Ser mãe é padecer na internet

Opinião|Você sabe o que o jovem da geração Z quer?


Pesquisa mostra que eles estão ansiosos e têm problemas em aceitar o próprio corpo

Por Rita Lisauskas
Atualização:
 Foto: Pexels

Quantas vezes você já não ouviu por aí que os jovens de hoje têm menos problemas de autoestima (e a prova disso seriam os vídeos sobre autoaceitação que postam nas redes sociais), não querem trabalhar nos mesmos moldes dos seus pais e têm menos apego a coisas materiais - e que por isso preferem alugar um apartamento a comprar a tal casa própria? Esse discurso é compartilhado por aí como verdade, mas será que é isso mesmo, ou será que essa é uma imagem estereotipada e que aceitamos como verdade?

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O que os jovens querem, como se sentem, quais coisas são importantes para eles?

O estudo "Movimentos Geracionais", conduzido pela empresa de pesquisa de mercado HSR Specialist Researchers, ouviu cerca de mil homens e mulheres de todas as faixas etárias, inclusive da chamada geração Y (jovens entre 18 e 25 anos), para entender as questões mais importantes de cada geração. A pandemia foi uma das molas propulsoras da pesquisa: quem tem 18 anos ainda era adolescente quando o coronavírus chacoalhou o mundo e entrou na idade adulta muitas vezes sem conseguir se despedir direito da fase anterior. Qual foi o impacto disso? Como está a saúde mental não só deles, mas de homens e mulheres que estão em uma faixa etária superior, os chamados millenials, que enfrentaram a pandemia muitas vezes cuidando de filhos pequenos, sem rede de apoio da escola, tios e avós, e tiveram de dar conta do trabalho, da casa e de tudo relacionado às crianças? Enquanto os jovens da geração Z são os mais diagnosticados com ansiedade (49% dos que tem de 18 a 25 anos e que responderam à pesquisa), são os millenials os que mais descobriram que têm depressão (29% dos que têm entre 26 e 40 anos). Karina Millaré,membro da HSR Specialist Researchers, conversou com o blog, que se deteve nos dados dos mais jovens (e se você quiser acessar à íntegra da pesquisa, clique aqui.)

Blog: Olhando os números dá para ver que tanto a chamada geração Z quanto a Y, que é a dos millenials, têm transtorno de ansiedade e depressão, diagnosticados por médicos. Esses dados surpreenderam vocês? Quais conclusões que vocês conseguem chegar a partir desses dados?

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Karina: Não é que tenha surpreendido não, porque a gente vinha acompanhando já vários dados da própria OMS e de outras instituições que olham essa questão da saúde mental e a gente viu que o Brasil é um dos países mais ansiosos do mundo, e está entre os primeiros com mais pessoas diagnosticadas com depressão. Então o que surpreendeu foi o tamanho disso. A gente até esperava entre os mais jovens, todos sofreram, mas a vida deles foi muito impactada; 80% dos mais jovens se sentem ansiosos, se sentem depressivos, e muita gente não tem nem condição de ter um diagnóstico. Então realmente é uma geração muito impactada. Acho que a pandemia acertou em cheio essa geração, mas eu acho que não é só isso, acho que ela potencializou algo que já vinha acontecendo, existem vários estudos que mostram o impacto do excesso de exposição às telas, de muitos estímulos ao mesmo tempo, tudo isso vai deixando a pessoa num estado de ansiedade maior.

Blog: E essa geração Z, que começa com 18, ela tinha 16, 15 anos e meio quando a pandemia começou, né?

Karina: Exatamente. Imagina só o que é que acontece com uma pessoa dessa faixa etária? Para gente que é mais velho já não foi fácil, imagina para as pessoas dessa faixa etária. Perguntamos também quais são os sentimentos que eles valorizam, a gente dava uma lista pra eles com vários sentimentos e valores: tinha lá amor, honestidade, confiança, empatia, solidariedade e perguntava quais são os 3 mais importantes. Em primeiro lugar eles disseram que é o amor, algo que é importante para todo mundo e que apareceu em todas as faixas etárias. Mas aí em segundo lugar apareceu 'confiança', ou seja, eles precisam de segurança, é algo que gostariam muito de ter. Por mais que a gente fale, 'poxa, são jovens, querem liberdade, querem, enfim, menos compromisso, menos raízes talvez', a gente viu que não, eles têm essa necessidade de confiança. Em terceiro lugar apareceu empatia, ou seja, alguém que se preocupe, alguém que se importe com eles. São jovens que estão em busca de construção de relações, construção de relações de segurança e confiança. Agora você imagina: como é que você constrói relações cada um estando enfiado dentro da sua casa?

