Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|Vivo muitos paradoxos estranhos


Por Renato Essenfelder
 

arte: loro verz

»Sou frequentemente visitado por paradoxos: quero mas não quero, sonho com A enquanto me esforço para chegar ao B.

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Em geral, não tenho nada contra isso. Paradoxos enchem a gente de interesse, de interessância, e podem nos oferecer uma pitada de neurose saudável.

Viver sem paradoxos é obra para gênios (talvez) e para imbecis (certamente). Dá pouca margem para gente como a gente, que quer um trabalho digno, um amor quentinho e uma casa segura - ou qualquer uma dessas combinações. A gente, que não é uma coisa nem outra, que tem dias e dias, vive de avanços e recuos e no fim do dia não sabe explicar as razões por trás das ações. A gente é cheio de paradoxos.

Quem sabe explicar tudo me dá uma espécie de náusea. 

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Toda vez que ligo a TV, ou que estendo o braço em direção ao celular, sou perturbado pela contradição: não, não quero. Não quero mais saber da grande política, da macroeconomia, do moinho das fofocas. Gosto de vídeos de bichinhos fofos, como todo mundo que tem a cabeça no lugar. Mas: cedo. Sou perturbado pela contradição de querer saber cada vez menos das coisas que vão mal (tantas elas, tantos nós) enquanto, ao mesmo tempo, cedo à urgência de me sentir bem informado. E me pego lendo sobre o tiroteio, o atentado, o golpe, o fascismo, a escravidão.

Afinal, são coisas importantes.

Eu digo que é meu treino de jornalista, minha formação, meus anos de Redação, mas não deixa de ser um paradoxo, uma espécie de masoquismo. Alimentar-se daquilo que faz mal. Empanturrar-se, até. Fazer menos do que gosta para fazer mais do que não gosta, ainda que ninguém nos obrigue a isso. Quantas vezes, ó, meu Deus, quantos dias e noites.

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Vivo muitos paradoxos estranhos, e descobri que nenhum deles é completamente inofensivo. Tudo tem consequência e a gente precisa medir o peso de tudo - sem paranóia, mas sem desleixo. Saber o que lê, o que vê e o que come. Quem beija, quem abraça e quem abriga.

Viver dá uma canseira, em qualquer lugar do mundo. Em qualquer tempo, imagino, em qualquer contexto.

Mas também é bom, aliás, a melhor coisa. É o maior dos paradoxos.

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Não me culpem por isso, sou apenas o mensageiro. Não dá para desparadoxizar a vida nem é desejável exorcizar as paixões. Vivo muitos paradoxos estranhos, entranho muitas contradições.

Queria me reduzir ao mínimo, ser feliz com o vento que venta e a maré que mareia. Mas, raio, sempre é preciso haver mais: nem que seja mais minimalismo, mais do menos, pra gente ser feliz

 

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»Sou frequentemente visitado por paradoxos: quero mas não quero, sonho com A enquanto me esforço para chegar ao B.

Em geral, não tenho nada contra isso. Paradoxos enchem a gente de interesse, de interessância, e podem nos oferecer uma pitada de neurose saudável.

Viver sem paradoxos é obra para gênios (talvez) e para imbecis (certamente). Dá pouca margem para gente como a gente, que quer um trabalho digno, um amor quentinho e uma casa segura - ou qualquer uma dessas combinações. A gente, que não é uma coisa nem outra, que tem dias e dias, vive de avanços e recuos e no fim do dia não sabe explicar as razões por trás das ações. A gente é cheio de paradoxos.

Quem sabe explicar tudo me dá uma espécie de náusea. 

Toda vez que ligo a TV, ou que estendo o braço em direção ao celular, sou perturbado pela contradição: não, não quero. Não quero mais saber da grande política, da macroeconomia, do moinho das fofocas. Gosto de vídeos de bichinhos fofos, como todo mundo que tem a cabeça no lugar. Mas: cedo. Sou perturbado pela contradição de querer saber cada vez menos das coisas que vão mal (tantas elas, tantos nós) enquanto, ao mesmo tempo, cedo à urgência de me sentir bem informado. E me pego lendo sobre o tiroteio, o atentado, o golpe, o fascismo, a escravidão.

Afinal, são coisas importantes.

Eu digo que é meu treino de jornalista, minha formação, meus anos de Redação, mas não deixa de ser um paradoxo, uma espécie de masoquismo. Alimentar-se daquilo que faz mal. Empanturrar-se, até. Fazer menos do que gosta para fazer mais do que não gosta, ainda que ninguém nos obrigue a isso. Quantas vezes, ó, meu Deus, quantos dias e noites.

Vivo muitos paradoxos estranhos, e descobri que nenhum deles é completamente inofensivo. Tudo tem consequência e a gente precisa medir o peso de tudo - sem paranóia, mas sem desleixo. Saber o que lê, o que vê e o que come. Quem beija, quem abraça e quem abriga.

Viver dá uma canseira, em qualquer lugar do mundo. Em qualquer tempo, imagino, em qualquer contexto.

Mas também é bom, aliás, a melhor coisa. É o maior dos paradoxos.

Não me culpem por isso, sou apenas o mensageiro. Não dá para desparadoxizar a vida nem é desejável exorcizar as paixões. Vivo muitos paradoxos estranhos, entranho muitas contradições.

