Saiba como funciona a Audiodescrição em filmes e séries


Apesar de ser um recurso garantido por lei, pessoas cegas, que são o público principal da ferramenta, não têm acesso total às obras disponíveis no audiovisual

Por Jéssica Lopez

Você certamente já deve ter visto no canto inferior do seu televisor um ícone que de vez em quando aparece quando alguma obra é transmitida. Nele, surge escrita a palavra “Audiodescrição” ou provavelmente viu o termo no guia de instruções de algum aparelho eletrônico. Mas afinal de contas, o que ele significa? É um recurso de acessibilidade que traduz imagens em palavras para pessoas com deficiência visual, intelectual, autistas, disléxicos, idosos e quem quiser experimentar, fazendo com que esse público possa ter o entendimento de qualquer produto, seja uma série, um filme, um conteúdo escolar ou profissional realizado em igualdade de oportunidades como para quem enxerga.

Em caráter informal, a Audiodescrição sempre existiu, nas palavras de Joel Snyder, presidente da Associação de Audiodescrição nos Estados Unidos “É simples como alguém dizendo a outra pessoa o que aconteceu ou como algo é, sem alguém ter acesso àquilo, porque ela não estava lá ou estava em outro lugar”. Entretanto, formalmente, o recurso foi citado pela primeira vez em 1975, na Califórnia, Estados Unidos, e em 1981 foi a primeira vez que uma prestação de serviço oficial da ferramenta foi realizada, em Washington, DC.

E como essa tradução de imagens funciona em produções como séries e filmes? A jornalista e audiodescritora Rosa Matsushita explica como é o processo de elaboração do roteiro para obras artísticas. “Nós temos três profissionais em audiodescrição: o roteirista, que realiza a tradução das imagens, transformando-as em palavras, o consultor, que valida o roteiro e é uma pessoa cega e o locutor ou narrador, que transforma esse roteiro em áudio. Há muitas diretrizes a serem seguidas. O tempo que se investe para fazer um roteiro de um filme de duas horas, é de cerca de quatro a sete dias, dependendo da experiência do roteirista”, explica Rosa.

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A consultora de acessibilidade Thais Ortega pontua por quais caminhos passa a audiodescrição antes dela ficar pronta até o consumidor final. Há várias etapas, compostas por elementos fundamentais para a composição de um bom trabalho. “A audiodescrição é um processo de tradução intersemiótica que converte imagens em sons. Para que esse processo se realize, contamos com diferentes profissionais: a pessoa que fará o roteiro em texto, a pessoa que fará a consultoria - que é uma espécie de revisão feita por uma pessoa cega ou com deficiência visual que tenha estudado a Audiodescrição, - o profissional que fará a locução, e aqui também entra a pessoa que fará a captação e edição do áudio e, por último, a pessoa que fará a revisão técnica do produto final”.

A consultora continua dizendo que essa tradução terá os elementos visuais que serão relevantes para o contexto da obra. “Informações de cenário, figurino, iluminação, movimento corporal das personagens, entre outros. Tanto em filmes quanto em séries o processo é o mesmo, a única diferença é o tempo que se leva para cada tipo de conteúdo”, ensina Thais.

Cego desde os três anos, o consultor Edgar Jacques explica como é seu trabalho, parte fundamental da construção de um bom serviço, que também auxiliará outras pessoas cegas ou que precisam do recurso. “No audiovisual eu recebo a obra inteira sem a audiodescrição, depois, o roteiro separado em texto ou áudio da obra, junto com o trabalho editado em cima dessa gravação e então eu faço anotações indicando qual é a minutagem que tem alguma questão ou algum problema. Eu escrevo qual a questão e dou uma sugestão ou faço uma pergunta”, pontua.

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O trabalho do consultor é sempre ter a perspectiva da pessoa com deficiência em cima desse recurso específico. Edgar continua explicando sobre o processo. “Existe a questão do ‘nada sobre nós sem nós’ e também a riqueza de efetividade. A pessoa que enxerga está sempre comparando aquilo que ela está vendo com o que ela está ouvindo, então ela não tem como se libertar desse suporte, desse apoio. O meu trabalho, enquanto pessoa que não enxerga, é dizer: ‘olha, estão se formando essas imagens, quais são aquelas que mais se aproximam da que você quer passar?’ E daí podemos chegar num texto com menos dubiedade, com mais clareza, mais vividez, exatidão, coerência e coesão”.