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Karina Milaré, da HSR Foto: Estadão

Blog: O que nesses dados surpreendeu vocês?

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Karina: Teve uma coisa que surpreendeu, mas não muito porque a gente sabe que os jovens são mais inseguros mesmo, mas quando a gente compara essa geração Z com os mais velhos é muito grande a insatisfação que eles têm consigo mesmo. Quando a gente pergunta 'o que é que você gostaria de melhorar?', o que eles respondiam? 'Eu gostaria de ter mais autoconfiança, eu gostaria de me posicionar melhor em público'.

Então a gente vê essa insegurança dessa geração maior do que das outras em se posicionar perante as outras pessoas. E isso surpreendeu muito porque a gente vê muito as marcas e os influenciadores trabalhando a questão da autoaceitação. Mas eles querem fazer plástica, fazer procedimentos, mudar coisas em si. O que é que surpreende? Não é necessariamente o fato da insegurança, porque de fato se é mais inseguro quando mais jovem, mas é o tamanho dessa insegurança em uma era em que tem se trabalhado muito o 'se aceitar do jeito que se é'. Então a gente vê que de fato isso é algo que acontece em nichos, a maior parte dos jovens está inseguro para caramba, quer desenvolver a autoconfiança e quer mudar coisas físicas inclusive. Então a gente vê o quanto essa geração está desamparada, precisando mesmo construir aquelas relações de confiança que ela disse para gente que quer construir.

Blog: O fato dos mais jovens serem maioria de redes sociais como Instagram e Tik Tok tem impacto nesses números?

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Karina: A gente não perguntou 'quanto estar no Instagram impacta a sua autoestima', mas sem dúvida dá para inferir. Por que é que dá pra inferir? Porque realmente o uso de redes sociais por esta geração é muito maior, principalmente no Instagram, a gente vê que a imagem é mais importante ali, e pelo próprio Tik Tok, que é aquela coisa super-rápida, super ágil, e também a gente vê os influencers do Tik Tok tendo uma importância supergrande para essa geração. E o que a gente sabe é que entre os principais procedimentos que eles gostariam de fazer está a lipoaspiração, mas tem muito dessa história da harmonização facial, preenchimento, botox, que é muito do que se fala também nessas redes sociais. Ao mesmo tempo a gente tem marcas e influenciadores buscando mais essa coisa da autoaceitação, de uma aparência mais natural, por outro lado você tem um bombardeio também, né, dessas outras influências. E acho que nesse braço de ferro das influências do corpo perfeito, da cara perfeita, tal, tá ganhando né.

Blog: Qual foi o outro fato que chamou a atenção?

Karina: Esse outro ponto até tem mais a ver com consumo, mas que de alguma forma se conecta com isso. O senso comum diz 'o jovem não quer mais tirar carteira de motorista, jovem não quer mais dirigir, jovem não quer mais ter apartamento, imagina, aluga no Airbnb', aquelas coisas que a gente ouve e que vai criando uma ideia na nossa cabeça. Quando a gente pergunta para os jovens eles querem sim fincar raízes, querem comprar apartamento, querem comprar carro. Então são coisas que até parecido com o que a gente vê com as gerações mais velhas, até um pouco mais. Esse sentimento ainda de conquistas, de fincar raízes, é uma coisa que ainda faz parte muito desse universo dos jovens e que se conecta muito com essa coisa de estabelecer confiança, precisar de segurança. 'Depois de tudo isso que a gente passou, eu preciso de alguma coisa que me conecte, sabe, com algo mais seguro, mais estável'. Então 72% dos mais jovens ainda querem sim comprar um apartamento e isso é um número muito parecido com as outras gerações, mas a gente tem lá um pouquinho mais de ¼, 28% deles dizendo que preferiam investir o dinheiro deles em outra coisa.

