A brisa que refresca os banhistas nas praias do Nordeste tem um potencial econômico ainda maior do que o de atrair turistas para a região. A velocidade dos ventos que sopram por ali tem a capacidade de gerar energia elétrica suficiente para atender mais da metade da necessidade energética do Brasil. Essa é a conclusão de um estudo conduzido por pesquisadores do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), órgão ligado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgado em dezembro. Usando dados do Atlas do Potencial Eólico Brasileiro, eles calcularam que em mais de 71 mil km² do território nacional ocorrem ventos com velocidade adequada para a geração de energia - a mais de 7 metros por segundo. A maior parte dessa área fica no litoral nordestino, em especial nos Estados voltados para o Hemisfério Norte, como Ceará e Rio Grande do Norte, mas há também pontos com bom vento no interior da Bahia e nas Regiões Sul e Sudeste. Segundo o físico Fernando Barros Martins, que coordenou o trabalho publicado na Revista Brasileira de Ensino de Física, se todo esse potencial fosse convertido, seria possível gerar cerca de 272 terawatts/hora (TWh) por ano de energia elétrica. Atualmente o consumo brasileiro está em cerca de 424 TWh/ano (dados referentes a 2006), a maior parte suprida por hidrelétricas. A energia gerada por vento responde por menos de 1%. Essa capacidade pode ser ainda maior, porque os cálculos levaram em consideração o uso de aerogeradores que captam o vento a 50 metros de altura. Novas torres já alcançam 120 metros. Quanto mais alto, mais vento. O uso modesto chama a atenção em um momento em que o Brasil enfrenta aumento da demanda por eletricidade e tende a "sujar" sua matriz. Por ser quase toda baseada em água, uma fonte renovável, a matriz brasileira é considerada limpa, pouco emissora de gases que provocam efeito estufa, como o CO2 eliminado pelos combustíveis fósseis, principais vilões do aquecimento global. Ocorre que, diante de uma maior necessidade, o País tem feito cada vez mais uso de termelétricas movidas a gás natural, que, apesar de menos poluente que o carvão mineral ou o diesel, ainda é um grande emissor de gás carbônico. O investimento em energia eólica, afirma Martins, seria particularmente interessante para diminuir a pressão pela construção de mais hidrelétricas (limpas, porém impactantes para o ambiente) ou mesmo termelétricas. "No Nordeste, isso é um problema nos períodos de seca prolongada. E justamente no período de menor chuva, durante o inverno e a primavera, é quando mais venta", explica. Ele defende que o momento de investir é agora, tanto por questões de segurança energética quanto por causa do aquecimento global. "Algumas estimativas falam em aumento de 3,5% por ano do consumo de energia no Brasil nos próximos anos. E em vários lugares o potencial hídrico já está quase esgotado." VENTO CONTRA ESTUFA Desde o início da década de 1990, o setor de energia eólica cresce em todo o mundo, com impulso maior nos últimos cinco anos, a partir do momento em que países desenvolvidos se comprometeram a reduzir emissões de gases-estufa. No final de 2006, a capacidade global instalada atingiu cerca de 74,2 mil megawatts (ou 0,074 terawatts), 20% maior que no ano anterior. Os países europeus são os mais entusiastas desse tipo de energia, com destaque para Alemanha, Inglaterra, Holanda, Noruega e Dinamarca, tradicionalmente movidos a termelétricas. Em dezembro, a União Europeia se comprometeu a reduzir, até 2020, 20% de suas emissões - na comparação com valores de 1990. Para atingir isso, deve, entre outras coisas, ter 20% de sua energia proveniente de fontes renováveis, o que deve aumentar ainda mais o investimento em eólica. Só a Alemanha anunciou planos de construir mais 30 usinas no mar até 2030, elevando sua capacidade eólica em mais 25 mil megawatts na ocasião. O grupo de Martins agora estuda quais serão os impactos das mudanças climáticas para a geração de energia eólica no Brasil. Ele afirma que os primeiros resultados já projetam um aumento da quantidade de ventos nas próximas décadas, mas essa é uma notícia a ser vista com cuidado. "Para as novas instalações será importante ter esses dados em mãos, porque se forem construídas para trabalhar com uma intensidade menor de ventos, o aumento pode prejudicar o investimento."