Ser mãe é padecer na internet

Opinião|Mãe escreve livro sobre a dor de perder o filho recém-nascido. "A morte existe, chegou aqui em casa e está morando com a gente"


Por Rita Lisauskas
 Foto: Estadão

 

Muitas mulheres têm o costume de escrever diários de gravidez. Camila fez isso ao descobrir que esperava Pedro. Quando o menino completou o primeiro ano, ganhou um livro com suas histórias. Ao engravidar de José, fez o mesmo. Comprou um caderninho onde começou a escrever ao filho sobre como sua chegada era bem-vinda e aguardada.

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José nasceu no tempo certo, mas foi direto para a UTI neonatal. Os motivos da internação, Camila não conta. Mas isso não importa. Ela não pôde amamentá-lo, dar banho ou trocar fralda. Só conseguia tocar as mãos e os pés de José, todo enrolado em fios. Não podia fazer carinho nem na cabecinha do bebê, presa no aparelho de eletroencefalograma. Mas fazia questão de dizer a ele que estava tudo bem, "mamãe está aqui, filho". Camila queria trazê-lo de volta, de onde quer que estivesse.

"Ele nada vê. Nunca abriu os olhos. Queria saber o que ele enxerga. Já pensei até em pedir para os médicos me induzirem ao coma também. Quem sabe se me dessem a mesma medicação, conseguiria ir até onde está, ficar lá com ele? Talvez sentisse menos medo e tristeza. É uma tristeza grande que ele sente, posso notar. Quem sabe se eu fosse para o coma com ele, não poderia ajudá-lo a encontrar o caminho de volta para junto de nós?" (Até Breve, José) 

José viveu apenas 11 dias e nas páginas onde deveriam ser escritas suas primeiras histórias estão os relatos da vida sem sua presença tão esperada.

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"Nem bem aceitei que ele nasceu e ele já morreu, é tão estranho. Acredito que encontrarei José de novo, em algum momento, em algum lugar. Para sempre vou amá-lo. Ir no enterro do meu filho hoje foi a coisa mais difícil que fiz na vida. Viver depois disso, será a segunda coisa mais difícil."(Até Breve, José)

A jornalista Camila Goytacaz Foto: Estadão
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Os escritos da jornalista Camila Goytacaz, 36 anos, passaram um tempão engavetados. Primeiro porque pensou que ninguém se interessaria por eles. Depois começou a trabalhar nesse diário porque conforme renascia, surgia também a vontade de falar sobre algo que ainda é tabu. A morte. O luto. Assim nasceu "Até Breve, José", que está saindo do forno graças ao financiamento coletivo. Conversei com Camila pelo telefone e fico sabendo que ela teve uma filha depois de perder José: Joana, que completa 3 anos neste mês. E se engana quem pensa que um filho substitui o que partiu. "Sou mãe de 3. José sempre vai fazer parte de nossa história", garante. "Como ela está viva e conversando comigo depois de perder um filho?", eu, como mãe, não paro de pensar. Pergunto algo do tipo, só que de um jeito mais doce.

"Foi um baque. Nenhuma mãe espera passar por isso. Nenhuma mãe se prepara para isso", conta. "É insuportável. Inenarrável", completa.

E me dou conta ao ler "Até breve, José" que Camila perdeu José no dia em que meu filho completava um ano de vida. Eu me lembro que era uma quarta-feira e que eu estava radiante. Nó na garganta. Enquanto eu celebrava, Camila passava pela pior coisa que pode acontecer na vida de uma mãe. O mundo continuava a girar, apesar da sua dor. Ela se lembra de como se revoltou ao receber o primeiro convite para uma festa, depois da morte de José. "Como eles ousam fazer uma festa? Meu mundo está caindo, como eles estão comemorando?", pensou. Outro sofrimento era frequentar os mesmos lugares por onde desfilava sua barriga de grávida meses antes. Como ir ao mesmo posto de gasolina? À padaria da esquina? À farmácia?

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"Gravidez é um acontecimento muito público", afirma. "Quando você aparece tempos depois sem a barriga todo mundo pergunta do seu neném", completa. Os peitos estão cheios de leite, e não há bebê para amamentar. Camila lembra que, no auge da dor, escondeu-se atrás de uma planta em um consultório médico ao perceber que uma conhecida ia perguntar do filho que nasceu e que logo morreu.