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Esses estudos muitas vezes servem para dar um chacoalhão na gente porque ficamos na bolha muitas vezes, dizendo 'olha lá, ah, o amigo do meu filho, não sei o que', fica na nossa bolha e não olha pro Brasilzão. E aí, quando a gente tem esse olhar mais amplo, é isso. O imóvel ainda é uma forma de conquista, é uma forma de materializar aquele suor do seu trabalho, é uma conquista importante ainda para maior parte das pessoas no Brasil e inclusive os jovens.

Blog: Vocês fizeram esse recorte da ansiedade entre os homens e as mulheres mais jovens. Quando a gente divide, essa questão da ansiedade aparece muito mais entre as mulheres, né?

Karina: Sim. Elas com 40% e os homens com 25%. E isso 'casa' com os dados da OMS também. Porque nos dados que foram reportados agora, comecinho de 2022, mas referente a esses últimos anos, realmente as mulheres tiveram um nível muito maior de crescimento da ansiedade e da depressão foi muito maior entre as mulheres, e o nosso estudo reflete isso também.

Blog: E aí em todas as faixas etárias ou só nessa que a gente está observando agora?

Karina: Em todas as faixas etárias. A gente não consegue fazer todas essas aberturas porque a base começa a ficar menor e aí pode ter algumas distorções, mas é bem estável, as mulheres acabam sendo sim mais vítimas dessas doenças psiquiátricas em todas as faixas etárias. E quando a gente fala dos millenials que é essa dessa geração aí um pouco acima também foi uma geração muito impactada e as mulheres foram ainda mais, porque é quem tem filho pequeno, ficou no isolamento e acabou tendo uma sobrecarga gigantesca dentro de casa, com filho, com coisa pra fazer, com trabalho, com tudo. E a própria OMS atribui a essa maior sobrecarga feminina esses maiores índices de transtorno de ansiedade e depressão.

Blog: E em relação ao trabalho? Qual o modelo preferido pela geração Z? É diferente dos seus pais e avós, certo?

Karina: Eles preferem o modelo híbrido e as empresas que querem realmente se conectar essa geração têm de oferecer esse modelo de trabalho. Mas sabe o que é interessante? Isso se conecta muito com aquela coisa da construção das relações que eu falei no começo. A gente tem, sim, 51% dos jovens que preferem o trabalho híbrido, 23% o trabalho presencial, e 26% o trabalho totalmente remoto. As gerações mais velhas tendem a querer mais o trabalho remoto do que a geração Z, que quer sim um trabalho híbrido, porque gostou muito dessa flexibilidade, mas quer uma possibilidade também de construir relações com as pessoas com as quais trabalha.O pessoal mais velho a gente vê uma incidência maior falando, 'ah, pra mim pode ser remoto, não tem problema'. Por quê? Porque já está mais seguro em relação ao mercado de trabalho, porque já construiu sua família, já tem o seu círculo de relações mais construído. E para a geração Z o trabalho híbrido acaba sendo mais forte porque conecta essas duas possibilidades, da flexibilidade e da construção dessas relações.

Blog: E os mais velhos já têm essa rede construída?

Karina: Já tem essa rede mais construída, exatamente.

Leia mais: Crianças e adolescentes precisam reaprender a negociar e a brincar

 

 Foto: Pexels

Quantas vezes você já não ouviu por aí que os jovens de hoje têm menos problemas de autoestima (e a prova disso seriam os vídeos sobre autoaceitação que postam nas redes sociais), não querem trabalhar nos mesmos moldes dos seus pais e têm menos apego a coisas materiais - e que por isso preferem alugar um apartamento a comprar a tal casa própria? Esse discurso é compartilhado por aí como verdade, mas será que é isso mesmo, ou será que essa é uma imagem estereotipada e que aceitamos como verdade?

O que os jovens querem, como se sentem, quais coisas são importantes para eles?

