Ser mãe é padecer na internet

Opinião|Mães que optam pelo parto em casa dizem ser humilhadas quando procuram hospital


Por Rita Lisauskas
Arquivo Pessoal Foto: Estadão

Ao se recordar do nascimento da filha, em junho, os olhos da maquiadora Bianca Megda Quio, 23, brilham. Foram apenas cinco horas e meia de trabalho de parto e Cecília nasceu bem, na água, aparada pelo pai e pela mãe, "cheia de amor e saúde", conta. Bianca estava em êxtase, tinha telefonado para a família para contar a boa- nova e já andava sem precisar de apoio. Mas a placenta não "nasceu", apesar do esforço da parteira. Por isso a maquiadora decidiu ir ao hospital. O marido ficou em casa cuidando de Cecília, que já tinha até mamado.

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"Eu realmente estava bem: ria, conversava, ainda estava em êxtase com o parto. Chegamos eu, meu pai e a parteira no hospital por volta das duas da manhã", lembra. "Mas a falta de respeito começou já na recepção". Bianca afirma que explicou, com a ajuda da parteira, que havia acabado de dar à luz em casa, que a filha estava bem e que, como a placenta não tinha "nascido", precisava de atendimento médico. A recepcionista, segundo Bianca, falou alto e com ar de deboche: "Nasceu em casa? Não sei se vamos poder te atender!".

Bianca procurou o Hospital Santo Antônio, na Penha, zona leste de São Paulo. Mesmo tendo convênio decidiu ir à uma instituição pública e ser atendida pelo SUS porque acreditava que seria mais respeitada lá do que num hospital particular com alto índice de cesáreas.

Depois de alguns minutos a maquiadora foi admitida no hospital. A médica perguntou da bebê e Bianca afirma que foram aí que as ameaças começaram. "Eu quero ver seu bebê. Ou você traz ou eu chamo a polícia e abro um B.O contra você! Isso é crime, você poderia morrer, a criança poderia morrer. Você não sai desse hospital até eu ver essa criança. Meu plantão acaba às sete e eu não saio daqui até ver essa criança!", teria dito a médica.

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Nesse clima, Bianca foi levada a uma sala. A médica, segundo ela, começou a puxar a placenta pelo cordão umbilical, provocando muita dor. "Ela puxava, apertava minha barriga, mandava fazer força e eu gritando que não aguentava mais. Foi aí que ela me disse que iria fazer uma curetagem no centro cirúrgico. Eu já estava com tanta dor que concordei. Quando fui levantar da maca vi uma poça de sangue. Era muito sangue e comecei a ter uma hemorragia. A médica começou a gritar, voltou a dizer que parto domiciliar era um crime e ameaçou algumas vezes retirar meu útero", lembra.

Bianca lembra que a maca onde estava deitada chorando passou pela recepção do andar antes de chegar ao centro cirúrgico. A maquiadora afirma que a médica gritava, em tom professoral, para todos que estavam na sala de espera. "Isso aqui é parto domiciliar, viu? É isso o que acontece!" Bianca diz que se lembra do burburinho e do olhar passivo dos seguranças: "Fiquei imóvel. Olhava pro teto e perguntava pra Deus quando aquilo ia acabar". A paciente afirma também que as duas portas da sala de cirurgia ficaram abertas durante o procedimento para a retirada da placenta. "Todos que passavam pelo corredor me viam de pernas bem abertas, toda ensanguentada", conta. "Os médicos falavam comigo como se eu fosse uma criminosa. Comecei a sentir como se eu realmente fosse. Eu tremia de medo, dor e humilhação. E já tinha perdido toda a dignidade: o que a médica mandava, eu fazia", completa.

No dia seguinte e ainda em recuperação, as humilhações continuaram, segundo Bianca. Uma médica entrou no quarto gritando e sem sequer se apresentar. "Se seu parto domiciliar deu errado você deveria se virar e levar um médico até sua casa pra tirar sua placenta e não trazer problemas pro meu hospital". Bianca foi obrigada pela instituição a também internar a filha, que estava em casa com o pai e bem de saúde.