"Não quero que chegue amanhã. Amanhã fará um mês que José se foi. Eu não quero que complete um mês, nem dois, nem três. Não quero ver o tempo passar sem ele. Estou cansada de ouvir as pessoas me dizerem que o tempo vai passar e isso me fará bem. Assistir ao tempo passar é terrível. (...) Estou cansada de escutar que eu posso ter outro filho. Eu já tenho outro filho, Pedro, que é maravilhoso. Ele pode me dar muitas alegrias, mas nunca vai poder ser José. (...) Estou cansada de ouvir que não devo chorar na frente do Pedro. (...) Mas não posso criar um mundo de ilusão para o meu filho, em que pessoas não choram, em que sofrimento não existe, a morte não existe. Ela existe, chegou aqui em casa, está morando com a gente." (Até Breve, José)

O livro não é de auto-ajuda. Mas a história de Camila foi se espalhando pelas redes sociais e ela começou, mesmo sem querer, a ser procurada por outras mães que enfrentam perdas como essa. E o livro não é só para elas. É para todos nós. Depois de lê-lo, com os olhos cheios de lágrimas, eu só queria abraçar meu filho. Atender a cada "mamãe". "Mamãe, cadê meu brinquedo?" "Mamãe, deita um pouquinho aqui comigo?" "Mamãe, eu fiz cocô!"

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Tê-los por perto, e saudáveis, é um privilégio. E é sempre bom quando alguém nos lembra disso.

"Até Breve, José" ainda está em financiamento coletivo, em esquema de pré-venda até dia 23/03: https://www.catarse.me/pt/atebrevejose

Depois desta data, pelos sites: http://atebrevejose.comhttp://www.ilithia.com.br/

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Leia mais: "As mães dos comerciais de tv sorriam o tempo inteiro e eu achava que devia ter algo de errado comigo", conta escritora 

Leia também: Eduque seu filho para que ele não seja o cafajeste do próximo carnaval

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Escreva para ritalisauskas@gmail.com

 Foto: Estadão

 

Muitas mulheres têm o costume de escrever diários de gravidez. Camila fez isso ao descobrir que esperava Pedro. Quando o menino completou o primeiro ano, ganhou um livro com suas histórias. Ao engravidar de José, fez o mesmo. Comprou um caderninho onde começou a escrever ao filho sobre como sua chegada era bem-vinda e aguardada.

José nasceu no tempo certo, mas foi direto para a UTI neonatal. Os motivos da internação, Camila não conta. Mas isso não importa. Ela não pôde amamentá-lo, dar banho ou trocar fralda. Só conseguia tocar as mãos e os pés de José, todo enrolado em fios. Não podia fazer carinho nem na cabecinha do bebê, presa no aparelho de eletroencefalograma. Mas fazia questão de dizer a ele que estava tudo bem, "mamãe está aqui, filho". Camila queria trazê-lo de volta, de onde quer que estivesse.

"Ele nada vê. Nunca abriu os olhos. Queria saber o que ele enxerga. Já pensei até em pedir para os médicos me induzirem ao coma também. Quem sabe se me dessem a mesma medicação, conseguiria ir até onde está, ficar lá com ele? Talvez sentisse menos medo e tristeza. É uma tristeza grande que ele sente, posso notar. Quem sabe se eu fosse para o coma com ele, não poderia ajudá-lo a encontrar o caminho de volta para junto de nós?" (Até Breve, José) 

José viveu apenas 11 dias e nas páginas onde deveriam ser escritas suas primeiras histórias estão os relatos da vida sem sua presença tão esperada.

"Nem bem aceitei que ele nasceu e ele já morreu, é tão estranho. Acredito que encontrarei José de novo, em algum momento, em algum lugar. Para sempre vou amá-lo. Ir no enterro do meu filho hoje foi a coisa mais difícil que fiz na vida. Viver depois disso, será a segunda coisa mais difícil."(Até Breve, José)

A jornalista Camila Goytacaz Foto: Estadão

Os escritos da jornalista Camila Goytacaz, 36 anos, passaram um tempão engavetados. Primeiro porque pensou que ninguém se interessaria por eles. Depois começou a trabalhar nesse diário porque conforme renascia, surgia também a vontade de falar sobre algo que ainda é tabu. A morte. O luto. Assim nasceu "Até Breve, José", que está saindo do forno graças ao financiamento coletivo. Conversei com Camila pelo telefone e fico sabendo que ela teve uma filha depois de perder José: Joana, que completa 3 anos neste mês. E se engana quem pensa que um filho substitui o que partiu. "Sou mãe de 3. José sempre vai fazer parte de nossa história", garante. "Como ela está viva e conversando comigo depois de perder um filho?", eu, como mãe, não paro de pensar. Pergunto algo do tipo, só que de um jeito mais doce.