Existem duas linhas básicas de audiodescrição no Brasil. A interpretativa, que se pretende mais poética, usando recursos como adjetivos e classificações, e a empoderativa, que descreve as características das obras, dando ao consumidor a autonomia em construir as imagens e decidir sozinho quais sentimentos e elementos estão presentes na obra. “Eu sigo os ensinamentos do mestre Joel Snyder, um dos primeiros audiodescritores do mundo. Segundo ele, nós damos o poder de decisão, de entendimento à pessoa cega, quando nós não interpretamos ou não explicamos as imagens. Apenas as descrevemos, sem impor nenhuma opinião. Isso é muito difícil de fazer no início, porque nós interpretamos o tempo todo”, explica Rosa Matsushita.

O trabalho do locutor

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Fundamental para o entendimento da Audiodescrição, o trabalho do locutor é dar autonomia ao cego. Foto: Pixabay

Ter a entonação certa e acompanhar o roteiro no mesmo ritmo da obra a ser audiodescrita é um dos desafios do narrador. O produtor musical, dublador e locutor Thonny Cavaglieri explica como é o processo. “O trabalho do locutor de audiodescrição, resumidamente falando, consiste em verbalizar um roteiro confeccionado por um profissional roteirista e atestado por um consultor. Essa verbalização pode ser gravada ou ao vivo. O mais importante e mais desafiador é fazer com que a locução esteja imersa na obra, acompanhe todas as nuances e sensações que o trabalho traz, sem tirar o protagonismo da própria produção. A locução não pode ser condutiva, mas sim reativa - em tempo real - ao que está acontecendo na obra e sempre com cuidado para que não chame mais atenção do que o necessário”, explica.

Thonny continua explicando quais as tecnologias disponíveis no mercado para a transmissão de audiodescrição. “Hoje temos diversos recursos dependendo da plataforma que a obra está inserida. Para televisão aberta, há uma obrigatoriedade de horas de conteúdo por semana e pra ouvir a audiodescrição é só selecionar nas guias de opções de áudio, ou acionar a tecla SAP do aparelho. Já nas plataformas de streaming, como Netflix, você tem a opção AD (abreviação de audiodescrição) ou DES”

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Para recursos nas telonas, o locutor discorre sobre as alternativas. “Nos cinemas temos a tecnologia “Pro Access”, que é por transmissão em infravermelho e se conecta a um fone de ouvido. A pessoa com deficiência visual solicita na entrada. Nesse fone a locução de AD acontece sincronizada com o filme. No Youtube, Instagram e outras redes, geralmente as obras adaptadas são adicionadas a parte, isto é, para um mesmo título você tem um vídeo para videntes e outro com recursos de acessibilidade”.

Embora a audiodescrição exista e esteja disponível como uma ferramenta para que cegos e pessoas com outras deficiências possam consumir filmes, séries, entre outras obras com a mesma autonomia de pessoas que enxergam, a experiência completa de acessibilidade não se resume somente a assistir um filme. Thais Ortega pontua onde os recursos precisam começar. “Em uma sala de cinema, o suporte começa pela divulgação dos filmes em cartaz. Uma vez escolhido o filme, se consulta as sessões disponíveis, para então realizar a compra do ingresso. A locomoção até o espaço e também dentro do ambiente, da bilheteria à bomboniere, por exemplo, também contempla essa atividade”.

Thais continua. “Uma vez dentro da sala de cinema, já no assento escolhido, assistimos aos trailers de outros filmes em cartaz, aos avisos de segurança e, mais recentemente, notícias do setor cultural. Note que é só então que o filme começa. Ou seja, para que os cinemas realmente ofereçam uma experiência de autonomia completa à pessoa com deficiência, todos esses passos devem ser pensados de maneira acessível e inclusiva. Já ouvi muitos relatos de pessoas que só foram até a metade dessa experiência por encontrar uma barreira limitante no meio caminho, como uma bilheteria virtual não acessível. Hoje o foco está em acessibilizar o filme e disponibilizar aparelhos para a fruição individual, mas a experiência é muito mais ampla do que isso”.

