O filme "Air: A História por trás do Logo" é um compilado de fatos reais, com pitadas de ficção, que mostra de forma bastante didática o que era a Nike, fundada por Phil Knight (vivido por Ben Affleck) antes e depois de Micheal Jordan. É impressionante ver como uma simples assinatura em um papel de um único homem mudou a vida de tantas pessoas. Por mais que esta história seja conhecida por muitos, o filme nos oferece ela por uma ótica diferente, sob a visão de Sonny Vaccaro (Matt Damon), que muitas vezes é esquecido dentro da mitologia da marca. É dele a missão quase divina de fazer de tudo para dar asas a Jordan, como Dédalo a Ícaro, sem o limite de chegar perto do sol.
E Michael Jordan ultrapassou o sol. É o maior jogador de basquete de todos os tempos, revolucionou o jeito de jogar na NBA, desafiou regras das cores dos tênis em quadra e criou, junto com a Nike, toda a cena sneakerhead. Antes dele, tênis de basquete eram meros acessórios de performance em quadra. Depois dele, são peças de museu que mostram a evolução da sociedade. Antes dele, todo e qualquer jogador, mesmo astros como Magic Johnson e Larry Bird, usavam o tênis criado pela marca, com mudanças de cor e só. Depois dele, promessas da NBA de 21 anos usam calçados com seus nomes em quadra. Antes dele a Converse tinha 56% do mercado. Depois dele, apenas 12 anos depois, foi comprada pela Nike.
À convite da Warner a da MField pude ver o filme, que estreia no dia seis de abril apenas nos cinemas, em primeira mão, e me emocionar com a forma como a potência do Jesus Negro, como o próprio Michael Jordan se chamou várias vezes, operou o milagre da multiplicação de pontos, títulos e cifras na NBA ao longo de sua carreira. É muito difícil não dar spoliers de uma fábula tão conhecida. Então, a partir de agora, sigo abaixo contando a história da criação do Air Jordan 1 que está nos livros, sem o roteiro do cinema. Se quiser guardar todas as surpresas para o filme, pare por aqui. Senão, passe para a próxima linha e conheça os detalhes da criação do tênis mais importante da história.
A Nike nasceu em 25 de janeiro de 1964 como Blue Ribbon Sports e tinha como atividade base importar tênis de corrida japoneses para os EUA, em especial os Tiger. Com a evolução do negócio de importação para a fabricação com o lançamento do Cortez em 1972, em criação do co-fundador da marca, Bill Bowerman, a Nike precisava entrar em outros esportes para ganhar mercado. E a escolha óbvia era o basquete, o paraíso dos sneakers, dominado até então pela Converse e Adidas.
A primeira aposta da Nike foi em uma grande estrela em ascensão, Earvin "Magic" Johnson, que acabara de assinar um contrato com o Los Angeles Lakers em 1979. Havia duas apostas na mesa, da Converse, com muito dinheiro, e da ainda novata Nike, que previa uma linha exclusiva do jogador, ações da empresa e um contrato de logo prazo. Magic escolheu as cifras da Converse. O mundo perdeu o Air Magic, um bom nome, sem dúvida, e o jogador deixou de ganhar bilhões de dólares em ações.
A Nike seguiu então monitorando o mercado e identificando talentos que fariam o nome da empresa decolar. Até que em 1984 um novato parecia ter a estrela que ela procurava. Seu nome: Michael Jordan. Que tinha acabado de sair da Universidade da Carolina do Norte para assinar com o Chicago Bulls. A Nike não podia errar desta vez e mudou de tática. Abriu os cofres e ofereceu o maior dinheiro da disputa por Jordan.
Mas, mais uma vez, tudo parecia perdido. A paixão só foi à primeira vista de um lado, já que Jordan morria de amores pela Adidas e queria assinar com a marca alemã mesmo por um valor inferior. Os pais do jogador que convenceram ele a deixar os sentimentos de lado e pegar os 2,5 milhões de dólares oferecidos. Dizem as más línguas que isso aconteceu depois de uma dura conversa entra a empresa e o pai de Jordan, que sempre estava envolvido em uma ou outra confusão.
Com o contrato assinado, coube a Peter Moore, diretor de criação da Nike, criar o desenho do Air Jordan 1 e o logo da Jordan Brand, um precursor da clássica bola de basquete com asas - Peter Morre faleceu em maio do ano passado. Pela pressa do projeto para mostrar para a família Jordan, Moore optou pelo básico com uma certa elegância, sem saber que estava moldando ali a cultura street para sempre.
O Air Jordan 1 não tinha nenhuma tecnologia sofisticada, como amortecimento na entressola ou matérias novos. Era apenas feito para ser durável e segurar os tornozelos de Jordan quando ele aterrissasse de seus voos. Tanto que, no início, o jogador não gostou nada do modelo e vivia repetindo que eles pareciam "tênis de palhaço". Mas ele foi para as quadras com ele assim mesmo e o modelo começou a chamar a atenção junto às habilidades sem igual de Michael Jordan de jogar basquete.
Mas a fama do sneaker explodiu mesmo quando a Nike, sempre muito ágil em suas sacadas de marketing, arriscou uma polêmica. Por regra, os tênis dos jogadores da NBA tinham que ter 51% da cor branca. O choque, portanto, foi grande quando Jordan entrou em quadra com o AJ1 Bred, que era preto e vermelho, apenas com a sola branca. O tênis foi banido das quadras, com ameaça de multa para Nike de 5 mil dólares por jogo se repetisse a ousadia.
