minha categoria chamar-te de professor. Vi-o falando em um cursinho e senti apenas asco. Faço aqui uma extrapolação. Quero dizer que, ainda que tu te tornasses professor, que diariamente estivesse exposto à dor e à dor da sala de aula, ainda assim haveria algo produtivo, nesse encontro. Ou melhor, constitutivo, quiçá frutitutivo, porque "produtivo" é uma dessas palavras que tenciono abandonar, uma dessas ideias cuja consecução já não se sustenta. 

É frutífero olhar o parvo e descobrir o que o parvo é. Olhar no olho do mal e dele se afastar - contra ele lutar.

Não sei, contudo, onde iria dar essa metáfora. Se me permite imagens gastas, mais do que murro em ponta de faca, mais do que pérolas aos porcos, seria admitir que os senhores estão interessados em discutir a educação, a cidadania, o país. Não estão. 

Professores são perigosos, muito perigosos, mas nada têm a ver com traficantes de drogas, meu caro senhor. Tenha respeito. Até quem não frequentou a escola conhece essa lição.«

 

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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