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A Audiodescrição e a Ancine

A Agência Nacional do Cinema, Ancine, redigiu e viabilizou a Instrução Normativa 128, baseada na Lei Brasileira de Inclusão, de 6 de Julho de 2015, que garante às pessoas com deficiência o direito ao acesso à cultura, em igualdade de oportunidades com quem não tem deficiências, inclusive no cinema. “Apesar da Instrução Normativa ser datada de 13 de setembro de 2016, houve pouca efetividade na sua instauração. Após muitas idas e vindas e um grande rebuliço no mercado audiovisual, poucas pessoas sabem da existência desse documento, inclusive pessoas com deficiência”, declara Thais.

Na sequência, a consultora explica os movimentos na legislação atual para o alcance em audiodescrição. “Em 29 de setembro deste ano, foi publicada a Instrução Normativa 165, que sobrescreve os textos dos documentos anteriores relacionados à acessibilidade nos cinemas. As ações ali propostas são, sem dúvida, um retrocesso para a inclusão. Algumas exigências foram flexibilizadas, como a quantidade mínima de equipamentos por sala, e o âmago da fruição, que até então era em modalidade individual e fechada, foi colocado em questão. Por outro lado, propõe-se a reabertura da Câmara Técnica, que é composta por profissionais do mercado, para discutir e planejar os próximos passos dessa ação. Torço para que convidem pessoas com deficiência para esses encontros, o que não aconteceu até o momento”.

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Para Edgar Jacques, há três elementos indispensáveis para uma boa audiodescrição, que enriquece a experiência do consumidor do recurso. “Eu olho para três pilares. Se está formando uma imagem viva, se está respeitando a inteligência de quem está recebendo e se ela está sendo atenciosa com a obra que está descrevendo”.

Apesar de todas as dificuldades no acesso ao recurso, a audiodescrição é um direito garantido por lei aos cegos e a todas as pessoas que necessitam dela, não é um favor, mas um recurso regulamentado. Os especialistas concordam que é muito importante que o direito de acesso à cultura, como descrito na Lei Brasileira de Inclusão, alcance todos os filmes, séries e obras que o consumidor queira ver, não uma pequena variedade de produções atuais.

Rosa Matsushita enfatiza que a audiodescrição traz à tona a importância do respeito e das individualidades de cada um. “É importante entender que nós não somos iguais. Somos todos diferentes. Independente de termos ou não alguma deficiência, temos que ser respeitados pessoalmente. O recurso da audiodescrição trouxe a inclusão, principalmente da pessoa cega nos espaços públicos, na escola, no entretenimento, nas eleições. E o importante é entender que qualidade é fundamental, sempre se respeitando a inteligência e o poder dos usuários de pensar, opinar e decidir”.

Você certamente já deve ter visto no canto inferior do seu televisor um ícone que de vez em quando aparece quando alguma obra é transmitida. Nele, surge escrita a palavra “Audiodescrição” ou provavelmente viu o termo no guia de instruções de algum aparelho eletrônico. Mas afinal de contas, o que ele significa? É um recurso de acessibilidade que traduz imagens em palavras para pessoas com deficiência visual, intelectual, autistas, disléxicos, idosos e quem quiser experimentar, fazendo com que esse público possa ter o entendimento de qualquer produto, seja uma série, um filme, um conteúdo escolar ou profissional realizado em igualdade de oportunidades como para quem enxerga.

Em caráter informal, a Audiodescrição sempre existiu, nas palavras de Joel Snyder, presidente da Associação de Audiodescrição nos Estados Unidos “É simples como alguém dizendo a outra pessoa o que aconteceu ou como algo é, sem alguém ter acesso àquilo, porque ela não estava lá ou estava em outro lugar”. Entretanto, formalmente, o recurso foi citado pela primeira vez em 1975, na Califórnia, Estados Unidos, e em 1981 foi a primeira vez que uma prestação de serviço oficial da ferramenta foi realizada, em Washington, DC.