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 Foto: Estadão

Já a bancária Giselle Schmidt, 29, declara ter sido humilhada ao levar o filho ao hospital dez dias depois do nascimento dele em casa, à pedido da pediatra do menino. Ela procurou o Hospital São Luiz, no Itaim, coberto pelo seu convênio. "Quando souberam que ele nasceu em um parto domiciliar disseram que só prestavam atendimento para quem tinha nascido lá", conta. Giselle, então, foi ao Hospital São Luiz do Jabaquara e o tratamento foi prestado, mas de uma forma que ela classifica de "não muito agradável".A bancária afirma que tinha de explicar a todo momento o porquê do parto domiciliar. "Os médicos comentavam entre eles, como se eu não estivesse escutando: Onde essas pessoas estão com a cabeça? Essas mulheres não sabem de nada", lembra. "Minha vontade era de ir embora, mas meu marido me convenceu a ficar", conta. O pequeno Eduardo teve de tomar banho de luz porque estava com icterícia e recebeu alta depois de uma série de exames que ela classifica como desnecessários e só feitos porque o menino não tinha nascido no hospital. "Eu escolhi o parto em casa porque não queria que meu filho passasse por tudo aquilo assim tão novinho. Quando voltei à pediatra, dias depois da alta, soube que ele não precisava de todos aqueles exames", afirma.

"Todos os direitos à saúde são garantidos para quem teve parto domiciliar já que não existe nenhuma lei que restrinja o atendimento nesses casos. O direito à assistência é universal e independe de local do parto", afirma a advogada Ana Lucia Keunecke, diretora-jurídica da Artemis, entidade de defesa do direito da mulher. Recentemente, a justiça anulou uma resolução do Cremerj, o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro, que proibia a participação de médicos, parteiras e doulas no parto domiciliar. Na decisão, a justiça federal afirmava, entre outras coisas, que as leis brasileiras não impedem a gestante de parir em casa, pelo contrário: "O Ministério da Saúde não apenas enaltece a importância da assistência de parteiras e doulas como realiza programas de capacitação de tais profissionais". A decisão da justiça ainda afirmou que "gravidez não é doença, tampouco o parto a sua cura".

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O Hospital Santo Antônio foi contactado e, 24 horas depois e por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que ainda não teve tempo hábil de analisar o prontuário de Bianca.

Já o Hospital e Maternidade São Luiz, unidade Itaim, afirmou que "não possui pronto atendimento pediátrico, por esse motivo a mãe foi encaminhada para a unidade Jabaquara, para que seu bebê tivesse o atendimento adequado. As perguntas realizadas à mãe, sobre onde foi realizado o parto, fazem parte do procedimento médico, pois é necessário saber se havia exame de controle e se o bebê já estava com algum grau de icterícia." O Hospital afirmou ainda que "é reconhecido pela excelência no atendimento humanizado em suas maternidades e hospitais e preza pelo bem estar de todos os seus pacientes e parturientes."

*Às 19:40, três horas após a publicação do post, o Hospital Santo Antônio enviou nota ao blog: "A paciente Bianca Megda Quio deu entrada no Hospital Santo Antônio advinda de parto domiciliar feito por uma enfermeira obstétrica. A paciente apresentava quadro de placenta retida há 18 horas. Diante desse cenário foi constatada retenção placentária e laceração de 2º grau, sendo indicada curagem e curetagem uterina além de sutura de períneo. Na ocasião, foi solicitado que o recém-nascido fosse trazido ao hospital para avaliação médica, seguindo as exigências previstas em lei e para garantir o direito do bebê em permanecer ao lado da mãe. Todos os procedimentos necessários foram tomados. O Hospital Santo Antônio, considerado maternidade referência na região, realiza em média 320 partos por mês, todos seguindo os conceitos de humanização. A instituição reforça que preza pela excelência do atendimento, a fim de proporcionar segurança, saúde e bem-estar de seus pacientes."

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Arquivo Pessoal Foto: Estadão

Ao se recordar do nascimento da filha, em junho, os olhos da maquiadora Bianca Megda Quio, 23, brilham. Foram apenas cinco horas e meia de trabalho de parto e Cecília nasceu bem, na água, aparada pelo pai e pela mãe, "cheia de amor e saúde", conta. Bianca estava em êxtase, tinha telefonado para a família para contar a boa- nova e já andava sem precisar de apoio. Mas a placenta não "nasceu", apesar do esforço da parteira. Por isso a maquiadora decidiu ir ao hospital. O marido ficou em casa cuidando de Cecília, que já tinha até mamado.

"Eu realmente estava bem: ria, conversava, ainda estava em êxtase com o parto. Chegamos eu, meu pai e a parteira no hospital por volta das duas da manhã", lembra. "Mas a falta de respeito começou já na recepção". Bianca afirma que explicou, com a ajuda da parteira, que havia acabado de dar à luz em casa, que a filha estava bem e que, como a placenta não tinha "nascido", precisava de atendimento médico. A recepcionista, segundo Bianca, falou alto e com ar de deboche: "Nasceu em casa? Não sei se vamos poder te atender!".

