Sim.
E pode estar acontecendo com seu filho, menino ou menina, no quarto ao lado, debaixo do seu próprio teto, no do seu vizinho "que adora crianças" ou na casa daquele tio "tão legal".
A maioria esmagadora dos abusadores são conhecidos da família: parentes, amigos dos parentes, pessoas do seu círculo de confiança. E os assédios, abusos e estupros ocorrem, na maioria das vezes, em lugares aonde você deixa seu filho ir e acha que ele está em segurança.
Uma amiga veio me contar que a filha tinha sido vítima de um colega da mesma idade, dentro da escola. Ele pediu para passar a mão na vagina da menina de cinco anos.A garota tem uma relação de muita confiança com a mãe e contou o que aconteceu. A escola foi acionada e descobriu que o menino era vítima de abuso dentro da própria casa. Repetia com a amiga o que faziam com ele.
Desde que meu filho nasceu eu tenho horror de que ele seja vítima de algo do tipo. Por isso, desde quando começou a ter o mínimo de consciência do seu corpo, explico, na hora do banho ou na do xixi/cocô, que só eu e o papai podemos ver/mexer em seu pipi e em seu bumbum. Ele leva a orientação tão à risca que dia desses foi viajar com a minha irmã e simplesmente se negou a tomar banho com um priminho de um ano, quando os dois voltaram da praia. Era mais prático para ela, que é madrinha dele, colocar os dois juntos debaixo do chuveiro. Mas meu filho simplesmente não quis. Não aceitou. Esperneou. E não fez parte do banho coletivo. Toda a vez que reitero essas orientações digo a ele que sou a melhor amiga que pode ter. Que tudo o que ele me contar eu vou acreditar. Na maioria dos relatos de abusos, homens e mulheres, então crianças, lembram do medo que tinham de pedir socorro à família. Os abusadores sempre ameaçam suas vítimas, dizendo que nunca ninguém vai acreditar nelas, que irão fazer mal a alguém próximo se ela contar sobre o abuso. Fazem com que sintam sujas, culpadas e com medo. Eu acredito e sempre acreditarei no meu filho. E encho ele de amor e de perguntas se acho que algo não vai bem.
Por que escolhi esse assunto tão pesado para o blog? Porque desde a semana passada tenho ficado perplexa com a quantidade de relatos de assédios, abusos e estupros durante a infância que pipocaram nas minhas redes sociais.
Tudo começou com uma campanha da ONG feminista Think Olga. Ela propôs a hashtag #primeiroassedio para que mulheres contassem desde qual idade eram vítimas de homens predadores disfarçados de "homens de bem". Tudo isso depois que pedófilos usaram o Twitter para escrever comentários de caráter sexual sobre uma menina de apenas 12 anos participante do programa Master Chef Júnior. A hashtag logo se desdobrou em #primeiro abuso. E o horror começou a vir à tona não só pelo Twitter. Grupos de ajuda foram criados no Facebook para que as mulheres desabafassem sobre suas infâncias perdidas.
Li dezenas de relatos de mulheres vítimas de padrastos. De irmãos. De amigos do pai. Uma das mulheres foi abusada, por anos, pelo próprio avô. Homens, corajosamente, também começaram a se expor. Um contou que foi vítima do dono da banca de jornal que frequentava. O homem, sempre simpático e solícito, conseguia as "figurinhas difíceis" que faltavam para que ele completasse os álbuns que colecionava. Amizade consolidada, o homem "sempre tão legal com as crianças" o convidava para voltar à banca para ler revistinhas sem pagar. Até que deu o bote: sentou o menino em seu colo e colocou a mão do garoto em seu pênis ereto.
Os números são assustadores. Cerca de 5% da população brasileira adulta, ou seja, 5,4 milhões de homens e mulheres foram vítimas de abuso sexual na infância ou na adolescência segundo pesquisa divulgada em 2014 pela Unifesp, Universidade Federal de São Paulo. As meninas são as maiores vítimas (7% da população). Os meninos vêm logo atrás (3,4%). Muita gente não pede ajuda, passa anos guardando esse segredo e, por isso, essa estatística pode ser ainda mais assustadora. As vítimas que não buscam a cura para suas feridas muitas vezes desenvolvem vários problemas psíquicos e de relacionamento. E pior: sentem uma mágoa incurável dos pais que nunca perceberam nada. Ou fingiram não perceber.
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