E como essa tradução de imagens funciona em produções como séries e filmes? A jornalista e audiodescritora Rosa Matsushita explica como é o processo de elaboração do roteiro para obras artísticas. “Nós temos três profissionais em audiodescrição: o roteirista, que realiza a tradução das imagens, transformando-as em palavras, o consultor, que valida o roteiro e é uma pessoa cega e o locutor ou narrador, que transforma esse roteiro em áudio. Há muitas diretrizes a serem seguidas. O tempo que se investe para fazer um roteiro de um filme de duas horas, é de cerca de quatro a sete dias, dependendo da experiência do roteirista”, explica Rosa.

A consultora de acessibilidade Thais Ortega pontua por quais caminhos passa a audiodescrição antes dela ficar pronta até o consumidor final. Há várias etapas, compostas por elementos fundamentais para a composição de um bom trabalho. “A audiodescrição é um processo de tradução intersemiótica que converte imagens em sons. Para que esse processo se realize, contamos com diferentes profissionais: a pessoa que fará o roteiro em texto, a pessoa que fará a consultoria - que é uma espécie de revisão feita por uma pessoa cega ou com deficiência visual que tenha estudado a Audiodescrição, - o profissional que fará a locução, e aqui também entra a pessoa que fará a captação e edição do áudio e, por último, a pessoa que fará a revisão técnica do produto final”.

A consultora continua dizendo que essa tradução terá os elementos visuais que serão relevantes para o contexto da obra. “Informações de cenário, figurino, iluminação, movimento corporal das personagens, entre outros. Tanto em filmes quanto em séries o processo é o mesmo, a única diferença é o tempo que se leva para cada tipo de conteúdo”, ensina Thais.

Cego desde os três anos, o consultor Edgar Jacques explica como é seu trabalho, parte fundamental da construção de um bom serviço, que também auxiliará outras pessoas cegas ou que precisam do recurso. “No audiovisual eu recebo a obra inteira sem a audiodescrição, depois, o roteiro separado em texto ou áudio da obra, junto com o trabalho editado em cima dessa gravação e então eu faço anotações indicando qual é a minutagem que tem alguma questão ou algum problema. Eu escrevo qual a questão e dou uma sugestão ou faço uma pergunta”, pontua.

O trabalho do consultor é sempre ter a perspectiva da pessoa com deficiência em cima desse recurso específico. Edgar continua explicando sobre o processo. “Existe a questão do ‘nada sobre nós sem nós’ e também a riqueza de efetividade. A pessoa que enxerga está sempre comparando aquilo que ela está vendo com o que ela está ouvindo, então ela não tem como se libertar desse suporte, desse apoio. O meu trabalho, enquanto pessoa que não enxerga, é dizer: ‘olha, estão se formando essas imagens, quais são aquelas que mais se aproximam da que você quer passar?’ E daí podemos chegar num texto com menos dubiedade, com mais clareza, mais vividez, exatidão, coerência e coesão”.

Existem duas linhas básicas de audiodescrição no Brasil. A interpretativa, que se pretende mais poética, usando recursos como adjetivos e classificações, e a empoderativa, que descreve as características das obras, dando ao consumidor a autonomia em construir as imagens e decidir sozinho quais sentimentos e elementos estão presentes na obra. “Eu sigo os ensinamentos do mestre Joel Snyder, um dos primeiros audiodescritores do mundo. Segundo ele, nós damos o poder de decisão, de entendimento à pessoa cega, quando nós não interpretamos ou não explicamos as imagens. Apenas as descrevemos, sem impor nenhuma opinião. Isso é muito difícil de fazer no início, porque nós interpretamos o tempo todo”, explica Rosa Matsushita.