O estudo "Movimentos Geracionais", conduzido pela empresa de pesquisa de mercado HSR Specialist Researchers, ouviu cerca de mil homens e mulheres de todas as faixas etárias, inclusive da chamada geração Y (jovens entre 18 e 25 anos), para entender as questões mais importantes de cada geração. A pandemia foi uma das molas propulsoras da pesquisa: quem tem 18 anos ainda era adolescente quando o coronavírus chacoalhou o mundo e entrou na idade adulta muitas vezes sem conseguir se despedir direito da fase anterior. Qual foi o impacto disso? Como está a saúde mental não só deles, mas de homens e mulheres que estão em uma faixa etária superior, os chamados millenials, que enfrentaram a pandemia muitas vezes cuidando de filhos pequenos, sem rede de apoio da escola, tios e avós, e tiveram de dar conta do trabalho, da casa e de tudo relacionado às crianças? Enquanto os jovens da geração Z são os mais diagnosticados com ansiedade (49% dos que tem de 18 a 25 anos e que responderam à pesquisa), são os millenials os que mais descobriram que têm depressão (29% dos que têm entre 26 e 40 anos). Karina Millaré,membro da HSR Specialist Researchers, conversou com o blog, que se deteve nos dados dos mais jovens (e se você quiser acessar à íntegra da pesquisa, clique aqui.)

Blog: Olhando os números dá para ver que tanto a chamada geração Z quanto a Y, que é a dos millenials, têm transtorno de ansiedade e depressão, diagnosticados por médicos. Esses dados surpreenderam vocês? Quais conclusões que vocês conseguem chegar a partir desses dados?

Karina: Não é que tenha surpreendido não, porque a gente vinha acompanhando já vários dados da própria OMS e de outras instituições que olham essa questão da saúde mental e a gente viu que o Brasil é um dos países mais ansiosos do mundo, e está entre os primeiros com mais pessoas diagnosticadas com depressão. Então o que surpreendeu foi o tamanho disso. A gente até esperava entre os mais jovens, todos sofreram, mas a vida deles foi muito impactada; 80% dos mais jovens se sentem ansiosos, se sentem depressivos, e muita gente não tem nem condição de ter um diagnóstico. Então realmente é uma geração muito impactada. Acho que a pandemia acertou em cheio essa geração, mas eu acho que não é só isso, acho que ela potencializou algo que já vinha acontecendo, existem vários estudos que mostram o impacto do excesso de exposição às telas, de muitos estímulos ao mesmo tempo, tudo isso vai deixando a pessoa num estado de ansiedade maior.

Blog: E essa geração Z, que começa com 18, ela tinha 16, 15 anos e meio quando a pandemia começou, né?

Karina: Exatamente. Imagina só o que é que acontece com uma pessoa dessa faixa etária? Para gente que é mais velho já não foi fácil, imagina para as pessoas dessa faixa etária. Perguntamos também quais são os sentimentos que eles valorizam, a gente dava uma lista pra eles com vários sentimentos e valores: tinha lá amor, honestidade, confiança, empatia, solidariedade e perguntava quais são os 3 mais importantes. Em primeiro lugar eles disseram que é o amor, algo que é importante para todo mundo e que apareceu em todas as faixas etárias. Mas aí em segundo lugar apareceu 'confiança', ou seja, eles precisam de segurança, é algo que gostariam muito de ter. Por mais que a gente fale, 'poxa, são jovens, querem liberdade, querem, enfim, menos compromisso, menos raízes talvez', a gente viu que não, eles têm essa necessidade de confiança. Em terceiro lugar apareceu empatia, ou seja, alguém que se preocupe, alguém que se importe com eles. São jovens que estão em busca de construção de relações, construção de relações de segurança e confiança. Agora você imagina: como é que você constrói relações cada um estando enfiado dentro da sua casa?

Karina Milaré, da HSR Foto: Estadão

Blog: O que nesses dados surpreendeu vocês?

Karina: Teve uma coisa que surpreendeu, mas não muito porque a gente sabe que os jovens são mais inseguros mesmo, mas quando a gente compara essa geração Z com os mais velhos é muito grande a insatisfação que eles têm consigo mesmo. Quando a gente pergunta 'o que é que você gostaria de melhorar?', o que eles respondiam? 'Eu gostaria de ter mais autoconfiança, eu gostaria de me posicionar melhor em público'.

Então a gente vê essa insegurança dessa geração maior do que das outras em se posicionar perante as outras pessoas. E isso surpreendeu muito porque a gente vê muito as marcas e os influenciadores trabalhando a questão da autoaceitação. Mas eles querem fazer plástica, fazer procedimentos, mudar coisas em si. O que é que surpreende? Não é necessariamente o fato da insegurança, porque de fato se é mais inseguro quando mais jovem, mas é o tamanho dessa insegurança em uma era em que tem se trabalhado muito o 'se aceitar do jeito que se é'. Então a gente vê que de fato isso é algo que acontece em nichos, a maior parte dos jovens está inseguro para caramba, quer desenvolver a autoconfiança e quer mudar coisas físicas inclusive. Então a gente vê o quanto essa geração está desamparada, precisando mesmo construir aquelas relações de confiança que ela disse para gente que quer construir.

