O que é um “amor perfeito”? Ao se depararem com essa pergunta durante entrevista coletiva feita com elenco, autores e diretores da nova novela das 18h da Rede Globo, a equipe de Amor Perfeito demora para responder e traz conclusões distintas.
De reflexões sobre relações nos quilombos, vividas por Mestre Ivamar, ao “amor pelo próximo”, apontado por Paulo Gorgulho, é Thiago Lacerda, o vilão da trama, quem dá a cartada final. “Uma novela sobre amores imperfeitos ainda seria sobre o amor”, diz.
O desafio de retratar amores perfeitos em um Brasil imperfeito caiu nas mãos de Duca Rachid, Júlio Fischer e Elísio Lopes Jr. Duca e Júlio, que trabalham juntos desde o Sítio do Pica-Pau Amarelo, se uniram a Elísio, roteirista do filme Medida Provisória, de Lázaro Ramos, para criar uma novela de época com temas atuais.
Baseada livremente na obra Marcelino Pão e Vinho, do escritor espanhol José María Sánchez Silva, e com uma caracterização inspirada na série Bridgerton, da Netflix, Amor Perfeito quer “recuperar a história negra apagada”, nas palavras dos autores.
“A gente foi descobrindo uma elite negra que foi apagada pela narrativa hegemônica do Sul e do Sudeste”, conta Duca. “A gente quer mostrar o Brasil como ele é”, completa.
Diferente de Bridgerton, como pontua o diretor artístico André Câmara, a novela quer abordar a questão do racismo, que sempre permeou a história brasileira. A diferença de outras obras com a mesma temática, porém, é que os personagens negros não estão lá apenas para discutir sobre racismo.
É por esse motivo que atores e diretores escolheram um protagonista negro, Marcelino, interpretado pelo ator-mirim Levi Asaf. Amor Perfeito também marca o retorno de Camila Queiroz à Globo no papel da mãe de Marcelino, Maria Elisa, ou Marê.
A história, que se passa na cidade fictícia de Águas de São Jacinto, fronteira de Minas Gerais com a Bahia, acompanha um menino de oito anos, Marcelino, que sonha em conhecer a mãe, de quem foi separado logo após o nascimento.
Ele é acolhido por religiosos da Irmandade de São Jacinto dos Clérigos, interpretados pelos atores Babu Santana, Tonico Pereira, Allan Souza Lima, Chico Pelutio, Bernardo Berro e Tony Tornado.
Novela discute homofobia e racismo que permeiam o Brasil
Apesar de, como toda novela de época, partir da estrutura de um conto de fadas e do melodrama, Amor Perfeito se diferencia pelo retrato de questões que sempre existiram no País, mas que apenas passaram a ser discutidas recentemente. Dentre elas, estão o racismo e a homofobia.
Juliana Alves, que vive Wanda no folhetim, elogia o papel da caracterização na trama. Apesar de usar um penteado característico dos anos 1930 e 1940, época em que a novela se passa, a atriz manteve tranças no cabelo.
Juliana Alves
Elísio pontua, porém, que nada foi inventado. As tranças sempre fizeram parte da história do Brasil, o que foi descoberto pelos autores através de pesquisas. “Toda ruptura gera um novo trilho. [...] A gente está propondo que esse Brasil venha para as telas junto com essa história”, comenta.
Amor Perfeito também entra em um tema pouco visto em outras novelas de época: a homofobia. Érico Requião, personagem de Carmo Dalla Vecchia, é homossexual. O ator, que é casado há 17 anos com o autor João Emanuel Carneiro, fala sobre a importância da representação.
Carmo Dalla Vecchia
Carmo ainda cita que a novela pode servir para que as pessoas reflitam sobre as origens da homofobia. “Facilita para as pessoas não terem esse preconceito disfarçado de moralidade, de religiosidade ou de ética”, pontua.
Maternidades costuram trama de Amor Perfeito
O machismo também é centro das discussões de Amor Perfeito. A novela aposta no retrato de diferentes maternidades e diferentes estilos de vida para refletir o modo como a sociedade brasileira sempre se relacionou com as mulheres.
A protagonista, Marê, é uma das que mais enfrenta as consequências do machismo na época. Ela descobriu uma gravidez indesejada, fora do casamento, enquanto estava na prisão. Marcelino foi separado da mãe por Gilda, vivida por Mariana Ximenes.
Verônica, interpretada por Ana Cecília Costa, vive uma família formada apenas por ela e pelo filho, Júlio, personagem de Daniel Rangel. Amante do prefeito Anselmo, vivido por Paulo Betti, ela não tem medo de expressar sua sexualidade.
Já Lívia, de Lucy Ramos, tem o sonho de construir uma família gigante. Ela, porém, não consegue engravidar e vê o início da realização do sonho com a adoção. Lívia passa a ser vítima do marido, que a responsabiliza pela dificuldade em ter filhos. “São três histórias completamente diferentes relacionadas ao que é ser mãe”, diz ela.
Personagens não são bons nem maus
Apesar de trazer vilões e mocinhos, Amor Perfeito se propõe a entender a trajetória de vida de cada personagem. Mariana Ximenes e Thiago Lacerda contam que não tentaram justificar, mas entender o motivo da maldade da dupla de vilões.
Mariana define Gilda como “transgressora e imperfeita” e “alguém que tem um passado bem duro”. Thiago afirma que a relação entre os dois é “uma parceria de dois personagens ambiciosos”.
“O que impulsiona o Gaspar é uma ausência de filtro e de ética e a ambição”, diz o ator. “Eu não consigo justificar, mas a Gilda foi formando essa falta de moral pela criação dela”, conta a artista.
Apesar dos vilões e de discussões importantes, Amor Perfeito promete trazer a leveza clássica de uma novela das 18h da Globo, além de fazer refletir e emocionar. A novela estreia nesta segunda, 20, na emissora.
Camila Queiroz
*Estagiária sob supervisão de Charlise de Morais