O trabalho do locutor

Fundamental para o entendimento da Audiodescrição, o trabalho do locutor é dar autonomia ao cego. Foto: Pixabay

Ter a entonação certa e acompanhar o roteiro no mesmo ritmo da obra a ser audiodescrita é um dos desafios do narrador. O produtor musical, dublador e locutor Thonny Cavaglieri explica como é o processo. “O trabalho do locutor de audiodescrição, resumidamente falando, consiste em verbalizar um roteiro confeccionado por um profissional roteirista e atestado por um consultor. Essa verbalização pode ser gravada ou ao vivo. O mais importante e mais desafiador é fazer com que a locução esteja imersa na obra, acompanhe todas as nuances e sensações que o trabalho traz, sem tirar o protagonismo da própria produção. A locução não pode ser condutiva, mas sim reativa - em tempo real - ao que está acontecendo na obra e sempre com cuidado para que não chame mais atenção do que o necessário”, explica.

Thonny continua explicando quais as tecnologias disponíveis no mercado para a transmissão de audiodescrição. “Hoje temos diversos recursos dependendo da plataforma que a obra está inserida. Para televisão aberta, há uma obrigatoriedade de horas de conteúdo por semana e pra ouvir a audiodescrição é só selecionar nas guias de opções de áudio, ou acionar a tecla SAP do aparelho. Já nas plataformas de streaming, como Netflix, você tem a opção AD (abreviação de audiodescrição) ou DES”

Para recursos nas telonas, o locutor discorre sobre as alternativas. “Nos cinemas temos a tecnologia “Pro Access”, que é por transmissão em infravermelho e se conecta a um fone de ouvido. A pessoa com deficiência visual solicita na entrada. Nesse fone a locução de AD acontece sincronizada com o filme. No Youtube, Instagram e outras redes, geralmente as obras adaptadas são adicionadas a parte, isto é, para um mesmo título você tem um vídeo para videntes e outro com recursos de acessibilidade”.

Embora a audiodescrição exista e esteja disponível como uma ferramenta para que cegos e pessoas com outras deficiências possam consumir filmes, séries, entre outras obras com a mesma autonomia de pessoas que enxergam, a experiência completa de acessibilidade não se resume somente a assistir um filme. Thais Ortega pontua onde os recursos precisam começar. “Em uma sala de cinema, o suporte começa pela divulgação dos filmes em cartaz. Uma vez escolhido o filme, se consulta as sessões disponíveis, para então realizar a compra do ingresso. A locomoção até o espaço e também dentro do ambiente, da bilheteria à bomboniere, por exemplo, também contempla essa atividade”.

Thais continua. “Uma vez dentro da sala de cinema, já no assento escolhido, assistimos aos trailers de outros filmes em cartaz, aos avisos de segurança e, mais recentemente, notícias do setor cultural. Note que é só então que o filme começa. Ou seja, para que os cinemas realmente ofereçam uma experiência de autonomia completa à pessoa com deficiência, todos esses passos devem ser pensados de maneira acessível e inclusiva. Já ouvi muitos relatos de pessoas que só foram até a metade dessa experiência por encontrar uma barreira limitante no meio caminho, como uma bilheteria virtual não acessível. Hoje o foco está em acessibilizar o filme e disponibilizar aparelhos para a fruição individual, mas a experiência é muito mais ampla do que isso”.

A Audiodescrição e a Ancine

A Agência Nacional do Cinema, Ancine, redigiu e viabilizou a Instrução Normativa 128, baseada na Lei Brasileira de Inclusão, de 6 de Julho de 2015, que garante às pessoas com deficiência o direito ao acesso à cultura, em igualdade de oportunidades com quem não tem deficiências, inclusive no cinema. “Apesar da Instrução Normativa ser datada de 13 de setembro de 2016, houve pouca efetividade na sua instauração. Após muitas idas e vindas e um grande rebuliço no mercado audiovisual, poucas pessoas sabem da existência desse documento, inclusive pessoas com deficiência”, declara Thais.

Na sequência, a consultora explica os movimentos na legislação atual para o alcance em audiodescrição. “Em 29 de setembro deste ano, foi publicada a Instrução Normativa 165, que sobrescreve os textos dos documentos anteriores relacionados à acessibilidade nos cinemas. As ações ali propostas são, sem dúvida, um retrocesso para a inclusão. Algumas exigências foram flexibilizadas, como a quantidade mínima de equipamentos por sala, e o âmago da fruição, que até então era em modalidade individual e fechada, foi colocado em questão. Por outro lado, propõe-se a reabertura da Câmara Técnica, que é composta por profissionais do mercado, para discutir e planejar os próximos passos dessa ação. Torço para que convidem pessoas com deficiência para esses encontros, o que não aconteceu até o momento”.

