O Brasil há bom tempo segue a tendência internacional de ficar embasbacado com a estrutura e a ousadia administrativas dos grandes times europeus. Barcelona, Real Madrid, Manchester United, Bayern de Munique e tantos outros de quilate igual ou aproximado viraram modelos de gestão esportiva em todos os continentes. Movimentam fortunas em publicidade e transações, têm a nata dos craques, viraram marcas multinacionais. Arrebanham torcedores em todo canto do mundo. Nos deixam de queixo caído e com dor de cotovelo. Uma lindeza, não? Em muitos aspectos, sim. Em outros, a eles se aplica ditado que as vovós de antigamente diziam com sabedoria íntegra: por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento. Pode reparar que, vira e mexe, aparece falcatrua em que se meteu algum desses gigantes. Ou é venda acionária para bilionários nem sempre com atuação transparente, ou denúncia de sonegação fiscal, ou dirigente que se escafede do cargo para fugir da prisão, ou cartola que não se livra das grades. Ou, também, nebulosos acertos com atletas ou milhões de euros investidos em jogador meia boca. Sempre é embuste grosso, nada de mixaria.Um clube que parecia planar acima dessas miudezas e baixarias era o Barcelona. A instituição catalã despontava como um rochedo de honestidade, a ponto até de esnobar por décadas as ofertas para colocar anúncio na camisa. O uniforme era de fato um manto sagrado. O máximo de concessão que fez foi uma campanha beneficente para a Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância. De quebra, ainda esbanjou futebol extraordinário nos últimos anos.O Barça entrou na vala comum, como o Chelsea (há anos nas mãos de um russo fugido do país dele), como o PSG (pertence a xeiques ou outra cabeça coroada), como o Milan (há 30 anos joguete político de Berlusconi), como o Manchester City (já controlado por tailandês acusado de corrupção), como o Olympique Marselha (por pouco não desapareceu sob as marotagens de Bernard Tapie. A lista é longa.Pois veja você que, no espaço de meses, a fortaleza barcelonista foi abalada com a renúncia do presidente Sandro Rossell, que tentou, mas não explicou a diferença de 30 e tantos milhões de euros entre o que foi declarado para a contratação de Neymar e o dinheiro que de fato saiu dos cofres do clube. O amigo do ex da CBF saiu de fininho, sob o argumento de que ficara aborrecido. Na sequência, o clube pagou multa alta ao fisco espanhol.Mal a poeira assenta, na história com o "leão", e o Barcelona volta a chamar a atenção, de novo por motivo nada abonador. A Fifa o proibiu de ir ao mercado por um ano, como punição por transferências ilegais de menores de idade. Ou seja, fazia contratos com jovens promessas em fase oficialmente ainda não permitida. Quer dizer, se valia do poder de convencimento (com a perspectiva de sucesso e com dinheiro) para garantir que juvenis, juniores, dentes de leite se filiassem a suas "canteras" (os viveiros, as categorias inferiores).Alguém vai alegar que o Barcelona não é o único nem o primeiro a usar de tal expediente e ser flagrado por isso. De fato, não é. O Chelsea viveu fato semelhante temporadas atrás. Mas o precedente não alivia o comportamento do Barça. É agressivo, errado, como os de todos que agem de maneira semelhante. Os europeus, na ânsia e na ganância de descobrirem Messis, Ronaldos e Cristianos, apelam para a ignorância em busca de meninos. Sobretudo em regiões nas quais os talentos surgem com facilidade, na mesma proporção em que a vida deles não é fácil. Américas e África, mais especificamente. A rapaziada vira alvo vulnerável, num mercado de vale-tudo. A Fifa sempre ensaia combater esse tipo de tráfico, mas dá passos lentos. Assim como federações e governos se movem a passo de lesma. Chegará o tempo em que haverá contratos ainda no ventre materno, desde que exames pré-natais detectem craques em potencial.