Bianca procurou o Hospital Santo Antônio, na Penha, zona leste de São Paulo. Mesmo tendo convênio decidiu ir à uma instituição pública e ser atendida pelo SUS porque acreditava que seria mais respeitada lá do que num hospital particular com alto índice de cesáreas.

Depois de alguns minutos a maquiadora foi admitida no hospital. A médica perguntou da bebê e Bianca afirma que foram aí que as ameaças começaram. "Eu quero ver seu bebê. Ou você traz ou eu chamo a polícia e abro um B.O contra você! Isso é crime, você poderia morrer, a criança poderia morrer. Você não sai desse hospital até eu ver essa criança. Meu plantão acaba às sete e eu não saio daqui até ver essa criança!", teria dito a médica.

Nesse clima, Bianca foi levada a uma sala. A médica, segundo ela, começou a puxar a placenta pelo cordão umbilical, provocando muita dor. "Ela puxava, apertava minha barriga, mandava fazer força e eu gritando que não aguentava mais. Foi aí que ela me disse que iria fazer uma curetagem no centro cirúrgico. Eu já estava com tanta dor que concordei. Quando fui levantar da maca vi uma poça de sangue. Era muito sangue e comecei a ter uma hemorragia. A médica começou a gritar, voltou a dizer que parto domiciliar era um crime e ameaçou algumas vezes retirar meu útero", lembra.

Bianca lembra que a maca onde estava deitada chorando passou pela recepção do andar antes de chegar ao centro cirúrgico. A maquiadora afirma que a médica gritava, em tom professoral, para todos que estavam na sala de espera. "Isso aqui é parto domiciliar, viu? É isso o que acontece!" Bianca diz que se lembra do burburinho e do olhar passivo dos seguranças: "Fiquei imóvel. Olhava pro teto e perguntava pra Deus quando aquilo ia acabar". A paciente afirma também que as duas portas da sala de cirurgia ficaram abertas durante o procedimento para a retirada da placenta. "Todos que passavam pelo corredor me viam de pernas bem abertas, toda ensanguentada", conta. "Os médicos falavam comigo como se eu fosse uma criminosa. Comecei a sentir como se eu realmente fosse. Eu tremia de medo, dor e humilhação. E já tinha perdido toda a dignidade: o que a médica mandava, eu fazia", completa.

No dia seguinte e ainda em recuperação, as humilhações continuaram, segundo Bianca. Uma médica entrou no quarto gritando e sem sequer se apresentar. "Se seu parto domiciliar deu errado você deveria se virar e levar um médico até sua casa pra tirar sua placenta e não trazer problemas pro meu hospital". Bianca foi obrigada pela instituição a também internar a filha, que estava em casa com o pai e bem de saúde.

 Foto: Estadão

Já a bancária Giselle Schmidt, 29, declara ter sido humilhada ao levar o filho ao hospital dez dias depois do nascimento dele em casa, à pedido da pediatra do menino. Ela procurou o Hospital São Luiz, no Itaim, coberto pelo seu convênio. "Quando souberam que ele nasceu em um parto domiciliar disseram que só prestavam atendimento para quem tinha nascido lá", conta. Giselle, então, foi ao Hospital São Luiz do Jabaquara e o tratamento foi prestado, mas de uma forma que ela classifica de "não muito agradável".A bancária afirma que tinha de explicar a todo momento o porquê do parto domiciliar. "Os médicos comentavam entre eles, como se eu não estivesse escutando: Onde essas pessoas estão com a cabeça? Essas mulheres não sabem de nada", lembra. "Minha vontade era de ir embora, mas meu marido me convenceu a ficar", conta. O pequeno Eduardo teve de tomar banho de luz porque estava com icterícia e recebeu alta depois de uma série de exames que ela classifica como desnecessários e só feitos porque o menino não tinha nascido no hospital. "Eu escolhi o parto em casa porque não queria que meu filho passasse por tudo aquilo assim tão novinho. Quando voltei à pediatra, dias depois da alta, soube que ele não precisava de todos aqueles exames", afirma.

"Todos os direitos à saúde são garantidos para quem teve parto domiciliar já que não existe nenhuma lei que restrinja o atendimento nesses casos. O direito à assistência é universal e independe de local do parto", afirma a advogada Ana Lucia Keunecke, diretora-jurídica da Artemis, entidade de defesa do direito da mulher. Recentemente, a justiça anulou uma resolução do Cremerj, o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro, que proibia a participação de médicos, parteiras e doulas no parto domiciliar. Na decisão, a justiça federal afirmava, entre outras coisas, que as leis brasileiras não impedem a gestante de parir em casa, pelo contrário: "O Ministério da Saúde não apenas enaltece a importância da assistência de parteiras e doulas como realiza programas de capacitação de tais profissionais". A decisão da justiça ainda afirmou que "gravidez não é doença, tampouco o parto a sua cura".