"Foi um baque. Nenhuma mãe espera passar por isso. Nenhuma mãe se prepara para isso", conta. "É insuportável. Inenarrável", completa.

E me dou conta ao ler "Até breve, José" que Camila perdeu José no dia em que meu filho completava um ano de vida. Eu me lembro que era uma quarta-feira e que eu estava radiante. Nó na garganta. Enquanto eu celebrava, Camila passava pela pior coisa que pode acontecer na vida de uma mãe. O mundo continuava a girar, apesar da sua dor. Ela se lembra de como se revoltou ao receber o primeiro convite para uma festa, depois da morte de José. "Como eles ousam fazer uma festa? Meu mundo está caindo, como eles estão comemorando?", pensou. Outro sofrimento era frequentar os mesmos lugares por onde desfilava sua barriga de grávida meses antes. Como ir ao mesmo posto de gasolina? À padaria da esquina? À farmácia?

"Gravidez é um acontecimento muito público", afirma. "Quando você aparece tempos depois sem a barriga todo mundo pergunta do seu neném", completa. Os peitos estão cheios de leite, e não há bebê para amamentar. Camila lembra que, no auge da dor, escondeu-se atrás de uma planta em um consultório médico ao perceber que uma conhecida ia perguntar do filho que nasceu e que logo morreu.

"Não quero que chegue amanhã. Amanhã fará um mês que José se foi. Eu não quero que complete um mês, nem dois, nem três. Não quero ver o tempo passar sem ele. Estou cansada de ouvir as pessoas me dizerem que o tempo vai passar e isso me fará bem. Assistir ao tempo passar é terrível. (...) Estou cansada de escutar que eu posso ter outro filho. Eu já tenho outro filho, Pedro, que é maravilhoso. Ele pode me dar muitas alegrias, mas nunca vai poder ser José. (...) Estou cansada de ouvir que não devo chorar na frente do Pedro. (...) Mas não posso criar um mundo de ilusão para o meu filho, em que pessoas não choram, em que sofrimento não existe, a morte não existe. Ela existe, chegou aqui em casa, está morando com a gente." (Até Breve, José)

O livro não é de auto-ajuda. Mas a história de Camila foi se espalhando pelas redes sociais e ela começou, mesmo sem querer, a ser procurada por outras mães que enfrentam perdas como essa. E o livro não é só para elas. É para todos nós. Depois de lê-lo, com os olhos cheios de lágrimas, eu só queria abraçar meu filho. Atender a cada "mamãe". "Mamãe, cadê meu brinquedo?" "Mamãe, deita um pouquinho aqui comigo?" "Mamãe, eu fiz cocô!"

Tê-los por perto, e saudáveis, é um privilégio. E é sempre bom quando alguém nos lembra disso.

"Até Breve, José" ainda está em financiamento coletivo, em esquema de pré-venda até dia 23/03: https://www.catarse.me/pt/atebrevejose

Depois desta data, pelos sites: http://atebrevejose.comhttp://www.ilithia.com.br/

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 Foto: Estadão

 

Muitas mulheres têm o costume de escrever diários de gravidez. Camila fez isso ao descobrir que esperava Pedro. Quando o menino completou o primeiro ano, ganhou um livro com suas histórias. Ao engravidar de José, fez o mesmo. Comprou um caderninho onde começou a escrever ao filho sobre como sua chegada era bem-vinda e aguardada.

José nasceu no tempo certo, mas foi direto para a UTI neonatal. Os motivos da internação, Camila não conta. Mas isso não importa. Ela não pôde amamentá-lo, dar banho ou trocar fralda. Só conseguia tocar as mãos e os pés de José, todo enrolado em fios. Não podia fazer carinho nem na cabecinha do bebê, presa no aparelho de eletroencefalograma. Mas fazia questão de dizer a ele que estava tudo bem, "mamãe está aqui, filho". Camila queria trazê-lo de volta, de onde quer que estivesse.

"Ele nada vê. Nunca abriu os olhos. Queria saber o que ele enxerga. Já pensei até em pedir para os médicos me induzirem ao coma também. Quem sabe se me dessem a mesma medicação, conseguiria ir até onde está, ficar lá com ele? Talvez sentisse menos medo e tristeza. É uma tristeza grande que ele sente, posso notar. Quem sabe se eu fosse para o coma com ele, não poderia ajudá-lo a encontrar o caminho de volta para junto de nós?" (Até Breve, José) 

José viveu apenas 11 dias e nas páginas onde deveriam ser escritas suas primeiras histórias estão os relatos da vida sem sua presença tão esperada.