Para Edgar Jacques, há três elementos indispensáveis para uma boa audiodescrição, que enriquece a experiência do consumidor do recurso. “Eu olho para três pilares. Se está formando uma imagem viva, se está respeitando a inteligência de quem está recebendo e se ela está sendo atenciosa com a obra que está descrevendo”.

Apesar de todas as dificuldades no acesso ao recurso, a audiodescrição é um direito garantido por lei aos cegos e a todas as pessoas que necessitam dela, não é um favor, mas um recurso regulamentado. Os especialistas concordam que é muito importante que o direito de acesso à cultura, como descrito na Lei Brasileira de Inclusão, alcance todos os filmes, séries e obras que o consumidor queira ver, não uma pequena variedade de produções atuais.

Rosa Matsushita enfatiza que a audiodescrição traz à tona a importância do respeito e das individualidades de cada um. “É importante entender que nós não somos iguais. Somos todos diferentes. Independente de termos ou não alguma deficiência, temos que ser respeitados pessoalmente. O recurso da audiodescrição trouxe a inclusão, principalmente da pessoa cega nos espaços públicos, na escola, no entretenimento, nas eleições. E o importante é entender que qualidade é fundamental, sempre se respeitando a inteligência e o poder dos usuários de pensar, opinar e decidir”.

Você certamente já deve ter visto no canto inferior do seu televisor um ícone que de vez em quando aparece quando alguma obra é transmitida. Nele, surge escrita a palavra “Audiodescrição” ou provavelmente viu o termo no guia de instruções de algum aparelho eletrônico. Mas afinal de contas, o que ele significa? É um recurso de acessibilidade que traduz imagens em palavras para pessoas com deficiência visual, intelectual, autistas, disléxicos, idosos e quem quiser experimentar, fazendo com que esse público possa ter o entendimento de qualquer produto, seja uma série, um filme, um conteúdo escolar ou profissional realizado em igualdade de oportunidades como para quem enxerga.

Em caráter informal, a Audiodescrição sempre existiu, nas palavras de Joel Snyder, presidente da Associação de Audiodescrição nos Estados Unidos “É simples como alguém dizendo a outra pessoa o que aconteceu ou como algo é, sem alguém ter acesso àquilo, porque ela não estava lá ou estava em outro lugar”. Entretanto, formalmente, o recurso foi citado pela primeira vez em 1975, na Califórnia, Estados Unidos, e em 1981 foi a primeira vez que uma prestação de serviço oficial da ferramenta foi realizada, em Washington, DC.

E como essa tradução de imagens funciona em produções como séries e filmes? A jornalista e audiodescritora Rosa Matsushita explica como é o processo de elaboração do roteiro para obras artísticas. “Nós temos três profissionais em audiodescrição: o roteirista, que realiza a tradução das imagens, transformando-as em palavras, o consultor, que valida o roteiro e é uma pessoa cega e o locutor ou narrador, que transforma esse roteiro em áudio. Há muitas diretrizes a serem seguidas. O tempo que se investe para fazer um roteiro de um filme de duas horas, é de cerca de quatro a sete dias, dependendo da experiência do roteirista”, explica Rosa.

A consultora de acessibilidade Thais Ortega pontua por quais caminhos passa a audiodescrição antes dela ficar pronta até o consumidor final. Há várias etapas, compostas por elementos fundamentais para a composição de um bom trabalho. “A audiodescrição é um processo de tradução intersemiótica que converte imagens em sons. Para que esse processo se realize, contamos com diferentes profissionais: a pessoa que fará o roteiro em texto, a pessoa que fará a consultoria - que é uma espécie de revisão feita por uma pessoa cega ou com deficiência visual que tenha estudado a Audiodescrição, - o profissional que fará a locução, e aqui também entra a pessoa que fará a captação e edição do áudio e, por último, a pessoa que fará a revisão técnica do produto final”.