Blog: O fato dos mais jovens serem maioria de redes sociais como Instagram e Tik Tok tem impacto nesses números?

Karina: A gente não perguntou 'quanto estar no Instagram impacta a sua autoestima', mas sem dúvida dá para inferir. Por que é que dá pra inferir? Porque realmente o uso de redes sociais por esta geração é muito maior, principalmente no Instagram, a gente vê que a imagem é mais importante ali, e pelo próprio Tik Tok, que é aquela coisa super-rápida, super ágil, e também a gente vê os influencers do Tik Tok tendo uma importância supergrande para essa geração. E o que a gente sabe é que entre os principais procedimentos que eles gostariam de fazer está a lipoaspiração, mas tem muito dessa história da harmonização facial, preenchimento, botox, que é muito do que se fala também nessas redes sociais. Ao mesmo tempo a gente tem marcas e influenciadores buscando mais essa coisa da autoaceitação, de uma aparência mais natural, por outro lado você tem um bombardeio também, né, dessas outras influências. E acho que nesse braço de ferro das influências do corpo perfeito, da cara perfeita, tal, tá ganhando né.

Blog: Qual foi o outro fato que chamou a atenção?

Karina: Esse outro ponto até tem mais a ver com consumo, mas que de alguma forma se conecta com isso. O senso comum diz 'o jovem não quer mais tirar carteira de motorista, jovem não quer mais dirigir, jovem não quer mais ter apartamento, imagina, aluga no Airbnb', aquelas coisas que a gente ouve e que vai criando uma ideia na nossa cabeça. Quando a gente pergunta para os jovens eles querem sim fincar raízes, querem comprar apartamento, querem comprar carro. Então são coisas que até parecido com o que a gente vê com as gerações mais velhas, até um pouco mais. Esse sentimento ainda de conquistas, de fincar raízes, é uma coisa que ainda faz parte muito desse universo dos jovens e que se conecta muito com essa coisa de estabelecer confiança, precisar de segurança. 'Depois de tudo isso que a gente passou, eu preciso de alguma coisa que me conecte, sabe, com algo mais seguro, mais estável'. Então 72% dos mais jovens ainda querem sim comprar um apartamento e isso é um número muito parecido com as outras gerações, mas a gente tem lá um pouquinho mais de ¼, 28% deles dizendo que preferiam investir o dinheiro deles em outra coisa.

Esses estudos muitas vezes servem para dar um chacoalhão na gente porque ficamos na bolha muitas vezes, dizendo 'olha lá, ah, o amigo do meu filho, não sei o que', fica na nossa bolha e não olha pro Brasilzão. E aí, quando a gente tem esse olhar mais amplo, é isso. O imóvel ainda é uma forma de conquista, é uma forma de materializar aquele suor do seu trabalho, é uma conquista importante ainda para maior parte das pessoas no Brasil e inclusive os jovens.

Blog: Vocês fizeram esse recorte da ansiedade entre os homens e as mulheres mais jovens. Quando a gente divide, essa questão da ansiedade aparece muito mais entre as mulheres, né?

Karina: Sim. Elas com 40% e os homens com 25%. E isso 'casa' com os dados da OMS também. Porque nos dados que foram reportados agora, comecinho de 2022, mas referente a esses últimos anos, realmente as mulheres tiveram um nível muito maior de crescimento da ansiedade e da depressão foi muito maior entre as mulheres, e o nosso estudo reflete isso também.

Blog: E aí em todas as faixas etárias ou só nessa que a gente está observando agora?

Karina: Em todas as faixas etárias. A gente não consegue fazer todas essas aberturas porque a base começa a ficar menor e aí pode ter algumas distorções, mas é bem estável, as mulheres acabam sendo sim mais vítimas dessas doenças psiquiátricas em todas as faixas etárias. E quando a gente fala dos millenials que é essa dessa geração aí um pouco acima também foi uma geração muito impactada e as mulheres foram ainda mais, porque é quem tem filho pequeno, ficou no isolamento e acabou tendo uma sobrecarga gigantesca dentro de casa, com filho, com coisa pra fazer, com trabalho, com tudo. E a própria OMS atribui a essa maior sobrecarga feminina esses maiores índices de transtorno de ansiedade e depressão.