"Nem bem aceitei que ele nasceu e ele já morreu, é tão estranho. Acredito que encontrarei José de novo, em algum momento, em algum lugar. Para sempre vou amá-lo. Ir no enterro do meu filho hoje foi a coisa mais difícil que fiz na vida. Viver depois disso, será a segunda coisa mais difícil."(Até Breve, José)

A jornalista Camila Goytacaz Foto: Estadão

Os escritos da jornalista Camila Goytacaz, 36 anos, passaram um tempão engavetados. Primeiro porque pensou que ninguém se interessaria por eles. Depois começou a trabalhar nesse diário porque conforme renascia, surgia também a vontade de falar sobre algo que ainda é tabu. A morte. O luto. Assim nasceu "Até Breve, José", que está saindo do forno graças ao financiamento coletivo. Conversei com Camila pelo telefone e fico sabendo que ela teve uma filha depois de perder José: Joana, que completa 3 anos neste mês. E se engana quem pensa que um filho substitui o que partiu. "Sou mãe de 3. José sempre vai fazer parte de nossa história", garante. "Como ela está viva e conversando comigo depois de perder um filho?", eu, como mãe, não paro de pensar. Pergunto algo do tipo, só que de um jeito mais doce.

"Foi um baque. Nenhuma mãe espera passar por isso. Nenhuma mãe se prepara para isso", conta. "É insuportável. Inenarrável", completa.

E me dou conta ao ler "Até breve, José" que Camila perdeu José no dia em que meu filho completava um ano de vida. Eu me lembro que era uma quarta-feira e que eu estava radiante. Nó na garganta. Enquanto eu celebrava, Camila passava pela pior coisa que pode acontecer na vida de uma mãe. O mundo continuava a girar, apesar da sua dor. Ela se lembra de como se revoltou ao receber o primeiro convite para uma festa, depois da morte de José. "Como eles ousam fazer uma festa? Meu mundo está caindo, como eles estão comemorando?", pensou. Outro sofrimento era frequentar os mesmos lugares por onde desfilava sua barriga de grávida meses antes. Como ir ao mesmo posto de gasolina? À padaria da esquina? À farmácia?

"Gravidez é um acontecimento muito público", afirma. "Quando você aparece tempos depois sem a barriga todo mundo pergunta do seu neném", completa. Os peitos estão cheios de leite, e não há bebê para amamentar. Camila lembra que, no auge da dor, escondeu-se atrás de uma planta em um consultório médico ao perceber que uma conhecida ia perguntar do filho que nasceu e que logo morreu.

"Não quero que chegue amanhã. Amanhã fará um mês que José se foi. Eu não quero que complete um mês, nem dois, nem três. Não quero ver o tempo passar sem ele. Estou cansada de ouvir as pessoas me dizerem que o tempo vai passar e isso me fará bem. Assistir ao tempo passar é terrível. (...) Estou cansada de escutar que eu posso ter outro filho. Eu já tenho outro filho, Pedro, que é maravilhoso. Ele pode me dar muitas alegrias, mas nunca vai poder ser José. (...) Estou cansada de ouvir que não devo chorar na frente do Pedro. (...) Mas não posso criar um mundo de ilusão para o meu filho, em que pessoas não choram, em que sofrimento não existe, a morte não existe. Ela existe, chegou aqui em casa, está morando com a gente." (Até Breve, José)

O livro não é de auto-ajuda. Mas a história de Camila foi se espalhando pelas redes sociais e ela começou, mesmo sem querer, a ser procurada por outras mães que enfrentam perdas como essa. E o livro não é só para elas. É para todos nós. Depois de lê-lo, com os olhos cheios de lágrimas, eu só queria abraçar meu filho. Atender a cada "mamãe". "Mamãe, cadê meu brinquedo?" "Mamãe, deita um pouquinho aqui comigo?" "Mamãe, eu fiz cocô!"

Tê-los por perto, e saudáveis, é um privilégio. E é sempre bom quando alguém nos lembra disso.

"Até Breve, José" ainda está em financiamento coletivo, em esquema de pré-venda até dia 23/03: https://www.catarse.me/pt/atebrevejose

Depois desta data, pelos sites: http://atebrevejose.comhttp://www.ilithia.com.br/

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Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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