A consultora continua dizendo que essa tradução terá os elementos visuais que serão relevantes para o contexto da obra. “Informações de cenário, figurino, iluminação, movimento corporal das personagens, entre outros. Tanto em filmes quanto em séries o processo é o mesmo, a única diferença é o tempo que se leva para cada tipo de conteúdo”, ensina Thais.

Cego desde os três anos, o consultor Edgar Jacques explica como é seu trabalho, parte fundamental da construção de um bom serviço, que também auxiliará outras pessoas cegas ou que precisam do recurso. “No audiovisual eu recebo a obra inteira sem a audiodescrição, depois, o roteiro separado em texto ou áudio da obra, junto com o trabalho editado em cima dessa gravação e então eu faço anotações indicando qual é a minutagem que tem alguma questão ou algum problema. Eu escrevo qual a questão e dou uma sugestão ou faço uma pergunta”, pontua.

O trabalho do consultor é sempre ter a perspectiva da pessoa com deficiência em cima desse recurso específico. Edgar continua explicando sobre o processo. “Existe a questão do ‘nada sobre nós sem nós’ e também a riqueza de efetividade. A pessoa que enxerga está sempre comparando aquilo que ela está vendo com o que ela está ouvindo, então ela não tem como se libertar desse suporte, desse apoio. O meu trabalho, enquanto pessoa que não enxerga, é dizer: ‘olha, estão se formando essas imagens, quais são aquelas que mais se aproximam da que você quer passar?’ E daí podemos chegar num texto com menos dubiedade, com mais clareza, mais vividez, exatidão, coerência e coesão”.

Existem duas linhas básicas de audiodescrição no Brasil. A interpretativa, que se pretende mais poética, usando recursos como adjetivos e classificações, e a empoderativa, que descreve as características das obras, dando ao consumidor a autonomia em construir as imagens e decidir sozinho quais sentimentos e elementos estão presentes na obra. “Eu sigo os ensinamentos do mestre Joel Snyder, um dos primeiros audiodescritores do mundo. Segundo ele, nós damos o poder de decisão, de entendimento à pessoa cega, quando nós não interpretamos ou não explicamos as imagens. Apenas as descrevemos, sem impor nenhuma opinião. Isso é muito difícil de fazer no início, porque nós interpretamos o tempo todo”, explica Rosa Matsushita.

O trabalho do locutor

Fundamental para o entendimento da Audiodescrição, o trabalho do locutor é dar autonomia ao cego. Foto: Pixabay

Ter a entonação certa e acompanhar o roteiro no mesmo ritmo da obra a ser audiodescrita é um dos desafios do narrador. O produtor musical, dublador e locutor Thonny Cavaglieri explica como é o processo. “O trabalho do locutor de audiodescrição, resumidamente falando, consiste em verbalizar um roteiro confeccionado por um profissional roteirista e atestado por um consultor. Essa verbalização pode ser gravada ou ao vivo. O mais importante e mais desafiador é fazer com que a locução esteja imersa na obra, acompanhe todas as nuances e sensações que o trabalho traz, sem tirar o protagonismo da própria produção. A locução não pode ser condutiva, mas sim reativa - em tempo real - ao que está acontecendo na obra e sempre com cuidado para que não chame mais atenção do que o necessário”, explica.

Thonny continua explicando quais as tecnologias disponíveis no mercado para a transmissão de audiodescrição. “Hoje temos diversos recursos dependendo da plataforma que a obra está inserida. Para televisão aberta, há uma obrigatoriedade de horas de conteúdo por semana e pra ouvir a audiodescrição é só selecionar nas guias de opções de áudio, ou acionar a tecla SAP do aparelho. Já nas plataformas de streaming, como Netflix, você tem a opção AD (abreviação de audiodescrição) ou DES”

Para recursos nas telonas, o locutor discorre sobre as alternativas. “Nos cinemas temos a tecnologia “Pro Access”, que é por transmissão em infravermelho e se conecta a um fone de ouvido. A pessoa com deficiência visual solicita na entrada. Nesse fone a locução de AD acontece sincronizada com o filme. No Youtube, Instagram e outras redes, geralmente as obras adaptadas são adicionadas a parte, isto é, para um mesmo título você tem um vídeo para videntes e outro com recursos de acessibilidade”.