Queria me reduzir ao mínimo, ser feliz com o vento que venta e a maré que mareia. Mas, raio, sempre é preciso haver mais: nem que seja mais minimalismo, mais do menos, pra gente ser feliz

 

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»Sou frequentemente visitado por paradoxos: quero mas não quero, sonho com A enquanto me esforço para chegar ao B.

Em geral, não tenho nada contra isso. Paradoxos enchem a gente de interesse, de interessância, e podem nos oferecer uma pitada de neurose saudável.

Viver sem paradoxos é obra para gênios (talvez) e para imbecis (certamente). Dá pouca margem para gente como a gente, que quer um trabalho digno, um amor quentinho e uma casa segura - ou qualquer uma dessas combinações. A gente, que não é uma coisa nem outra, que tem dias e dias, vive de avanços e recuos e no fim do dia não sabe explicar as razões por trás das ações. A gente é cheio de paradoxos.

Quem sabe explicar tudo me dá uma espécie de náusea. 

Toda vez que ligo a TV, ou que estendo o braço em direção ao celular, sou perturbado pela contradição: não, não quero. Não quero mais saber da grande política, da macroeconomia, do moinho das fofocas. Gosto de vídeos de bichinhos fofos, como todo mundo que tem a cabeça no lugar. Mas: cedo. Sou perturbado pela contradição de querer saber cada vez menos das coisas que vão mal (tantas elas, tantos nós) enquanto, ao mesmo tempo, cedo à urgência de me sentir bem informado. E me pego lendo sobre o tiroteio, o atentado, o golpe, o fascismo, a escravidão.

Afinal, são coisas importantes.

Eu digo que é meu treino de jornalista, minha formação, meus anos de Redação, mas não deixa de ser um paradoxo, uma espécie de masoquismo. Alimentar-se daquilo que faz mal. Empanturrar-se, até. Fazer menos do que gosta para fazer mais do que não gosta, ainda que ninguém nos obrigue a isso. Quantas vezes, ó, meu Deus, quantos dias e noites.

Vivo muitos paradoxos estranhos, e descobri que nenhum deles é completamente inofensivo. Tudo tem consequência e a gente precisa medir o peso de tudo - sem paranóia, mas sem desleixo. Saber o que lê, o que vê e o que come. Quem beija, quem abraça e quem abriga.

Viver dá uma canseira, em qualquer lugar do mundo. Em qualquer tempo, imagino, em qualquer contexto.

Mas também é bom, aliás, a melhor coisa. É o maior dos paradoxos.

Não me culpem por isso, sou apenas o mensageiro. Não dá para desparadoxizar a vida nem é desejável exorcizar as paixões. Vivo muitos paradoxos estranhos, entranho muitas contradições.

Queria me reduzir ao mínimo, ser feliz com o vento que venta e a maré que mareia. Mas, raio, sempre é preciso haver mais: nem que seja mais minimalismo, mais do menos, pra gente ser feliz

 

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Em geral, não tenho nada contra isso. Paradoxos enchem a gente de interesse, de interessância, e podem nos oferecer uma pitada de neurose saudável.

Viver sem paradoxos é obra para gênios (talvez) e para imbecis (certamente). Dá pouca margem para gente como a gente, que quer um trabalho digno, um amor quentinho e uma casa segura - ou qualquer uma dessas combinações. A gente, que não é uma coisa nem outra, que tem dias e dias, vive de avanços e recuos e no fim do dia não sabe explicar as razões por trás das ações. A gente é cheio de paradoxos.

Quem sabe explicar tudo me dá uma espécie de náusea. 

Toda vez que ligo a TV, ou que estendo o braço em direção ao celular, sou perturbado pela contradição: não, não quero. Não quero mais saber da grande política, da macroeconomia, do moinho das fofocas. Gosto de vídeos de bichinhos fofos, como todo mundo que tem a cabeça no lugar. Mas: cedo. Sou perturbado pela contradição de querer saber cada vez menos das coisas que vão mal (tantas elas, tantos nós) enquanto, ao mesmo tempo, cedo à urgência de me sentir bem informado. E me pego lendo sobre o tiroteio, o atentado, o golpe, o fascismo, a escravidão.

Afinal, são coisas importantes.

Eu digo que é meu treino de jornalista, minha formação, meus anos de Redação, mas não deixa de ser um paradoxo, uma espécie de masoquismo. Alimentar-se daquilo que faz mal. Empanturrar-se, até. Fazer menos do que gosta para fazer mais do que não gosta, ainda que ninguém nos obrigue a isso. Quantas vezes, ó, meu Deus, quantos dias e noites.

Vivo muitos paradoxos estranhos, e descobri que nenhum deles é completamente inofensivo. Tudo tem consequência e a gente precisa medir o peso de tudo - sem paranóia, mas sem desleixo. Saber o que lê, o que vê e o que come. Quem beija, quem abraça e quem abriga.

Viver dá uma canseira, em qualquer lugar do mundo. Em qualquer tempo, imagino, em qualquer contexto.

Mas também é bom, aliás, a melhor coisa. É o maior dos paradoxos.

Não me culpem por isso, sou apenas o mensageiro. Não dá para desparadoxizar a vida nem é desejável exorcizar as paixões. Vivo muitos paradoxos estranhos, entranho muitas contradições.

Queria me reduzir ao mínimo, ser feliz com o vento que venta e a maré que mareia. Mas, raio, sempre é preciso haver mais: nem que seja mais minimalismo, mais do menos, pra gente ser feliz

 

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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