Blog: E em relação ao trabalho? Qual o modelo preferido pela geração Z? É diferente dos seus pais e avós, certo?

Karina: Eles preferem o modelo híbrido e as empresas que querem realmente se conectar essa geração têm de oferecer esse modelo de trabalho. Mas sabe o que é interessante? Isso se conecta muito com aquela coisa da construção das relações que eu falei no começo. A gente tem, sim, 51% dos jovens que preferem o trabalho híbrido, 23% o trabalho presencial, e 26% o trabalho totalmente remoto. As gerações mais velhas tendem a querer mais o trabalho remoto do que a geração Z, que quer sim um trabalho híbrido, porque gostou muito dessa flexibilidade, mas quer uma possibilidade também de construir relações com as pessoas com as quais trabalha.O pessoal mais velho a gente vê uma incidência maior falando, 'ah, pra mim pode ser remoto, não tem problema'. Por quê? Porque já está mais seguro em relação ao mercado de trabalho, porque já construiu sua família, já tem o seu círculo de relações mais construído. E para a geração Z o trabalho híbrido acaba sendo mais forte porque conecta essas duas possibilidades, da flexibilidade e da construção dessas relações.

Blog: E os mais velhos já têm essa rede construída?

Karina: Já tem essa rede mais construída, exatamente.

Leia mais: Crianças e adolescentes precisam reaprender a negociar e a brincar

 

 Foto: Pexels

Quantas vezes você já não ouviu por aí que os jovens de hoje têm menos problemas de autoestima (e a prova disso seriam os vídeos sobre autoaceitação que postam nas redes sociais), não querem trabalhar nos mesmos moldes dos seus pais e têm menos apego a coisas materiais - e que por isso preferem alugar um apartamento a comprar a tal casa própria? Esse discurso é compartilhado por aí como verdade, mas será que é isso mesmo, ou será que essa é uma imagem estereotipada e que aceitamos como verdade?

O que os jovens querem, como se sentem, quais coisas são importantes para eles?

O estudo "Movimentos Geracionais", conduzido pela empresa de pesquisa de mercado HSR Specialist Researchers, ouviu cerca de mil homens e mulheres de todas as faixas etárias, inclusive da chamada geração Y (jovens entre 18 e 25 anos), para entender as questões mais importantes de cada geração. A pandemia foi uma das molas propulsoras da pesquisa: quem tem 18 anos ainda era adolescente quando o coronavírus chacoalhou o mundo e entrou na idade adulta muitas vezes sem conseguir se despedir direito da fase anterior. Qual foi o impacto disso? Como está a saúde mental não só deles, mas de homens e mulheres que estão em uma faixa etária superior, os chamados millenials, que enfrentaram a pandemia muitas vezes cuidando de filhos pequenos, sem rede de apoio da escola, tios e avós, e tiveram de dar conta do trabalho, da casa e de tudo relacionado às crianças? Enquanto os jovens da geração Z são os mais diagnosticados com ansiedade (49% dos que tem de 18 a 25 anos e que responderam à pesquisa), são os millenials os que mais descobriram que têm depressão (29% dos que têm entre 26 e 40 anos). Karina Millaré,membro da HSR Specialist Researchers, conversou com o blog, que se deteve nos dados dos mais jovens (e se você quiser acessar à íntegra da pesquisa, clique aqui.)

Blog: Olhando os números dá para ver que tanto a chamada geração Z quanto a Y, que é a dos millenials, têm transtorno de ansiedade e depressão, diagnosticados por médicos. Esses dados surpreenderam vocês? Quais conclusões que vocês conseguem chegar a partir desses dados?

Karina: Não é que tenha surpreendido não, porque a gente vinha acompanhando já vários dados da própria OMS e de outras instituições que olham essa questão da saúde mental e a gente viu que o Brasil é um dos países mais ansiosos do mundo, e está entre os primeiros com mais pessoas diagnosticadas com depressão. Então o que surpreendeu foi o tamanho disso. A gente até esperava entre os mais jovens, todos sofreram, mas a vida deles foi muito impactada; 80% dos mais jovens se sentem ansiosos, se sentem depressivos, e muita gente não tem nem condição de ter um diagnóstico. Então realmente é uma geração muito impactada. Acho que a pandemia acertou em cheio essa geração, mas eu acho que não é só isso, acho que ela potencializou algo que já vinha acontecendo, existem vários estudos que mostram o impacto do excesso de exposição às telas, de muitos estímulos ao mesmo tempo, tudo isso vai deixando a pessoa num estado de ansiedade maior.