O Hospital Santo Antônio foi contactado e, 24 horas depois e por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que ainda não teve tempo hábil de analisar o prontuário de Bianca.

Já o Hospital e Maternidade São Luiz, unidade Itaim, afirmou que "não possui pronto atendimento pediátrico, por esse motivo a mãe foi encaminhada para a unidade Jabaquara, para que seu bebê tivesse o atendimento adequado. As perguntas realizadas à mãe, sobre onde foi realizado o parto, fazem parte do procedimento médico, pois é necessário saber se havia exame de controle e se o bebê já estava com algum grau de icterícia." O Hospital afirmou ainda que "é reconhecido pela excelência no atendimento humanizado em suas maternidades e hospitais e preza pelo bem estar de todos os seus pacientes e parturientes."

*Às 19:40, três horas após a publicação do post, o Hospital Santo Antônio enviou nota ao blog: "A paciente Bianca Megda Quio deu entrada no Hospital Santo Antônio advinda de parto domiciliar feito por uma enfermeira obstétrica. A paciente apresentava quadro de placenta retida há 18 horas. Diante desse cenário foi constatada retenção placentária e laceração de 2º grau, sendo indicada curagem e curetagem uterina além de sutura de períneo. Na ocasião, foi solicitado que o recém-nascido fosse trazido ao hospital para avaliação médica, seguindo as exigências previstas em lei e para garantir o direito do bebê em permanecer ao lado da mãe. Todos os procedimentos necessários foram tomados. O Hospital Santo Antônio, considerado maternidade referência na região, realiza em média 320 partos por mês, todos seguindo os conceitos de humanização. A instituição reforça que preza pela excelência do atendimento, a fim de proporcionar segurança, saúde e bem-estar de seus pacientes."

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"Eu realmente estava bem: ria, conversava, ainda estava em êxtase com o parto. Chegamos eu, meu pai e a parteira no hospital por volta das duas da manhã", lembra. "Mas a falta de respeito começou já na recepção". Bianca afirma que explicou, com a ajuda da parteira, que havia acabado de dar à luz em casa, que a filha estava bem e que, como a placenta não tinha "nascido", precisava de atendimento médico. A recepcionista, segundo Bianca, falou alto e com ar de deboche: "Nasceu em casa? Não sei se vamos poder te atender!".

Bianca procurou o Hospital Santo Antônio, na Penha, zona leste de São Paulo. Mesmo tendo convênio decidiu ir à uma instituição pública e ser atendida pelo SUS porque acreditava que seria mais respeitada lá do que num hospital particular com alto índice de cesáreas.

Depois de alguns minutos a maquiadora foi admitida no hospital. A médica perguntou da bebê e Bianca afirma que foram aí que as ameaças começaram. "Eu quero ver seu bebê. Ou você traz ou eu chamo a polícia e abro um B.O contra você! Isso é crime, você poderia morrer, a criança poderia morrer. Você não sai desse hospital até eu ver essa criança. Meu plantão acaba às sete e eu não saio daqui até ver essa criança!", teria dito a médica.

Nesse clima, Bianca foi levada a uma sala. A médica, segundo ela, começou a puxar a placenta pelo cordão umbilical, provocando muita dor. "Ela puxava, apertava minha barriga, mandava fazer força e eu gritando que não aguentava mais. Foi aí que ela me disse que iria fazer uma curetagem no centro cirúrgico. Eu já estava com tanta dor que concordei. Quando fui levantar da maca vi uma poça de sangue. Era muito sangue e comecei a ter uma hemorragia. A médica começou a gritar, voltou a dizer que parto domiciliar era um crime e ameaçou algumas vezes retirar meu útero", lembra.

Bianca lembra que a maca onde estava deitada chorando passou pela recepção do andar antes de chegar ao centro cirúrgico. A maquiadora afirma que a médica gritava, em tom professoral, para todos que estavam na sala de espera. "Isso aqui é parto domiciliar, viu? É isso o que acontece!" Bianca diz que se lembra do burburinho e do olhar passivo dos seguranças: "Fiquei imóvel. Olhava pro teto e perguntava pra Deus quando aquilo ia acabar". A paciente afirma também que as duas portas da sala de cirurgia ficaram abertas durante o procedimento para a retirada da placenta. "Todos que passavam pelo corredor me viam de pernas bem abertas, toda ensanguentada", conta. "Os médicos falavam comigo como se eu fosse uma criminosa. Comecei a sentir como se eu realmente fosse. Eu tremia de medo, dor e humilhação. E já tinha perdido toda a dignidade: o que a médica mandava, eu fazia", completa.