A cor do modelo logo ganhou o apelido de Banned. E a Nike fez um comercial destacando a rebeldia da ação, que tinha como slogan, em tradução livre, "em 15 de setembro, a Nike criou um novo tênis de basquete revolucionário. Em 18 de outubro, a NBA os baniu do jogo. Felizmente, a NBA não pode impedi-lo de usá-los. Air Jordans. Da Nike."
O ditado que diz que tudo que é proibido é mais gostoso caiu perfeitamente para o Air Jordan 1, que se tornou objeto de desejo de 10 entre 10 fãs de basquete. Há uma lenda de que na verdade, o modelo preto e vermelho que Jordan entrou em quadra era um Air Ship camuflado, porque o AJ1 ainda não estava pronto.
Mas tudo isso só serviu de alimento para o sucesso do tênis, que foi lançado por 65 dólares com a expectativa de 3 milhões de dólares em vendas nos primeiros quatro anos. Mas que no fim do primeiro ano já respondia por 126 milhões de dólares comercializados. Naquela época, 13 cores do Jordan 1 foram lançadas, incluindo a Banned, Chicago, Retro Royal e Carolina Blue, entre outras. Hoje há mais de duas centenas de cores, mas essas originais ainda são as mais procuradas.
Embora hiper valorizado e desejado, o Air Jordan mudou pouco ao longo destes 37 anos. E também colecionou alguns fracassos. Tanto que deixou de ser produzido entre 1985 e 1994, quando retornou nas cores Bred e Chicago. A volta nem de longe teve a repercussão que a Nike esperava, muito em relação também ao fato de Jordan ter se aposentado do basquete para realizar seu sonho maluco de ser jogador der baseball.
E lá foi o Jordan 1 sumir de novo até voltar em 2001 nas cores originais Royal e Bred e mais algumas novas como as Japan Navy, White Chrome e Black/Metallic Gold. As vendas das cores inéditas pegaram embalo e sustentaram as vendas do tênis até 2003, quando Michael se aposentou definitivamente das quadras e levou o AJ1 junto.
Mas em abril de 2007 a Nike toma uma decisão nunca vista antes na indústria dos sneakers. Anunciou que o Jordan 1 voltaria para nunca mais sair de linha. O pacote Old Love, New Love de estreia incluía um OG Black Toe e o novo preto e amarelo chamado New Love. Após os dois, só no primeiro ano, a marca já tinha lançado 10 novas cores do modelo, que seguiu até hoje, mais de uma década depois, mantendo muitos lançamentos seriados anuais de cores do lendário Air Jordan 1.
Os Jordan seguiram em lançamentos seriados até o último, o 37, que está prestes a chegar ao Brasil, bem distante em visual e tecnologia do primeiro modelo da marca. No entanto, o Air Jordan 1 nunca foi abandonado e seu hype só foi aumentando ao longo dos anos, a ponto de ume reedição da cor original Chicago ter sido anunciada para venda em 19 de novembro deste ano e os sneakerheads só falarem disso desde janeiro.
E toda vez que alguma grife forte ou marca em ascensão faz uma collab com a Nike, o AJ1 sempre está presente. Quando Virgil Abloh, fundador da Off-White, fez seu plano The Tem de sneakers com a Nike, lá estava o Air Jordan 1. Na primeira parceria entre uma marca de luxo com uma marca street, da Dior com a Nike, lá estava o AJ1 Dior sendo vendido por mais de dois mil dólares.
Em seu primeiro tênis assinado, o estourado cantor J Balvin também escolheu o AJ1. E a crescente A Má Maniere, depois de assinar com a Nike e conquistar o título simbólico de tênis do ano de 2021 com um AJ3, tratou logo de criar seu próprio Jordan 1. Isso sem falar no rapper Travis Scott, que tem em seu AJ1 em collab com a Fragment um dos tênis com maior valorização da história.
As variações do Air Jordan 1
Após o sucesso instantâneo do AJ1, a Nike resolveu que deveria lançar uma versão Low, de cano baixo, visando também o jogo de Jordan na quadra. Foi assim que nasceu Air Jordan 1 Low ainda em 1985. Desenhado por também por Peter Moore, ele tinha o desenho inspirado no Nike Dunk e cores que espelhavam o High.
Como o preço dos AJ1 era alto para a época, como é ainda hoje, a Nike resolveu lançar uma versão de baixo custo batizada de KO, que trazia cabedal de lona no lugar do couro e uma sola em formato diferente, muito igual a do Nike Vandal. O KO é cercado de muito mistério até hoje, tanto que ninguém consegue cravar o que significa a sigla KO do nome e tampouco achar boas referências dele nos arquivos na Nike.
Reza a lenda que Jordan tinha achado os AJ1 e AJ2 muito altos e por isso pediu que o AJ3 fosse um cano médio. Mesmo com essa informação, o AJ1 Mid continua a não ser aceito pelos sneakerheads mais puristas pelo fato de ser uma criação da marca japonesa Co.JP que foi lançada apenas em 2001. E adotada pela Nike sem a mítica de ter ido aos pés de Michael Jordan em quadra.
Mas o que é pior, raiva ou desprezo? Para ser o fiel da balança, a Nike lançou o Air Jordan 1 Zoom CMFT em 2020 como uma visão moderna do clássico, trazendo uma construção em camadas, com espuma no topo do tênis e amortecimento Zoom. Apesar de ser o AJ1 mais confortável de todos, ele é um modelo totalmente ignorado pela base de fãs de sneakers ao redor do mundo.