Blog: E essa geração Z, que começa com 18, ela tinha 16, 15 anos e meio quando a pandemia começou, né?

Karina: Exatamente. Imagina só o que é que acontece com uma pessoa dessa faixa etária? Para gente que é mais velho já não foi fácil, imagina para as pessoas dessa faixa etária. Perguntamos também quais são os sentimentos que eles valorizam, a gente dava uma lista pra eles com vários sentimentos e valores: tinha lá amor, honestidade, confiança, empatia, solidariedade e perguntava quais são os 3 mais importantes. Em primeiro lugar eles disseram que é o amor, algo que é importante para todo mundo e que apareceu em todas as faixas etárias. Mas aí em segundo lugar apareceu 'confiança', ou seja, eles precisam de segurança, é algo que gostariam muito de ter. Por mais que a gente fale, 'poxa, são jovens, querem liberdade, querem, enfim, menos compromisso, menos raízes talvez', a gente viu que não, eles têm essa necessidade de confiança. Em terceiro lugar apareceu empatia, ou seja, alguém que se preocupe, alguém que se importe com eles. São jovens que estão em busca de construção de relações, construção de relações de segurança e confiança. Agora você imagina: como é que você constrói relações cada um estando enfiado dentro da sua casa?

Karina Milaré, da HSR Foto: Estadão

Blog: O que nesses dados surpreendeu vocês?

Karina: Teve uma coisa que surpreendeu, mas não muito porque a gente sabe que os jovens são mais inseguros mesmo, mas quando a gente compara essa geração Z com os mais velhos é muito grande a insatisfação que eles têm consigo mesmo. Quando a gente pergunta 'o que é que você gostaria de melhorar?', o que eles respondiam? 'Eu gostaria de ter mais autoconfiança, eu gostaria de me posicionar melhor em público'.

Então a gente vê essa insegurança dessa geração maior do que das outras em se posicionar perante as outras pessoas. E isso surpreendeu muito porque a gente vê muito as marcas e os influenciadores trabalhando a questão da autoaceitação. Mas eles querem fazer plástica, fazer procedimentos, mudar coisas em si. O que é que surpreende? Não é necessariamente o fato da insegurança, porque de fato se é mais inseguro quando mais jovem, mas é o tamanho dessa insegurança em uma era em que tem se trabalhado muito o 'se aceitar do jeito que se é'. Então a gente vê que de fato isso é algo que acontece em nichos, a maior parte dos jovens está inseguro para caramba, quer desenvolver a autoconfiança e quer mudar coisas físicas inclusive. Então a gente vê o quanto essa geração está desamparada, precisando mesmo construir aquelas relações de confiança que ela disse para gente que quer construir.

Blog: O fato dos mais jovens serem maioria de redes sociais como Instagram e Tik Tok tem impacto nesses números?

Karina: A gente não perguntou 'quanto estar no Instagram impacta a sua autoestima', mas sem dúvida dá para inferir. Por que é que dá pra inferir? Porque realmente o uso de redes sociais por esta geração é muito maior, principalmente no Instagram, a gente vê que a imagem é mais importante ali, e pelo próprio Tik Tok, que é aquela coisa super-rápida, super ágil, e também a gente vê os influencers do Tik Tok tendo uma importância supergrande para essa geração. E o que a gente sabe é que entre os principais procedimentos que eles gostariam de fazer está a lipoaspiração, mas tem muito dessa história da harmonização facial, preenchimento, botox, que é muito do que se fala também nessas redes sociais. Ao mesmo tempo a gente tem marcas e influenciadores buscando mais essa coisa da autoaceitação, de uma aparência mais natural, por outro lado você tem um bombardeio também, né, dessas outras influências. E acho que nesse braço de ferro das influências do corpo perfeito, da cara perfeita, tal, tá ganhando né.

Blog: Qual foi o outro fato que chamou a atenção?