No dia seguinte e ainda em recuperação, as humilhações continuaram, segundo Bianca. Uma médica entrou no quarto gritando e sem sequer se apresentar. "Se seu parto domiciliar deu errado você deveria se virar e levar um médico até sua casa pra tirar sua placenta e não trazer problemas pro meu hospital". Bianca foi obrigada pela instituição a também internar a filha, que estava em casa com o pai e bem de saúde.

 Foto: Estadão

Já a bancária Giselle Schmidt, 29, declara ter sido humilhada ao levar o filho ao hospital dez dias depois do nascimento dele em casa, à pedido da pediatra do menino. Ela procurou o Hospital São Luiz, no Itaim, coberto pelo seu convênio. "Quando souberam que ele nasceu em um parto domiciliar disseram que só prestavam atendimento para quem tinha nascido lá", conta. Giselle, então, foi ao Hospital São Luiz do Jabaquara e o tratamento foi prestado, mas de uma forma que ela classifica de "não muito agradável".A bancária afirma que tinha de explicar a todo momento o porquê do parto domiciliar. "Os médicos comentavam entre eles, como se eu não estivesse escutando: Onde essas pessoas estão com a cabeça? Essas mulheres não sabem de nada", lembra. "Minha vontade era de ir embora, mas meu marido me convenceu a ficar", conta. O pequeno Eduardo teve de tomar banho de luz porque estava com icterícia e recebeu alta depois de uma série de exames que ela classifica como desnecessários e só feitos porque o menino não tinha nascido no hospital. "Eu escolhi o parto em casa porque não queria que meu filho passasse por tudo aquilo assim tão novinho. Quando voltei à pediatra, dias depois da alta, soube que ele não precisava de todos aqueles exames", afirma.

"Todos os direitos à saúde são garantidos para quem teve parto domiciliar já que não existe nenhuma lei que restrinja o atendimento nesses casos. O direito à assistência é universal e independe de local do parto", afirma a advogada Ana Lucia Keunecke, diretora-jurídica da Artemis, entidade de defesa do direito da mulher. Recentemente, a justiça anulou uma resolução do Cremerj, o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro, que proibia a participação de médicos, parteiras e doulas no parto domiciliar. Na decisão, a justiça federal afirmava, entre outras coisas, que as leis brasileiras não impedem a gestante de parir em casa, pelo contrário: "O Ministério da Saúde não apenas enaltece a importância da assistência de parteiras e doulas como realiza programas de capacitação de tais profissionais". A decisão da justiça ainda afirmou que "gravidez não é doença, tampouco o parto a sua cura".

O Hospital Santo Antônio foi contactado e, 24 horas depois e por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que ainda não teve tempo hábil de analisar o prontuário de Bianca.

Já o Hospital e Maternidade São Luiz, unidade Itaim, afirmou que "não possui pronto atendimento pediátrico, por esse motivo a mãe foi encaminhada para a unidade Jabaquara, para que seu bebê tivesse o atendimento adequado. As perguntas realizadas à mãe, sobre onde foi realizado o parto, fazem parte do procedimento médico, pois é necessário saber se havia exame de controle e se o bebê já estava com algum grau de icterícia." O Hospital afirmou ainda que "é reconhecido pela excelência no atendimento humanizado em suas maternidades e hospitais e preza pelo bem estar de todos os seus pacientes e parturientes."

*Às 19:40, três horas após a publicação do post, o Hospital Santo Antônio enviou nota ao blog: "A paciente Bianca Megda Quio deu entrada no Hospital Santo Antônio advinda de parto domiciliar feito por uma enfermeira obstétrica. A paciente apresentava quadro de placenta retida há 18 horas. Diante desse cenário foi constatada retenção placentária e laceração de 2º grau, sendo indicada curagem e curetagem uterina além de sutura de períneo. Na ocasião, foi solicitado que o recém-nascido fosse trazido ao hospital para avaliação médica, seguindo as exigências previstas em lei e para garantir o direito do bebê em permanecer ao lado da mãe. Todos os procedimentos necessários foram tomados. O Hospital Santo Antônio, considerado maternidade referência na região, realiza em média 320 partos por mês, todos seguindo os conceitos de humanização. A instituição reforça que preza pela excelência do atendimento, a fim de proporcionar segurança, saúde e bem-estar de seus pacientes."

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Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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