Embora a audiodescrição exista e esteja disponível como uma ferramenta para que cegos e pessoas com outras deficiências possam consumir filmes, séries, entre outras obras com a mesma autonomia de pessoas que enxergam, a experiência completa de acessibilidade não se resume somente a assistir um filme. Thais Ortega pontua onde os recursos precisam começar. “Em uma sala de cinema, o suporte começa pela divulgação dos filmes em cartaz. Uma vez escolhido o filme, se consulta as sessões disponíveis, para então realizar a compra do ingresso. A locomoção até o espaço e também dentro do ambiente, da bilheteria à bomboniere, por exemplo, também contempla essa atividade”.

Thais continua. “Uma vez dentro da sala de cinema, já no assento escolhido, assistimos aos trailers de outros filmes em cartaz, aos avisos de segurança e, mais recentemente, notícias do setor cultural. Note que é só então que o filme começa. Ou seja, para que os cinemas realmente ofereçam uma experiência de autonomia completa à pessoa com deficiência, todos esses passos devem ser pensados de maneira acessível e inclusiva. Já ouvi muitos relatos de pessoas que só foram até a metade dessa experiência por encontrar uma barreira limitante no meio caminho, como uma bilheteria virtual não acessível. Hoje o foco está em acessibilizar o filme e disponibilizar aparelhos para a fruição individual, mas a experiência é muito mais ampla do que isso”.

A Audiodescrição e a Ancine

A Agência Nacional do Cinema, Ancine, redigiu e viabilizou a Instrução Normativa 128, baseada na Lei Brasileira de Inclusão, de 6 de Julho de 2015, que garante às pessoas com deficiência o direito ao acesso à cultura, em igualdade de oportunidades com quem não tem deficiências, inclusive no cinema. “Apesar da Instrução Normativa ser datada de 13 de setembro de 2016, houve pouca efetividade na sua instauração. Após muitas idas e vindas e um grande rebuliço no mercado audiovisual, poucas pessoas sabem da existência desse documento, inclusive pessoas com deficiência”, declara Thais.

Na sequência, a consultora explica os movimentos na legislação atual para o alcance em audiodescrição. “Em 29 de setembro deste ano, foi publicada a Instrução Normativa 165, que sobrescreve os textos dos documentos anteriores relacionados à acessibilidade nos cinemas. As ações ali propostas são, sem dúvida, um retrocesso para a inclusão. Algumas exigências foram flexibilizadas, como a quantidade mínima de equipamentos por sala, e o âmago da fruição, que até então era em modalidade individual e fechada, foi colocado em questão. Por outro lado, propõe-se a reabertura da Câmara Técnica, que é composta por profissionais do mercado, para discutir e planejar os próximos passos dessa ação. Torço para que convidem pessoas com deficiência para esses encontros, o que não aconteceu até o momento”.

Para Edgar Jacques, há três elementos indispensáveis para uma boa audiodescrição, que enriquece a experiência do consumidor do recurso. “Eu olho para três pilares. Se está formando uma imagem viva, se está respeitando a inteligência de quem está recebendo e se ela está sendo atenciosa com a obra que está descrevendo”.

Apesar de todas as dificuldades no acesso ao recurso, a audiodescrição é um direito garantido por lei aos cegos e a todas as pessoas que necessitam dela, não é um favor, mas um recurso regulamentado. Os especialistas concordam que é muito importante que o direito de acesso à cultura, como descrito na Lei Brasileira de Inclusão, alcance todos os filmes, séries e obras que o consumidor queira ver, não uma pequena variedade de produções atuais.

Rosa Matsushita enfatiza que a audiodescrição traz à tona a importância do respeito e das individualidades de cada um. “É importante entender que nós não somos iguais. Somos todos diferentes. Independente de termos ou não alguma deficiência, temos que ser respeitados pessoalmente. O recurso da audiodescrição trouxe a inclusão, principalmente da pessoa cega nos espaços públicos, na escola, no entretenimento, nas eleições. E o importante é entender que qualidade é fundamental, sempre se respeitando a inteligência e o poder dos usuários de pensar, opinar e decidir”.

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