Karina: Esse outro ponto até tem mais a ver com consumo, mas que de alguma forma se conecta com isso. O senso comum diz 'o jovem não quer mais tirar carteira de motorista, jovem não quer mais dirigir, jovem não quer mais ter apartamento, imagina, aluga no Airbnb', aquelas coisas que a gente ouve e que vai criando uma ideia na nossa cabeça. Quando a gente pergunta para os jovens eles querem sim fincar raízes, querem comprar apartamento, querem comprar carro. Então são coisas que até parecido com o que a gente vê com as gerações mais velhas, até um pouco mais. Esse sentimento ainda de conquistas, de fincar raízes, é uma coisa que ainda faz parte muito desse universo dos jovens e que se conecta muito com essa coisa de estabelecer confiança, precisar de segurança. 'Depois de tudo isso que a gente passou, eu preciso de alguma coisa que me conecte, sabe, com algo mais seguro, mais estável'. Então 72% dos mais jovens ainda querem sim comprar um apartamento e isso é um número muito parecido com as outras gerações, mas a gente tem lá um pouquinho mais de ¼, 28% deles dizendo que preferiam investir o dinheiro deles em outra coisa.

Esses estudos muitas vezes servem para dar um chacoalhão na gente porque ficamos na bolha muitas vezes, dizendo 'olha lá, ah, o amigo do meu filho, não sei o que', fica na nossa bolha e não olha pro Brasilzão. E aí, quando a gente tem esse olhar mais amplo, é isso. O imóvel ainda é uma forma de conquista, é uma forma de materializar aquele suor do seu trabalho, é uma conquista importante ainda para maior parte das pessoas no Brasil e inclusive os jovens.

Blog: Vocês fizeram esse recorte da ansiedade entre os homens e as mulheres mais jovens. Quando a gente divide, essa questão da ansiedade aparece muito mais entre as mulheres, né?

Karina: Sim. Elas com 40% e os homens com 25%. E isso 'casa' com os dados da OMS também. Porque nos dados que foram reportados agora, comecinho de 2022, mas referente a esses últimos anos, realmente as mulheres tiveram um nível muito maior de crescimento da ansiedade e da depressão foi muito maior entre as mulheres, e o nosso estudo reflete isso também.

Blog: E aí em todas as faixas etárias ou só nessa que a gente está observando agora?

Karina: Em todas as faixas etárias. A gente não consegue fazer todas essas aberturas porque a base começa a ficar menor e aí pode ter algumas distorções, mas é bem estável, as mulheres acabam sendo sim mais vítimas dessas doenças psiquiátricas em todas as faixas etárias. E quando a gente fala dos millenials que é essa dessa geração aí um pouco acima também foi uma geração muito impactada e as mulheres foram ainda mais, porque é quem tem filho pequeno, ficou no isolamento e acabou tendo uma sobrecarga gigantesca dentro de casa, com filho, com coisa pra fazer, com trabalho, com tudo. E a própria OMS atribui a essa maior sobrecarga feminina esses maiores índices de transtorno de ansiedade e depressão.

Blog: E em relação ao trabalho? Qual o modelo preferido pela geração Z? É diferente dos seus pais e avós, certo?

Karina: Eles preferem o modelo híbrido e as empresas que querem realmente se conectar essa geração têm de oferecer esse modelo de trabalho. Mas sabe o que é interessante? Isso se conecta muito com aquela coisa da construção das relações que eu falei no começo. A gente tem, sim, 51% dos jovens que preferem o trabalho híbrido, 23% o trabalho presencial, e 26% o trabalho totalmente remoto. As gerações mais velhas tendem a querer mais o trabalho remoto do que a geração Z, que quer sim um trabalho híbrido, porque gostou muito dessa flexibilidade, mas quer uma possibilidade também de construir relações com as pessoas com as quais trabalha.O pessoal mais velho a gente vê uma incidência maior falando, 'ah, pra mim pode ser remoto, não tem problema'. Por quê? Porque já está mais seguro em relação ao mercado de trabalho, porque já construiu sua família, já tem o seu círculo de relações mais construído. E para a geração Z o trabalho híbrido acaba sendo mais forte porque conecta essas duas possibilidades, da flexibilidade e da construção dessas relações.

Blog: E os mais velhos já têm essa rede construída?

Karina: Já tem essa rede mais construída, exatamente.

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Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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